21/06/2004

Decisões – Ementas Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3ª Região)

1. HC – HABEAS CORPUS – 12517

Processo: 2002.03.00.004351-0 / SP

ORGÃO JULGADOR: SEGUNDA TURMA
RELATOR: JUIZ SOUZA RIBEIRO
IMPETRANTE: EDUARDO GALIL
IMPETRANTE:WILIAM WANDERLEY JORGE
PACIENTE: GUSTAVO AFONSO JUNQUEIRA
ADVOGADO: WILIAM WANDERLEY JORGE e outro
CO-REU: JOSE FRANCISCO ALVES JUNQUEIRA
CO-REU: DEJALCI ALVES DOS REIS
CO-REU: JOAO CARLOS CARUSO
CO-REU: MANOEL ANTONIO AMARANTE AVELINO DA SILVA
CO-REU: JACQUES SAMUEL BLINDER
CO-REU: CARLOS BIAGI
CO-REU: LAERCIO ARTIOLI
CO-REU: EDVALDO FELIX
CO-REU: MAURO DE BARROS TERENA
IMPETRADO: JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE RIBEIRAO PRETO SP
DATA DA DECISÃO: 23/04/2002
DATA da PUBLICAÇÃO NO DJ :27/05/2002 pg. 305

EMENTA

CONSTITUCIONAL – PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL – CRIMES DE ALICIAMENTO DE TRABALHADORES, FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA, FALSIDADE DE DOCUMENTO PÚBLICO (CTPS) POR OMISSÃO DE REGISTRO E QUADRILHA OU BANDO – CRIMES AFETANDO DIREITOS INDÍGENAS – INTERESSE FEDERAL NA TUTELA DOS ÍNDIOS – CRIME CONTRA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 109, INCISOS IV, VI E XI – INTELIGÊNCIA DAS SÚMULAS 62, 122 E 140 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA SÚMULA 115 DO EXTINTO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS – CRIME SOCIETÁRIO – ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA DENÚNCIA POR FALTA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA INDIVIDUAL DE CADA SÓCIO ACUSADO, BEM COMO POR FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ELEMENTARES DOS TIPOS PENAIS IMPUTADOS E POR IMPUTAÇÃO ERRÔNEA DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, ALÉM DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL – QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS – INADEQUAÇÃO DO WRIT QUANTO A ALEGAÇÃO DE QUESTÕES QUE DEMANDAM PRODUÇÃO E EXAME APROFUNDADO DE PROVAS – ORDEM DENEGADA.

I – Denúncia que imputa aos denunciados a prática dos crimes de aliciamento de trabalhadores (CP, art. 207, caput e § 2º), frustração de direito assegurado por lei trabalhista (CP, art. 203, caput e § 2º), falsidade de documento público (CTPS) por omissão de registro (CP, art. 297, § 4º) e quadrilha ou bando (CP, art.288), por terem os acusados, em concurso de agentes, promovido o aliciamento de 374 (trezentos e setenta e quatro) indígenas de aldeias localizadas nos municípios de Aquidauna e Miranda, MS, para trabalho em cultivo e corte de cana-de-açúcar para grupo econômico sediado na região de Ribeirão Preto, SP.

II – A competência da Justiça Federal em matéria criminal, de regra, regula-se pelo inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal, devendo haver afetação a bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, isso ocorrendo, no caso de fato que envolve direitos indígenas, apenas se estes são afetados em sua coletividade, e não em sua expressão individual. Compreensão da Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça Federal o processo criminal, em que índios figurem como autor ou vítima, apenas se alguma circunstância especial revela a afetação de bens, serviços ou interesses federais, em especial o interesse da União em atuar na tutela dos silvícolas, como ocorre no caso dos autos, em que os delitos afetam o dever da União, através da FUNAI (fundação pública federal), de autorizar a contratação dos índios e de intervir para proteger os interesses dos indígenas em suas relações sociais fora dos aldeamentos.

III – O crime de aliciamento de trabalhadores é da competência da Justiça Federal (CF, art. 109, VI), definido como tal por sua inserção no Título IV da Parte Especial do Código Penal – que trata Dos Crimes contra a Organização do Trabalho, por outro lado considerando que o objeto de tutela jurídica deste tipo penal é precisamente evitar fatores de desajuste econômico e social nas diversas regiões, o que caracteriza a proteção de um interesse coletivo na organização geral do trabalho em nosso País.

