• 24/02/2010

    Indígenas Tupinambá são agredidos na Bahia

    Novas arbitrariedades com indígenas na Bahia. Na última sexta-feira (19), indígenas da aldeia de Serra do Padeiro sofreram ataques e ameaças de fazendeiros da região. As agressões aconteceram durante manifestação dos produtores da região contra a demarcação das terras Tupinambá.

     

    José Domingos e Givaldo Jesus da Silva, indígenas Tupinambá, estavam na cidade de Buerarema vendendo a produção de farinha da comunidade. No mesmo local, na Praça Domingos Cabral, acontecia manifestação liderada por fazendeiros, que já há algum tempo vêm incitando a população contra os indígenas. Ao avistarem os indígenas na praça, os fazendeiros e seus simpatizantes perseguiram e ameaçaram José Domingos e Givaldo, destruindo os carros de sua comunidade.

     

    Revoltados com as agressões, a comunidade deslocou-se para parte da área indígena demarcada, ainda em poder de um dos fazendeiros, o principal agitador e incentivador de agressões contra os indígenas. A comunidade está cansada de esperar que soluções sejam tomadas por parte das autoridades em relação à demarcação de suas terras. Os indígenas esperam que investigações sejam realizadas para evitar os ataques que freqüentemente têm sofrido.

     

    Na manhã de sábado, os indígenas que ocuparam a fazenda foram violentamente surpreendidos pela Polícia Federal, que estava em companhia dos fazendeiros. De acordo com lideranças indígenas, os policiais agiram com violência, atirando e intimidando as pessoas. Durante a ação, diversos indígenas se refugiaram na mata, dois deles juntamente com outros dois não indígenas foram presos pelos policiais. Os detidos foram acusados pela PF de formação de quadrilha, reação à prisão e esbulho possessório.

     

    Ainda na noite de sábado os dois não indígenas foram liberados. José Domingos e Givaldo da Silva só voltaram pra casa na manhã de domingo. De acordo com o grupo que ocupa a fazenda, nem mesmo a operação arbitrária e violenta da Polícia Federal fará com que saiam do local. "Temos direito à terra que nos pertence tradicionalmente. Além disso, esse fazendeiro é o principal agitador do povo contra nossa comunidade, mesmo não tendo motivos para isso", afirmou a liderança Glicélia Jesus da Silva.

     

    Perseguição

     

    A perseguição do fazendeiro à comunidade é de longa data. Ele, inclusive, tem utilizado espaço na Rádio Jornal de Itabuna, durante o programa Novo Amanhecer, para atacar, ofender, agredir e levantar calúnias contra os indígenas. "Somos constantemente perseguidos por esses fazendeiros, por isso resolvemos realizar essa retomada. Eles precisam entender que o tempo dos grandes coronéis já passou, que temos direitos que devem ser respeitados", afirmou Glicélia.

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  • 23/02/2010

    Referendo mundial para enfrentar mudanças climáticas

    A maioria das pessoas sabe que a Conferência dos Chefes de Estado sobre o Clima, realizada em dezembro de 2009 em Capenhague, foi um fracasso. A grande mídia deu essa informação. Como de hábito, contudo, ela deixou de informar sobre o que fizeram as organizações sociais que também se reuniram na mesma oportunidade. Menos ainda elas noticiaram o que foi proposto por governantes em favor de caminhos alternativos aos que dominaram os debates da Conferência. Em vista disso, o presente artigo propõe-se cobrir parte desse vazio, destacando a proposta apresentada à Conferência no dia 17 de dezembro pelo Presidente da Bolívia, Evo Morales.

     

    Por que Evo Morales?

    É importante destacar que Evo Morales faz parte do povo indígena Aymara, e não deixou de ser indígena ao ser eleito Presidente; mesmo porque a Constituição boliviana reconhece as Nações que compõem o Estado da Bolívia. Com certeza, sua proposta tem tudo a ver com a cultura e religião de seu povo, que é parente das culturas dos demais povos de longa história do Continente. Para eles, a Terra é Pachamama, Mãe Terra, fonte generosa de vida. Por isso, toda relação com ela tem a ver com todas as formas de vida, e de modo especial com os seres humanos; tem a ver, na verdade, com os direitos da própria Terra, anteriores aos direitos de todos os seres vivos e dos humanos. Por isso, a atividade da pesca, da caça, da derrubada de árvores, do plantio de sementes, enfim cada atividade deve ser precedida por orações cultuais de pedido de licença, de bênção e de perdão.

     

    Sentindo-se agredido, como filho de Pacahmama, pelas propostas dos empresários capitalistas, trazidos a tiracolo pela maioria dos governantes, que teimam em manter o que já feriu a Terra como sua fonte de enriquecimento, aceitando apenas mudanças superficiais, Evo decidiu enfrentá-los. Como? Apostando no poder soberano dos Povos da Terra.

     

    Referendo mundial

    Afinal, quem deve decidir sobre o que fazer para atacar o que causa Aquecimento cada vez maior do Planeta? O único ser vivo da Terra que pode usar sua liberdade para tomar esta decisão é o ser humano; as pessoas humanas, que formam diferentes povos, são o único poder soberano em relação a esta e a muitas outras decisões que têm a ver com a vida e com o ambiente que permite a continuidade e desenvolvimento da vida. A sorte da Mãe Terra e de seus filhos e filhas não pode ficar nas mãos de quem deseja transformar tudo em mercadoria, em coisas que geram riqueza…

     

    De que forma a humanidade pode ter oportunidade de manifestar sua vontade livre? Por meio de uma Consulta, um Referendo Mundial: “Já que temos profundas diferenças entre nós, presidentes, consultemos ao povo e façamos o que ele nos disser”, declarou Evo em Copenhague. Por isso, anunciou que assumia convocar este Referendo com as seguintes perguntas:

     

    1)         Você está de acordo em restabelecer a harmonia com a natureza reconhecendo dos direitos da Mãe Terra? SIM ou NÃO

    2)         Você está de acordo em mudar este modelo de super-consumo e desperdício que é o sistema capitalista?SIM ou NÃO

    3)         Você está de acordo que os países desenvolvidos reduzam e reabsorvam suas emissões de gases de efeito estufa de forma doméstica para que a temperatura não suba mais de 1 grau Celsius? SIM ou NÃO

    4)         Você está de acordo em transferir tudo que se gasta com as guerras e destinar um orçamento superior ao orçamento de defesa para as mudanças climáticas? SIM ou NÃO

    5)         Você está de acordo com um Tribunal de Justiça Climática para julgar aos que destroem a Mãe Terra? SIM ou NÃO

     

    Eu já votei. E você?

    Para participar deste Referendo, basta entrar no Site HTTP://portalmre.rree.gov.bo/cumbre/Referendum.aspx preencher os dados e votar.

    Precisamos ser milhões! O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS) está empenhado nesta campanha e conta com todas as forças sociais para mobilizar o Brasil a entrar nela. Faça sua parte: convide a todos que puder para entrarem nesta corrente em favor da vida da Terra e da vida humana na Terra.

