25/06/2004

Raposa Serra do Sol novamente manchada de sangue


 




Os povos indígenas de Raposa Serra do Sol estão em luto e revoltados com o assassinato de Aldo da Silva Mota, macuxi, pai de nove filhos. Após sete dias desaparecido ele foi encontrado morto e enterrado na invasão denominada “Fazenda Retiro, do vereador de Uiramutã, Francisco das Chagas Oliveira da Silva.


Aldo foi até a fazenda no dia 2 de janeiro para resgatar um bezerro do retiro “Fé em Deus”, pertencente à aldeia Maturuca, após receber recado do empregado por nome Eliseu, vulgo “Bofete”. Desde o dia 4, familiares e indígenas das comunidades vizinhas iniciaram buscas, sem sucesso, nos campos, rios e igarapés fora do limite do posseiro.


A Funai e Polícia Federal foram comunicadas do desaparecimento do indígena desde nos dias 5 e 6 de janeiro, respectivamente. A PF solicitou apoio da Polícia Militar que não procedeu uma busca minuciosa na área, pelo contrário, preferiu acusar os índios de invadirem e fazerem reféns dois PMs, fato que nunca aconteceu.


O vereador e posseiro, Francisco das Chagas, impediu o ingresso de indígenas na fazenda para auxiliarem nas buscas junto com a Polícia Federal e Funai. O Delegado da PF, Fabrício Argenta, recusou-se a ouvir os parentes da vítima quando esteve no local e acatou todas as orientações do fazendeiro.


Dois agentes da Funai ficaram detidos durante quatro horas no Destacamento da Polícia Militar do vilarejo Mutum, no dia 6 de janeiro. Com a chegada da equipe da Polícia Federal e a intervenção da Administração Regional da Funai os servidores foram liberados, no entanto o Delegado Fabrício ouviu somente os Policiais Militares e o posseiro.


O Corpo


Às 10h50 horas da manhã de hoje, os jovens José da Silva e Estarle de Souza perceberam a movimento urubus nas proximidades da casa sede da fazenda. Resolverem averiguar e acharam o corpo de Aldo Mota enterrado numa cova rasa. A notícia foi repassada através de radiofonia ao Conselho Indígena de Roraima, que imediatamente comunicou à Polícia Federal e Funai.


Segundo informações da administração regional da Funai, Agentes da Polícia Federal e Peritos do Instituto de Medicina legal, às 14 horas, deslocaram-se à fazenda para exumar o cadáver e translado-lo para Boa Vista. A duração do vôo de Boa Vista até a pista de pouso da aldeia Maracanã II, mais próxima da fazenda, é de uma hora. É possível que só retornem amanhã.


Mais de 200 índios de aldeias da região das Serras estão acampados em frente à fazenda exigindo justiça. Tuxauas de comunidades de outras regiões de Raposa Serra do Sol, estavam mobilizados para somarem-se nas buscas e podem deslocar-se para área prestar solidariedade aos parentes macuxi.


Antecedentes


A “Fazenda Retiro” é objeto da Ação Civil Pública nº 1999.1458-9 na qual os índios solicitam a reintegração de posse. Comunidades e posseiro fizeram um acordo judicial onde as partes se comprometiam a respeitar os bens pessoais e patrimoniais de ambos até a solução definitiva do impasse. Com o crime os índios exigem a retirada imediata do invasore.


Irene de Oliveira, esposa da vítima, explica que seu marido “era ameaçado pelos empregados do posseiro toda vez que o gado do retiro entrava na fazenda”. Numa ocasião, a cerca de quatro meses, Aldo Mota teria dito ao filho Raildo de Oliveira, que “se aparecesse morte podiam procurar o ‘Bofete’”.


A ocupação do vereador Francisco das Chagas fica a 11 quilômetros do vilarejo Mutum, uma das cinco vilas instaladas ilegalmente dentro de Raposa Serra do Sol. Em todas elas ocorrem constantes conflitos envolvendo índios, moradores, militares e outros posseiros, principalmente por serem pontos de fornecimento de bebida alcoólica para índios e não índios.


Os indígenas estão intranqüilos e revoltados com a forma que foi conduzida a averiguação. Desde o início suspeitava-se de homicídio, mas as autoridades competentes expressamente desviaram o objeto da denúncia com a intenção de incriminar os índios que reclamavam o corpo. Aldo é mais um índio assassinado em Raposa Serra do Sol, sem que qualquer dos envolvidos seja punidos.


O Conselho Indígena de Roraima exige Justiça, nesse caso que não é o único ao longo dos últimos 30 anos de luta pela terra indígena Raposa Serra do Sol. Em documento encaminhado do Ministro da Justiça, Márcio Tomáz Bastos, a organização pediu a retirada imediata dos invasores, a punição dos responsáveis e da Policia Militar da terra indígena.


O CIR solicitou à Justiça Federal a prisão preventiva dos empregados da “Fazenda Retiro” e do vereador Francisco das Chagas de Oliveira. Porém, o Conselho entende que só a homologação, com a conseqüente retirada de todos os invasores pode resolver em definitivo os conflitos na região.


9 de janeiro de 2003


CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA

Fonte: CIR
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