19/06/2004

O Fórum Social Mundial na Terra de Gandhi

O Fórum Social Mundial na Terra de Gandhi

  

“se eu pudesse deixar algum presente a você,

deixaria aceso o sentimento de amar a vida dos seres humanos.

a consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora.

lembraria os erros que foram cometidos para

que não mais se repetissem.

a capacidade de escolher novos rumos deixaria para você, se pudesse ,o respeito àquilo que é indispensável:

além do pão, o trabalho. além do trabalho, a ação e, quando tudo me faltasse, um segredo:

o de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída”

Gandhi

 

Depois de Mumbai o Fórum Social Mundial não mais será o mesmo

 

Quem acompanhou de perto os cinco dias do FSM em Mumbai, jamais vai esquecer o recado de múltiplas cores, vozes e tambores que do nascer do dia até quando o sol já havia se posto, ecoaram nas ruas. As enormes estruturas de metal e espaços da antiga fábrica de turbinas dos colonizadores ingleses, foi transformada, por alguns dias, no espaço mundial da esperança e numa tribuna permanente dos pobres da Índia e de outros países da Ásia.

De forma criativa e incansável os povos indígenas (treibels), os “dálits”, (os da casta inferior, os intocáveis, os párias – antes da Constituição de 1948), os camponeses e inúmeros grupos pobres e explorados fizeram das ruas internas o lugar privilegiado para dar o seu recado.

Os excluídos deram o tom deste Fórum, tomaram conta dele e daqui pra frente, conforme D. Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os Fóruns em Porto Alegre e outros lugares do mundo (possivelmente África em 2006) não mais poderão deixar de ser esse espaço do povo, para ser um espaço de elite ou de intelectuais. Deverá ser simultaneamente o espaço do povo, dos ativistas sociais, dos sonhadores, dos lutadores dispostos a confrontar a globalização neoliberal e seus efeitos desastrosos para o planeta terra e seus habitantes; e de todos aqueles que buscam construir consensos para os “mundos plurais possíveis e necessários”.

 

O quarto Fórum Social Mundial que se realizou em Mumbai, na Índia, de 17 a 21 de janeiro de 2004, entrará para a história pela sua marca popular e plural. O Fórum ocorreu muito mais nas ruas, apinhadas de gente, com suas incansáveis e criativas formas de expressar suas mensagens, indignações, denúncias e vontades de construir esse novo mundo possível e necessário, do que nos espaços formais das conferências, seminários e oficinas.

Em torno de 150 mil pessoas lotaram diariamente os espaços do Fórum. Gente de 130 países e de centenas de povos tribais e indígenas de toda a Índia. As cores, os tambores, a poeira, os cantos, os gritos, as encenações ecoaram, encantaram e falaram mais alto nesses cinco dias do Fórum.

Mumbai, com seus 18 milhões de habitantes, num país de mais de um bilhão de pessoas e centenas de povos, línguas e culturas distintas, foi espaço de convergência mundial das utopias e das denúncias das barbaridades provocadas pela globalização capitalista que se manifesta nas guerras, militarização, exclusão, fome e miséria no mundo de hoje.

A própria Índia pode ser um exemplo deste avanço predatório, a penetração do sistema capitalista está, como nos demais países do terceiro mundo, mostrando sua face perversa e selvagem, ao produzir acumulação nas mãos de poucos e destruição e miséria para a grande maioria da população. Os grandes projetos, como hidrelétricas, exploração de petróleo, minérios e madeira, só nesses últimos anos, têm expulsado de suas terras e forçado a migrar cerca de 50 milhões de pessoas na Índia.

O Fórum Social Mundial, mais do que um rio onde deságuam as esperanças de transformações profundas no mundo, foi uma fonte aonde milhares de pessoas vieram alimentar sua mística e crença de que outros mundos plurais já existem ou estão sendo construídos.

 

Os índios no Fórum

Este foi o Fórum pé no chão, sandália empoeirada, coloridos deslumbrantes, vozes e línguas nativas. A Índia se encontrou no Fórum. Os povos indígenas asiáticos, em especial  da Índia, foram protagonistas de manifestações e presença permanente neste Fórum, especialmente a partir de suas mobilizações.

 Apesar desse rosto plural indiano e asiático, Blanca Chancoso, indígena do Equador, lamentou profundamente a ausência quase total de representantes indígenas das Américas. Para ela será necessário superar isso, fazendo com que no Fórum das Américas, que se realizará em Quito, Equador, de 25 a 30 de julho, participem expressivas delegações indígenas de todos os países e se prepare uma presença e participação indígena ampla e articulada no Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre.

