27/07/2004

Declaração de Quito

Do coração do mundo, no lugar em que sol reto, em seguimento ao 1° Encontro de Teotihuacan, nos dias  25 do mês de julho de 2004, os povos e nacionalidades  indígenas de Abya Yala autoconvocados e reunidos no 2° Encontro Continental, organizado pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), Confederação de Povos da Nacionalidade Kichwa do Equador (ECUARUNARI), e a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), com a participação de 64 povos e nacionalidades indígenas, expressamos nossa palavra.


Somos povos originários de Abya Yala. Nossos antepassados, nossos avós, nos ensinaram a amar e venerar nossa fecunda Mãe Terra, a conviver em harmonia com os seres naturais e espirituais que nela existem. As instituições políticas, econômicas, sociais e culturais que temos são herança de nossos antepassados e são as bases para a construção de nosso futuro.


Os vales e os pampas, as selvas e os desertos, as montanhas e os nevados, os mares e os rios, a águia e o condor, o qetzal (animal sagrado dos povos indígenas do México) e o colibri, a puma e o jaguar, têm sido testemunhos de nossos sistemas sócio-políticos coletivos baseados na sustentabilidade humana e ambiental.


Fomos despojados de nossos territórios originais pelos colonizadores e os Estados Nacionais; divididos para garantirem o controle político e empurrados para lugares inóspitos. Os territórios que hoje habitamos se caracterizam pela conservação da biodiversidade e existência de recursos naturais que são cobiçados pelas multinacionais pelo que novamente estamos sendo saqueados.


Os governos nacionais, seguindo as diretrizes do FMI, BM e BID, nos devastam com o pagamento da dívida externa e estão revertendo nosso direito coletivo à terra, modificando legislações para permitir sua privatização, a associação com empresas e a apropriação individual.


Denunciamos que os governos nacionais da América estão empregando cada vez mais a repressão violenta caracterizada pela violação de nossos direitos humanos e direitos como povos; a criminalização de nossos atos em defesa da vida e cerimônias espirituais; a paramilitarização; a expulsão de nossas terras, a ocupação militar; a cooptação e corrupção de autoridades locais e dirigentes; a promoção de projetos que tratam de “compensar”  os prejuízos causados por empresas transnacionais; o suposto repartir eqüitativo de benefícios; a migração forçada;  e promovem a divisão, confronto e o enfrentamento armado entre comunidades para impor sua política de exclusão, racista e opressiva.


Nos opomos taxativamente ao estabelecimento de planos como o de Integração de Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA), o Plano Puebla Panamá(PPP), o Plano Patriota, o Plano Colômbia, o Plano Dignidade, o Plano Andino, a criação de bases militares, bem como o estabelecimento da ALCA e dos TLCs(Tratados de Livre Comercio)  que são impulsionados no marco da OMC e para o benefício dos países saqueadores do planeta, já que o que pretendem é a criação da infra-estrutura para a circulação de suas mercadorias, a usurpação dos recursos naturais de nossas terras e territórios e a proteção das empresas transnacionais. Caracterizamos como planos de invasão para o saque, a destruição e a morte.


Rechaçamos a realização dos planos de ordenamento territorial, prospecção e exploração de minérios e hidrocarbonetos, estabelecimento de áreas naturais protegidas e plantações florestais; pagamento por serviços ambientais, privatização da água e do ar, fumigações (pulverizações), estabelecimento de patentes sobre recursos naturais e culturais e o uso de sementes transgênicas que se realizam em nossos territórios já que só estão orientados para garantir a reprodução do grande capital transnacional em detrimento de nossa vida.


Denunciamos que o Estados Nação da América tem-se caracterizado por violar instrumentos jurídicos nacionais e internacionais em detrimento dos direitos coletivos de nossos povos, como o Convênio 169 da OIT, o qual exigimos sua ratificação imediata por todos os países da América e do resto do mundo.


Reclamamos da OEA, por sua falta de disposição para modificar a Declaração Americana de Direitos das “Populações” Indígenas com a participação e decisão dos povos indígenas.


Reclamamos ao sistema de Nações Unidas por haver declarado um decênio das populações indígenas vazio, já que não realizou as ações necessárias para aprovar a declaração universal dos direitos dos povos indígenas.


Ante a situação de despojamento que caracteriza a existência  de nossos povos:


Resolvemos:


Criar um espaço permanente de aliança e intercâmbio, onde convirjam experiências e propostas, para que nossos povos e nacionalidades enfrentem juntos as políticas de globalização neoliberal.


Traçar uma agenda comum de ações e mobilizações que manifestem nossa rejeição ao modelo excludente e uma ação conjunta e articulada diante dos organismos dos quais concordamos participar.


Estabelecer alianças com outros setores da sociedade que nos permitam enfrentar as políticas que nos oprimem, em especial com os movimentos sociais.


Exigir a liberdade incondicional de líderes e autoridades indígenas presas injustamente pela defesa da terra e o exercício da autonomia, bem como a reparação dos danos morais causados aos povos e nacionalidades indígenas pelos assassinatos perpetrados contra seus habitantes, assim como a indenização às famílias.


Exigir dos Estados Nacionais a repatriação, sem condições, dos recursos genéticos e culturais extraídos legal e ilegalmente de nossas terras e territórios; a restituição das terras roubadas; o livre trânsito de indígenas em seus territórios quando estes estão compreendidos entre fronteiras nacionais; a indenização dos povos afetados pelos impactos de todo tipo e despojamentos, assim como a restituição das condições iniciais de suas terras e territórios; o respeito irrestrito aos territórios de nossos povos e nacionalidades indígenas, em especial dos não contatados e em isolamento voluntário.


Exigimos que os governos solucionem todos os conflitos causados pela exploração dos recursos naturais e a falta de garantia territorial e da vida, quando se executam políticas estatais e transnacionais tais como os casos de Sarayaku, Raposa Serra do Sol, Plano Colômbia, Rio Pilcomayo, Montes Azuis, Camisea, Caso do Gás da Bolívia e Margarita, Ashaninca, dentre muitos outros.


Participar dos Fóruns Internacionais como o Fórum Social Mundial, e o Fórum Social das Américas, com propostas comuns que reflitam a posição do movimento indígena.


Solidarizamo-nos com a CONAIE ante a agressão contra ela pelo governo equatoriano do Coronel Gutierrez que está buscando frustrar a luta pela construção de um Estado Plurinacional.


Solidarizamo-nos com o povo da Venezuela e o presidente Hugo Chavez, que se tem caracterizado pela defesa da soberania nacional, ante a agressão contra ele pelo governo dos Estados Unidos, e convocamos a realização de ações contra o referendo de 15 de agosto de 2004.


Solidarizamo-nos com o povo cubano por sua permanente luta antiimperialista.


Diante de tudo isto afirmamos:


Que os territórios que habitamos são nossos por tempo, história e pelo direito e, portanto são inalienáveis, imprescritíveis e não embargáveis.


Que possuímos modelos próprios que garantem a reprodução de nossos povos e nacionalidades e harmonia com a natureza e têm como base nossa herança cultural ancestral.


Que não necessitamos de reconhecimento legal para criar os espaços autônomos que nos permitam o exercício da livre determinação de nossos povos e nacionalidades.


Quito, 25 de julho de 2004.


(tradução livre: Egon D. Heck)

Fonte: Cimi
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