28/03/2005

Os Terena, indígenas conhecidos como povo agricultor, também lutam por terra para plantar no Mato Grosso do Sul

Nos últimos três dias de viagem, passamos a visitar terras dos Terena, povo que tem a segunda maior população indígena do Mato Grosso do Sul.


 


Conhecer um novo povo significa conhecer uma nova forma de organizar a vida. Conhecer novos povos requer que se faça um esforço para entender ainda outras lógicas, estruturas e estratégias de relação.


 


O povo Terena construiu uma forma bastante própria de relação com a sociedade envolvente: desde os mais velhos até as lideranças mais jovens, eles se orgulham de terem estudado. Em outros tempos, os Terena viam a educação como preparação para atuar na relação com os não índios e mesmo para entrar no mundo do trabalho da sociedade não indígena.


 


A estratégia de sobrevivência deste povo passa pela presença nos espaços onde se aplicam ou formulam políticas públicas ligadas aos Terena, como na Funai, e, mais recentemente, pela eleição de vereadores, incumbidos pelo povo de representá-lo no âmbito legislativo. Nas eleições de 2004, foram eleitos três vereadores Terena em municípios do Mato Grosso do Sul.


 


A educação também é forma de preparação para a luta pela terra e pela sobrevivência cultural do povo. Na terra indígena Nioaque (também chamada pelos indígenas de Brejão), por exemplo, 13 dos 19 professores indígenas têm curso superior. Quando visitamos esta terra, composta por quatro aldeias, 3029 hectares, e com população de 1980 pessoas, uma das discussões era sobre a substituição de professores indígenas por professores não indígenas que haviam passado em um concurso. A comunidade havia decidido que queria a permanência dos professores indígenas, porque experiências antigas com professores não índios foram problemáticas: entre os motivos, estavam o pouco conhecimento sobre a vida do povo e o grande número de faltas dos professores, que moravam na cidade e que muitas vezes tinham dificuldade de chegar na aldeia, separada da cidade de Sidrolância por 18 km de estrada de asfalto e mais 18 km de estrada de terra.


 


Os Terena buscam, atualmente, uma escola que, além de feita pelos indígenas, tenha currículos e projetos pedagógicos próprios, que ajudem a valorizar a cultura de seu povo. “Nossa língua praticamente se perdeu. Só os mais velhos falam”, conta o professor indígena Hamilton de Lima. Segundo o professor, todos os alunos Terena têm, uma vez por semana, aulas da língua de seu povo.


 


Terra e Agricultura


 


“O nosso meio de vida é a agricultura”, nos conta o cacique Nélio Marques, da aldeia Cachoeirinha.


 


Os Terena são conhecidos como um povo agricultor. No início do século, o Marechal Rondon, quando andou pela região que hoje é o Mato Grosso do Sul, levou indígenas Terena para outras partes do estado, porque queria que eles “ensinassem” aos outros povos da região este apreço pela agricultura.


 


Este povo participou da Guerra do Paraguai (1864–1870) e, quando os combatentes voltaram para suas terras, elas tinham sido tomadas pelos fazendeiros. Desde então, eles foram espalhados pelas fazendas da região, até que voltaram a se agrupar a partir do início do século 20, quando as reservas foram demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Para a sobrevivência, muitos indígenas continuaram trabalhando em fazendas ainda por um bom tempo.


 


Dionísio Miranda, de um senhor de mais de 80 anos, deitado na rede, nos contou sua história, que é a história de seu povo: “Cheguei em 1940. Nasci no município de Nioaque, numa fazenda. Meu pai trabalhava lá. Criei 12 filhos comendo cará, mamão, mandioca, milho, batata, tudo feito por nossas mãos. Eu e essa velha [ele aponta para a esposa], quando clareava o dia, íamos plantar lá no mato. A gente amanhecia na porta do mercado pra vender verduras, alho”.


 


Hoje muitos Terena vivem não só em fazendas, mas também nas cidades. A saída das terras indígenas é, muitas vezes, relacionada à densidade populacional das terras, que é alta.


 


“A terra está muito desgastada. A gente vem plantando há 20 anos sem rodízio, porque não tem espaço para isso. E não queremos usar a mata para fazer rodízio”, afirma o cacique Nélio Marques, da aldeia Cachoeirinha. O cacique nos conta também que sua terra tem 70% de mata preservada. Segundo os indígenas, parte desta vegetação é formada por caatinga.


 


Os Terena de Nioaque reivindicam uma nova demarcação da terra, já que a demarcação inicial, realizada pelo SPI no início do século, não inclui todo território que era tradicionalmente ocupado por aquele povo.  Para isso, é necessário que a Fundação Nacional do Índio (Funai) forme um Grupo Técnico para fazer um estudo antropológico e fundiário que identifique os limites da terra indígena.


 


Falta de terra, retomadas, reintegrações de posse: história se repete entre os Terena


 


A luta pela demarcação de terras indígenas acontece também em outra área do povo Terena, a terra Buriti, localizada entre os municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. Ali, os indígenas convivem com a tensão de estar na iminência de despejo das terras que retomaram em 2001.


 


Os Terena de Buriti enfrentam situação semelhante à dos Guarani-Kaiowá: uma população de 4.000 pessoas vivia em 2.090 hectares, e a necessidade de terras cultiváveis levou a um processo de retomadas, para que o povo pudesse utilizar locais que são de ocupação tradicional, mas que ficaram fora das terras demarcadas pelo SPI. Naquele momento, o SPI demarcou 10 terras Terena na região que hoje chamamos Mato Grosso do Sul.


 


Em áreas retomadas da terra indígena Buriti estão sendo cultivados arroz, milho, mandioca e algodão. Nas áreas antigas, a concentração da população já não deixa espaço para plantações além dos quintais das casas.


 


Ali, os indígenas enfrentam também as conseqüências do desmatamento de suas terras, que começou no final da década de 80, quando cresceu, na região, o uso das fazendas para a criação de gado. 


 


Disputa judicial e política


 


O relatório antropológico e fundiário da terra Buriti foi concluído em 2001 e identificou 17.200 hectares de ocupação tradicional indígena. O processo foi contestado judicialmente pelos fazendeiros e um novo Grupo de Trabalho foi criado, no âmbito da Justiça Federal, com participação de representantes dos fazendeiros na coleta de informações. O parecer deste segundo grupo manteve a identificação da área, com uma redução de 5% em relação ao primeiro estudo, de acordo com informações dos Terena de Buriti. Ainda assim, a Justiça Federal concedeu aos fazendeiros a reintegração de posse. A Polícia Federal estava pronta para realizar o despejo no início de março de 2005, mas uma decisão do Tribunal Regional Federal adiou a ação até dia 31 de março. Nesta decisão, o TRF indica também que, até este prazo, o Poder Executivo “equacione soluções, visando acomodar interesses de todas as partes, adotando política social” que responda à situação.


 


Priscila D. Carvalho


Assessoria de Imprensa do Cimi


Especial Mato Grosso do Sul


 

Fonte: Cimi - Assessoria de Imprensa
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