Povos Indígenas da Amazônia discutem projeto etnopolítico
“Não esperávamos ser considerados criminosos em nossas casas e invasores de nossas terras. Não esperávamos que as terras e os direitos indígenas fossem usados como moeda de troca”. O tom de indignação e decepção com a política indigenista do governo foi a tônica dos debates deste primeiro dia do II Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia, que está se realizando no Centro de Convenções de Cuiabá, dos dias 17 a 19 de novembro. Um dos acontecimentos deste primeiro dia que expressam o clima de descontentamento e revolta foi a retirada do representante da Funai da plenária do Fórum. “Envia pessoas do segundo ou terceiro escalão. É uma desconsideração e uma discriminação para com os povos indígenas e o nosso movimento. Por isso sugiro que o senhor Eslovack, enviado como representante do presidente da Funai, se retire deste local”. Com essas palavras do presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, e o pedido do presidente da Coiab para que se retirasse do ressinto, o representante da Funai foi embora.
Outra demonstração clara dos rumos que os atuais governantes estão imprimindo na sua política com os povos indígenas foram as declarações do representante do governo do Estado do Mato Grosso, Edivar Sardinha, que defendeu a regularização da exploração de madeira e minérios em terras indígenas, sob o pretexto de tirar essas atividades da clandestinidade. Além disso, afirmou “os índios não podem continuar vivendo de caça e pesca. Essa é uma visão romântica de quem vive nas grandes cidades. Porque não terem os índios um carro Toyota, um trator, comer em churrascaria e namorar uma loira?”.
Aproximadamente 200 indígenas, dos nove estados amazônicos, estão participando deste Fórum, que tem como objetivo “analisar a relação histórica do Estado brasileiro com os povos indígenas, a política e prática indigenista oficial, e a atuação das Organizações Não governamentais (ONGs) junto aos povos indígenas, avaliar a caminhada do movimento indígena e da Coiab e definir propostas e encaminhamentos para o Projeto Etnopolítico do Movimento Indígena da Amazônia, definindo alianças e estratégias para o fortalecimento do movimento indígena amazônico e nacional.
Este II Fórum está sendo marcado pelo anúncio de mais uma morte de liderança indígena, o que demonstra o grau de violência a que estão sendo submetidos os povos indígenas. A morte do tuxaua Feliciano Sapará, no município de Pacaraima em Roraima, no dia 16, tem gerado comoção e revolta entre os participantes. Ele era uma liderança comprometida com a luta de seu povo, na Terra Indígena São Marcos, um lutador do movimento indígena naquele estado.
Também o tom comemorativo dos 15 anos da Coiab está marcando este encontro. É um momento de celebrar os passos e avanços conseguidos, os tropeços e desafios enfrentados e ao mesmo tempo projetar com ousadia e realismo as estratégias para o futuro. Neste processo foram lembradas as inúmeras lideranças que com suas vidas ajudaram ao movimento e organização indígena chegar a esse momento de construção de um promissor processo de autonomia. Hoje à noite haverá uma sessão especial comemorativa e festiva.
Durante todo o dia de hoje estarão sendo realizados trabalhos de discussão em grupo dobre o tema proposto seguido de exposição e debate em plenário. Existe um grande desejo de participar e partilhar informações, por parte dos representantes que vêm das aldeias e comunidades e muitas vezes não recebem as necessárias informações para entender e se posicionar sobre temas cada vez mais complexos e urgentes.
Cuiabá (MT), 18 de novembro de 2004.
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional