06/03/2005

A morte das nossas crianças: a desnutrição e nossas terras

 


Nós, lideranças  da Comissão de Direitos Indígenas do Povo Kaiowá/Guarani, que vivemos no Mato Grosso do Sul, nos reunimos e conversamos sobre este assunto que está sendo discutido por toda a sociedade brasileira, a morte de crianças indígenas por causa da desnutrição. Estamos muito tristes com a morte de dezenas de nossas crianças nestes últimos meses. Ao mesmo tempo que agradecemos todo apoio e ajuda que estão procurando nos dar, nos sentimos indignados por não estarmos sendo ouvidos e respeitados em muitos aspectos do nosso jeito de ser e nossos direitos.


 


Na raiz desta situação está a falta de terra, que é conseqüência da história de roubo e destruição das nossos territórios tradicionais, da política de confinamento, da perda de nossa liberdade e até da perda da vontade de viver. Aqui no Mato Grosso do Sul, nós indígenas fomos sendo expulsos de nossas terras, assassinados para a entrada de gado e, depois, de grandes plantações monocultoras como a soja. Foi um processo de violência contra as pessoas e contra as nossas formas de vida. As matas, onde podíamos caçar, foram destruídas  pelos madeireiros e os tratores dos fazendeiros. Era lá que podíamos coletar alimentos como as frutas  o mel e a matéria prima para fazer nossas casas e utensílio.


 


As mortes e a desnutrição são resultado de muitos fatores. Entre eles, a perda da terra, que leva à desorganização da nossa economia, do nosso jeito de produzir, de nos alimentarmos e de organizarmos as nossas famílias.


 


Esse assunto não pode ser discutido como se fosse um problema simplesmente de “dar comida aos índios”. Também não se pode dizer que a responsabilidade das mortes é por causa da nossa cultura.. As soluções vão muito além da distribuição de alimentos e de cestas básicas. Nós éramos um povo livre que vivia com fartura. Hoje vivemos dependendo de assistencialismo do governo. Sentimos que esta política paternalista, que não nos dá condições de voltar a produzir nosso próprio alimento, é como uma arma engatilhada contra a nossa cabeça. Precisamos de condições para voltar a produzir nossas roças de mandioca, batata, cana, banana, cará, milho, feijão, arroz… Necessitamos de apoio para a recuperação das terras. Precisamos de nossas terras homologadas e livres dos invasores.


 


Sem respeitar o que estabelecem a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT , ainda hoje as políticas públicas para os povos indígenas não levam em conta nosso jeito de ser, viver, pensar e nos organizar. As cestas básicas são entregues nas casas, sem se questionarem se o tipo de alimentos está adaptado aos nossos costumes.


 


Nós precisamos, especialmente,de terras homologadas  e respeitadas, sem invasores. Entre elas, estão as terras Nhande Ru Marangatu (município de Antônio João), Lima Campo (em Ponta Porá), Taquara (Juti) , Ivycatu (Japorã), Guyraroka (Caarapó), Kokueí (Ponta Porã), Sucuriy (Maracajú) assim como a revisão dos limites das pequenas áreas demarcadas pelo SPI no início do século passado. Além disso necessitamos de condições para voltar a fazer nossas roças , produzir alimentos e  para recuperar as terras enfraquecidas das aldeias antigas. Estas terras têm sido utilizadas sem descanso por causa da falta de outros espaços cultiváveis . Também precisamos de água limpa e potável nas aldeias,de estrutura de saneamento   e de atendimento médico diferenciado, respeitando nossas culturas.


 


Mas acima de tudo exigimos respeito e justiça. Não queremos ser mais uma vez objeto de caridade ou de projetos paternalistas. Temos o direto de ser diferentes e livres , de exercer nossa autonomia , sendo ouvidos  na estruturação de políticas para nossos povos.


 


Não somos um povo vencido, apesar de feridos, estamos confiantes em nossa sabedoria e acreditamos que um dia reconstruiremos a terra sem males.


 


Terra Indígena Caarapó, 5 de março de 2005.


 


Silvio Paulo, Anastácio Peralto,


Nito Nelson, José Bino Martins,


Ladio Veron, Rosalino Ortiz


 


Comissão de Direitos Indígenas Guarani Kaiowá

Fonte: Cimi
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