 

Os temas mais discutidos

Não à guerra, não à globalização, não à dominação colonialista e imperialista, não à miséria, não aos fundamentalismos: estas foram algumas das expressões que perpassaram os mais de duzentos auditórios e salas, muitas delas construídas do bambu e recobertos de tecidos (estopa, lona).

Os “dalits” tornaram-se a grande causa de todos, razão pela qual o grito de “abaixo as castas”, ecoou durante o tempo todo nos espaços do Fórum.

 

Marcha pela paz, pela vida, por outro mundo possível

“Inqualab Dindabad” (que significa “vida longa ao novo mundo”), foi a palavra de ordem gritada pelas 70 mil pessoas que participaram da marcha de encerramento nas ruas centrais de Mumbai, no dia 21.

Em passo apressado e com faixas e bandeiras das diversas causas e países, os manifestantes partiram da estação Grant Road para o parque de Azad Maiden. No caminho fizeram com que outras milhares de pessoas observassem atentos a marcha.

Chegando ao parque, um lindo show com artistas de diversos países fechou o Fórum. Dentre os artistas que se apresentaram, Gilberto Gil deu o recado e agitou a multidão, em nome do Brasil.

Nas falas de encerramento manifestações contundentes de que a paz, com justiça e igualdade social, é possível, e a conclamação de todos e todas para a grande tarefa de construir os nossos sonhos, razão da esperança de tantas lutas e busca de união em todo o mundo.

 

 

Temas, tons e perspectivas do Fórum  Social Mundial

Os organizadores indianos do evento afirmaram que, em termos de política interna do país, um dos resultados mais positivos do FSM 2004 é que ele conseguiu reunir movimentos sociais de todas as tendências e de todas as correntes políticas de oposição da Índia. Segundo eles, a realização do FSM na Índia não apenas incluiu no processo uma variedade de novas culturas, mas trouxe uma nova dimensão para os debates e as articulações desse processo.

A adição de três novos focos ao FSM, que nas edições anteriores priorizou fortemente a luta contra a guerra, o imperialismo e a globalização neoliberal, foi um dos maiores ganhos. “A oposição ao patriarcalismo se tornou uma questão importante, este poderia ser o primeiro grande avanço do FSM; o fundamentalismo religioso e a exclusão foram o segundo grande tópico; e o castismo e a discriminação baseados nas origens foi o terceiro grande tema adicionado à pauta do Fórum. Esperamos que esses três temas sejam incorporados definitivamente ao FSM, junto com a luta antiguerra e a oposição ao neoliberalismo. Esperamos que o FSM, enquanto processo, se torne mais inclusivo com essas questões”, afirmou Minar Pimple, membro do Comitê Organizador indiano do FSM 2004.

“Maravilhoso, revolucionário, espetacular, diferente…” Essas foram talvez as avaliações mais comuns que se ouviu deste FSM. Porém, para alguns, ele deixou a desejar no seu aspecto organizativo e propositivo. É verdade que a simplicidade e criatividade foram a tônica principal da organização deste Fórum, marcado por uma incrível capacidade e tenacidade de seus organizadores indianos.

Para a indígena Blanca Chancoso, membro do Comitê Internacional do Fórum, a importante tribuna dos pobres do mundo em que se constituiu esse acontecimento não significa que ele não deva avançar na construção de consensos e estratégias para o enfrentamento do inimigo comum da humanidade, o sistema neoliberal capitalista e sua sede globalizadora. Porém, achou importante essa forma plural do próprio Fórum acontecer. “Nós indígenas temos outras formas de participar, não apenas em debates e reuniões”, afirmou.

O Pe. Varghesi, da Cáritas da Índia, destacou o aspecto da sinergia e entusiasmo que o Fórum transmitiu a todos os participantes. Foi um grande espaço para expressar e manifestar idéias e ideais e também de aprender com a riqueza de manifestações e experiências vitoriosas que vão acontecendo no mundo inteiro. Destacou a importância da diversidade de expressões culturais num intenso intercâmbio de modos de viver e lutar. Apesar desses aspectos positivos achou que o Fórum deveria centrar mais o foco em algumas questões. Porém, no geral, avaliou o Fórum como altamente exitoso, apesar do boicote do governo e da mídia, conseguiu se transformar num grande momento dos outros mundos possíveis.

Dom Tomás Balduíno espera que a próxima edição do Fórum, de volta ao Brasil, deixe de ser “cúpula” e se inspire na luta popular. “O único argumento que hoje convence as forças de opressão é a massa popular”, diz.

                                           

 

Egon D. Heck

 

  

Fonte: cimi
Share this: