• 16/04/2012

    Que sob a toga dos ministros do STF não se esconda nenhum escravocrata

    NOTA PÚBLICA

     

    A Diretoria e Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, CPT, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI, 3239, proposta pelo partido dos Democratas, contra o Decreto Federal 4887/2003, vem expressar sua profunda preocupação com o que está acontecendo neste país.

     

    Está em curso uma nova caça aos povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras comunidades tradicionais, por um contingente expressivo de escravocratas, que lançam seus tentáculos em diferentes espaços do Estado Brasileiro e tem apoio de diferentes órgãos da imprensa nacional.

     

    Como à época do Brasil Colônia, povos indígenas inteiros foram devastados por não quererem se submeter aos ditames dos invasores; à época da escravidão, os senhores de escravos contavam com toda a estrutura do poder público para perseguir e destruir os espaços de liberdade construídos pelos negros, chamados de quilombos, hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando de trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados.

     

    Sucedem-se os ataques diretos às comunidades indígenas e quilombolas. Os dados coligidos pela CPT nos dão conta que em 2011, foram assassinados 4 indígenas e 4 quilombolas, nas disputas territoriais. 82 conflitos por terra envolveram os índios e 100 os quilombolas. 77 quilombolas e 18 indígenas foram ameaçados de morte e 8 indígenas e 3 quilombolas, sofreram tentativas de assassinato.

     

    No plano dito “legal” são muitas as ações que os novos colonizadores e escravocratas movem contra a continuidade dos processos de identificação e titulação das terras indígenas, e dos territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Estas encontram fácil acolhida em diversas instâncias do poder Judiciário.

     

    Mas, possivelmente, é na trincheira do Congresso Nacional que os novos colonizadores e escravocratas têm seus mais firmes tentáculos. Há poucos dias a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda Constitucional, PEC 215, pela qual os parlamentares querem ter exclusividade na demarcação de terras indígenas, de quilombolas e de unidades de conservação ambiental, retirando esta competência do Executivo. Com isso praticamente fica inviabilizado qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas.

     

    O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou no partido dos Democratas (um dos últimos resquícios da sustentação parlamentar da ditadura militar) ferrenha oposição. O Decreto que ratificou o estabelecido no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”, foi considerado pelos “democratas” (triste contradição), inconstitucional.

     

    Os novos escravocratas se espalham pelo Congresso Nacional, nos mais diversos partidos, tendo constituído a assim chamada Bancada Ruralista. Esta bancada, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), é formada por 159 parlamentares, sendo 141 deputados e 18 senadores. Ela lidera as desastrosas mudanças no Código Florestal e em toda a legislação ambiental; desde 2004, praticamente, impede a última votação da PEC 438 que determina o confisco das áreas onde for constatada a exploração de trabalho escravo; e se opõe a qualquer tentativa de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e outras.

     

    A ADI 3239, proposta pelos “democratas” vai a julgamento no STF, nos próximos dias. As comunidades quilombolas que saudaram os pequenos avanços no reconhecimento de sua cidadania e de seus direitos expressos no Decreto Federal 4887/2003, não podem ser defraudadas.

     

    A Comissão Pastoral da Terra espera que os ministros do STF julguem esta ação a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana e não se enredem em questões minúsculas de formalidades jurídicas. Está em jogo o direito de populações que historicamente foram discriminadas, massacradas, jogadas à margem da sociedade. É mais que necessário que se garantam os poucos direitos tão duramente conquistados. A CPT quer acreditar que sob a toga dos ministros do STF não se esconde nenhum dos escravocratas atuais.

     

    Goiânia, 16 de abril de 2012.

     

    Dom Enemésio Lazzaris

    Presidente da CPT

     

    Maiores Informações:

    Cristiane Passos (Assessoria de Comunicação da CPT Nacional) – (62) 4008-6406 / 8111-2890

    Antônio Canuto (Assessoria de Comunicação da CPT Nacional) – (62) 4008-6412

    www.cptnacional.org.br

    @cptnacional

     

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  • 16/04/2012

    Agroecologia – produção sem agronegócio

    Produção de alimentos saudáveis e em abundância, sem agrotóxicos nem transgênicos, nos territórios indígenas e quilombolas, nas terras e territórios dos assentamentos, das populações tradicionais, na agricultura familiar. Isso é mais do que um sonho, é uma realidade em disputa, uma construção que avança através da agroecologia, da produção orgânica, da permacultura, das áreas agroflorestais e mesmo unidades da conservação. Porém é um caminho ainda árduo, enfrentado com galhardia e dignidade em meio ao mar agressivo do agronegócio, reinando absoluto, com todo apoio do atual modelo de produção agrícola, do sistema neoliberal brasileiro e mundial.

     

    Foi neste contexto de fazer avançar, ampliar o espaço da produção agroecológica e orgânica que se realizou na semana passada, no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia, o Seminário Nacional por uma Política Nacional de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção. Foram três dias de intenso debate e discussão de uma proposta de decreto a ser aprovado pelo governo nos próximos meses. Mais de 70 pessoas ligadas a sistemas de produção agroecológica em nível nacional fizeram um grande esforço em sintetizar as propostas elaboradas e aprovadas em cinco seminários regionais.

     

    Com muito realismo e firmeza política, apesar da constatação do avanço acelerado do agronegócio, dos retrocessos em termos dos marcos legais e mesmo projetos de alteração da Constituição (como a PEC 215, dentre muitas outras) reafirmaram a disposição de continuar fazendo avançar os sistemas de produção agroecológicos e orgânicos, cientes de que não é possível a convivência da agroecologia com o agronegócio, e seu necrófilo e destrutivo sistema de produção no campo.

     

    Afirmaram a primazia da luta pela terra e territórios indígenas, quilombolas e das populações tradicionais e da agricultura familiar, dos assentamentos, da reforma agrária como condição para se conquistar espaços importantes que possam levar à superação do agronegócio e instituir uma forma diferente de produção de alimentos saudáveis, com uma nova forma de relação com a terra.

     

    É claro que ainda estamos longe de conquistas como na Bolívia e outros países onde se reconhece na constituição os direitos da Mãe Terra, e a pluralidade das culturas e suas formas harmônicas e respeitosas de se relacionar com a natureza e a terra.

     

    Territórios Indígenas, Rio+20 e Cúpula dos Povos

     

    É importante ressaltar que o governo brasileiro está numa corrida para chegar com bons saldos para apresentar ao mundo na Rio+20. Um desses trunfos é a aprovação de um Plano Nacional de Agroecologia. Os representantes do governo, presentes no início do Seminário, não deixaram dúvidas de que alguns setores e ministérios do governo têm interesse em estimular e apoiar a agroecologia, chegando a aninhar essa proposta sob as asas do governo, porém mostraram pressa, pois esse deverá ser um dos trunfos para o grande evento mundial a se realizar no Rio, em junho, para o qual já confirmaram a presença dos presidentes e representantes de 90 países.

