Carta Guarani Kaiowa
Terra Indígena Ñanderu Marangatu,
Município Antônio João, Mato Grosso do Sul, 7 de Janeiro de 2005.
Em 1999, seguindo o que diz a lei dos brancos, o governo brasileiro enviou ao Município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, um grupo dirigido por um antropólogo para realizar uma pesquisa. A finalidade da pesquisa era dizer se a Terra Indígena Ñanderu Marangatu pertencia ou não à comunidade de índios Kaiowa. Se pertencia a nós ou aos fazendeiros. O relatório disse que sim. A terra nos pertence.
É difícil para nós entender porque estamos esperando fora da terra. A lei disse que a terra era nossa. A lei já mandou demarcar nossa terra. Desde 1998 estamos esperando numa área pequena de 26 ha. Em 2004, os marcos foram colocados e quem mandou colocar não foi gente pequena, foi o próprio Ministro da Justiça. E quem declarou, no Diário Oficial da União, que a terra era nossa foi um outro Ministro da Justiça.
Decidimos ocupar um pedacinho maior do que os 26 ha. Entramos numa parte da Fazenda Morro Alto. Quando o conflito pela terra começou, esse pedacinho era ocupado pelo Sr. Filhote Roldão. Esse fazendeiro, sabendo que a terra estava em conflito, vendeu-a para um senhor chamado Anatá. Quando este morreu, seu filho vendeu a fazenda para um tal de Altamir. Estamos fora de nossas terras há 50 anos. Esse último fazendeiro, que é de fora, vem, há pouco mais de um ano, plantar nas nossas terras. Não aceitamos. Por isso, no final do ano passado, ocupamos este pedacinho de terra que também é nosso. Ocupamos e plantamos. Não plantamos soja, porque índio nunca comeu soja. Plantamos mandioca, feijão, milho, batata, arroz, banana. Cada família plantou sua própria roça. Conseguimos adquirir as sementes com muito sacrifício e plantamos. O milho já está grande, a mandioca já está grande. Tudo já está ficando muito bonito.
Agora ficamos sabendo que um juiz mandou a gente sair. A Polícia Federal vai fazer o despejo da gente. Vai ser na próxima semana. Antes que eles façam, é bom que a imprensa filme e mostre como estava bonita a nossa roça. Estão querendo que a gente volte para nossos 26 ha antigos. Dizem que a polícia vem com trator destruir tudo. Nós queremos saber quem vai alimentar as nossas crianças. Os fazendeiros vão mandar caminhão com cesta? As crianças vão ficar desnutridas?
A gente quer avisar a polícia que daqui a gente não sai. Não sai mesmo. Que a gente não sai daqui vivo. Em vez de despejo é melhor matar a gente. A gente morre, morre pela nossa terra. Avisamos que tragam um trator, uma pá carregadeira. A gente fica esperando e eles cavam nossa sepultura. De mansinho, a gente não vai ver nosso patrício ser maltratado. A gente vai reagir. A gente não tem medo de defender nossa terra e lutar por nossa vida e pela sobrevivência dos nossos filhos.
Eu não tenho medo de morrer pela minha terra, por minha comunidade, por minha gente. Eu não digo isto porque falo bem português, eu falo isso por que sou índio. Se a justiça não faz nada, a gente vai fazer justiça. É assim, a luta nunca é fácil. Se o Governo não tem dinheiro para pagar pela nossa terra, então, a gente vai pagar com o nosso sangue.