IV – Além disso, no caso dos autos, o aliciamento de um número elevado de trabalhadores (a denúncia menciona 374 indígenas aliciados) de um Estado da Federação, para levá-los ao trabalho em outro Estado, com prejuízo também a um número indeterminado de trabalhadores desta última região, considerando também que os autos relatam ter havido a contratação de indígenas para burlar o piso salarial dos trabalhadores rurais da região de Ribeirão Preto, mediante a conduta de frustrar direitos trabalhistas, não efetivar os devidos registros em CTPS e manter os silvícolas em condições sub-humanas de trabalho, todas estas circunstâncias consideradas em seu conjunto revelam inegavelmente a suposta violação ao sistema de órgãos e institutos destinados à preservação coletiva do trabalho, aplicando-se então o entendimento da Súmula nº 115 do extinto TFR e pacífica jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.

V – O crime de falsificação de CTPS pela omissão de registros dos indígenas encontrados no local da prestação de serviços, em verdade, equipara-se a uma falsa anotação de contrato de trabalho na CTPS, sob este aspecto não havendo ofensa a interesse federal por não afetar o próprio serviço público da expedição deste documento federal, mas apenas a relação jurídica estabelecida entre os particulares, empregados e empregadores, o que torna aplicável o entendimento dos nossos Tribunais pela competência da Justiça Comum Estadual, conforme Súmula nº 62 do Superior Tribunal de Justiça.

VI – Tratando-se de delitos conexos, da competência de juízos diversos mas da mesma categoria (grau hierárquico), a competência é determinada pelos critérios constantes do artigo 78, inciso II, do Código de Processo Penal, o primeiro deles fazendo preponderar a competência do juízo para a infração à qual for cominada a pena mais grave (alínea a).

VII – Tratando-se de delitos conexos cujo processo e julgamento sejam uns da competência da Justiça Federal e outros da Justiça Comum Estadual, prepondera a competência da Justiça Federal, que atrai a competência para o julgamento das demais infrações. Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça.

VIII – O requisito da "exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias" (CPP, art.
41), é indispensável à materialização do devido processo legal, e seus consectários princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV), decorrendo da denúncia com tal vício da descrição incompleta do próprio fato criminoso uma nulidade absoluta, que irremediavelmente afeta a própria instauração da ação penal, por caracterizar pressuposto para a formação do processo, instrumento constitucional da persecução penal e de materialização da pretensão punitiva.
IX – A denúncia ou queixa com este defeito não pode ser corrigida nos termos do artigo 569 do CPP, que admite a supressão das omissões da denúncia ou queixa a todo o tempo, antes da sentença final, referindo-se aí apenas a aspectos não essenciais do crime, isto é, aspectos fáticos que não envolvam os elementos integrativos do tipo penal, nesta hipótese dispensando a lei processual providências próprias da instauração de uma ação penal. A falta de descrição clara e precisa do fato criminoso deve ser corrigida mediante aditamento da denúncia, procedimento admissível implicitamente no Código de Processo Penal ao permitir que o Ministério Público ofereça aditamento à queixa (art. 45) ou mesmo promova a mutatio libelli (art. 384).

X – Situação jurídica, porém, não ocorrente no caso dos autos, em que a peça acusatória é formulada em atenção aos requisitos constitucionais e legais, expondo os fatos de onde se inferem, em tese, todas as elementares dos tipos penais imputados aos acusados, descrevendo ainda qual foi a participação de cada denunciado e demonstrando os elementos de convicção de sua responsabilidade penal, permitindo o pleno exercício do direito de defesa.

XI – A eventual indicação equivocada na denúncia dos preceitos legais tidos por infringidos, inclusive a imputação de regras de concurso de crimes, não é causa de inépcia da peça acusatória e nulidade do processo, porque o réu defende-se dos fatos descritos na denúncia, e não da classificação jurídica ali constante, não havendo por isso mesmo qualquer prejuízo à defesa.
XII – O trancamento da ação penal só é possível quando resultar estreme de dúvida a improcedência da acusação, não cabendo quando haja prova da materialidade e indícios de autoria do delito de modo a justificar a instauração da ação penal.

XIII – O habeas corpus, em razão de seu procedimento especial, constitui ação inadequada para produção e exame aprofundado de provas acerca da autoria e da adequação típica do fato à norma penal incriminadora, matéria que deve ser reservada para a instrução criminal e o julgamento da ação penal.

XIV – Ordem denegada. Referência

ACÓRDÃO

A Segunda Turma, por unanimidade, denegou a ordem.

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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