Terra Indígena Panambizinho: Pra que festa senhores ministros?
Está sendo anunciada a ida dos ministros da Justiça e do Desenvolvimento Agrário e mais o governador do Estado e o presidente da Funai, para a entrega oficial aos índios Kaiowá da Terra Indígena Panambizinho, no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Poderíamos até destacar os méritos do esforço dos ministérios para que os índios desta aldeia ao menos pudessem respirar um pouco melhor, sem dormir com fome e acordar com sobressaltos. Afinal são um pouco mais de mil hectares que estão voltando para os índios, depois de mais de 50 anos de intensa luta e toda sorte de sofrimentos. Das matas tomadas recebem de volta terras totalmente devastadas e enfraquecidas por todos esses anos de intensiva exploração agrícola. Para os Kaiowá, a floresta e a diversidade de vida nela existente sempre foram fundamentais para o seu modo de “bem viver”. Dá tristeza ver os casebres brotando em meio à terra plana ocupada pela soja.
Hoje a imprensa regional, ao mesmo tempo em que anuncia a ida dos ministros à aldeia, revela a face cruel do descaso, da violência e vergonhosa omissão do governo diante do quadro alarmante da questão indígena neste Estado. O site Campo Grande News noticia o número de 387 óbitos de indígenas até o mês de setembro de 2004. Dentre as mortes violentas, destacam-se 28 suicídios. Possivelmente esses números são menores do que de fato acontece. São praticamente diários os relatos que saem na imprensa sobre violências e mortes de índios das mais diversas causas. Porém, uma é sem dúvida a causa primeira: a falta de terra. Como podem, por exemplo, viver dignamente mais de dezesseis mil índios em um pouco mais de cinco mil hectares de terra, nas terras indígenas de Dourados e Amambaí, na periferia destas cidades? Em conseqüência disso, grande parte dos homens vão trabalhar nas usinas e fazendas, na changa e outras atividades de sobrevivência. As suas terras foram se transformando em depósitos de mão de obra. As expulsões violentas das aldeias os levam a engrossar as dezenas de acampamentos à beira das estradas e mesmo dentro de algumas áreas indígenas.
Tem-se notícia também do encaminhamento ao Ministério Público Estadual de denúncia de esterilização de inúmeras mulheres Terena, do município de Miranda, em troca de votos em candidatos às eleições municipais.
Ao mesmo tempo são distribuídos em Campo Grande panfletos por entidade ligada a fazendeiros e latifundiários da região, em que acusam aliados dos povos indígenas de serem os responsáveis pelas violências, chamando-os de criminosos, forma de calúnia e difamação sempre utilizada com truculência contra os índios e seus aliados.
Se o ministro da Justiça, que acaba de chegar de Roraima, no momento em que os fazendeiros destruíram três aldeias na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, acha que vai encontrar uma situação tranqüila, certamente estará equivocado. Hoje o Estado do Mato Grosso do Sul é sem dúvida um dos lugares de maior violência contra os povos indígenas do país.
Será que é o momento de festejar, quando existem mais de 100 tekohá a serem reconhecidos aos Guarani Kaiowá e dezenas de terras indígenas em processo de revisão de limites e regularização no Mato Grosso do Sul, totalmente paralisados no Ministério da Justiça ou na Funai?
Os Kaiowá do Panambizinho certamente terão motivos para celebrar esta conquista ao mesmo tempo em que esperam efetivo empenho do governo em resolver a grave situação das terras indígenas neste estado.
Senhores ministros e autoridades, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul não precisam de festa, mas exigem justiça e decisão política para garantir suas terras e a integridade de suas vidas, sem violência e sem opressão.
Brasília, 26 de novembro de 2004.
Egon Heck
Cimi Regional Mato Grosso Sul