14/04/2005

Informe nº 659

 


 


SÓ ESTE ANO, MATO GROSSO DO SUL  TEVE 19 MORTES DE INDÍGENAS EM SITUAÇÕES VIOLENTAS


 


Foram noticiadas, entre os dias 12 e 13 de março, três mortes violentas de indígenas Guarani-Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul. Entre janeiro e março de 2005, seis assassinatos e dez suicídios foram publicados nos jornais daquele estado, de acordo com um levantamento realizado pelo Cimi. No total, foram 19 mortes. De janeiro a abril houve também 28 crianças indígenas que faleceram por problemas de saúde, em geral como conseqüência de desnutrição.


           
“O número de casos de violência no Mato Grosso do Sul é alto e o tipo de ocorrências é mais diversificado do que em outras regiões do país. São assassinatos, suicídios, mortes por atropelamento em estradas que cortam as terras indígenas. Há também violência sexual, os casos de desnutrição e um alto índice de alcoolismo, que é uma violência porque é provocado pela forma de contato [entre indígenas e a sociedade envolvente]”, analisa a advogada Rosane Lacerda, que acompanha os casos de violência contra indígenas no Brasil.


           
Uma das mortes desta semana foi causada por atropelamento. O responsável pelo acidente não prestou socorro à vítima, um professor de 30 anos que vivia na aldeia Sucuriy e cursava Pedagogia na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Outro indígena, de 32 anos, foi esfaqueado na aldeia Bororó, em Dourados. O terceiro caso noticiado dava conta da morte de um indígena de 22 anos que foi encontrado enforcado em Ñande Ru Marangatu, recentemente homologada.


           
Em relação a Ñande Ru Marangatu, o coordenador do Cimi no Mato Grosso do Sul, Egon Heck, avalia que “apesar da sinalização importante com a homologação da Ñande Ru Marangatu, mais de 90% da terra continua com os fazendeiros e a intranqüilidade ainda é uma constante nessa área”.


           
Os conflitos são decorrentes, direta ou indiretamente, da forma como se estabeleceu o contato naquela região, das condições em que os indígenas são forçados a viver e, portanto, da situação das terras indígenas no estado. “Quando um índio morre atropelado em uma rodovia que corta a terra indígena, isso está ligado à questão da terra, pois esta rodovia não foi construída porque os indígenas precisavam dela ali, mas para atender aos interesses econômicos do estado, de fazendeiros”, afirma Rosane Lacerda.


           
No Mato Grosso do Sul, povos diferentes convivem em espaços reduzidos de terra, onde o conflito aumenta ainda mais com o crescimento da população. As terras, que foram delimitadas sem que se respeitasse a extensão dos tekoha (territórios tradicionais) Guarani, estão próximas às cidades, invadidas por estradas, sem espaço para o desenvolvimento da forma tradicional de organização social e econômica dos Guarani. “Sem espaço para plantar, homens jovens e adultos trabalham nas usinas de álcool e cana, ausentam-se da vida em comunidade e, quando voltam, trazem todas as mazelas da convivência nas usinas”, afirma a advogada. 


           


Terra: a questão crucial


Na Aty Guasu, a Grande Reunião dos Guarani,  realizada no final do mês passado, os representantes indígenas apontaram 32 situações de conflito por terras indígenas Guarani-Kaiowá no sul do Mato Grosso do Sul. Com uma população de mais de 30 mil pessoas, eles vivem em menos de 20 mil hectares de terra. Apesar de existirem vários processos de regularização em andamento, a maior parte das 40 terras indígenas desse povo continuam em poder dos fazendeiros, produzindo soja para a exportação.


 


 


Terra Yvy Katu: mais uma expulsão anunciada


Apesar de todo este contexto, mais um pedido para a retirada dos Guarani de áreas retomadas no MS foi aceito pela Justiça Federal, em segunda instância. O Tribunal Regional Federal da 3a. Região deu um prazo de 15 dias a partir da data em que Funai e órgãos responsáveis receberem a notificação da decisão, para que sejam desocupadas as três fazendas retomadas pelos indígenas em 2004, localizadas no município de Japorã, a 427 km de Campo Grande. Segundo a Justiça Federal em Naviraí, a notificação foi enviada pelo correio na sexta-feira (8).


 


Fome e água contaminada



Enquanto terras continuam sendo negadas a indígenas pela Justiça Federal, nas aldeias de Dourados, onde 11 mil indígenas se concentram em 3500 hectares. Ali, além da falta de espaço para produção, a contaminação da água disponível para o consumo dos indígenas vem sendo apontada como uma das causas para a dificuldade de recuperação das crianças.



De acordo com o coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Mato Grosso do Sul, Gaspar Hickman, “muitas vezes os indígenas têm leite em pó mas não têm água potável para dissolvê-lo”.



Desde o início do ano, a Funasa afirmava que 100% das aldeias do MS possui rede de abastecimento de água. No entanto, dados da própria Fundação também apresentavam que nas aldeias Bororó e Jaguapiru, na terra indígena Dourados, apenas  46% (914 das 1983 casas) têm ligação de rede domiciliar. Segundo a Funasa, uma verba de R$ 400 mil foi disponibilizada no final de 2004 para melhorar o abastecimento de água na aldeia de Bororó, em Dourados. As obras teriam começado no início de 2005.



Ontem (14) foi anunciado pela Funasa e pela Unicef um investimento de cerca de R$ 260 mil para saneamento básico nas aldeias de Dourados. A Funasa disponibilizou outros R$ 4,1 milhões para levar água e estrutura de saneamento domiciliar para três aldeias do MS.



Desde o início da divulgação das mortes das crianças, foram criadas comissões especiais no município de Dourados, na Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para avaliar e propor alternativas para a situação no Mato Grosso do Sul.  Fizeram-se inúmeras campanhas de arrecadação de alimentos, além de parcerias com o Exército Brasileiro e com a Pastoral da Criança.  “Estas iniciativas, às vezes desconexas, não têm conseguido alterar substancialmente a situação em que vive esta população. Não estão sendo tomadas as urgentes e necessárias medidas com relação ao reconhecimento das terras indígenas e a reestruturação da economia indígena, particularmente na produção de alimentos e a recuperação ambiental”, avalia Heck.


 


 

Fonte: Cimi
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