     

    É bom lembrarmos que o presidente Collor também quis mostrar serviço, e dentre os trunfos um deles foi a demarcação do território Yanomami, contrariando a postura dos militares e do governo Sarney de não demarcar terras indígenas na faixa de fronteira. Quem sabe a presidente Dilma chegue à Rio+20 tendo regularizado, identificado e demarcado todas as terras e territórios dos povos Guarani no Mato Grosso do Sul e Sul do país.

     

    Na Cúpula dos Povos, encontro paralelo ao oficial, no Rio de Janeiro, questão do agronegócio, agrotóxicos, transgênicos e territórios livres dessas pragas, será debatido e tomado posições em nível mundial contra essas barbaridades. E com certeza a realidade de negação dos territórios dos índios da Nação Guarani, nos quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia) e a conseqüente violência e genocídio, serão cobrados pelos movimentos indígenas, sociais e populares do mundo.

     

    Mobilização quilombolas e indígenas

     

    “Atualmente, são mais de 5000 comunidades que reivindicam quilombolas em todo o país. Comunidades que ao longo dos quase 400 anos de escravismo e nos últimos 124, após a abolição, resistem bravamente às investidas brutais e criminosas, dos escravistas, dos latifundiários, e agora dos ruralistas do agronegócio exportador, das madeireiras, das mineradoras, do próprio Estado brasileiro, dos governos estaduais e municipais.

     

    A questão fundiária no Brasil sempre foi tratada pelas oligarquias rurais e agrárias e pelos governos de forma reacionária, um tabu imexível, na perspectiva de mantê-los no controle dessas propriedades, cada vez maiores, através da grilagem, expulsão, atentados e assassinatos de lideranças quilombolas, indígenas, de sindicalistas e pequenos camponeses, de trabalhadores rurais sem terra, ambientalistas e religiosos solidários, sem que os governos lhes garantam a proteção de direito.

     

    “A Articulação Nacional de Agroecologia defende a manutenção do decreto 4887, e é contrária a PEC 215, acreditando que é fundamental a garantia dos direitos territoriais das Comunidades Quilombolas, o que fortalece a Agroecologia, garantindo a diversidade cultural e biológica brasileira” (documento do Seminário Nacional da ANA – Articulação Nacional de Agroecologia).

     

    A articulação dos povos descendentes dos quilombos e povos indígenas conclama a população brasileira a se manifestar e se unir às mobilizações para que a investida retrógrada não prevaleça no julgamento da ação de inconstitucionalidade (ADIN) que quer invalidar o processo de reconhecimento das terras e territórios quilombolas. O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal está prevista para dia 18. Para esta semana estão previstas manifestações do movimento quilombola e indígena e seus aliados, em Brasília.

     

    Egon Heck

    Povo Guarani Grande Povo

    Cimi 40 anos

     

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  • 13/04/2012

    Quilombolas realizam mobilização em Brasília contra ADIN 239 e PEC 215

    Reginaldo Bispo,

    de Campinas (SP)

    O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá votar na próxima quarta-feira, 18, a ADIN 3239, do partido Democratas, contra o Decreto 4887, que disciplina as titulações dos territórios quilombolas. Em vista dessa votação e contra a aprovação e seguimento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que visa transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras quilombolas e indígenas, cerca de 800 quilombolas realizam mobilizações na próxima semana, em Brasília. O movimento indígena estará junto.  

    Atualmente, são mais de 5000 comunidades que se reivindicam quilombolas em todo o país. Comunidades que ao longo dos quase 400 anos de escravismo e nos últimos 124, após a abolição, resistem bravamente às investidas brutais e criminosas, dos escravistas, dos latifundiários, e agora dos ruralistas do agronegócio exportador, das madeireiras, das mineradoras, do próprio Estado brasileiro, dos governos estaduais e municipais.

    A questão fundiária no Brasil sempre foi tratada pelas oligarquias rurais e agrárias e pelos governos de forma reacionária, um tabu imexível, na perspectiva de mantê-los sob o controle dessas propriedades, cada vez maiores, através da grilagem, expulsão, atentados e assassinatos de lideranças quilombolas, indígenas, de sindicalistas e pequenos camponeses, de trabalhadores rurais sem terra, ambientalistas e religiosos solidários, sem que os governos lhes garantam a proteção de direito.

    Nos dias 14 e 15 de Abril, acontecerá o Seminário da Frente Nacional em Defesa da Titulação dos Territórios Quilombolas, na CONTAG, também em Brasília, para discutir as formas de mobilização e de organização da Frente. Nos dias 16 e 17, os quilombolas participarão de um mutirão de pressão sobre o executivo e o legislativo, e no dia 18, de um grande ato em frente do STF, pela rejeição da ADIN do DEM e dos ruralistas.

    O desenvolvimento sustentável do Brasil, com respeito a natureza, passa pelo reconhecimento e preservação dos territórios das comunidades quilombolas, indígenas e tradicionais. Passa pela democratização do acesso e a garantia de posse da terra a quem nela vive e produz, diminuindo assim a pressão sobre os grandes centros urbanos, aumentando e barateando a oferta de alimentos saudáveis (o produzido pelo agronegócio é puro veneno, utilizam de defensivos agroquímicos em grande escala).

    Trata-se também de uma questão de justiça e cidadania, pois lança as bases de um Projeto Político de Nação (inexistente no Brasil até hoje), incluindo-os e garantindo seus direitos enquanto brasileiros, bem como a segurança (de morar, produzir, criar seus filhos, educar, viver e praticar a sua cultura em paz, sem sofrer a violência das elites) destes seguimentos rurais tão vilipendiados e violentados em seus direitos enquanto brasileiros nos últimos cinco séculos.

    Milhares de militantes, de todo o Brasil, estão se dirigindo para Brasília. Temos por enquanto, a confirmação dos quilombolas da Frente Nacional em Defesa da Titulação dos Territórios Quilombolas dos estados do MA, RS, BA, GO, MG, SC, PA, RJ, DF. Centenas de lideranças e entidades do Movimento Negro brasileiro também estão indo em apoio, enquanto organizações quilombolas e do Movimento Negro farão vigílias e manifestações em suas próprias cidades e estados.

     

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  • 13/04/2012

    OEA cobra novas explicações do Brasil sobre violações de direitos

    Por Verena Glass,

    de São Paulo

     

    A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), notificou o governo brasileiro nesta quarta, 11, para que preste esclarecimentos sobre a situação das comunidades tradicionais da bacia do Rio Xingu, afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esta é a segunda notificação do governo, já cobrado a se explicar em abril de 2011.

     

    Entre as informações solcitadas pela CIDH, estão esclarecimentos sobre alterações na qualidade da água do rio Xingu, que estaria provocando problemas à saúde de comunidades tradicionais e indígenas, e sobre o processo de remanejamento de agricultores e outras populações tradicionais, que estariam sofrendo violações de seus direitos. Além disso, a CIDH requer também que o governo informe o andamento da implantação das medidas mitigatórias dos impactos da construção da usina.

     

    A notificação do governo foi uma resposta a denúncias encaminhadas à CIDH pelas organizações Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH),  Justiça Global, Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) e a Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA), com foco principal nas terras indígenas Paquiçamba e Arara, diretamente afetadas pelas obras de Belo Monte.

     

    Em janeiro, com o primeiro barramento do Xingu, os indígenas começaram a ter problemas com a qualidade da água. O Ministério Público Federal já encaminhou uma analise independente da qualidade da água ao Instituto Evandro Chagas , mas os resultados ainda não foram publicados. De acordo com o MPF, este monitoramento deve ser continuo devido ao perigo de contaminação do rio pela usina.

     

    A falta de um plano de reassentamento para comunidades afetadas pela construção de Belo Monte é outro problema denunciado à CIDH. Além da falta de um plano, há comunitários que aceitaram valores de indenização abaixo do mercado por suas terras, porque não possuiam o título formal, e existia o receio de serem expulsos sem direito a qualquer valor.

     

    Foi o caso dos moradores da comunidade Santo Antônio, onde existiam 252 propriedades de pequenos agricultores, mas apenas 26 deles possuiam o título formal das terras. Em um dos casos, o agricultor recebeu R$ 6.957,23 de indenização por 362,51 metros quadrados de terra, avaliados no mercado em R$ 21.750.

     

    A partir da notificação, o estado brasileiro tem o prazo de 20 dias para apresentar à organização internacional os esclarecimentos solicitados. “A ação da CIDH visa, principalmente, fazer com que o Estado brasileiro cumpra com os tratados internacionais de defesa dos direitos humanos, e, no caso de Belo Monte, há inúmeros indícios de que esses direitos estão sofrendo violações”, diz a advogada da SDDH, Roberta Amanajás.

     

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  • 13/04/2012

    Informe nº 1009: Lideranças Tumbalalá reivindicam demarcação de terras e fim de grandes obras no rio São Francisco

    Por Renato Santana,

    de Brasília

     

    Cercados por grandes empreendimentos e a presença não-indígena no território de ocupação tradicional, lideranças do povo Tumbalalá passaram esta semana pela Capital Federal para reivindicar a demarcação das terras, no norte da Bahia, e denunciar os impactos gerados por décadas de construções de hidrelétricas, sendo as mais recentes atreladas ao projeto da Transposição do rio São Francisco.   

     

    Os Tumbalalá vivem entre os municípios de Abaré e Curaçá e compõem uma população com cerca de 5 mil indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) os reconheceu quanto etnia em 2001, sendo que o relatório de identificação das terras do povo foi publicado em junho de 2009, com 44.978 mil hectares. Depois do período de contestações, no entanto, o Ministério da Justiça ainda não publicou a Portaria Declaratória de demarcação.

     

    Durante encontros com o corpo diretor da Funai, procuradores federais da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão e integrantes do Ministério da Justiça os indígenas expuseram que desde a década de 1970 o território sofre com a construção de hidrelétricas no rio São Francisco. A primeira delas foi a barragem de Sobradinho, com impactos que são sentidos até hoje por conta das mudanças nos modos e costumes dos Tumbalalá.

     

    Sobradinho foi responsável pelo fim da agricultura de subsistência, realizada na vazante do rio. As cheias no trecho do São Francisco que passa numa das pontas da terra indígena eram fundamentais para os períodos de plantações. Quando as águas baixavam, as terras das margens ficavam aptas à agricultura, pois eram adubadas pelo próprio São Francisco. Com as barragens tudo mudou: as cheias passaram a ser determinadas pela abertura das comportas.

     

    “O rio enche conforme a barragem quer: se chove muito e a barragem está seca, eles seguram a água. Para plantar é preciso levar em consideração as vontades dos controladores da barragem. Em muitas ocasiões nós plantamos, mas perdemos com a abertura inesperada da barragem. Toda a roça ficava debaixo d’água”, explica a liderança Cícero Rumão Gomes Marinheiro Tumbalalá.

     

    Plantava-se de forma diversificada na vazante do São Francisco: feijão, milho, batata, abóbora, cana, mandioca, jerimum, feijão de arranca. A pesca era farta, sobretudo de peixes de grande porte: surubim, dourado, pirá, curvina. A vida era farta não só para os indígenas, mas também para os ribeirinhos. Engenhos de rapadura e casas de farinha garantiam a complementação alimentar e renda.

     

    “Tínhamos plantas específicas para os rituais que nunca mais vimos, pois nasciam nesse processo da cheia e da vazante. Os costumes mudam com essas obras. Lembro que não tínhamos açúcar, pois usávamos a garapa da cana. Com farinha e rapadura se passava o dia na roça. Às vezes, chegávamos ao rio e pescávamos um peixe e estava lá o almoço. Tudo era mais fácil”, lembra Cícero. A hidrelétrica de Sobradinho, no entanto, deixou consequências ainda mais graves aos indígenas.

     

    A agricultura praticada nas vazantes alimentava toda a população sem nenhum custo, além da força de trabalho dos indígenas. Não se gastava com adubos, irrigação da terra, já úmida pelas águas do Velho Chico, e tampouco com venenos. As plantações eram orgânicas. Sem as cheias, os cultivos tiveram que migrar para o interior. Longe do rio, a agricultura só é possível com irrigação, adubos e agrotóxicos. Planta quem tem capital e poluindo a terra e os riachos com o veneno utilizado.

     

    Engenhos de rapadura e casas de farinhas foram fechados.     

     

    Assentamento e poluição

     

    Na década de 1980, cerca de dez anos depois do início do barramento de Sobradinho, a hidrelétrica de Itaparica é construída no rio São Francisco. A barragem afetou os indígenas, apesar de afastada das terras Tumbalalá, porque a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), responsável pela obra, assentou os desabrigados das áreas alagadas no território.  

     

    “Na área do assentamento, longe do São Francisco, há riachos. Como lá eles fazem plantações com agrotóxicos, matam plantas, peixes e inutilizam as águas. Nunca que precisou de carro pipa por ali e agora precisa, porque as águas dos riachos estão poluídas e os rios temporários não duram o ano inteiro. Nem para os animais a água presta”, explica José Augusto Alves de Santana Tumbalalá.

     

    Os assentamentos ocuparam grande parte da mata do povo indígena. Conforme as lideranças, os rituais ficaram prejudicados. Com a presença de posseiros e médios fazendeiros, a caça e o acesso às plantas medicinais ficaram prejudicados. A restrição da ocupação do território fez com que os indígenas se concentrassem às margens do rio e o resto do território acabou dividido entre assentados, posseiros e fazendeiros.

     

    “Quem caça é o posseiro e o assentado, os indígenas não caçam. Dessa forma, os animais estão sumindo. Vendas de tatus, asa branca e outros animais são comuns entre os não-indígenas”, destaca João de Deus Gomes de Santana Tumbalalá.

     

    No entanto, os Tumbalalá não foram os únicos prejudicados pela barragem de Itaparica. O grande empreendimento causou danos aos Tuxá, inundando parte das terras do povo que vive na região de Rodelas. Alguns Tuxá foram assentados na terra Tumbalalá e estão no território até hoje.

     

    Os novos monstros: Riacho Seco, Pedra Branca e a PEC 215  

      

    Duas outras hidrelétricas estão em andamento no rio São Francisco: Pedra Branca – dentro do território Tumbalalá – e Riacho Seco – acima do território, mas com impactos nas águas do rio que chegam até a aldeia. As barragens fazem parte do projeto de Transposição do rio São Francisco. Entre as transformações sociais causadas pelas obras está o envolvimento dos índios com drogas, doenças, alcoolismo e demais impactos com a presença massiva de não-indígenas nos esforços de construção das usinas.

     

    “O rio já está prejudicado. Com mais duas hidrelétricas, o rio fica mais fraco ainda. Os peixes vão acabar de vez”, lamenta Celestino Feliciano dos Santos Tumbalalá. “Tem ribeirinho passando fome morando na beira do rio. Nunca que isso acontecia antes. Enquanto fazem um grande projeto para beneficiar uns, outros que vivem do rio há séculos morrem. A transposição é para os grandes latifundiários e empresários”, completa com revolta Miguel Marcolino Barbalho Tumbalalá.  

     

    As lideranças explicam que ninguém na comunidade teve casa bonita, com todos os confortos, e carro na porta, porém, comida, água e trabalho nunca faltaram. Agora indígenas e ribeirinhos seguem não tendo casa bonita e conforto, mas perderam o essencial que tinham: comida, água e trabalho. Conforme admitiu o próprio governo federal, a água da transposição poderá ficar 10 vezes mais cara além do esperado.

     

    “Viemos reivindicar a Portaria Declaratória de demarcação do território, indenização e extrusão dos não-índios. Estamos com a expectativa de que aconteça alguma coisa boa, incluindo a não construção dessas usinas. O problema é que com a PEC 215 nós não estamos animados”, analisa Cícero Tumbalalá.

     

    A PEC 215 é uma proposta da bancada ruralista da Câmara Federal que visa tirar do Executivo e levar para o Legislativo a demarcação e homologação de terras indígenas. Para os Tumbalalá, caso a PEC entre em vigor, só serão demarcadas terras de acordo com os interesses dos latifundiários. “Sabemos que os parlamentares têm financiamento desses empresários e proprietários de terras, mas vamos seguir na briga”, finaliza Cícero.  

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  • 13/04/2012

    Abril Indígena – Rondônia – Documento Final

    Movimento e Organização Indígena de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas

     

    DOCUMENTO FINAL

     

    “MAIS DE 5OO ANOS DE HISTÓRIAS, RESISTÊNCIAS E LUTAS!”

     

    Nós, representantes do Movimento e Organização Indígena, dos povos Canoé, Puruborá, Suruí, Wayoró, Djeoromitxí, Aruá, Aikanã, Tupari, Kassupá, Diahoí, Sabanê, Negarotê, Mamaindê, Karitiana, Arara, Gavião, Kwazá, Wãniam (Migueleno), Oro Waram, Oro Mon, Oro Waram Xijein, Zoró, Oro Eo, Oro Nao´, Cao Oro Waje, Kithaulu, Nambikwara, Karipuna e Salamãi, reunidos no Abril Indígena Regional, de 09 a 13 de abril de 2012, no Centro Arquidiocesano de Pastoral, na Rua Coentro, Estrada do Piloto, Porto Velho-RO, após ampla discussão sobre assuntos que envolvem nossas vidas e nossos Direitos, nos manifestamos da seguinte forma:

     

    SAÚDE

     

    Apesar de, em tese, os DSEIs de Porto Velho e de Cacoal terem autonomia administrativa e financeira, na prática, a SESAI não está repassando recursos para os DSEIs para um melhor atendimento às CASAIs e Comunidades Indígenas, ocasionando os seguintes problemas:

     

    – Precariedade das CASAIs que não oferecem condições necessárias e específicas aos doentes em tratamentos (leito, medicação, transportes, estrutura e alimentação);

    – Falta de CASAI nos Pólos- Base de Alta Floresta, Humaitá, e nos Sub-Polos de Jarú e São Francisco do Guaporé, atualmente os pacientes ficam em situação precária e em condições sub-humanas;

    – Omissão e inoperância da SESAI – continuam causando mortes por doenças totalmente preveníveis e tratáveis (gripe, diarréia etc.);

    – Irresponsabilidade da SESAI no diagnóstico, tratamento e monitoramento das Hepatites, que vem ocorrendo de forma alarmante na região de Guajará-Mirim e em outras regiões do estado; da mesma forma, por essa irresponsabilidade, o povo Suruí vem sofrendo com alto índice de tuberculose;

    – Falta de formação especifica de profissionais da saúde indígena que agem com discriminação e humilhação aos pacientes e acompanhantes indígenas em alguns pólos bases;

    – Deficiência de gestão administrativa dos DSEIs resulta na péssima administração dos pólos base de saúde: demora no agendamento das consultas, tratamentos em clinicas particulares com preços abusivos, terceirização de serviços e contratação de profissionais de saúde, entre outros.

    – Denunciamos a SESAI/DSEI que está contratando conselheiros de conselhos locais e distrital,  numa clara tentativa de cooptação de indígenas, ferindo o Regimento Interno dos Conselhos.

     

    EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

     

    – Participação dos povos indígenas na elaboração e execução da política de educação escolar indígena no Estado de RO (gestão das ações e no controle social);

    – Criação e instalação imediata do Conselho de Educação Escolar Indígena de Rondônia de acordo com a proposta dos Povos Indígenas;

    – Criação da Gerência de Educação Escolar Indígena, para garantir de fato o direito à Educação Escolar especifica e diferenciada;

    – Realização de concurso público, específico e diferenciado, para professores indígenas e quadro administrativo para as escolas indígenas do Estado de Rondônia, de acordo o que preconiza a lei complementar nº 578 de primeiro de junho de 2010;

    – Regularização das Escolas Indígenas, considerando suas especificidades;

    – Implantação do Projeto do Sexto ao Nono ano e ensino médio em todas as Escolas Indígenas, para evitar a migração de famílias e estudantes para os centros urbanos e a discriminação que sofrem os indígenas;

    – Agilidade na Construção de escolas indígenas adaptadas à realidade local, com estrutura física que garanta seu bom funcionamento;

    – Reestruturação dos setores pedagógicos das coordenações de Educação Escolar Indígena nos municípios;

    – Realização de seminários pedagógicos envolvendo professores e lideranças indígenas, coordenações de educação escolar indígena dos municípios, Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO) e Organização dos Professores Indígenas de RO (OPIRON);

    – A implantação da educação escolar indígena deverá ser participativa, envolvendo coordenações de educação escolar indígena dos municípios, Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO) e Organização dos Professores Indígenas de RO (OPIRON);

    – Garantir recursos para elaboração e produção de material didático específico e diferenciado nas diferentes áreas do conhecimento, com participação dos professores e suas comunidades.

