Homologação da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol encerra disputa política
Depois de mais de trinta anos de resistência e organização, os povos Makuxi, Ingarikó, Taurepang, Wapichana e Pantamona comemoram a assinatura do decreto presidencial de homologação da demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. O Estado brasileiro dá, assim, seu primeiro passo para restabelecer o verdadeiro respeito à vida destes povos.
O Cimi considera que a conclusão dessa fase da luta política em prol da afirmação dos direitos constitucionais dos povos indígenas em Roraima ocorreu em razão da firme, justa e determinada posição dos indígenas, articulados no Conselho Indígena de Roraima (CIR), que conduz a resistência desses povos.
A homologação firmada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva na tarde de hoje resolve disputas e questionamentos políticos contra o reconhecimento dessa terra.
No entanto, esse ato poderia ter ocorrido durante todo o ano de 2003, quando não existia qualquer impedimento judicial.
A demora para a homologação de Raposa Serra do Sol contribuiu para o recrudescimento das pressões e reações contra a homologação, contra os povos indígenas, contra o Conselho Indígena de Roraima e seus aliados no Governo Federal e na sociedade. As reações atingiram também a Igreja Católica que, por intermédio da Diocese de Roraima, sempre manteve seu irrestrito e incondicional apoio aos direitos dos povos indígenas em Roraima, especialmente nas figuras de Dom Aldo Mongiano e Dom Aparecido José Dias.
As reações na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, os questionamentos de setores das forças armadas e de lideranças políticas e empresariais, traduziram-se em demandas judiciais que – no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, no ano de 2004 e no início de 2005 – levaram a decisões do Poder Judiciário que impediam a homologação.
Nesse contexto, a Reclamação 2833/04, que permitiu a superação do problema no Supremo Tribunal Federal, foi uma solução processual proposta pelo Procurador Geral da República, por sugestão da Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos e Interesses dos Povos Indígenas na Procuradoria Geral da República, com o apoio do Cimi desde sua formulação inicial.
A Portaria n° 534, de 13 de abril de 2005, do Ministro da Justiça, contribuiu para que o Supremo extinguisse a Ação Popular de 1998, eliminando os obstáculos para a homologação.
Entretanto, esta nova Portaria só foi viabilizada porque o governo federal aceitou parte das críticas que os adversários dos povos indígenas faziam à Portaria anterior. Em especial, a nova Portaria fez com que fossem mantidos o núcleo urbano do município de Uiramutã, criado quatro anos depois da conclusão da identificação da terra indígena, pela Funai. Manteve também as estradas e o Parque Nacional do Monte Roraima, que traz à terra Raposa Serra do Sol a questão da superposição de unidades de conservação (UC) em terra indígenas. Para o Cimi, o tema da superposição de UCs em terras indígenas precisa, ainda, ser melhor regulamentado.
O Cimi reitera também seu entendimento de que a presença de bases militares em terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas (com base no Decreto 4412/2004) é parcialmente inconstitucional.
O Cimi externa ainda seus cumprimentos ao esforço implementado pelo Presidente do Incra e pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário, sem os quais as medidas administrativas que viabilizarão o reassentamento dos ocupantes não-índios da terra indígena não seriam efetivadas, com respeito aos princípios e normas que orientam a administração pública.
A homologação da demarcação de Raposa Serra do Sol abre, enfim, a possibilidade de superação dos conflitos em Roraima.
Mais uma vez, congratulamos os povos indígenas em Roraima e o CIR por sua postura firme e conseqüente na condução de toda a sua luta, permeada por momentos de sofrimento e angústia, durante os mais de 30 anos de organização pela demarcação da Terra indígena Raposa Serra do Sol.
Brasília, 15 de abril de 2005.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi