Documento Final da XXVIII Assembléia do Conselho Indigenista Missionário Regional Sul
Nós, missionários (as) do Cimi Regional Sul, nestes 30 anos de caminhada, impulsionados pela Boa Nova do Evangelho, vimos expressar a nossa compreensão, nossas preocupações e esperanças diante da realidade atual, a partir da prática missionária junto às comunidades indígenas.
A sociedade brasileira chega hoje na metade do que esperava ser o primeiro governo popular da história do Brasil. Até o momento, no entanto, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vem dando mostras de ser a simples continuidade das administrações anteriores, especialmente de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Abandonando suas bandeiras históricas, seus compromissos com os setores populares e mesmo suas promessas de campanha eleitoral, o Governo Lula associa sua prática política e sua imagem, cada vez mais, ao grande capital financeiro, às grandes empresas, ao latifúndio e ao agronegócio, retirando de sua agenda política os setores populares, os trabalhadores, suas demandas e suas propostas para uma sociedade justa.
Para estes, para os excluídos, para os miseráveis, para os condenados da terra e das periferias das cidades, a administração Lula reserva as migalhas do orçamento federal, através de políticas assistencialistas e compensatórias.
Ao reconhecermos que o governo busca realizar mudanças na sua política externa, com a construção de alianças na América Latina, África e Ásia, denunciando as injustas relações internacionais entre os países pobres e países ricos, esperávamos que estas mudanças ocorressem também na política interna.
Não enxergamos, no entanto, no atual comando da Nação vontade política de transformar a sociedade brasileira e de resgatar as enormes dívidas sociais acumuladas nestes longos 500 anos. Pelo contrário, enxergamos o seu deslumbramento com o poder e a sua alegre integração às tradicionais e conservadoras elites nacionais.
Visto como uma oportunidade histórica única para os setores populares, o governo Lula se satisfaz e se conforma em apenas administrar a economia e o Estado para a mesma minoria de brasileiros, mantendo e reforçando os privilégios e as desigualdades seculares.
E os povos indígenas, onde se encontram neste atual momento histórico, nesta conjuntura social e política? Observamos que ocorreu, sem dúvida, um processo de conquistas e acúmulos, realizados durante as últimas décadas, frutos do protagonismo dos povos indígenas, dos esforços de seus aliados e das entidades de apoio. Este processo se encontra paralisado e, inclusive, com sérias ameaças de retrocesso.
Isto se dá pelo fato de que os setores anti-indígenas, incrustados nos estados da Federação, no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas, na mídia nacional e estadual, terem se articulado com o governo federal, terem se colocado como sua base de sustentação política e terem exigido deste a anulação de uma política indigenista digna deste nome – no que tem sido plenamente atendidos.
SITUAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NOS ESTADOS DO RJ, SP, PR, SC E RS.
Nesta região, os povos indígenas vêm sendo expostos a uma crescente violência à sua integridade física, cultural, territorial e aos seus direitos constitucionais:
– o governo Lula escolheu como seus interlocutores exclusivos representantes do poder econômico e político local, via de regra anti-indígenas. Tais setores, com aceitação, apoio e reconhecimento do governo federal, vêm constituindo comissões ilegítimas para definição de terras nos estados do Sul, a exemplo da criada em Santa Catarina, pelo Ministro da Justiça, neste mês de setembro. Na prática, tais comissões são criadas com a finalidade de reduzir territórios ou de interferir para a sua não demarcação;
– representantes do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional exigiram a revogação de portarias de demarcação de terras indígenas, a exemplo da área La Klãnõ do povo Xokleng e Chimbangue do povo Kaingang;
– ministérios, como o das Minas e Energia, exigiram a liberação de terras indígenas para a construção de barragens, com o conseqüente alagamento e perda de território por parte das comunidades;
– cresce constantemente o número de ações judiciais das forças anti-indígenas, com a finalidade de impedir processos de demarcação, portarias declaratórias de terras indígenas etc;
– o órgão indigenista federal, FUNAI, exerce cada vez mais um papel limitador e constrangedor da liberdade das comunidades e lideranças indígenas, estabelecendo critérios restritivos para o deslocamento destas, tentando inibir e mesmo proibir sua livre circulação;
– embora tenham ocorrido alguns processos demarcatórios, muitos processos de demarcação de terras indígenas da região Sul encontram-se paralisados no Ministério da Justiça, por força da ação de lobbies dos setores anti-indígenas, tais como as áreas Toldo Imbu, Toldo Pinhal, Morro dos Cavalos, Palmas, Ribeirão Silveira, Piaçaguera e Rio dos Índios.
Passamos, portanto, da ausência de uma política indigenista nos anos FHC para uma política deliberadamente anti-indígena no governo Lula.
CONCLUSÃO
Coloca-se hoje, como desafio para os setores populares do Brasil, em geral, e para os povos indígenas, em particular, a tarefa de organizar-se, articular-se, mobilizar-se e de romper a política conservadora do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante as últimas décadas, os setores populares e os povos indígenas nunca deixaram de lutar e de ter conquistas. Ao contrário do que desejam as antigas como as novas elites brasileiras, os setores populares e os povos indígenas darão continuidade às suas lutas e continuarão obtendo vitórias.
Palhoça (SC), 24 de setembro de 2004.