     

    TERRA

     

    – Repudiamos o Projeto de Emenda Constitucional n° 215/2000 que transfere para o Congresso Nacional a competência de demarcação das terras indígena, bem como todas as demais propostas que venham ameaçar nossos direitos conquistados por nossa luta na Constituição Federal de 1988;

    – Estamos indignados com a manobra do Congresso Nacional que quer a todo custo violar nossos direitos, rasgando a atual Constituição Federal e os Acordos Internacionais a exemplo da Convenção 169 da OIT, ficando claro que defendem interesses pessoais e particulares em prejuízo do interesse público e coletivo.

    – Enquanto o projeto de Lei do Novo Estatuto dos Povos Indígenas está engavetado a mais de 20 anos, deputados contrários aos nossos direitos propõem a aprovação em separado do Projeto de Lei de Mineração em Terras Indígenas que sempre nos manifestamos contrários a esta manobra. Exigimos que seja colocado em pauta, em regime de urgência o Projeto de Lei do nosso Novo Estatuto, de acordo com a proposta da Comissão Nacional de Política Indigenista;

    – Enquanto o Congresso Nacional tenta violar nossos direitos constitucionais, mais de 20 terras indígenas em RO ainda não foram regularizadas, colocando nossos Povos em situação de risco e de insegurança física e cultural a exemplo dos Puruborá, Wãniam (Migueleno), Kassupá, Wayaró, Cujubim e Djeoromitxí;

    – Exigimos proteção imediata e regularização das terras dos mais de dez povos indígenas livres em isolamento e risco de extinção que, por falta de proteção física, cultural e territorial, correm risco de extinção;

    – Exigimos a proteção imediata às lideranças indígenas que vem sofrendo ameaças de morte por conta da luta pela terra.

    – Denunciamos a recente invasão de madeireiros na TI Uru-Eu Wau Wau. Exigimos a urgência intervenção da FUNAI e Policia Federal a fim  punir esses invasores.

    – Denunciamos que o Povo Aikanã perdeu seu cemitério – território sagrado, violado com a construção de estrada, ponte e estacionamento de projeto turístico nas margens do rio Pimenta município de Chupinguaia. Além disso, com a construção da pequena central hidrelétrica do Cascata afluente do rio Pimenta, destruiu e alagou outro cemitério antigo deste povo;

    – Exigimos um basta a esses grandes empreendimentos patrocinados pelo governo através do PAC que afetam diretamente nossas vidas e nossos territórios, a exemplo das UHEs Santo Antonio e Jirau,Tabajara, Ribeirão, PCHs, ferrovia Centro – Oeste, entre outros;

    – Repudiamos a mercantilização das terras indígenas com os projetos de REDD e exigimos cancelamento destes contratos, que tem provocado conflitos internos e entre povos, devido a ausência total de políticas públicas do Estado brasileiro que não promove melhorias na qualidade de vida e na defesa dos Direitos;

    – Denunciamos toda e qualquer ONG e empresas privadas, que em nome de povos indígenas, fazem acordos e projetos que vão contra os nossos interesses e ferem nossos direitos sócio, ambientais e culturais.

     

    Porto Velho, 13 de Abril de 2012.

     

     

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  • 13/04/2012

    Elaine Tavares: Segue a luta contra a estrada no Parque Nacional da Bolívia

    A poucos dias de mais uma marcha (a nona) dos indígenas que vivem na área do TIPNIS (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure), contra a construção da estrada que pretende rasgar seu território “impulsionando o progresso”, o governo boliviano decidiu dar uma cartada de mestre: rescindiu o contrato com a OAS, empresa brasileira que realiza a conturbada obra entre Villa Tunari e San Ignacio de Moxos. Segundo declarações do vice-presidente Álvaro Garcia, a rescisão se deu pelo fato de a empresa brasileira – responsável pelo trabalho de construção ter descumprido o acordo em vários aspectos da obra.

     

    Algumas notas em entidades populares e de esquerda brasileira comemoraram a ação do governo Evo Morales, uma vez que desde há meses os indígenas bolivianos vêm tentando parar a obra, cujo traçado passa por dentro de uma reserva. A proposta das comunidades é de que haja um desvio e que a estrada não passe por dentro do parque, uma vez que sendo construída naquele espaço, fatalmente trará a destruição do lugar.

     

    Mas, a rescisão com a OAS não significa, de forma alguma que o governo boliviano desistiu da estrada ou da ideia de encurtá-la passando pelo parque, muito menos que desistiu da empresa OAS. Na verdade, a ação pode ser só para conseguir a readequação dos contratos que, inclusive, segundo o sitio amazonia.org.br é uma exigência do próprio BNDES e do governo brasileiro. Isso acontece porque a marcha de 61 dias – em outubro do ano passado – que foi feita pelas comunidades e desembocou na cidade de La Paz com grande apoio popular conseguiu garantir a não realização da obra dentro do parque.

     

    Naqueles dias, com o país em polvorosa, Evo Molares firmou um acordo com as comunidades de que a estrada seria desviada e isso acabou resultando em um aumento dos custos, o que também pode ter provocado o pedido de readequação por parte do banco financiador.

     

    A estrada que percorre a Bolívia e chega ao Brasil tem 306 quilômetros e a obra foi dividida em três partes. Apenas a segunda etapa cruzaria o Parque Nacional. O custo total estava orçado em 415 milhões de dólares, dos quais 332 seriam financiados pelo governo brasileiro. Como, por ordem do presidente, o segundo ponto não pode ser construído, o BNDES exigiu um novo contrato para poder liberar o dinheiro.

     

    Entre os indígenas o anúncio do governo é visto com muita desconfiança e explodem as declarações na imprensa local. Eles alegam que o governo quer, com esse anúncio, desviar a atenção das críticas ao plebiscito do dia 15 de abril e da nova marcha que está se articulando. A intenção, dizem, é desarticular as mobilizações com a falsa ideia de que a estrada não vai mais sair, confundindo a população e levando as gentes a votarem pelo sim na consulta popular. As lideranças indígenas alegam que o plebiscito veio em hora errada, ele deveria ter sido feito antes do início das obras e não agora, quando muita coisa já foi feita.

     

    Segundo o próprio vice-presidente, a rescisão do contrato com a OAS pode ser revista, uma vez que a empresa ainda terá 15 dias para contestar na justiça sobre as alegações do governo boliviano. “Não teremos de devolver nenhum dinheiro ao Brasil porque o Banco ainda não liberou qualquer parcela”, afirmou, ao ser indagado sobre possíveis prejuízos. Com essa atitude tudo indica que as coisas serão acertadas matando-se dois coelhos com uma só tacada. Fazem-se novos contratos como queria o Brasil e ofusca-se a mobilização das comunidades indígenas.

