Nota à Opinião Pública
Nós, povo Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue, localizada no município de Chapecó, SC, vimos, por meio desta, denunciar as arbitrariedades cometidas por policiais federais no último dia 21 de março no interior de nossa aldeia.
Esclarecemos que a nossa terra foi-nos roubada por empresas colonizadoras, a mando do Estado Catarinense, em meados do século XX. A maioria de nossos antepassados foi expulso de sua terra tendo sido queimadas as suas residências. Os poucos que restaram no local passaram a trabalhar como agregados e peões dos colonos ali instalados.
Na década de 1980, passamos a reivindicar o direito à posse de nossas terras tradicionais. Desde então, novos e sérios conflitos vêm ocorrendo no local. Mesmo assim, conseguimos retomar e regularizar uma parte de nossa área, 988 hectares. O processo administrativo que visa regularizar outros 975 hectares está paralisado desde março de 2004 devido a uma liminar concedida pelo juiz federal da 1ª Vara Federal de Chapecó, Roberto Fernandes Junior, que suspendeu os efeitos da Portaria 1535 de 18 de novembro de 2002, que declarou a tradicionalidade de nossa terra. Há um ano aguardamos, pacientes, por uma decisão da 4ª Região do Tribunal Federal de Porto Alegre sobre o caso.
Há duas décadas vínhamos, como muita luta, recuperando ao menos parte do que nos foi roubado. Nestes dois últimos anos, porém, voltamos a ser desrespeitados, perseguidos, acusados e, agora, presos, por ação das forças do Estado Brasileiro.
Esse tipo de ação culminou, na tarde de segunda-feira, 21, com a inesperada e desrespeitosa invasão da Polícia Federal em nossa Terra e em nossas residências. Mais de vinte agentes federais em cinco viaturas espalharam medo e espanto em nossas famílias e, principalmente, em nossas crianças. Primeiramente, os policiais federais foram até a casa de nosso líder, Idalino Fernandes, que encontrava-se reunido com outras lideranças de nossa aldeia. Os policiais chegaram dando chutes e ordenando que todos se colocassem, imóveis, na parede da casa. Todos foram revistados. Enquanto isso, alguns policiais esbravejavam frases de cunho racista e preconceituoso, chamando nossos líderes, especialmente a Idalino, de “negro sujo, vagabundo”, “tropa de vadio”, “nem índio você é”, “vocês estão que nem os sem terra”. Nossos líderes ouviram tudo sem esboçar qualquer tipo de reação. Então, os policiais invadiram a casa de Idalino e encontraram um espingarda calibre 32, que o mesmo havia retido, horas antes, de um Kaingang que descumprira as leis internas de nossa comunidade. Idalino já havia comunicado e pedido para que a Funai fosse buscar a referida arma. Mesmo assim, Idalino foi preso e conduzido forçosamente pelos policiais.
Em seguida, invadiram outras três residências. Numa delas, ao não encontrarem arma alguma, trancaram a dona da casa e ameaçaram não soltá-la “enquanto não entregasse as armas”. Na casa de Romildo da Veiga, encontraram outra espingarda velha calibre 36 e também o conduziram preso.
Logo após, os agentes, com as cinco viaturas, pararam uma condução com cerca de vinte crianças, de três a seis anos de idade, que freqüentam a educação infantil na escola indígena, e ordenaram que as mesmas descessem imediatamente do veículo a fim de que eles pudessem revistar o mesmo. Isso causou medo e pânico nas crianças. Várias delas agarraram-se no motorista para não saírem do veículo. Algumas crianças não estão querendo retornar à escola devido ao temor de que a polícia volte a atacá-las.
Não podemos ficar calados diante de tanto desrespeito. Não temos direito às nossas terras? Não temos direitos aos nossos usos, costumes e leis? Não temos direito a vivermos e sermos tratados com dignidade? Que país e que governo é este que maltrata, persegue e prende seu povo usando subterfúgios, desculpas e violência?
Não temos palavras para manifestar nossa dor e nossa indignação, mas deixamos claro que não nos abateremos, nem nos intimidaremos com este tipo de ameaça e perseguição. Continuaremos lutando por nossos direitos e pelo futuro de nosso povo.
Terra Indígena Toldo Chimbangue, SC, março de 2005