17/02/2005

Informe nº 651

AÇÃO DA POLÍCIA DE PERNAMBUCO IMPEDE DEBATE SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO


 


Estava marcada para hoje (17) uma reunião sobre o projeto de transposição do Rio São Francisco, com a participação do Ministério da Integração Nacional, proponente do projeto, dos povos Truká e Tumbalalá, e da prefeitura do município de Cabrobó, situado a 630 km de Recife. O encontro, que aconteceria em Cabrobó, não ocorreu. Desde a manhã, a Polícia Militar de Pernambuco, através da Ciosac (Companhia Independente de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga), estava na ponte que fica entre a terra Truká e a cidade de Cabrobó, separadas pelo Rio São Francisco.


 


Segundo as lideranças indígenas e a prefeitura de Cabrobó, a polícia revistou e exigiu os documentos dos indígenas que tentavam chegar à cidade. A polícia só deixou o local depois da intervenção de um deputado estadual.


 


Na noite de ontem a TV Grande Rio, afiliada local da Rede Globo, veiculou reportagem dizendo que a reunião seria cancelada por falta de segurança. O cacique Truká, Aurivan dos Santos, afirma que “outros índios que estavam no local onde aconteceria a reunião disseram que também lá tinha muitos policiais”. Para a liderança Truká, “o que eles querem é criar a imagem de que o povo está sendo intransigente. Mas nós queremos fazer o debate”. 


 


Os cerca de 250 indígenas que iriam à reunião decidiram não ir até a cidade. Em solidariedade a prefeitura de Cabrobó optou por cancelar o encontro. 


 


Os indígenas questionam o fato de não terem sido formalmente consultados pelo governo federal sobre a realização do projeto. O receio dos indígenas em relação às grandes obras vem dos impactos causados pelas barragens construídas no Rio, especialmente as de Sobradinho, Xingo e Itaparica. “Elas fizeram com que desaparecessem do Rio mais de 20 espécies de peixes, e também aves e plantas medicinais. Na época do meu avô, quando não se tinha barragem, a gente vivia praticamente só de pesca, de cana-de-açúcar, de macaxeira e de batata. Como a gente perdeu isso, tivemos que nos adaptar à agricultura. Se essa transposição vier a acontecer, mais uma vez a gente vai ter que se adaptar. Nossa preocupação é que nossos filhos não sofram o impacto que a gente já sofreu”, afirma o cacique Truká.


 


O povo Tumbalá, com cerca de 3000 indígenas que vivem na margem esquerda do Rio São Francisco, no estado da Bahia, não foi citado no relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentado pelo Ministério da Integração Nacional (MI). Representantes dos Tumbalalá estiveram nas audiências públicas de Salvador, Bahia e de Salgueiro, em Pernambuco. A liderança Maria José Tumbalalá conta que, antes das barragens, a agricultura praticada pelo seu povo era baseada na sazonalidade do Rio, que adubava as terras de suas margens nos períodos de enchente. “As enchentes adubavam as terras. Quando a água baixava, a gente plantava mandioca, farinha e goma, cana-de-açúcar, produzia mel, batata doce. Depois que a barragem de Sobradinho prendeu a água, não tem mais enchente, ficou só a erosão”, afirma Maria José. “A nossa economia era baseada nessa agricultura. Hoje quase não se planta porque o povo não pode pagar energia para alimentar uma bomba elétrica, nem comprar motor”, complementa.


 


Os indígenas questionam também o discurso do (MI), que afirma que as ações de revitalização do Rio já estão sendo encaminhadas. “Queremos que eles nos mostrem onde foi feita a revitalização, porque a gente não viu nenhuma obra de saneamento em Cabrobó”, afirma Maria José.