     

    Mas, essa bomba midiática não é a única estratégia do governo de Evo Morales para lograr construir a tal estrada por dentro do Parque. Segundo informações do presidente da subcentral TIPNIS, Fernando Vargas, em entrevista ao jornal El Diário, membros do governo tem conversado – em particular – com várias lideranças de comunidades. Ao todo são 56 comunidades que vivem na região e dessas pelo menos 13 estão sendo convencidas pelo estado a aceitarem a lógica de “progresso” que o governo anuncia. Com isso, estão individualizando o direito coletivo de proprietários, além de provocar a cisão entre as comunidades. O velho estilo de dividir para reinar.

     

    Desgraçadamente o governo de Evo Morales, apesar de ter avançado em muitas questões importantes e estruturais que há muito exigiam mudanças no país, segue prisioneiro da ideologia do progresso e da modernidade, tão comum à esquerda latino-americana. As lideranças governamentais insistem que essa estrada – a qual pretende ligar o altiplano, o vale e a Amazônia (três regiões do país) – só vai trazer benefícios, trazendo o desenvolvimento para a região. O que não dizem é que o progresso típico do desenvolvimento ao modo capitalista, no mais das vezes, só traz destruição. Ainda há muito para caminhar na compreensão de que esse modelo de desenvolvimento não serve mais e que um governo com características populares poderia ser o grande impulsionador de outra forma, mais criativa e original, de organizar a vida.

     

    O movimento indígena boliviano assim como o equatoriano também recebe muitas críticas, principalmente das entidades da esquerda apoiadoras do governo. Algumas dessas críticas falam em desestabilização do governo, união com fazendeiros, separatismo, apropriação de dinheiro, etc… E, da mesma forma que no Equador, pode-se observar no movimento várias correntes de pensamento, inclusive a do katarismo, que é a de não envolvimento com os brancos. Mas, isso não significa que o movimento em si não tenha capacidade ou legitimidade de fazer valer as suas demandas.

     

    As comunidades originárias sabem muito bem dos “benefícios” do progresso capitalista. Elas vivenciam isso todos os dias na profunda desigualdade que é característica do modelo. Elas também sabem que uma estrada de integração, com ligação com outro país e passando por dentro do parque nacional onde ainda conseguem atuar em manejo de equilíbrio, só pode acabar em desgraça. Com a estrada vem os carros, com os carros vêm o comércio e negócios de toda ordem, com isso vêm os empresários, os estrangeiros e num átimo, a terra e a vida boa lhes escapam.

     

    Assim que, apesar da jogadas de marquetim de quebra de contrato com a OAS, e do processo de desagregação que o governo vem fazendo junto às comunidades, pelo menos 43 comunidades estão dispostas a iniciar mais uma marcha até La Paz a partir do dia 20. Os caminhantes vão exigir que o governo siga com a decisão de mudar o trajeto do trecho dois, impedindo que a estrada passe por dentro do parque. Fazem isso porque entenderam as letrinhas pequenas do discurso do vice-presidente Álvaro Garcia, que informou a rescisão do contrato com a empresa brasileira, mas reiterou a necessidade de o estado boliviano construir a estrado. Assim que a espada segue sobre a cabeça das comunidades.

     

    Agora, no dia 15 de abril, o governo realiza um plebiscito para que a comunidade se manifeste pela construção ou não da estrada. Várias lideranças são contra esse plebiscito e argumentam, com razão, que a consulta deveria ter sido feita antes do início das obras e não agora que boa parte já está em andamento. O fato é que aí também está embutida uma armadilha. A questão que leva os indígenas à luta não é a construção da estrada em si, apenas da parte que passa por dentro do parque. É mais uma forma de confundir a população. Quem, em sã consciência vai se manifestar contra a melhoria de mobilidade?

     

    Como sempre acontece os representantes do governo insistem em dizer nos jornais locais que é a direita, a oposição, que está fazendo das suas para travar desestabilizar o governo, apoiando as marchas e os protestos. Pode até ser que a direita se aproveite disso para avançar por dentro das comunidades, mas é preciso que fique bem claro que se é assim, a falha também é do governo que não tem sabido manejar as demandas das comunidades, preferindo usar os artifícios da pressão, da cooptação e da enganação.

     

    Há também muita especulação sobre a ação das ONGs estrangeiras que estão metidas nessa luta pela preservação do Parque. Há quem diga que existem interesses obscuros aí, e é bem provável que tenha mesmo, tais como roubo de biodiversidade e tudo mais. Mas, da mesma forma, essas entidades só ocupam espaços que estão vazios do diálogo verdadeiro com o governo. As comunidades são indígenas, o que não significa que é formada por bobos. Os indígenas sabem muito bem onde lhes aperta o pé e têm todas as condições de decidir sobre sua própria vida. Também pipocam nos jornais as denúncias de que as lideranças envolvidas nos protestos receberam dinheiro do governador de Beni, estado tradicionalmente opositor a Evo Morales, para realizarem as marchas. Tudo acaba sendo ideologizado no campo da luta partidária.

     

    Nas comunidades que têm recebido muitas melhorias nos últimos meses, fruto do processo de busca de apoio por parte do governo, já se pode ver muita gente apoiando a ideia da estrada, firmemente credora de que será para o bem de todos. Assim que os acontecimentos dos próximos dias serão bastante significativos. A marcha está mantida e a luta contra a estrada segue. Resta saber se o governo de Evo Morales será sensível ao grito das gentes contra a degradação do progresso capitalista ou se embarcará no canto da sereia do desenvolvimento sustentável, que sustenta unicamente alguns.

     

    Existe vida no Jornalismo

    Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com

    América Latina Livre – www.iela.ufsc.br

    Desacato – www.desacato.info

    Pobres & Nojentas – www.pobresenojentas.blogspot.com

    Agencia Contestado de Noticias Populares – www.agecon.org.br

     

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  • 11/04/2012

    Mulheres indígenas de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas se reúnem e pedem unidade

    O Movimento e Organização Indígena do Estado de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas conclama unidade entre os povos indígenas durante este mês de abril, quando se comemora a semana do índio.

    Segue a mensagem na íntegra:

    Abril indígena Regional – Assembléia OMIRAM

    Tema : Povos Indígenas: UNIDOS PELA ORGANIZAÇÃO, PELA TERRA, PELA SAÚDE E  NO BEM VIVER – RESISTÊNCIA E LUTA

    Nós, mulheres indígenas de Rondônia, noroeste de Mato Grosso e sul do Amazonas, reunidas em Assembleia entre 9 e 10 de abril de 2012, queremos dizer a todos os povos indígenas do Brasil e de outros países que a nossa luta é a mesma e estamos unidos na luta em defesa da vida e em defesa do Bem Viver para todos e todas.

