FSM 2005: Carta Denúncia dos Povos Indígenas do Brasil no Fórum Social Mundial 2005
Lula, a omissão vence a esperança!
Nós Povos Indígenas do Brasil participantes do Puxirum de Artes e Saberes Indígenas no V Fórum Social Mundial levantamos nossa voz para denunciar a continuidade do processo de colonização forçada que vem se reproduzindo nos dias atuais em nosso país.
Estamos cansados de enviar documentos e bater nas portas dos gabinetes governamentais sem que haja respostas para a solução dos graves problemas que enfrentamos.
Apesar de todo esforço de nossas comunidades, povos e organizações, persistem a omissão, o descaso e a morosidade do governo em garantir a demarcação de nossas terras.
Percebemos que a ganância e a exploração capitalistas têm mais importância no governo Lula do que a sobrevivência física e cultural dos nossos povos. Só assim se explica que apenas 11 terras indígenas tenham seus limites declarados nos últimos dois anos, a redução da terra indígena Baú do povo Kayapó, a não homologação da Raposa Serra do Sol em Roraima e a negociação política para redução de nossas terras em todo país alimentada pela criação de comissões envolvendo os interesses anti-indígenas locais e regionais. A demora no procedimento demarcatório das terras indígenas vem alimentando os conflitos, tal como acontece com a TI Monte Pascoal do Povo Pataxó (BA), um símbolo da luta indígena no país. É lamentável, sob todos os aspectos, a negação do direito à saúde e educação dos povos que ainda dependem do início do procedimento de demarcação de suas terras, a exemplo do que acontece com os povos resistentes do Nordeste. Busca-se, por interesse das mineradoras criar fatos, como a exploração garimpeira na terra Cinta Larga em Rondônia, para regulamentar a exploração mineral nas terras indígenas sem que haja a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas.
Constatamos que é cada vez mais freqüente nas decisões judiciais de diferentes Tribunais, a inversão de direitos para contemplar o interesse particular de invasores e de grupos econômicos e políticos interessados nas riquezas existentes nas terras indígenas. Foram muitas as liminares concedidas em favor de invasores e para a expulsão de indígenas de suas terras, como está acontecendo sistematicamente com o povo Guarani Kaiowá (MS) e com a construção de barragens na TI Rio Branco em Rondônia que compromete a sobrevivência de vários povos.
No Congresso Nacional, observamos que está em curso uma forte articulação política liderada pelas forças do agronegócio com o apoio de importantes setores governamentais para restringir os nossos direitos. São numerosas as propostas de emendas constitucionais e projetos de lei que visam suprimir os direitos indígenas principalmente em relação às terras e para o acesso aos recursos naturais. O mais recente é a proposta da comissão especial do Senado que através de seu relator Delcídio Amaral (PT/MS) apresentou o PLS 188, completamente inconstitucional, que tem o apoio do articulador político do governo Aldo Rebelo (PC do B). Esse projeto, entre outras coisas propõe retroceder os procedimentos de demarcação das terras indígenas que ainda não foram concluídos, para que seus limites possam ser negociados em função dos interesses econômicos e políticos representados no Senado Federal.
A conseqüência imediata dessa política, que em nome de um desenvolvimento excludente e depredador e que serve apenas para manter os níveis absurdos de consumo das elites, é a violência praticada contra nossos povos. Em 2003 e 2004, aproximadamente 50 índios foram assassinados, comunidades indígenas foram queimadas por arrozeiros, mulheres e crianças indígenas ameaçadas de morte e aliados seqüestrados em Roraima, crianças Xavantes morreram em acampamento de seu povo à beira da estrada, impedido de ocupar suas terras já demarcadas. E nesse início de ano de 2005 nos chega a preocupante informação do assassinato de 05 índios Djohum Djapá, no alto rio Jutaí, na região do Vale do Javari/AM, por madeireiros. Numerosas terras indígenas continuam invadidas de norte a sul do país. A discriminação ainda pode ser percebida em discursos políticos e ações de órgãos governamentais quando desconsideram o direito à diferença.
Isso pode ser constatado quando se nega o direito territorial indígena na faixa de fronteira, impondo a criação de núcleos urbanos não índios para a garantia da “soberania nacional”, quando se nega a identidade indígena dos povos resistentes e quando a atenção à educação e à saúde específica e diferenciada permanece somente no discurso.
É por tudo isso que a política indigenista nos últimos dois anos não sofreu nenhuma mudança substancial, mantendo seu viés integracionista, centralizador, repressivo e de caráter tutelar e nem o governo se dispôs a implementar as suas propostas contidas na carta compromisso do Lula com Povos Indígenas de implantar uma nova política indigenista em que houvesse uma ampla e efetiva participação dos povos indígenas e da sociedade civil construída através de um processo participativo com os índios e assumida em uma conferência indígena que seria realizada ainda no primeiro ano de governo.
Porto Alegre RS, 28 de janeiro de 2005.