 


Segundo a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades, responsável pela aprovação de projetos de saneamento e pelo controle das verbas que têm sido divulgadas como destinadas à revitalização do São Francisco, não há nenhuma verba prevista para saneamento no município de Cabrobó. Para a cidade de Salgueiro, que fica na mesma região, há previsão de investimentos de R$ 150.000,00 para o esgotamento sanitário de uma única rua. A solicitação existe desde 2003.


 


Os indígenas afirmam que a retirada de água poderá secar uma das pernas do Rio que margeia a Ilha de Assunção, chamada por eles de Rio Pequeno.


 


A licença para a realização de um projeto como este precisa ser aprovada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O órgão marcou oito audiências em diferentes cidades do Nordeste e no Estado de Minas Gerais. Quatro delas foram realizadas e outras quatro não aconteceram, sob protestos de grupos descontentes com a forma como o processo tem sido conduzido pelos órgãos federais.


 


De acordo com a assessoria de imprensa do MI, a legislação brasileira determina que seja realizada pelo menos uma audiência pública preliminar à análise do licenciamento prévio ambiental. Agora, cabe ao Ibama decidir se serão marcadas novas audiências ou se as que foram realizadas são suficientes para a decisão do órgão ambiental.


 


ASSEMBLÉIA DOS POVOS DE RORAIMA DIVULGA DOCUMENTO DO ENCONTRO


 


Lideranças dos povos Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Sapará, Wapichana, Wai Wai  e Yanomami estiveram reunidos entre os dias 12 e 15 de fevereiro para avaliar e  definir os rumos do movimento indígena de Roraima, durante a a 34ª Assembléia dos Povos Indígenas daquele Estado. Estavam representadas 186 comunidades indígenas e as organizações Associação dos Povos Indígenas de Roraima, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima, Organização dos Professores Indígenas de Roraima, TWM (Sociedade para Desenvolvimento Comunitário e Qualidade Ambiental dos Taurepang, Wapichana e Macuxi) e o Projeto São Marcos.


 


A assembléia abordou o respeito aos territórios indígenas em Roraima e, na declaração final do encontro (leia o documento na íntegra na página do Cimi) as lideranças reafirmam sua preocupação com avanço da ação dos grileiros e com declarações de autoridades sobre as negociações dos limites da Raposa/Serra do Sol. “Essas declarações causam espanto e apreensão, pois as terras indígenas são, por definição, indisponíveis e inalienáveis e, portanto, não podem ser objeto de negociação política, deixando os povos indígenas vulneráveis a pressões por parte dos que têm interesses na apropriação e na exploração dos recursos naturais que nelas existem. Direitos são para serem cumpridos!”, dizem.


 


O documento aborda também a ação de arrozeiros, que “continua e se amplia no interior da TI Raposa Serra do Sol, destruindo o solo e poluindo os rios com agrotóxicos”. No início de 2004 foi criado um Grupo de Trabalho, com a presença de órgãos federais e de organizações indígenas, para autuar infratores da legislação ambiental e tomar medidas contra a poluição, mas o grupo foi extinto sem que nenhuma medida tenha sido tomada. “A desmobilização desse grupo de trabalho, e a conseqüente paralisia dos órgãos de fiscalização ambiental, são fruto de um acordo espúrio entre o governo federal e setores políticos roraimenses ligados a esses arrozeiros”. O documento denuncia também que o lixo das vilas de Uiramutã, Pacaraima, Taiano e Cantá é depositado em terras indígenas ou no entorno delas. 


 


Saúde e Educação Escolar foram outros temas tratados, e o documento final apresenta encaminhamentos e exigências sobre cada um dos tópicos.


 


Além das definições políticas, a nova coordenação do Conselho Indígena de Roraima foi eleita. A coordenação será feita, nos próximos quatro anos, por Marinaldo Justino Trajano, da Maloca do Câmara, região do Baixo Coutinho da terra indígena Raposa Serra do Sol.


 


Brasília, 17 de fevereiro de 2005.


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


 

Fonte: Cimi - Assessoria de Imprensa
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