     

    Ivo Poletto – assessor do FMCJS – fclimaticas@gmail.com

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  • 22/02/2010

    Por uma verdadeira liderança do Brasil no enfrentamento das mudanças climáticas

    UM POUCO DE CONJUNTURA INTERNACIONAL

    A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, mobilizou o mundo inteiro. O Aquecimento Global que vem ameaçando ilhas e cidades litorâneas, além de ter mudado todo o clima, com tufões onde antes não existiam, grandes períodos de seca ou de chuva, deixou a humanidade em alerta para ver o que a cúpula do clima faria.

     

    O que se viu, no entanto, foi o fracasso total de um acordo para o bem do planeta e dos seres humanos. A Conferência de Copenhague foi a maior conferência da história da ONU, com 193 chefes de estado e mais de 46 mil participantes. O que se discutiu lá dentro não tinha relação alguma com a redução de emissão de gases de efeito estufa ou com o socorro às comunidades que já estão sofrendo com os efeitos das mudanças climáticas. O que se viu foi uma grande feira do capitalismo verde, assim como essas que acontecem de carros ou de computadores. As gigantes transnacionais estavam presentes em peso. O capitalismo, ainda afundado em uma crise, buscava um novo fôlego para sua expansão.

     

    E as falsas soluções apresentadas para a questão climática não disfarçam o interesse do capital: agrocombustíveis, que estão destruindo os camponeses na América Latina e na África; monocultivo de eucalipto e pinus, que avançam em todo o hemisfério sul; pagamento financeiro para latifundiários que reduzirem o desmatamento e várias outras “alternativas”, que nada resolvem o problema.

     

    Por outro lado, as organizações sociais que construíram o fórum paralelo em Copenhague deram um grande salto de qualidade. Para além da leitura que a questão climática será solucionada com ações individuais, o KlimaFórum definiu um lema enfático: Mudar o Sistema, e não, Mudar o Clima. As falsas soluções foram denunciadas, principalmente os impactos que causam nos países africanos, latino-americanos e asiáticos.

     

    As soluções corretas, baseadas na soberania dos povos, foram apontadas por este fórum: agricultura camponesa no lugar de agricultura industrial; transporte de massas no lugar de carros supostamente ecológicos; reforma agrária e urbana para enfrentar o caos das megalópoles; integração produtiva entre ser humano e natureza, no lugar do mito da natureza intocada ou com recursos infinitos.

     

    Essa construção popular e democrática se uniu ao chamamento do governo boliviano, que lançou em Copenhague a tese de que devemos abandonar os caminhos traçados até agora pelas negociações oficiais e passarmos a debater os direitos da Mãe Terra e dos Povos. Com o fracasso da conferência da ONU, a proposta boliviana ganhou legitimidade maior. A união destas duas frentes promete ser o ponto diferencial – e um dos pólos de embate – da próxima conferência a ser realizada no México no final de 2010.

     

    PROBLEMAS DE COERÊNCIA ENTRE O DIZER E O FAZER

     

    Por que tantos elogios e títulos internacionais?

    É sempre bom orientar-se pela sabedoria popular, mesmo se com variantes. O ditado “dize-me quem te elogia e eu te direi de quem tu és” serve como uma luva para tentar entender a atuação do Presidente Lula e seu governo em relação às Mudanças Climáticas. Até a chegada do Presidente em Copenhague, a participação brasileira na Conferência da ONU sobre essas Mudanças que tanto agoniam a humanidade foi, no mínimo, apagada e contraditória. Uma vez mais, por exemplo, a coordenadora da delegação, Dilma Russef, reafirmou sua visão de que o meio ambiente atrapalha o desenvolvimento. De qual desenvolvimento, ministra?

     

    O fato é que a numerosa delegação oficial brasileira fez parte do que Lula definiu, em seu último discurso, como “falta de inteligência” para construir um acordo. E aí, na última hora, o próprio Lula entrou na contramão da democracia e da construção de consenso, necessário para qualquer Acordo da ONU. Ao mesmo tempo, fez um discurso duro, crítico e desafiador, muito aplaudido, mas assumiu a corresponsabilidade de tentar impor a todos os países um texto de “acordo” elaborado por um pequeno grupo de países. Completou-se, com isso, o fiasco da Conferência de Chefes de Estado: a partir de uma crítica do procedimento e da proposta de que o documento não fosse aceito, por não expressar o debate e as exigências particularmente dos países mais empobrecidos e mais prejudicados pelas Mudanças Climáticas causadas pelos mais ricos, a maioria retirou-se da Plenária e apenas 29 países assinaram o “acordo”.

     

    É estranho que, a partir daí, Lula não pare de receber títulos, de órgãos da grande mídia e do próprio Fórum Econômico Mundial, que se reúne em Davos, na Suíça. Qual o motivo para tanto agrado e reconhecimento? No geral, afirma-se que ele patrocinou, no Brasil, um “caminho exemplar” para “sair da crise econômica mundial”; mas também sua atuação em Copenhague foi muito valorizada. Afinal, a quem serviu a atuação de Lula? Os sinais indicam ter servido aos que estavam, e continuam interessados em que os países não sejam obrigados a metas e prazos para o enfrentamento das causas do Aquecimento Global; em que se abandone o Tratado de Kyoto e se fique com um “acordo” assentado em boas intenções e na defesa incondicional da liberdade de iniciativa de cada país, de cada governante. Pela homenagem de Davos, pode-se concluir: estão satisfeitos exatamente os setores empresariais que não aceitam nada além do uso da “sustentabilidade” para promover ainda mais seus negócios e seus lucros através da expansão permanente do consumo, e provocando, com isso, desequilíbrios cada vez maiores das energias da Terra.

     

    Incoerência ou coerência nas políticas internas

    Avalizando mais um ditado popular – “isso é para inglês ver” -, a prática do governo Lula dentro do Brasil confirmou as dúvidas em relação à atuação externa: pouco depois de aterrissar em Brasília, Lula emplacou três vetos à Lei que institui a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas aprovada pelo Congresso Nacional. Foram vetadas as propostas presentes no Art. 10, que indicavam passos para “a substituição gradativa dos combustíveis fósseis”. Em outras palavras, o governo não aceita ir superando a dependência da hidroeletricidade, e muito menos que haja normas legais que relativizem o uso do etanol e do petróleo como fontes que “garantam a segurança energética necessária para o desenvolvimento do país”.

     

    É incrível que o Governo Federal continue mais cego do que o Congresso em relação à imensa oferta gratuita de sol e de vento como fontes de energia elétrica. Países da Europa e da Ásia, com muito menos sol aberto do que o Brasil, avançam em novas tecnologias para contar cada vez mais com energia solar e eólica em sua matriz energética. A teimosia brasileira só pode ser entendida como dependência governamental das grandes empresas empreiteiras, interessadas nas grandes obras das usinas hidrelétricas, da transposição das águas do rio São Francisco e na transformação da água e da energia em mercadorias.

     

    Além disso, os vetos retiram da Lei a promoção, por organismos públicos de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico, de estudos e pesquisas científicas e de inovação tecnológica de fontes renováveis de energia em substituição aos combustíveis fósseis, bem como a promoção da educação ambiental, formal ou não formal, a respeito das vantagens e desvantagens e da crescente necessidade de utilização de fontes renováveis de energia em substituição aos combustíveis fósseis…  Em outras palavras, nada que relativize os combustíveis fósseis pode fazer parte da Política Nacional sobre Mudanças Climáticas.

     

    Devemos juntar a este cenário as disputas em relação à legislação ambiental existente, de modo especial ao Código Florestal Brasileiro. Apesar da luta insistente dos movimentos camponeses e de entidades da sociedade civil para que o Código Florestal não seja destruído, o Governo Federal faz questão de ouvir apenas o agronegócio e sua bancada no legislativo.

    Após meses de diálogo com os movimentos do campo – e da total ausência de debate com os ruralistas, já que estes se furtam do debate – o governo federal simplesmente descartou o acumulo feito junto com as organizações populares e lançou um dúbio programa, chamado Mais Ambiente, onde abre concessões perigosas para o agronegócio e seus desmatadores.  Além disto, tem pressionado o Congresso para que aprove logo modificações no Código Florestal, a fim de atender aos interesses dos latifundiários: anistia de multas e de áreas desmatadas, mercantilização das áreas que devem ser preservadas, diminuição das áreas de reserva legal na fronteira agrícola.

     

    A proposta dos movimentos sociais levada ao governo é a única que interessa à sociedade brasileira e ao meio ambiente: incentivos para a recuperação das áreas, com tecnologias viáveis e com geração de renda, baseando o desenvolvimento no campo na agroecologia e na cooperação, na soberania energética, alimentar e hídrica das comunidades. Essa proposta foi sumariamente descartada pelo Governo Federal, em mais uma demonstração de coerência com sua aliança com o agronegócio e com o desenvolvimentismo retrógrado.

     

    COMPROMISSOS

    Frente a isso, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social assume os seguintes compromissos:

     

    1) junto com outras redes, movimentos e pastorais sociais, pressionar o governo brasileiro a retirar sua assinatura do “acordo” elaborado às pressas em Copenhague e, coerentemente, não participar das pressões e ameaças que estão sendo feitas para que os países o aceitem como documento da ONU;

     

    2) com rejeição dos vetos pelo Congresso Nacional ou sem ela, mobilizar a sociedade em favor de mudanças profundas da matriz energética brasileira, exigindo que o sol e os ventos sejam priorizados como fontes, reduzindo progressivamente a dependência das fontes fósseis, do etanol e da hidroeletricidade, todas elas fontes que interferem no meio ambiente;

     

    3) reforçar as iniciativas que visam levar informação, gerar consciência crítica e mobilizar a sociedade a mudar a política de distribuição e uso da energia elétrica, que até agora privilegia as indústrias eletrointensivas, como a Vale, a CSN e a Votorantim, priorizando a promoção de um modelo de desenvolvimento centrado no direito de bem viver de toda a população e nos direitos da Mãe Terra.

     

    4) apoiar as mobilizações dos povos indígenas e das demais pessoas de todo o país contra o absurdo e desnecessário projeto de construção da Hidrelétrica do Xingu, insistindo que há outras fontes para a geração da energia elétrica e que é urgente definir outro modelo de desenvolvimento, centrado na vida das pessoas e da própria Terra, como é proposto pela Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano;

     

    5) denunciar as falsas soluções para as Mudanças Climáticas, desmascarando sua pretensa “sustentabilidade” e destacando seus impactos nas comunidades de todo o Brasil;

     

    6) mobilizar as forças sociais em favor da Conferência dos Povos da Terra, convocada pelo Presidente da Bolívia,  Evo Morales, a ser realizada em Cochabamba  por ocasião do Dia da Terra, 22 de abril.

     

    Brasília, 18 de fevereiro de 2010.

    (construção coletiva coordenada por Ivo Poletto e Luiz Zarref)

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  • 22/02/2010

    Nota de solidariedade aos povos em luta contra a hidrelétrica de Belo Monte

    Passados mais de 20 anos do fim da ditadura militar, que cerceou os direitos sociais e atentou contra qualquer luta e reivindicação da sociedade, resquícios ainda perduram, embora com alguns avanços conquistados rumo à democracia. Com assombro nos últimos anos, assistimos a multiplicação de grandes empreendimentos em todo o Brasil, mormente compondo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, que vem se configurando, na prática como verdadeiros atentados à democracia pretendida. As ações, no sentido de implementar estes projetos se dão, anacronicamente e sem exceção, através de atos eminentemente ditatoriais, ignorando as leis e, principalmente, as populações locais atingidas por estes projetos do capital.

     

    Exemplos não faltam: projeto de transposição do rio São Francisco, hidrelétricas no rio Madeira e várias outras grandes e pequenas centrais hidrelétricas, estradas, hidrovias e portos. Projetos cuja semelhança está, principalmente, em não permitir a efetiva participação daqueles e daquelas que serão brutalmente atingidos e cerceados, em muitos casos, de seus espaços de vida secularmente construídos.

     

    Assim é o Projeto hidrelétrico de Belo Monte, herança ainda da ditadura militar, que já foi chamada de Kararaô. Mudou o nome, mas não as formas de pressão e atentados contra os povos, que têm no rio Xingu mais que uma porção de água. Para os povos indígenas, o Xingu é vida, fonte de sobrevivência, de alimento, de fé, de cosmovisão, de mitos. O Xingu é a estrada que se trilha para a esperança, representando o maior bem humano, que é a casa. Não se destrói a casa do outro.

     

    É nesta região que se trava a arena de conflitos, principalmente causadas pelas grandes construtoras, mineradoras, companhias hidrelétricas, empresários e demais segmentos do capital e do poder político que, em nome do desenvolvimento, têm destruído o ambiente, e consequentemente trazendo os dilemas sociais de segmentos considerados marginalizados, à mercê de políticas que insistem em roubar a vida… Não há nenhum direito que seja legítimo, quando roubamos a esperança do povo brasileiro, uma prática herdada da sangrenta história brasileira e que ainda persiste de forma direta ou indireta.

     

    Diante de uma nova política pública para a Amazônia Legal, com objetivos de um novo modelo de desenvolvimento, é de duvidar das reais intenções desse propósito, se no trato com questões tão preciosas para os povos da floresta, em especial os rios da bacia amazônica, novamente vemos o desrespeito às reivindicações sociais locais, às leis ambientais, e o embate das polícias públicas que se chocam neste espaço.

     

    Lutamos por eleger um governo democrático, que tem como base os movimentos sociais, advindos das lutas ainda nos tempos da ditadura, e que pensamos que seria mais sensível às lutas pelas coisas que o povo, o mais simples, o que tem a terra como fonte de vida e que se reconhece neste espaço pudesse ter audiência neste embate. São nessas grandes lutas, em que os grupos em condições de vulnerabilidade sente que está sozinho, que a lei que o protege é desrespeitada, além de todo sua cultura e seus valores.

     

    Apoiamos o movimento social formado na região do Xingu "Movimento Xingu Vivo para Sempre" para impedir as barragens e formamos com eles um elo de solidariedade contra esse projeto, contra a liberação da licença prévia, contra o início do projeto. Entendemos que a voz desse momento que se posiciona contrário é a nossa voz também.

     

    É preciso assegurar, respeitar e considerar o diálogo com a sociedade civil de forma aberta e participativa, principalmente, com os grupos diretamente afetados, garantindo, assim, a ampliação do debate acerca de sua implantação e do alcance dos danos acarretados à sociedade.

     

    Para além de luta solidária, que parece ser alheia a nós, nosso manifesto soma-se à luta dos povos da floresta, entre tantos grupos sociais, porque reconhecemos que a luta é intrínseca e não estranha ao Grupo de Trabalho de Mobilização Social do estado de Mato Grosso. Neste momento, com especial consideração aos povos do Xingu, posicionamo-nos fortemente contrários à hidrelétrica de Belo Monte, e a qualquer projeto desenvolvimentista que seja gerador de mortes por injustiças socioambientais. É preciso construir outra Nação, sob a consideração de que os megaprojetos têm trazido mais prejuízo do que benefícios aos povos da floresta. E toda vez que triunfa a esfera econômica, sucumbe o sonho, a esperança e a vontade de construir um Brasil mais justo do ponto de vista social e, ousadamente, mais sensível para proteger nosso ambiente.

     

    Não à usina, pela fé na vida!

    Xingu para sempre!

     

    Grupo de Trabalho e Mobilização Social – GTMS

     

    Mato Grosso, 12 de fevereiro de 2010.

     

     

    SIGNATÁRIOS:

     

    Grupo de Trabalho de Mobilização Social / GTMS

    Associação Amigos da Amazônia Viva / AAAV

    Associação Brasileira de Homeopatia Popular / ABHP

    Associação Rondopolitana de Proteção Ambiental / ARPA

    Coletivo Jovem de Meio Ambiente / CJMT-MT

    Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental / CIEA-MT

    Conselho Indigenista Missionário / CIMI-MT

    Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres / FLEC

    Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação, UFMT

    Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, UFMT

    Instituto Caracol

    Instituto Gaia

    Instituto Indígena Maiwu

    Movimento dos Trabalhadores Sem Terra / MST-MT

    Rede Axe Dudu

    Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental / REMTEA

    Revista Sina

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  • 19/02/2010

    Campanha da Fraternidade e Povos Indígenas

    A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 tem como objetivo fortalecer os laços de fraternidade e de cooperação entre as Igrejas Cristãs e pessoas de boa vontade na promoção de uma economia a serviço da vida, sem exclusões, construindo uma cultura de solidariedade e paz.

    As comunidades cristãs, nesta Campanha são chamadas a se deixar provocar pelas palavras do evangelho “Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde as traças e os vermes arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar. Mas cumulai para vós tesouros no céu” (Mt 6, 19-20). “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). Jesus assume esta pratica, na relação diária, assumindo a simplicidade no uso dos bens materiais, de solidariedade com os pobres, de distribuição gratuita dos dons de Deus.

    O tema da campanha da Fraternidade "Economia e Vida" quer provocar todas as pessoas de boa vontade para uma reflexão sobre o modelo econômico neoliberal e as conseqüências deste para toda a humanidade. O lema: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24), é uma iluminação, que nos ajuda a posicionar-nos frente a qual modelo defendemos, o da vida ou o da morte.

    Os povos indígenas nos ajudam a refletir sobre o sentido desta Campanha, nos afirmando com sua prática diária que economia é uma cadeia que se relaciona entre si, por isso, é necessário ser considerado um todo, como: educação, saúde, economia, cultura, religião, garantia dos territórios e sua integridade física, enfim um conjunto de práticas que envolvem o viver e o ser de um povo. Um povo é autônomo quando está planejando suas ações de forma que constroem o seu projeto de vida, garantindo sua sustentabilidade e também das gerações futuras. Estas ações podem ser a curto, médio ou longo prazo.  Este tema provoca uma profunda reflexão sobre os modelos de sobrevivência de cada povo, que envolvem todas as práticas que contribuem com um verdadeiro projeto de desenvolvimento.

    No Brasil, das 27 unidades da Federação, 24 têm povos indígenas, num total de 230 povos que convivem com a sociedade nacional, falando 180 línguas maternas. Além destes, há 67 povos indígenas em situação de isolamento e risco de extinção ou ainda não contatados. Destes, 15 estão no estado de Rondônia. A maioria dos povos ainda vive de suas economias tradicionais. A base de suas relações comerciais é a troca ou a venda de produtos confeccionados nas aldeias, como a farinha, o artesanato e outros. A economia indígena pode ser considerada um exemplo historicamente vivo de auto-sustentabilidade e integração com o meio ambiente, na medida em que as populações indígenas sobreviveram e se reproduziram historicamente segundo modelos próprios, com baixa interação e integração com a economia de mercado.

    A terra é mãe para os povos indígenas, um ser sagrado que merece respeito, não deve ter o sentido de mercadoria e lucro. Vale salientar que muitos destes povos não têm seu território tradicional regularizado, outros ainda nem sequer estão reconhecidos pela política do Governo Federal e continuam sendo discriminados pelo órgão oficial. Regras sociais e culturais, individuais e coletivas, que estruturam as economias indígenas e os processos de etno desenvolvimento, contribuíram até hoje para a preservação da qualidade ambiental e da biodiversidade.

    Os povos indígenas sempre tiveram formas próprias de desenvolver as relações econômicas entre pessoas, famílias e comunidades. Economia da reciprocidade, solidariedade, etno desenvolvimento, auto-sustentabilidade e autonomia é o fruto do dia a dia nas comunidades indígenas. Na base destas relações está a prática de reciprocidade, ou seja: dar e receber. Estas ações são partes de um movimento único e as trocas entre as pessoas e entre os grupos são permanentes. A reciprocidade garante a redistribuição permanente dos bens no interior da comunidade e impede que uma só pessoa acumule grande parte da riqueza do grupo. Nas comunidades indígenas não há descriminação, eles acolhem e valorizam os idosos e não existem crianças abandonadas; a alegria é festejada por todos e a dor de um é dor de toda a comunidade.

    É uma economia na qual a convivência, a solidariedade e a reciprocidade são elementos fundamentais, as atividades econômicas conciliam a competência para produzir (quem conhece os objetos de artesanato indígena, por exemplo, sabe como são sempre feitos com grande capacidade e beleza), o conhecimento e respeito à natureza, os saberes tradicionais do grupo, as crenças e as visões de cada povo sobre o mundo.

    No estado de Rondônia, existem pelo menos 15 povos que se mantêm distanciados do contato com nossa sociedade. Conseqüentemente, vivem suas economias em sentido pleno, sem interferência da lógica capitalista, para a qual o lucro e a acumulação de dinheiro estão acima de tudo, até da própria vida. Os povos em situação de isolamento e de risco estão aí para nos mostrar, que apesar da lógica do mercado e do consumismo que impera no mundo inteiro, é possível sobreviver sem ser atingido pela ideologia do mercado.

    Sobre os grandes projetos incentivados pelo governo e os falsos projetos de desenvolvimento sustentável contrapondo toda a prática tradicional e cultural dos povos indígenas, incentivando a pecuária, o plantio de café, a venda de madeira, garimpagem de minérios, aviários, ecoturismo, a construção de hidroelétricas. Esses projetos entram nas aldeias sem a devida preparação e condição de manutenção, ficando bem claro a não participação da comunidade na elaboração do projeto, bem como a compreensão política e social do mesmo.

    Muitos são os desafios que sofrem os povos indígenas no estado de Rondônia: o agronegócio, o uso de agrotóxicos nas terras indígenas que fazem divisas com fazendas, barragens; rodovias, complexo de madeira, gasoduto, exploração de petróleo, as estradas mal conservadas. Os grandes projetos geram dependência e insegurança na área da auto-sustentação e incentiva a busca de projetos financeiros fora da comunidade. Por outro lado, a construção de barragens – hidroelétricas, que desvia os rios e seca os igarapés, repercute na subsistência e na sobrevivência física dos povos indígenas que direta ou indiretamente são atingidos.

    A Campanha da Fraternidade deste ano, ajudará os cristãos e cristãs a olharem para estes modelos econômicos existentes, que desafiam a lógica do mercado capitalista e propõem uma economia baseada nas relações de reciprocidade e em plena harmonia com a natureza. Como fala o indígena Seatle, “a terra é nossa mãe, se a destruímos, estamos destruindo a nós mesmos”.  

    Porto Velho, 17 de fevereiro de 2010.

    CIMI-RO

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  • 19/02/2010

    Newsletter 901: Community of Kaingang People retake land in capital of Rio Grande do Sul

    On Wednesday evening the 17th of February, a group of 15 families of the Kaingang people retook an area of land named Morro Santana, in the Barro Santana, in Porto Alegre, capital of the state of Rio Grande do Sul. These families live on the peripheries of the capitol and for many years have demanded that FUNAI (National Foundation of Indigenous Affairs) constitute a Working Group (GT- Grupo de Trabalho) to conduct the studies for identification and demarcation of the area.

     

    According to Eli Kaingang, an indigenous leader in the region, the occupation was tranquil and with the clear objective of demanding a right of the Kaingang people: access to land. “The occupation was well considered and well planned, it is based on years of research and study about the old residents of the area. The question came to the attention of the people by means of a journalist who published an article saying that the land had been occupied by our people and was originally ours”, he declared.

     

    Academic research

    The area occupied by the Kaingang is under the domain of the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS) and located near the municipalities of Alvorado and Viamão. Researchers from the university linked to the biology, archeology and anthropology departments developed studies pointing to the land in question as being used by the Kaingang for decades. Morro Santana makes up part of the areas that indigenous families traditionally occupy for the management and collection of materials such as cipó plants and taquara bamboo, utilized as prime material in the creation of artisan work and baskets.

     

    In 2008 FUNAI held several meetings with leaders of the Kaingang people in Rio Grande do Sul, especially in Porto Alegre and Passo Fundo. During these meetings indigenous leaders made known their relationship to the areas they want demarcated. Among those areas indicated by the Kaingang were: Morro do Osso, Lomba do Pinheiro, Morro Santana, São Leopoldo, Estrela, Lajeado and Farroupilha. The representatives of the indigenist agency made the commitment that by July 2009 they would create Working Groups with the objective of conducting studies of identification of these areas.

     

    Fundamental rights

    According to indigenous leaders, the retaking of Morro Santana has the objective of marking a firm position in defense of their rights, and with this the Kaingang intend to expedite the creation of working groups by the FUNAI for proceeding with the studies in the areas claimed by them for decades. “We are tired of waiting, this is why we resolved to occupy the area demanding provisions by FUNAI. We demand respect for our rights to land as well as the creation of public policies specifically in health and education”, said Eli.

     

    The land where this Kaingang community lives, indigenous territory Nonoai, located in the north of the state became insufficient for sustaining life and the subsistence of the families. The area was demarcated in 1910, when circa 400 indigenous people lived in the region. Today there are nearly ten thousand people. The lack of space for planting and other forms of maintenance of indigenous physical and cultural health caused many families to move to the city, which alienated the children and youths from parts of the customs of their people.

     

    The eldest still firmly maintain traditions, such as language and practice of rituals, even in the urban centers. The youths, through coexistence with non-indigenous and lack of specific and differentiated study have become ever more distant from traditional indigenous culture, hardly speaking the mother tongue and losing nearly all of their rituals.

     

    Relationship with the land

    Kaingang from all of the areas live in urban centers and maintain a firm relationship with the environment, they depend on it for their physical, spiritual and economic survival. The areas claimed are those necessary for survival and maintaining the culture of this people. In these lands the families celebrate life, realize rituals, collect seeds and traditional remedies, develop educational practices for the children and youths, in the perspective of strengthening Kaingang culture.

     

    Urban space is today integrated into the Kaingang way of living and in a dynamic form, they maintain a direct relationship by means of commercialization of their products, in the struggle to guarantee rights to health, education and for urban spaces where they succeed in establishing their labor bank. The hundreds of indigenous Kaingang families who live in the urban centers succeed in living their culture dynamically by means of speaking their own language, by rituals of birth, marriage, eating habits, of celebrations including rites of passage and rituals in death.

     

    Porto Alegre, 18 February of 2010

    Cimi Staff South Porto Alegre

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  • 18/02/2010

    Hydroelectric of Belo Monte: A question of democracy

    The construction of the Hydroelectric Plant of Belo Monte, on the Xingu river, in Amazônia has to be seen as energy production and security of the country, without doubt. But it is far from being something restricted to evaluation by engineers, economists and administrators of energy policy. It appears an emblematic symbol of where the country is headed. In the end, what country are we constructing?

     

    Belo Monte, as well as Santo Antônio and Jirau, on the Madeira river, are hydroelectrics considered as part of the project “Brasil Grande” of the military dictatorship, during the 1970s. But thirty years later, such projects are resumed and, once again, presented as inevitable for development and energy security. Contributing to this is awareness of the enormous risk of climate change due to the burning of fossil fuels. The hydroelectrics signify clean energy.

     

    Even with significant technical changes – of great reservoirs, typical to Itaipu, on the Paraná river, for smaller reservoirs with turbo turbines – and substantive improvement in the evaluation of environmental impact, we continue with the same vision on energy and energy security of the era of the dictatorship.

     

    Does there not exist another way of seeing and resolving the essential problems of energy? I do not believe in the authoritarianism contained in the technocratic vision that we impose on this type of solution. I see, to the contrary, the difficulty of the development model that turns entire regions of the country, like Amazônia and the Mid West into mere zones of reserves of natural resources. That is a development, in essence, concentrated on riches and destructive of the natural base.

     

    The controversy over Belo Monte is not yet ended, despite the environmental license being recently granted by IBAMA. The “whiners” continue to resist: originary indigenous peoples, communities of fishermen, small scale extractivists and agriculturalists, all those who have much to lose and nothing to gain, not even electric energy, in the name of the development of Brazil. What Brazil? For whom? To those who resist in the place activist human rights allies and environmentalists of various currents. And there are also the insistent attorneys attacked by the Attorney General himself for doing their job.

