09/12/2004

Delcídio e Genocídio

Lembramos bem da expressão dramática de um líder Kaingang, da terra indígena Nonoai, no Rio Grande do Sul, que, ao ver cada dia seu povo mais acuado e sofrendo toda sorte de pressões e violências, disse simplesmente aos brancos responsáveis por aquela situação: “olha, se quiserem continuar assim, nos matando devagarinho, é muito melhor vocês mandarem fazer uma vala bem grande, nos coloquem em frente, em fileira, nos fuzilem e enterrem aí”. Eram os idos de 1977, em pleno “milagre brasileiro”, quando a economia chegou a crescer em média 10% ao ano. No ano seguinte, os Guarani, da Terra Indígena Rio das Cobras, no Paraná, recobraram as forças e começaram a colocar centenas de invasores que tinham invadido a terra para fora. Foi o início do processo dos Kaingang e Guarani dos quatro estados do sul do país, de colocarem milhares de famílias de invasores para fora de suas terras demarcadas.


 


Estava também em curso nesta época a intenção do governo militar de resolver o “problema indígena”, acabando com os índios, ou seja, emancipando-os, o que significaria que eles deixariam de ser índios. E assim o problema estaria resolvido com uma canetada. E na verdade, o que se pretendia era não demarcar e garantir as terras indígenas, ao contrário, liberá-las para “atividades especulativas ou produtivas”. Quem estava à frente do processo era o general Rangel Reis. Os índios reagiram, mobilizaram-se. Em 1978 o projeto foi definitivamente supresso.


 


Passou-se um quarto de século, o mundo deu muitas voltas e a história parece se repetir. As terras indígenas ao invés de terem sido demarcadas e na posse dos índios continuam em grande parte, em poder de latifundiários, do agronegócio ou de pequenos produtores jogados sobre essas terras pela omissão ou atuação inescrupulosa de órgãos do governo. A situação, em muitas regiões é dramática, como é o caso do Mato Grosso do Sul. E é exatamente ali, que surge a nova investida contra as terras indígenas. O projeto de lei do senador Delcídio do Amaral e outros, é a nova versão do não reconhecimento das terras indígenas. Qualquer cidadão de bom senso consegue ver que a forma de tratar o reconhecimento das terras indígenas colocadas neste projeto de lei – nº 188 de 2004 – representa, na prática, o não reconhecimento do direito dos povos indígenas às suas terras, pois a maior parte das terras não tem seu processo de regularização concluído. E certamente não o terão caso esse projeto seja aprovado pelo Senado.


 


É importante lembrar que em julho deste ano, mais de setecentos indígenas se reuniram em Campo Grande, para debater e questionar o relatório da Comissão do Senado, que se transformou nesse projeto de lei. Naquela ocasião, o senador Delcídio se comprometeu a rever o relatório a partir dos questionamentos levantados pelos índios. Engodo. O relatório permaneceu o mesmo e agora ameaça se transformar em instrumento de cassação de terras indígenas em processo de regularização e impedimento de novas demarcações.


 



No tempo da ditadura e do dito milagre econômico, o projeto de emancipação foi chamado de genocídio. Agora com presidente do PT, governador do PT, o que dizer do projeto de lei do Delcídio, um senador do PT?


 


Brasília, 09 de dezembro de 2004.


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


Fonte: Cimi
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