04/03/2005

CPT, CNBB e entidades denunciam acordo político entre Governo Federal e estado Pará

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Regional Norte II – e as entidades abaixo mencionadas apóiam o pedido da Procuradoria Geral da República (feito dia 3 ) para que “seja o incidente conhecido e deferido para que a investigação, o processamento, e o julgamento dos mandantes, intermediários e executores do assassinato da irmã Dorothy Stang aconteça na Justiça Federal”. Ao mesmo tempo, denunciam a articulação política, envolvendo o Governo Federal e o Governo do Estado, para manter o processo que apura o assassinato de Dorothy na justiça paraense.


 


A luta pela federalização dos crimes contra os direitos humanos no Pará não é recente. Essa discussão faz parte da pauta dos trabalhadores rurais, principais vítimas da violência no campo paraense, e é ensejo das entidades de defesa dos direitos humanos.



A pergunta óbvia que se faz quando se discute essa temática é: quais as razões que justificam a federalização no Pará? Em primeiro lugar, pode-se dizer que o índice de violência é tão alarmante, quanto os números da impunidade. Centenas de trabalhadores rurais foram vítimas da problemática agrária e mais de 90% dos casos nem chegaram a julgamento. Em apenas 5 municípios do Estado, a impunidade em relação aos crimes no campo não atinge 100%. A responsabilidade pela impunidade reinante é do Poder Judiciário paraense.


 


Nos últimos 33 anos foram 772 assassinatos, com a realização de apenas três julgamentos de mandantes dos crimes. O caso exemplar de Expedito Ribeiro, que o condenado, Jerônimo Alves de Amorim, cumpre, lamentavelmente, a sentença em prisão domiciliar, em sua luxuosa residência em Goiânia. O caso do julgamento dos mandantes do assassinato de João Canuto, que apesar de condenados, há dois anos respondem os recursos em liberdade e o processo ainda continua na presidência do Tribunal. E o caso de Eldorado do Carajás onde apenas os dois comandantes da operação foram condenados, Coronel Pantoja e o Major Oliveira, e presos no quartel da Polícia Militar de Belém.


 


Outro dado alarmante é o fato de que mesmo esses crimes onde ocorrem julgamentos, tais fatos só foram possíveis depois de longos anos de luta, pressão e denúncias das entidades de direitos humanos nacionais e internacionais. Isso mostra, claramente, a morosidade da justiça paraense, calcada em empecilhos nas comarcas do interior e da capital, onde a pressão do poder político e econômico, acaba influenciando no andamento dos processos e dos julgamentos.


 


Outros processos exemplares que apuram assassinato de lideranças e chacinas de trabalhadores rurais continuam parados nas comarcas do interior, sem qualquer previsão dos acusados irem a júri. Exemplo: assassinato do advogado Gabriel Pimenta em Marabá – 24 anos; chacina de 8 trabalhadores na Fazenda Ubá, em São João do Araguaia – 20 anos; chacina de 5 trabalhadores na Fazenda Princesa, em Marabá – 19 anos; assassinato do sindicalista Braz em Rio Maria – 15 anos; assassinato do sindicalista Arnaldo Delcídio em Eldorado – 12 anos; assassinato de Onalício Barros e Valetim Serra em Parauapebas – 7 anos. Se o Tribunal de Justiça do Pará promete levar o caso Dorothy a júri em seis meses, como explica o total abandono desses outros casos exemplares? Acrescente-se ainda que no processo de Expedito Ribeiro, três juízes abandonaram o caso e se negaram a presidir o júri. E, no caso Eldorado do Carajás, todos os juízes da Capital também se negaram a presidir o julgamento, alegando “razão de foro íntimo”.


 


É preciso também considerar que, caso o processo fique sob a responsabilidade da justiça paraense, irá tramitar na comarca de Pacajá, um pequeno município de difícil acesso, localizado à margem da Transamazônica, que sofre forte influência de  madeireiros e latifundiários.


 


Apesar do Governo Federal, através dos ministros Nilmário Miranda e Miguel Rosseto, ter se comprometido com os movimentos sociais e as entidades de direitos humanos em defender a federalização do crime que ceifou a vida da missionária e agente da CPT, Dorothy Stang, lamentavelmente, voltou atrás e se aliou ao Governo do Estado, em função de acordos de interesses políticos, para que o processo fique com a justiça paraense. Novamente o Governo Federal se coloca contra os interesses dos trabalhadores, das entidades de direitos humanos e, também, contraria a vontade primeira dos familiares de Dorothy Stang, manifestada pelo irmão, David Stang, em sua passagem pelo Brasil e da Congregação religiosa a que pertencia Dorothy.


 


A condução dos inquéritos policiais que investigam crimes no campo no Pará também deixa latente a necessidade de Federalização dos crimes ligados à posse da terra. Na maioria dos casos, os inquéritos feitos pela Polícia Civil são tão falhos que prejudicam os rumos do processo na Justiça. No caso do assassinato de Dorothy, ocorreram alguns fatos suspeitos, que evidenciaram tal preocupação. Um deles foi a divulgação, pela Polícia Civil, a partir do depoimento do pistoleiro Rayfran das Neves, de que Francisco de Assis, o Chiquinho do PT, era acusado de ser mandante do crime. Uma tentativa clara de tumultuar as investigações. Outro fato foi a conclusão do inquérito sem que a investigação sobre uma possível cadeia de mandantes do crime, tivesse sido concluída. 


 


O descaso do governo paraense com a segurança pública também deixa evidente a necessidade da federalização. Irmã Dorothy Stang por várias vezes solicitou segurança para os trabalhadores e lideranças que atuavam na luta pelos PDSs e que, seguidamente, eram ameaçados de morte por pistoleiros e grileiros, e a Secretaria de Segurança do Estado não tomou nenhuma iniciativa no sentido de evitar a violência e as mortes. Se o governo não tem interesse em prevenir e coibir a violência, qual o seu interesse em julgar seriamente os casos de mortes resultantes dessas ameaças?


 


Belém, 03 de março de 2005.


 


 


Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB Regional Norte II


 


Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará


 


Comissão Pastoral da Terra


Secretaria Nacional


 


Movimento Sem Terra – MST


 


FASE Pará


 


Conselho Indigenista Missionário – CIMI


 


Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA


 


Fórum da Amazônia Oriental – FAOR


 


Cáritas Norte II


 


Pastoral da Juventude


 

Fonte: CPT - Comissão Pastoral da Terra
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