15/03/2005

Indígenas atingidos por barragens: Xokleng ocupam barragem em Santa Catarina contra omissão e descaso dos governos

Desde o dia 28 de fevereiro o povo Xokleng, que vive no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, tomou o controle da Barragem Norte e ameaça destruir os equipamentos caso os governos estadual e federal não cumpram os acordos firmados para indenização da comunidade pelos prejuízos causados pela obra.  


 


“Queremos que o governo cumpra os convênios firmados com o extinto DNOS e Funai em 1981, Protocolo de Intenções e o Projeto Ibirama, em 1992 e 1998”, reivindica a comunidade. Já se passaram 15 dias desde o início da ocupação e até o momento não há qualquer manifestação por parte dos órgãos responsáveis pela indenização.


 


Há ameaças de interferência policial e a comunidade diz que vai resistir a qualquer tentativa de retirá-los sem que o acordo seja cumprido. Além disso, na manhã do dia 8 de março, dois técnicos e um indígena que trabalhavam numa ponte, no limite da terra indígena, foram alvejados por disparo de arma de fogo. Há suspeitas de que os tiros partiram de pistoleiros a serviço dos invasores da terra indígena.


 


Fome


 


Os indígenas relatam que a situação da comunidade é de muita fome. “Somos um povo rico tradicionalmente, que vive na pobreza por falta de política justa”, afirmam em uma nota divulgada pela comunidade (veja a íntegra da nota abaixo). Segundo a nota, esta situação é criada por falta de condições de sobrevivência, porque vivem “cercados entre a barragem, empresários e colonos e pelo Ibama”, referindo-se aos empresários da madeira, à reserva florestal do Ibama e aos colonos que ocupam as terras Xokleng desde a década de 30.


 


Diante dessa grave situação, nós do Cimi Sul, Equipe Palhoça, viemos a público manifestar nossa indignação pelo descaso com que os governos estadual e federal vêm tratando esse povo indígena e exigimos que sejam retomadas imediatamente as obras previstas no convênio e especialmente seja implementado o programa de sustentabilidade previsto.


 


É urgente também o atendimento com alimentos para as mais de 300 famílias que passam fome. Alertamos que qualquer violência que vier a ocorrer no local é de responsabilidade da Funai e Governo do Estado de Santa Catarina.


 


Palhoça-SC, 10 de março de 2005.


 


Cimi Sul Equipe Palhoça


 


Histórico: Povo só conseguiu cumprimento dos acordos através de pressão


 


A Barragem Norte faz parte de um conjunto de obras construídas nas décadas 1970 e 1980 para evitar cheias no Rio Itajaí, que provocava alagamento em cidades como Blumenau.


 


A barragem foi construída, com autorização da Funai, dentro da terra indígena, ocupando praticamente toda a terra agricultável, especialmente as terras planas e férteis na beira do rio.


 


Foi a partir daquele momento – e com a anuência da Funai – que começou a venda da madeira existente no interior da terra indígena.


 


Desde os anos 80 têm sido assinados acordos com a Funai e com o Ministério da Integração Nacional para ressarcir os indígenas por parte dos danos causados pela obra, mas as determinações não chegam a ser cumpridas por inteiro.


 


O Convênio de 1981 (Convênio n° 029/81) entre a Funai e o extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), executor da barragem, e o Protocolo de Intenções assinado em 1987 entre os mesmos órgãos não foram cumpridos.


 


Por isso, em 1990 os Xokleng ocuparam a barragem e levaram a Secretaria de Desenvolvimento Regional, Funai e Governo do estado de SC a assinar um novo Protocolo de Intenções, ratificado em janeiro de 1992, que previa a construção de casas, benfeitorias, estrada e rede elétrica além da execução de um programa de sustentabilidade da comunidade indígena.


 


Até 1997 o protocolo não havia sido concretizado. A comunidade ocupou novamente a Barragem e controlou os comandos das comportas. O movimento levou à assinatura de um novo Convênio (Convênio n°041/98) entre o Governo do estado e o Ministério do Orçamento e Planejamento para a execução do Protocolo de Intenções.


 


Apenas uma parte das casas foi construída (cerca de 200 edificações). As demais obras não saíram do papel.


 


Conforme afirma o documento Xokleng, “a Barragem Norte afundou a esperança de nosso povo, (…) não somos contra a barragem, queremos apenas ser ressarcidos pelos prejuízos que esta nos causou”. Além dos prejuízos materiais provocados, já foram mais de 20 mortes por afogamento no lago. A última vítima foi Tchucaplê Kriri, de 27 anos morto na véspera do natal passado. Ocorre que o nível da água oscila conforme a chuva e, como as canoas são o único meio de passar entre as aldeias, os trocos de árvores causam acidentes.


