25/06/2004

Tuxauas de Roraima pedem a Lula a urgente demarcação das terras indígenas e o fim da impunidade

“Quantas mortes precisa ter, senhor Ministro, para que nossa terra (Raposa/Serra do Sol) seja homologada? Senhor Coronel, quantas mortes o senhor quer fazer para sair a homologação?”
Com essas palavras duras, carregadas de indignação, o tuxaua Nelino Galé, questionou os representantes do governo e do Exército presentes na 32ª Assembléia dos Tuxauas de Roraima, no dia 6 de fevereiro. O presidente da Funai, Eduardo Almeida, que há apenas três dias havia assumido o cargo, foi também duramente cobrado, especialmente com relação à urgente regularização das terras indígenas e o fim da violência e impunidade. “Vou marcar o senhor com a pintura do meu rosto, para conferir quanto tempo vai durar o seu compromisso com os povos indígenas”, disse o Makuxi, representante da Associação dos Povos Indígenas de Roraima, Mandô. E num gesto simbólico, porém muito significativo, passou a mão sobre o uruçu e jenipapo com que estava pintado, e marcou a testa do presidente da Funai.


Muitos outros momentos fortes expressaram a revolta e a esperança que marcou o clima desta Assembléia. Quem mais duramente foi questionado e criticado foi o representante do Ibama, cuja ação em Roraima “beira à raia da criminalidade”, segundo a procuradora da 6ª Câmara, Dra. Débora Duprat. Também o representante do Exército, Cel. José Sena, ouviu as inúmeras denúncias de violências que os militares praticaram contra os índios. Foi solicitado por diversas vezes a retirada dos militares e suas bases de dentro das terras indígenas, como forma de por fim a tanta prepotência, preconceito e arbitrariedades cometidas contra os povos indígenas desta região, pelos membros das forças armadas.


O bispo de Roraima, D. Aparecido, também veio trazer sua solidariedade aos povos indígenas reunidos, reiterando o total apoio às suas lutas e ao mesmo tempo conclamou a todos “para que os direitos dos índios e dos pobres de Roraima, estejam acima dos interesses econômicos, da produção e do comércio”.


Consternação e revolta tomaram conta da Assembléia quando foram anunciadas as mortes de dois indígenas, ocorridas na Terra Indígena Xukuru, em Pesqueira, Pernambuco. Imediatamente foi aprovada uma moção de solidariedade aos índios e repúdio por mais esse crime hediondo. Eles estavam ainda sob o impacto da recente morte do Makuxi Aldo da Silva Mota e de mais seis assassinatos de índios ocorridos em pouco mais de um mês do governo Lula.


Do Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e do representante do ministro da Justiça, Cláudio Beirão, as lideranças ouviram duas decisões importantes: a primeira, de que todas as 23 terras indígenas que estão com o presidente da República serão homologadas no decorrer deste ano – dentre elas estão seis terras indígenas de Roraima, inclusive Raposa/Serra do Sol. A segunda boa notícia foi anunciada por Nilmário Miranda afirmando que o decreto 4412 – que dispõem sobre a presença das Forças Armadas e da Polícia federal em terras indígenas – seria revogado. O representante do Exército apenas se limitou a justificar as ações desenvolvidas pelos militares em terras indígenas, e dizendo-se disponível para continuar dialogando sobre todos os temas relacionados à sua área de atuação.


Marcaram presença também nesta Assembléia representantes de várias entidades indigenistas e de direitos humanos. Como tem sido tradição, o Cimi esteve junto aos povos indígenas de Roraima neste importante evento anual, através de suas equipes locais, do coordenador regional e de seu Secretário Executivo.


A participação da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, expressa a preocupação dos índios em articular de forma mais ampla as questões que lhes dizem respeito. Da mesma forma, contribuiu significativamente na reflexão e debates sobre o movimento indígena, Dionito Macuxi, membro da Comissão Indígena Pós-Conferência.


As críticas e questionamentos mais duros foram com relação à atuação do Ibama nas terras indígenas em Roraima. Algumas lideranças manifestaram seu descontentamento e revolta com relação à ação nefasta dos representantes deste órgão junto a comunidades indígenas, dando nota zero ao órgão e até pedindo sua extinção. Em carta à Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, os tuxauas pedem intervenção urgente na atuação do Ibama no Estado, para que sejam respeitados os direitos indígenas, revogados os decretos de criação de unidades de conservação que se sobrepõem às terras indígenas, dentre outras questões.


Apesar de um certo clima de consternação e revolta, a Assembléia foi um momento de debate sério e profundo sobre os principais desafios que os atingem e, ao mesmo tempo, a manifestação de esperança e confiança neste novo momento político, quando, finalmente, esperam conquistar suas terras e a paz com justiça e dignidade, depois de tantos anos lutando. Durante os quatro dias, grupos de jovens músicos e compositores indígenas animaram a Assembléia expressando, na maioria das músicas, as lutas e anseios dos povos indígenas do Estado de Roraima e do Brasil.


No final da Assembléia, já de noite, foram anunciados os resultados das eleições para a coordenação do Conselho Indígena de Roraima – CIR. Foram reeleitos Jacir José de Souza como coordenador e Norberto Wapixana para vice-coordenador.


Num grande exemplo de consciência e cidadania, os tuxauas de Roraima protagonizaram mais um dos grandes momentos da história atual dos Povos Indígenas do Brasil.


Manaus, fevereiro de 2003.


Egon D. Heck
Secretário Executivo do Cimi

Fonte: Cimi
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