02/12/2004

Informe nº. 642


CLÁUDIO FONTELLES E MARINA SILVA SE POSICIONAM PELA HOMOLOGAÇÃO CONTÍNUA DE RAPOSA SERRA DO SOL DURANTE SEMINÁRIO ORGANIZADO PELO CIR

 


“Há mais de 30 anos lutamos. Onde se encontram as autoridades para resolver o problema da demarcação, que já estava resolvido pelo Makunaíma?”. Em sua fala durante a abertura do seminário Makunaima Vive na Raposa/Serra do Sol, o tuxaua (cacique) Makuxi e coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Jacir José de Souza, demonstrou sua tristeza pela violência a qual seu povo vem sendo submetido, especialmente pelos atentados de 23 de novembro, quando 37 casas indígenas foram queimadas. Mas a liderança demonstrou também determinação em continuar na luta, e para isso resgatou dois momentos históricos para os povos de Raposa: o mito de Makunaima e a decisão “Ou Vai ou Racha”, tomada pela comunidade há 27 anos. “Raposa Serra do Sol contínua. Essa é a decisão. Não há outra. A decisão da comunidade é Ou Vai ou Racha”, disse.


 


Makunaima, que ficou conhecido principalmente depois do livro do modernista Mario de Andrade, é o herói mítico dos povos que vivem na terra hoje chamada de Raposa Serra do Sol.  Ele criou e deu nome aos lugares, às terras, às montanhas. “Makunaima escrevia e desenhava nas pedras. Andou Raposa Serra do Sol toda, fez o trabalho e deixou para seus netos. Depois veio a invasão, que não tem respeito, depois veio a história de demarcação”, conta Jacir.


 


A decisão conjunta das comunidades indígenas de se organizarem para lutar pela terra criada por Makunaima aconteceu em 1977 e fez com que eles estruturassem a luta pela terra e superassem os problemas de desagregação dos povos, entre eles a grande quantidade de indígenas que consumiam bebidas alcoólicas.


 


O Procurador Geral da República, Cláudio Fontelles, afirmou que questionará a decisão do poder executivo caso se faça a homologação descontínua de Raposa Serra do Sol. “Disse ao presidente Lula, olhando nos olhos, que questionarei qualquer decisão de demarcação descontínua no dia seguinte”. Fontelles considera que as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a tramitação de uma ação popular e de liminares concedidas por outras instâncias judiciais, são uma vitória para a disputa jurídica pela homologação contínua da terra indígena.


 


A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que trabalha “para o desfecho justo e correto desta causa, que é necessariamente a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol”. Marina Silva ressaltou a importância da manutenção da diversidade cultural do país, para que seja possível, hoje e no futuro, a troca entre as culturas. “Dor pior do que sentir saudade do passado é pensar que é possível sentir saudade do futuro, ao ver povos reais precisando de terra, de respeito, para sobreviverem. Precisamos dos diferentes”, disse.


 


O Seminário Makunaíma Vive na Raposa/Serra do Sol, realizado pelo Conselho Indígena de Roraima e pelo Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) acontece até sexta-feira, 3 de dezembro, na UnB, com mesas de debate e apresentação de danças e rituais indígenas, cantos de luta e de esperança e defumações de convidados e visitantes.


 


Os debates de hoje, dia 2, serão “O Meio Ambiente na RSS: realidades, dificuldades e desafios da gestão ambiental indígena” e “Economia e desenvolvimento Sustentável na Raposa Serra do Sol”.


 


Amanhã, dia 3, os temas serão “Territorialidade e Política”, com a presença de César Alvarez, da Secretaria Geral da Presidência da República e de Déborah Duprat, subprocuradora Geral da República. A última mesa será sobre “A Diversidade Cultural na RSS e os Direitos Humanos”, com a presença da  Secretária Nacional dos Direitos Humanos, do Secretário de Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Sérgio Mamberti, e de um representante do Cimi. Todos os debates acontecem a partir das 14 horas.


 


 


ENVOLVIDO NO ASSASSINATO DO CACIQUE CHICÃO XUKURU CONDENADO A 19 ANOS DE PRISÃO


 


O acusado de envolvimento no assassinato do cacique Chicão Xukuru, Rivaldo Cavalcanti de Siqueira, foi condenado a 19 anos de prisão em regime fechado por ter participado do crime como intermediário entre o fazendeiro mandante, José Cordeiro de Santana, e o autor dos disparos, José Libório Galindo. Siqueira é o único sobrevivente dos três nomes apontados pela Polícia Federal como envolvidos no assassinato do cacique.


 


Chicão Xukuru foi assassinado a tiros na manhã de 20 de maio de 1998, em Pesqueira, Pernambuco. O crime repercutiu nacional e internacionalmente, porque Chicão era referência nas lutas indígenas pelo  trabalho de reorganização política do povo Xukuru, hoje formado por 24 aldeias e cerca de nove mil índios.


 


Sua liderança nas retomadas das terras tradicionais Xukuru, então em mãos de fazendeiros de gado, e a crescente autonomia de seu povo, quebrando as antigas relações políticas e econômicas clientelistas dos indígenas com as oligarquias locais, atraíram a ira dos setores não-indígenas que sempre se beneficiaram das terras, da mão-de-obra e dos votos dos Xukuru.


 


Chicão começou a receber ameaças seis meses antes de ser morto.


 


No julgamento, o assassinato foi considerado crime de pistolagem, motivado por conflito de terra. “O crime foi uma tentativa de desmobilizar o povo em sua luta pela terra. Na sentença, o juiz deixou claro que a morte foi grave não só por ter sido um homicídio, mas porque levou ao acirramento dos conflitos entre índios e fazendeiros da região. Outros crimes contra os Xukuru que aconteceram depois do assassinato de Chicão vieram no contexto de impunidade que havia até hoje.”, afirma a advogada Rosane Lacerda, assistente de acusação do caso. “Essa decisão demonstra que os índios tinham razão ao defenderem que era um crime de pistolagem”, afirma.


 


Entre as hipóteses investigadas pela Polícia Federal, havia também as de crime passional e de disputa interna de poder. Ambas eram rejeitadas pelos indígenas desde o início das investigações. “Por anos a Polícia Federal pôs em dúvida a versão dos índios”, afirma Lacerda, que acredita que esta decisão terá reflexos nos julgamentos de outros crimes contra os Xukuru, entre eles o do assassinato de Chico Quelé e a emboscada contra Marcos Xukuru – filho de Chicão e atual cacique daquele povo -, que causou a morte de dois indígenas.


 


Esta é a primeira vez que a Justiça Federal de Pernambuco pune um acusado de participação em assassinato ligado a um povo indígena.


 


Brasília, 2 de dezembro de 2004

Fonte: Cimi - Assessoria de Imprensa
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