     

    It advances  nothing to allege that all the rites [of holding public hearings] were conducted and that 40 demands of IBAMA should be attended to for the work not to be embargoed. The fact is that the decision of using the Xingu river as energy resource attends to the interests of the great contractors and investors, great industrial consumers of electrical energy (aluminum and others). Such decisions have already been made, lacking only shaping of the environmental and other conditions. The rite was not for changing a decision, but for legitimating it.

     

    Why more of this aggression on the peoples of the forest and Amazônia? Are we not capable of freeing ourselves from obsolete ideas of development that lead us to practice a species of internal colonialism, which conquers so-called free zones and from expansion, exploits natural resources, destroys and concentrates wealth?

     

    The justification of the clean energy matrix does not improve the image of a development opposed to the future of the peoples who make up our Brazilian diversity. Other options, many other options exist. One of these is the more efficient use of the energy we already have. In addition to this, we can and should convert to solar and wind electricity gifted to us by nature. Why insist on the great power plant, on costly investments of production and transmission of energy for distant places, and not small and localized, where the need for electric energy exists and the possibility to satisfy it?

     

    The debate on the Hydroelectric of Belo Monte is, above all, a debate on the Brazil that we want – sustainable, in solidarity and democratic – , in which power and economy relocate, nearer to the citizen and are controlled by him/her.

     

    Candido Grzybowski

    Sociologist, director of IBASE

    (Brazilian Institute of Social and Economic Analysis)

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  • 18/02/2010

    Informe nº 901: Comunidade do povo Kaingang retoma terra na capital do Rio Grande do Sul

    No início da noite da quarta-feira de cinzas (17), um grupo de 15 de famílias do povo Kaingang retomou uma área de terra denominada de Morro Santana, no Bairro Santana, em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Essas famílias viviam nas periferias da capital e há muitos anos reivindicam que a Funai constitua um Grupo de Trabalho (GT) para realizar os estudos de identificação e demarcação da área.

     

    De acordo com Eli Kaingang, liderança indígena da região, a ocupação se deu de forma tranqüila e com o objetivo claro de cobrar um direito que é do povo Kaingang: o acesso a terra. “A ocupação foi muito pensada e bem planejada, ela está baseada em anos de pesquisa e levantamento sobre os antigos moradores da área. Questão que chegou ao conhecimento do povo por meio de um jornalista que publicou matéria falando que a terra já havia sido ocupada por nosso povo e que originalmente era nossa”, declarou.

     

    A área ocupada pelos Kaingang está sob o domínio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e localiza-se próximo aos municípios de Alvorada e Viamão. Pesquisadores da própria universidade, vinculados às áreas de biologia, arqueologia e antropologia desenvolveram estudos nos quais apontam que a terra em questão vem sendo usada pelos Kaingang há décadas. O Morro Santana faz parte das áreas que famílias indígenas ocupam tradicionalmente para o manejo e coleta de materiais, tais como cipós e taquara, utilizados como matéria prima na confecção do artesanato e das cestarias.

     

    No ano de 2008 a Funai realizou diversas reuniões com lideranças do povo Kaingang no Rio Grande do Sul, de modo especial em Porto Alegre e Passo Fundo. Durante essas reuniões, lideranças indígenas apresentaram uma relação de áreas sobre as quais reivindicam a demarcação. Dentre as áreas apontadas pelos Kaingang estão: Morro do Osso, Lomba do Pinheiro, Morro Santana, São Leopoldo, Estrela, Lajeado e Farroupilha. Os representantes do órgão indigenista firmaram o compromisso de que até o mês de julho de 2009 criariam os Grupos de Trabalho (GTs) com o objetivo de realizar os estudos de identificação dessas áreas. 

     

    Segundo lideranças indígenas, a retomada do Morro Santana tem o objetivo de marcar um posicionamento firme em defesa dos seus direitos, e com ela os Kaingang pretendem agilizar a criação de grupos de trabalhos, por parte da Funai, para proceder os estudos nas áreas por eles reivindicadas há décadas. “Cansamos de esperar, por isso, resolvemos ocupar a área e cobrar providências da Funai. Cobramos respeito aos nossos direitos, tanto à terra quanto à criação de políticas públicas especificas de saúde e educação”, disse Eli.

     

    A terra onde vivia essa comunidade Kaingang, TI Nonoai, localizada a noroeste do estado, se tornou insuficiente para manutenção da vida e da subsistência das famílias. A área foi demarcada em 1910, quando cerca de 400 indígenas viviam na região. Hoje são cerca de dez mil pessoas. A falta de espaço para plantio e demais formas de manutenção da saúde física e cultural dos indígenas fazem com que diversas famílias se mudem para a cidade, o que afasta as crianças e jovens de parte dos costumes do povo.

     

    Relação com a terra

     

    Os Kaingang de todas estas áreas vivem nos centros urbanos e mantêm uma firme relação com o meio ambiente, dependem dele para a sua sobrevivência física, espiritual e econômica. As áreas reivindicadas são aquelas necessárias para a sobrevivência e manutenção da cultura deste povo. Nessas terras, estas famílias celebram a vida, realizam rituais, coletam sementes e remédios tradicionais, desenvolvem práticas educativas das crianças e dos jovens, na perspectiva do fortalecimento da cultura Kaingang.

     

    O espaço urbano integra-se hoje aos modos de viver Kaingang e, de forma dinâmica, eles mantêm uma relação direta através da comercialização de seus produtos, das lutas pela garantia de direitos à saúde, educação e por espaços urbanos onde consigam estabelecer suas bancas de trabalho. As centenas de famílias indígenas Kaingang que vivem nos centros urbanos conseguem dinamicamente viver sua cultura através da fala na própria língua, dos rituais de nascimento, batismo, casamento, dos hábitos alimentares, das festas e inclusive dos rituais de passagem, ou dos rituais de morte.

     

    Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2010.

    Cimi Sul Equipe Porto Alegre

     

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  • 17/02/2010

    Belo Monte: ”Condicionantes não consertam o erro básico que é o erro de engenharia”

    Entrevista especial com Oswaldo Sevá

     

    “Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde”. A avaliação é do engenheiro Oswaldo Sevá que concedeu à IHU On-Line, por telefone, a entrevista a seguir. Sevá analisou o licenciamento prévio de Belo Monte, avaliando o perfil do diretor do IBAMA e do atual Ministro do Meio Ambiente e refletindo sobre as condicionantes colocadas para o início das obras.

     

    Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, concedeu-lhe o título de Livre-docência.

     

    Confira a entrevista.

     

    IHU On-Line – A licença prévia (LP) concedida pelo IBAMA para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte surpreendeu o senhor ou já era algo aguardado?

     

    Oswaldo Sevá – O processo já estava se arrastando há muitos anos, a parte ambiental é que foi muito rápida. Na realidade, o estudo de impacto ambiental foi entregue meio às pressas pelo IBAMA em maio, e ainda não estava completo. Do final de maio até o início de fevereiro, a licença foi concebida com um intervalo de seis ou sete meses, o que é completamente inadequado. Mesmo que todo o histórico do processo já fosse conhecido, é algo de muitos anos com toda a preparação feita com detalhamentos. Dentro do IBAMA, o processo ocorreu por pouco mais de seis meses, o que é muito pouco tempo. Não me surpreendeu, mas não esperava que eles pudessem atropelar e conceder uma licença em um prazo tão curto de análise. Tudo isso sabendo que o IBAMA tem deficiências de pessoal, e tiveram momentos em que havia apenas seis ou sete técnicos encarregados de fazer a leitura e a análise. Realmente é lamentável, porque o governo fica difundindo a notícia pela mídia de que seria a terceira maior hidrelétrica do mundo, integralmente brasileira. O governo só serve para fazer propaganda.

     

    IHU On-Line – Como o senhor avalia a lista das 40 condicionantes?

     

    Oswaldo Sevá – Houve uma pressa muito grande para o IBAMA conceder essa licença num prazo de seis meses. Naturalmente, tudo decorre desse atropelo. Quarenta condicionantes, aparentemente, podem parecer um exagero. Se considerarmos que cada uma delas é um verbete, um parágrafo de quatro a oito linhas, os anexos da licença ocupam oito páginas, então, poderia-se dizer, à primeira vista, que é muita coisa. Quem não conhece a prática dos órgãos ambientais pode ficar impressionado, mas o que interessa é o conjunto. Não sei se quarenta é muito ou pouco e não saberia avaliar em função da quantidade, mas temos que ver o teor delas.

     

    Se vamos ao corpo da licença, na parte principal, ali diz que o Xingu terá uma vazão de água residual. Deixaram escapar esse adjetivo “residual”, que diz tratar-se de um resíduo, da pouca água que irá sobrar, já que o principal será desviado por cima da terra firme na parte da mata grande, onde tem as fazendas, para poder turbinar, lá do outro lado, depois que o rio completou a volta. Nas quarenta condicionantes, esse assunto não é tratado, a não ser uma menção muito breve de que o hidrograma da parte seca tem que ser acompanhado, mas, na realidade, eles estão assumindo isso como um fato consumado de que o trecho de mais de 100 quilômetros do rio, um trecho maravilhoso, será adulterado. Uma parte dele será alagada até a barragem que será construída, tudo ficará de baixo d’água, e a parte até completar a volta e água ser restituída, vai ficando seca.

     

    IHU On-Line – O que há de consistente e irreal?

     

    Oswaldo Sevá – Não seria obrigatório fazer a barragem naquele ponto e fazer a água ser desviada com toda essa extensão de rio seco. Também não é obrigatório que aquele volume de água fosse desviado. O condicionante não conserta o erro básico que é o erro de engenharia. Claro que, para eles que estão interessados na maior potência e volume de água possível, a obra é uma maravilha. Porém, esta é uma das maiores mentiras que a sociedade brasileira já enfrentou ao longo da sua história. Criaram, há vinte anos, uma concepção que foi ligeiramente modificada, para diminuir um pouco a área alagada, mas que nunca foi alterada radicalmente. Considera-se normal desviar um volume imenso de água do rio para poder turbinar lá embaixo. Poderia haver até 400 condicionantes que este problema não seria resolvido.

     

    Com relação aos condicionantes, também tem coisas que são incompreensíveis. Por exemplo, a licença não é concedida para todas as medidas que são necessárias para fazer a usina. A licença é concedida apenas para os quatro canteiros principais de obras, para algumas linhas elétricas de alta voltagem que alimentam esses canteiros, para duas linhas de transmissão que irão ligar-se às duas estações já existentes da Eletronorte, para as jazidas onde será retirada a rocha e areia, para algumas rodovias de serviço pesado, para a passagem de caminhões etc, que ligarão os canteiros de obra até a rodovia transamazônica. O que chama atenção é que existe uma série de outras providências e de outros pontos de obras que não foram licenciados. O IBAMA abre mão de licenciar o alojamento dos trabalhadores, e, dentro dele, todos os sistemas de água, esgoto, drenagem da água pluvial e aterros de lixo. O IBAMA abre mão de licenciar os remanejamentos de várias estradas que terão água ou obras sobre elas. Abre mão de licenciar portos que são necessários para obra, e inclusive um porto de grande dimensão que ficará no Rio Xingu, no município de Vitória do Xingu, e que apresentará um movimento enorme de embarcações em todo o trecho do Xingu até a boca do Amazonas, e aumentará o tráfego fluvial ao sul da Ilha de Marajó, a passagem que liga Belém a toda bacia do Amazonas e que é estreita. Nada disso é tratado na licença. Eles deixam para que isso seja licenciado por órgãos municipais e estaduais. O que é um absurdo, pois esses órgãos, em Altamira, nem existem, e o órgão ambiental do Pará, na situação de hoje, o que for apresentado, eles licenciam, já que estão atendendo somente o interesse dos políticos.

     

    IHU On-Line – E o que mais chama a sua atenção em relação a toda essa sucessão de problemas que levam à hidrelétrica de Belo Monte?

     

    Oswaldo Sevá – O que chama a atenção é essa covardia de receber um pedido de licença de algo enorme e muito complexo, sendo a obra mais complicada do país e que ocupa a maior área que já se teve notícia no Brasil, muito mais complicada que Itaipu, embora tenha uma potência elétrica menor, e abrirem mão de tantas coisas. Para mim, esses seriam os pontos de contradição maior. Existem outros que devem ser mencionados também. Um deles que não é resolvido nas condicionantes, e nem se pretende resolver, é a questão das pessoas. A licença chega ao absurdo de, desses quarenta condicionantes, meia dúzia tratarem dos quelônios e das tartarugas, que são importantes, e não tem nenhum item dedicado especialmente às vinte mil pessoas que serão desalojadas. A grande maioria é moradora da cidade de Altamira, que vivem nos bairros mais baixos, outros são da beira do rio e dos igarapés. Isso sem falar que eles não reconhecem os outros todos não serão atingidos.

     

    Não existe nenhuma cláusula condicionante, dentro da licença, que diz que esse pessoal terá de ser reassentado ou que terão de ser construídos bairros e vilas. Isso significa que tudo será improvisado, que eles irão para aqueles grandes fazendeiros que têm títulos de propriedade, e irão oferecer indenizações em dinheiro vivo ou cartas de crédito, para, por exemplo, assentados do INCRA que estão há 30 anos, que receberam lotes da reforma agrária, vão dizer que eles que se virem. Ocorrerá um crime social com a expulsão dessas pessoas das áreas rurais e com o não oferecimento na licença de uma alternativa clara de que elas vão voltar a residir na mesma região em condições apropriadas. Isso, para mim, é o pior.

     

    IHU On-Line – O senhor tem feito duras críticas ao ministro Carlos Minc e ao presidente do IBAMA. O senhor considera que eles estão a serviço dos interesses das grandes empresas interessadas no empreendimento?

     

    Oswaldo Sevá – Sem dúvida. Eu não conheço a biografia de cada um deles, mas já tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o atual diretor do IBAMAem Minas Gerais, há quase 20 anos, numa ocasião que estava sendo realizado um seminário sobre programas ambientais numa cidade que é extremamente poluída, onde fica a sede de uma siderúrgica. E ele foi participar desse evento, fazendo uma preleção destinada praticamente a estudantes de primeiro grau sobre o funcionamento dos rios, lençol freático, barrancos etc. Uma coisa exageradamente didática. Ele fez isso de forma proposital justamente para não abordar a situação real da poluição do rio que passava naquela cidade e que estava sendo objeto de descarga de milhares de toneladas por dia de afluentes perigosíssimos. E, nessa ocasião, ele foi como representante de um órgão ambiental de Minas Gerais.

