Caso Chicão Xukuru (PE): Júri Popular Federal está acontecendo em Caruaru
O julgamento de Rivaldo Cavalcanti de Siqueira, acusado de envolvimento no assassinato de Chicão Xukuru, cacique do povo Xukuru, acontece desde a manhã de hoje em Caruaru, Pernambuco.
As teses da defesa e da acusação são coincidentes ao considerarem o assassinato um “ crime de pistolagem”, que teria sido encomendado por José Cordeiro de Santana, conhecido como Zé de Riva, possuidor de vários imóveis no interior da terra indígena Xukuru.
Segundo membros do Cimi que acompanham o julgamento, a defesa de Rivaldo Cavalcanti de Siqueira alega que ele não teve participação no crime, mas que saberia que o autor dos disparos foi José Libório Galindo.
Galindo e Zé de Riva, mandante do crime, estão mortos (ver informações em Histórico, abaixo).
A defesa de José Libório Galindo começou no meio da tarde. A previsão é de que o julgamento dure até as 20 horas.
O Júri Popular é composto por sete jurados. O juiz federal Jorge Carvalho de Mendonça conduz a seção.
Há um grupo de indígenas dançando o Toré ( uma dança tradicional indígena difundida em muitos dos povos do Nordeste) em frente ao Fórum da Justiça Federal, em Caruaru. Os índios seguram faixas e distribuem panfletos para sensibilizar a população sobre o caso.
Histórico
Liderança indígena respeitada nacionalmente, o Cacique Chicão foi assassinado a tiros por um pistoleiro na manhã de 20 de maio de 1998, no Bairro Xucurus, cidade de Pesqueira, Pernambuco. O crime causou comoção e revolta no povo Xukuru e nos demais povos indígenas do Nordeste, chocou as entidades indigenistas e de Direitos Humanos e repercutiu nacional e internacionalmente.
Rivaldo Cavalcanti de Siqueira, também é conhecido como Riva de Alceu, é o único sobrevivente dos três nomes apontados pela Polícia Federal como envolvidos no assassinato do Cacique. O autor dos disparos, José Libório Galindo, foi assassinado no interior do Maranhão, onde estaria se escondendo. Em 08 de maio de 2002 o fazendeiro José Cordeiro de Santana, conhecido como Zé de Riva, possuidor de vários imóveis no interior da terra indígena, chegou a ser preso e indiciado como mandante do crime. Ele foi encontrado enforcado na carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Recife, 18 dias depois de sua prisão.
Riva de Alceu foi pronunciado em 30 de junho de 2003, pelo Juiz Federal Substituto da 4.ª Vara, em Recife, Sérgio Fiúza Tahim de Souza Brasil, que determinou o seu julgamento não como mandante nem como executor, mas como “partícipe” (Código Penal, art. 29) do crime de homicídio qualificado – mediante paga ou promessa de recompensa e por emboscada (Código Penal, art. 121, § 2.º, incisos IV e IV), cuja pena base vai dos 12 aos 30 anos de reclusão.
A luta do povo Xukuru
Francisco de Assis Araújo, o Chicão Xukuru, iniciou-se nas lutas do movimento indígena nacional acompanhando ativamente os trabalhos da Constituinte, entre 1987 e 1988. Ele particiou de delegações indígenas que marcaram presença em Brasília naquele período. Confiante na eficácia dos Direitos Indígenas assegurados na nova Constituição Federal, Chicão iniciou um trabalho de reorganização política do povo Xukuru, hoje formado por 24 aldeias e cerca de nove mil índios.
Tornou-se liderança deste povo na busca pela concretização de seus direitos mais fundamentais, através do retorno à posse de seu território tradicional e sua demarcação, do resgate e valorização da identidade Xukuru através de seus aspectos culturais e religiosos, e do acesso aos direitos na área de saúde, educação e auto-sustentação econômica.
Desde então, Chicão passou a ser referência regional e nacional para as lutas indígenas. Sua liderança nas retomadas das terras tradicionais Xukuru, então em mãos de fazendeiros de gado, e a crescente autonomia de seu povo, quebrando as antigas relações políticas e econômicas clientelistas dos indígenas com as oligarquias locais, atraíram para si a ira dos setores não-indígenas que sempre se beneficiaram das terras, da mão-de-obra e dos votos dos Xukuru. Em razão disso as ameaças de morte contra sua pessoa – e de seus companheiros de liderança, tornaram-se cada vez mais frequentes, o que por diversas vezes lhe levou a solicitar providências à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal.
Seis meses antes de ser morto, Chicão gravou em vídeo um depoimento no qual denunciou estar em curso um plano para desmoralizá-lo, através de uma carta anônima distribuída na cidade de Pesqueira, na qual era acusado como responsável por diversos homicídios naquela cidade. Para Chicão, estava dado o sinal de um plano para matá-lo e despistar a Polícia colocando-se a culpa do assassinato em sua própria pessoa, como vítima de vingança.
A previsão de Mandarú, como era carinhosamente chamado pelos Xukuru, afinal se concretizou. Não só foi assassinado, como uma das linhas principais de investigação seguidas pela Polícia foi a de vingança relativa aos supostos assassinatos relatados na carta anônima. As outras duas linhas de investigação mais adotadas pela Polícia não foram, contudo, previstas pelo Cacique e certamente lhe causariam mais indignação: a hipótese de crime passional, pela qual a sua viúva, Dona Zenilda, passou a ser vista como suspeita de mandante, e a hipótese de disputa interna de poder, onde os suspeitos, para a Polícia, eram os seus auxiliares mais próximos na liderança política do Povo e também ameaçados de morte: o Vice-Cacique Zé de Santa e o Vereador Toinho Pereira.
A insistência em tais linhas de investigação e a alegada falta de recursos para a agilização dos trabalhos da polícia em relação ao caso, acabaram levando à perda de um tempo precioso para a busca dos verdadeiros responsáveis e diretamente envolvidos no crime.
O resultado é que só se chegou ao pistoleiro quando este já se encontrava morto. Quanto ao mandante, certamente terá levado consigo para o túmulo os nomes de outros importantes envolvidos nesta empreitada de morte.