 


Terra Indígena La Klanõ – Povo Xokleng


 



CARTA DE PROTESTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO EM BLUMENAU – SC E BRASÍLIA – DF, AP PRESIDENTE DA FUNAI, EM BRASÍLIA-DF, PREFEITOS DO ALTO VALE DO ITAJAÍ, IMPRENSA LOCAL, DEMAIS AUTORIDADES E A POPULAÇÃO EM GERAL.


 


CARTA PROTESTO


 


O povo indígena Xokleng vem através deste, expressar o descontentamento que sentem com o descaso, desrespeito e descriminação que vêm sofrendo por parte de autoridades, políticos e muitos outros da sociedade que nos cercam.


 


Somos um povo único no sul do Brasil, ou seja, em Santa Catarina, com uma história milenar e cultura própria herdado pelos nossos antepassados, caçadores e coletores nômades, que viviam no sul do Brasil, até que em 1912 foi titulada uma terra em nome do povo Xokleng, que foi reduzida em 1926, em esforço do governo do Estado de Santa Catarina e da 7ª Inspetoria Regional do SPI, regularizando assim a presença de intrusos, ocupando o território indígena. Antes o povo viva feliz, em contato com a terra, a nossa mãe natureza, mas foram obrigados a deixar seu habitat natural para entrar na chamada civilização. Tínhamos duas opções, se sujeitar ou sermos dizimados para sempre pelos chamados bugreiros, que eram pagos mediante a apresentação da orelha dos indígenas mortos, conforme o livro Memória Visual, do autor Sílvio Coelho.


 


No dia 22 de setembro de 1914 foi o primeiro contato direto com os brancos, as margens do Rio Platê. Em 1961, o Governo Federal atendendo a reclamo da bancada catarinense, concebeu  o “Plano de contenção das enchentes do Vale do Itajaí”, através do  extinto Departamento nacional de Obras e Saneamento – DNOS, que quinze anos depois, na década de 70, teve início a polêmica Barragem Norte, que afundou a esperança de um povo.


 


Este é o motivo que leva o povo a lutar, fazer greves e manifestos, em busca de seus direitos garantidos na constituição federal. Não somos contra a barragem, queremos apenas ser ressarcidos pelos prejuízos que esta nos causou; queremos que o Governo cumpra os convênios firmados com o extinto DNOS e FUNAI em 1981, Protocolo e Intenções, e o Projeto Ibirama, em 1992 e 1998.


 


O centro da questão, a posse permanente não é individual, mas sim posse coletiva, não se trata de indivíduos, mas de povos, logo de terras indígenas, não se caracterizam como bens aos índios, mas sim como habitat de povos etnicamente diferenciados, sendo que o usufruto não lega apenas a esta geração, mas a todas que  se sucederão. E isto nos leva pedir encarecidamente as autoridades competentes a presença de técnicos para realizar o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) dos 856,527 ha, levado para 1.156,000 ha que estão afogados nas contenções de cheias da barragem, e os mais de 50 mortos, uns por afogamento, outros por epidemias causadas por impurezas  que pairam as margens do rio em época de enchentes. Enquanto que 1.078.642 (hum milhão e setenta e oito mil e seiscentos e quarenta e dois) residentes em mais de 50 (cinqüenta) municípios na micro-região do vale do Itajaí, são beneficiados, o povo indígena sofre perdas de seus entes queridos e sabemos que uma vida não tem preço. Não tivemos nem um benefício com esta obra, perdemos nosso habitat, perdas emocionais e sociais. Além dos vários integrantes do povo que saíram para a região urbana em busca de sobrevivência.


 


Estamos cercados, pela barragem, empresários e colonos e pelo Ibama, não podemos vender palmito, palanques, lenha e outros, como prevê a constituição federal, o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo.


 


Hoje este povo conta com 403 (quatrocentos e três) famílias, aproximadamente 2.000 (duas mil) pessoas, sendo que menos de 100 (cem) famílias são assalariadas, entre elas, agentes de saúde, professores, aposentados e funcionários da FUNAI. As demais famílias vivem a mercê da sorte. Somos um povo rico tradicionalmente, que vive na pobreza, por falta de política justa direcionada especificamente não só aos Xokleng, mas a todos os povos indígenas no Brasil ou será que temos que deixar nossas terras e ser mais um dos favelados nas capitais do País? Este fato intrigante leva-nos a pedir um recurso emergencial em moeda corrente do país, até ser negociado uma justa indenização e, conseqüentemente a demarcação de nossas terras. Pois, há anos que estamos lutando com o objetivo de sermos indenizados, esperamos que as autoridades competentes tomem as providências cabíveis para nossa situação e para termos o retorno das nossas solicitações.


 


José Boiteux, 09 de março de 2005.


 


Povo Indígena Xokleng


(seguem três páginas duplas, com assinaturas).


 

Fonte: Cimi - Regional Equipe Palhoça
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