     

    O Ministro Carlos Minc eu também já tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Os últimos anos de atuação dele no Rio de Janeiro como Secretário Estadual do Meio Ambiente comprovam que ele está a serviço desses grandes interesses, porque ele foi capaz de aprovar dois grandes empreendimentos nas imediações da região metropolitana do Rio de Janeiro que vão fazer com que, no futuro, o estado esteja cercado, pelo lado leste, por um dos maiores complexos petroquímicos do mundo, que está em construção, e do lado oeste por uma das maiores siderúrgicas do mundo que está quase pronta e vai começar a funcionar no ano que vem. A petroquímica, durante seu funcionamento, vai contaminar dois pequenos rios que são os únicos que chegam atualmente limpos no fundo da baía de Guanabara e vai comprometê-la de forma que ela nunca mais vai conseguir ser saneada.

     

    IHU On-Line – E o que o senhor tem a dizer do Minc que substituiu Marina Silva?

     

    Oswaldo Sevá – Esses são os antecedentes que conheço de uma pessoa que foi guindada ao Ministério do Meio Ambiente para substituir a ministra Marina Silva numa época em que ela estava sendo pressionada de todas as maneiras para conceder as licenças das grandes obras, para a indústria madeireira, para os interesses do agronegócio. Ela foi derrubada do cargo por esses interesses, e ele foi chamado para substituí-la. Naturalmente, quando ele aceitou, era de conhecimento de todos que ele foi chamado para liberar as coisas que estavam sendo analisadas. Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde: pegou uma das maiores coisas que a engenharia já foi capaz de conceber e concedeu a licença em prazo absolutamente recorde. Uma pessoa que age dessa maneira só pode ser qualificada como um defensor dos interesses empresariais, e não dos interesses ambientais.

     

    Se nós dermos como certo de que essa obra vai ser feita e que de fato ela vai funcionar, o que demora um bom tempo, algo como dez ou quinze anos, devemos pensar que nenhuma outra será aprovada. Porque seria uma espécie de compensação para a sociedade. Aprovar Belo Monte? Vão acrescentar mais 11 mil megawatts? Então não precisa de mais nenhuma. No entanto, o que estamos observando é um movimento completamente absurdo à primeira vista, onde, em todos os estados brasileiros, exceto Amazonas e Acre, está acontecendo a verdadeira corrida ao ouro das cachoeiras. Estamos vivendo uma época que vai ficar conhecida na história brasileira como um período muito triste, um período de caça às cachoeiras. O governo está abrindo as porteiras dos nossos rios e dizendo aos empresários que querem ganhar dinheiro nesse setor que está liberado: “podem apresentar seus projetos que eles serão aprovados”. Essas são conhecidas como as Pequenas Centrais Hidrelétricas. Estão anunciando obras de hidrelétricas em quase todos os rios brasileiros e com o espírito praticamente da conquista militar.

     

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  • 15/02/2010

    Hidroelétrica de Belo Monte: uma questão de democracia

    Cândido Grzybowski*

     

    A construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia, tem a ver com a produção e segurança energética do país, sem dúvida. Mas está longe de ser algo restrito à avaliação de engenheiros(as), economistas e gestores de política energética. Parece um símbolo emblemático dos rumos do país. Afinal, que país estamos construindo?

     

    Belo Monte, assim como Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, são hidroelétricas pensadas como parte do projeto “Brasil Grande” da ditadura militar, nos anos 1970. Mais de 30 anos depois, tais projetos são retomados e, uma vez mais, apresentados como inevitáveis para o desenvolvimento e a segurança energética. Contribui para isso a tomada de consciência do enorme risco de mudanças climáticas por causa da queima de combustíveis fósseis. As hidroelétricas significam energia limpa.

     

    Mesmo com significativas mudanças técnicas – de grandes reservatórios, tipo Itaipu, no rio Paraná, para reservatórios menores com turbinas turbo – e substantiva melhora na avaliação do impacto ambiental, continuamos com a mesma visão sobre energia e segurança energética dos tempos da ditadura.

     

    Será que não existe outra maneira de ver e resolver os essenciais problemas de energia? Não acredito no autoritarismo contido na visão tecnocrática que nos impõe esse tipo de solução. Vejo, pelo contrário, a dificuldade do modelo desenvolvimentista que torna regiões inteiras do país, como a Amazônia e o Centro Oeste, meras zonas de reserva de recursos naturais. Há um desenvolvimento, na essência, concentrador de riquezas e destruidor da base natural.

     

    A controvérsia de Belo Monte ainda não acabou, apesar da licença ambiental concedida há pouco pelo Ibama. Os “birrentos” continuam resistindo: povos indígenas originários, comunidades de pescadores, extrativistas e pequenos agricultores posseiros, todos os que têm muito a perder e nada a ganhar, nem mesmo energia elétrica, em nome do desenvolvimento do Brasil. Que Brasil? Para quem?  Aos que resistem no local, aliam-se ativistas de direitos humanos e ambientalistas de variadas correntes. E há também os(as) teimosos(as) procuradores(as), atacados(as) pela própria Advocacia-Geral da União (AGU) por cumprirem o seu papel.

     

    Não adianta alegar que todos os ritos foram cumpridos e que as 40 exigências do Ibama deverão ser atendidas para as obras não serem embargadas. O fato é que a decisão de usar o rio Xingu como recurso energético atende aos interesses de grandes empreiteiras e investidores, grandes consumidores industriais de energia elétrica (alumínio e outros). Tais decisões já estavam tomadas, faltava apenas contornar as condicionalidades ambientais, entre outras. O rito não foi para mudar uma decisão, mas para legitimá-la.

     

    Por que mais essa agressão aos povos da floresta e à Amazônia? Será que não somos capazes de nos libertar de obsoletas ideias de desenvolvimento que nos levam a praticar uma espécie de colonialismo interno, que conquista zonas chamadas livres e de expansão, explora recursos naturais, destrói e concentra riquezas?

     

    A justificativa de matriz elétrica limpa não melhora a imagem de um desenvolvimento contrário ao futuro dos povos que compõem a nossa diversidade brasileira. Outras, muitas outras opções existem. Uma delas é o uso mais eficiente da energia que já temos. Além disso, podemos e devemos transformar em eletricidade o sol e os ventos com os quais a natureza nos brinda. Por que insistir na grande usina, nos custosos investimentos de produção e transmissão de energia para locais distantes, e não no pequeno e localizado, onde existe a necessidade de energia elétrica e a possibilidade de satisfazê-la?

     

    O debate sobre a Usina Hidroelétrica de Belo Monte é, antes de tudo, um debate sobre o Brasil que queremos – sustentável, solidário e democrático –, no qual poder e economia se relocalizam, se aproximam da cidadania e por ela são controlados.

     

    * Sociólogo, diretor do Ibase

     

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