    Para que todos tenham em mãos o território tradicional, a saúde e a educação de qualidade de acordo com a especificidade de nossas culturas.

    Nesta semana vamos unificar nossas lutas, porque unidos somos fortes, mesmo vivendo geograficamente em estados diferentes, enfrentamos problemas semelhantes. Nossa luta pela terra é única, porque enquanto defendemos a Terra como sagrada, os não indígenas, os latifundiários e o agronegócio a consideram simples mercadoria.

    Nosso convite a vocês para nesta semana ficarmos unidos na luta para a luta em defesa do direito a vida, ao Território e o Bem Viver! Reduzidos sim, vencidos nunca!

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  • 10/04/2012

    Indígenas Pataxó bloqueiam BR-101 contra PEC 215

    Por Renato Santana

    De Brasília

     

    Cerca de mil indígenas do povo Pataxó do extremo sul da Bahia bloquearam, no fim da madrugada desta terça-feira, 10, trecho da BR-101, em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovada em março pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal.

     

    A PEC 215 tramita desde 2000 e propõe a transferência da demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental do Poder Executivo para o Congresso Nacional. A proposta é defendida pelas bancadas ruralista e evangélica da Câmara e do Senado, onde tramita a PEC 038 – siamesa da PEC 215.

     

    “Todo mundo tem uma noção de que ela só beneficia os latifundiários, que são contra as demarcações de terras indígenas”, explica o cacique Sinvaldo Ribeiro de Souza, indígena Pataxó da Terra Indígena Barra Velha. A mobilização conta também com os Pataxó de Coroa Vermelha e do Parque Nacional do Descobrimento Monte Pascoal.

     

    A comunidade está instalada às margens da rodovia na altura do quilômetro 772, município de Itabela, local do bloqueio. A Polícia Rodoviária está no local e os indígenas afirmam que só irão desbloquear a BR quando o governo federal se posicionar e mostrar de que forma irá agir para impedir o seguimento da PEC 215 – que aguarda a criação de Comissão Especial pela mesa diretoria da Câmara Federal.

     

    Outros dois pontos estão na pauta reivindicatória do bloqueio: rapidez nos processos administrativos das terras indígenas Pataxó e proteção do Estado aos caciques e demais lideranças indígenas ameaçadas por pistoleiros e capangas de fazendeiros.

     

    Questão fundiária

     

    Caso a proposta ruralista seja aprovada, a avaliação dos indígenas é que não ocorrerão mais demarcações de terras indígenas no Brasil. “Fomos a Brasília e tivemos uma esperança de ter nossas reivindicações de terras atendidas. Quando chegamos vimos a PEC 215 sendo votada. Uma traição que não se pode aceitar”, diz Sinvaldo.  

     

    Durante a votação da PEC na CCJC, os Pataxó estiveram na Capital Federal para reuniões na Funai, Incra, Supremo Tribunal Federal (STF) e Ministério de Minas e Energia. Em todos os encontros a questão fundiária estava em pauta. No Congresso Nacional, portanto, fizeram intensos protestos contra a proposta ruralista.Indígenas Pataxó em protesto contra a PEC 215 em sessão da CCJC. Foto: Eden Magalhães/Cimi

     

    Nos território Pataxó do extremo sul baiano, nas terras indígenas de Barra Velha, Parque Nacional Monte Pascoal e Coroa Vermelha incidem tipos variados de ocupação não-indígena, conforme atestam relatórios publicados pela Funai. Fazendas de gado de corte e cacau, registradas a partir da década de 1980, dominam a maioria dos hectares, além de uma área de reflorestamento de eucaliptos, Parque Nacional e assentamentos da reforma agrária.  

     

    A Terra Indígena Coroa Vermelha passa por processo de revisão e Barra Velha possui 8 mil hectares registrados, mas reivindica outros 52 mil que compreendem o Parque Nacional do Monte Pascoal, controlado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio). “O relatório de identificação desses 52 mil foi publicado (em 2008), mas até agora o ministro da Justiça não assinou a Portaria Declaratória”, salienta Sinvaldo.

     

    Deputados federais que compõem a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas alertaram que a insegurança jurídica e fundiária seria consequência imediata da aprovação da PEC 215 pela CCJC: “Aprovar essa PEC intensificará os conflitos entre indígenas e fazendeiros, porque a demarcação de terras já não ocorre conforme o esperado”, destacou o deputado Padre Ton (RO/PT), presidente a Frente Parlamentar, durante as sessões da CCJC que tratou da proposta.

     

    Fora o posicionamento contra a PEC 215, os Pataxó reivindicam do governo federal a assinatura da Portaria Declaratória de demarcação da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal (envolvendo a terra Barra Velha e a área já identificada onde incide o Parque do Descobrimento) pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. 

    “Estamos revoltados com essa PEC 215 e deixamos um recado: não queremos conflito e violência, mas também não vamos permitir que nos tirem nossas terras, dadas por Deus e não pelo homem branco”, finaliza o cacique.     

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  • 10/04/2012

    PEC 215: as bancadas ruralista e evangélica contra os povos indígenas

    “Os povos indígenas precisam ter clareza de que não podem ficar esperando o apoio do governo no enfrentamento à PEC 215. No bojo das opções governamentais, a mudança na Constituição pretendida pela PEC é conveniente para o governo”, adverte o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.


    Confira a entrevista.


    “O Estado brasileiro historicamente incentivou o preconceito em relação ao jeito de ser dos povos originários, bem como a invasão e a depredação dos territórios ocupados tradicionalmente”. É a partir dessa constatação que Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, diz que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 215/2000 pela Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Câmara reforça a posição do governo federal pelo desenvolvimentismo baseado no agronegócio, na reprimarização da economia e na exportação.


    Buzatto acompanhou a votação da PEC 215/2000 noCongresso Nacional junto dos povos indígenas e relata que “é evidente a existência de uma aliança” entre diferentes bancadas congressistas, que pretendem enfraquecer os direitos dos povos indígenas e quilombolas assegurados pela Constituição Federal. “As bancadas ruralista e evangélica estão votando em bloco contra os povos indígenas. São parlamentares de diferentes partidos, independentemente de estarem ou não na base de governo ou na oposição a ele. Votaram a favor da PEC todos os deputados do PMDB, PP, DEM, PSD, PR, PSDB, PTB, PDT e PPS. Apenas os representantes do PT, PCdoB, PSB e Psol se movimentaram contra a aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ”.


    Em sua avaliação, os parlamentares querem alterar a Constituição Federal para garantirem a ampliação do “acesso ao território brasileiro por parte um grupo muito reduzido e já intensamente privilegiado de grandes fazendeiros e grandes empresas transnacionais que atuam no Brasil”. Caso a PEC 215 seja sancionada, poderá paralisar o processo de demarcação das terras indígenas. Segundo Buzatto, das 1.046 terras indígenas, somente 363 estão regularizadas. “335 terras encontram-se em alguma fase do procedimento de demarcação e outras 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil. Mas até o momento o órgão indigenista não tomou nenhuma providência a fim de dar início a sua demarcação”, informa à IHU On-Line.


    Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele avalia as implicações da PEC 215/2000 e assegura que a não realização da reforma agrária e a intensa retração dos processos de demarcação das terras indígenas “não são frutos da falta de planejamento do governo, mas de decisões e opções políticas bem delimitadas”.


    Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia. Atualmente trabalha como secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.


    Confira a entrevista.


    IHU On-Line – Como o Cimi recebeu a notícia de aprovação da PEC 215/2000 pela Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Câmara? E como se posiciona diante dessa matéria?


    Cleber César Buzatto –
     A aprovação da PEC 215/2000 pela CCJ foi recebida com perplexidade e grande indignação pelo Cimi. Acompanhamos passo a passo, junto com lideranças de povos indígenas de todas as regiões do país e com representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, desde o mês de novembro de 2011, todas as sessões da Comissão que trataram sobre a matéria. Fizemos todos os esforços possíveis para evitar a votação da PEC e participamos do protesto realizado pelos povos indígenas na própria CCJ e no interior da Câmara dos Deputados por ocasião da aprovação da PEC. O Cimi assume posicionamento radicalmente contrário à continuidade da tramitação da PEC 215 no Congresso.


    IHU On-Line – Como a notícia da aprovação da PEC215/2000 está repercutindo entre as comunidades indígenas?


    Cleber César Buzatto –
     A aprovação da PEC pela CCJ está causando muita revolta junto dos povos indígenas de todo o Brasil. Nossa avaliação é de que essa revolta poderá, em breve, se transformar em ações de repúdio e protesto, em várias regiões do país, por parte dos povos.


    IHU On-Line – Por que a PEC 215/2000 foi retomada neste momento? Que circunstâncias políticas trouxeram à tona essa discussão?


    Cleber César Buzatto –
     Vivemos um momento histórico de fortalecimento político e econômico de setores da sociedade que, historicamente, defendem teses conservadoras e elitistas. A opção do governo Lula, ainda mais explícita com Dilma, pelo desenvolvimentismo, fundado na reprimarização da economia e na exportação, veio acompanhada da opção pelos setores da sociedade que “precisariam” ser incentivados para implementá-lo bem como daqueles que deveriam ser “inibidos” por representarem “riscos” à sua implementação.


    Desenvolvimentismo


    No campo, a opção governamental foi pelo agronegócio e seus atores sociais: os grandes fazendeiros e latifundiários, produtores de commodities, e as empresas transnacionais, que controlam toda a cadeia de produção, comercialização e exportação desses produtos. Os discursos de Lula, em diferentes momentos, tratando os usineiros – reconhecidos depredadores do meio ambiente e responsáveis pelo assassinato de dezenas de lideranças sociais na disputa pela terra ao longo da história – de “heróis nacionais”, bem como a referência explícita aos povos indígenas como “entraves ao desenvolvimento”, são sintomáticos e simbólicos nesse sentido.


    Essa opção vem se traduzindo também em ações governamentais concretas. O exponencial aumento do crédito aos grandes proprietários, a não realização da reforma agrária sem que nem ao menos tenha sido feita a atualização dos índices de produtividade – que remontam à década de 1970 – e a intensa retração dos processos de demarcação das terras indígenas no país não são frutos da falta de planejamento do governo, mas de decisões e opções políticas bem delimitadas.


    Agronegócio sem limites


    Essa opção governamental fortaleceu ainda mais um setor amplamente minoritário social e historicamente privilegiado de nosso país. A essa altura, é importante termos presente que os representantes do agronegócio não têm limites em suas pretensões e ações. Na ponta, seus atores principais são responsáveis pelo assassinato de líderes sem terra, quilombolas, defensores do meio ambiente, de indígenas. Está aumentando o número de casos em que, não se satisfazendo em matar essas lideranças, avançam a um ponto tão alto de selvageria e desumanização que “escondem” os corpos dos assassinados. No Congresso, vaiando publicamente os assassinados, congressistas vinculados a esse setor aplaudem os assassinos e desferem ataques ferozes, raivosos e sistemáticos contra toda a legislação que garanta direitos sociais e ambientais.


    Assim, a tramitação da PEC 215 na Câmara vem na esteira das opções do governo e da falta de limites dos atores escolhidos para implementar suas opções político-econômicas.


    IHU On-Line – Qual a postura do Estado brasileiro diante dos povos indígenas? O governo poderia ter evitado a votação desta PEC?


    Cleber César Buzatto –
     O Estado brasileiro historicamente incentivou o preconceito em relação ao jeito de ser dos povos originários, bem como a invasão e a depredação dos territórios ocupados tradicionalmente. Centenas de povos foram dizimados em função disso. Dezenas de outros povos foram expropriados e muitos continuam vivendo sem terra sob barracos, em beiras de estradas e rios nas mais diferentes regiões do país.

    Os povos indígenas nunca aceitaram essas situações e, com muita luta, enfrentamentos e articulações conquistaram direitos explicitados especialmente nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Observamos hoje a existência de uma espécie de pacto entre os três poderes do Estado brasileiro no sentido de dificultar e impedir a implementação e, até mesmo, desconstruir os direitos desses povos.


    Votação da PEC 215


    O governo poderia ter evitado a votação da PEC 215 na CCJ. Lideranças indígenas manifestaram, com grande clarividência, ao líder do governo na Câmara, ao Ministro da Justiça e a outros interlocutores, a posição contrária à PEC e à necessidade de uma ação efetiva por parte do governo para impedir a votação. Mas a opção do governo, ao não se manifestar, foi pela aprovação da matéria. O autor do relatório aprovado que admite a constitucionalidade da Proposta é, nada mais nada menos, do que o vice-líder do governo na Câmara, o deputado federal Osmar Seráglio, PMDB do Paraná. Os poucos deputados que se posicionaram e agiram contra a aprovação da PEC não receberam nenhuma manifestação de apoio por parte do núcleo do governo.


    Penso que os povos indígenas precisam ter clareza de que não podem ficar esperando o apoio do governo no enfrentamento à PEC 215. No bojo das opções governamentais, a mudança na Constituição pretendida pela PEC é conveniente para o governo. Se não houver mudanças nos rumos até então tomados, não acredito em posição sincera de que o governo tenha posição contrária a esta PEC. Assim, ao contrário do que a mídia tem alardeado, entendo que o governo não foi derrotado nesta matéria. Quem perdeu realmente foram os povos indígenas, os quilombolas, o meio ambiente e a sociedade brasileira como um todo. São esses setores que precisam se mobilizar para evitar a consumação de mais esse retrocesso.


    IHU On-Line – Quais bancadas congressistas defendem a votação da PEC 215/2000? O que os parlamentares pretendem com essa mudança na lei? Quem se beneficiará com essa alteração?


    Cleber César Buzatto – 
    No Congresso, é evidente a existência de uma aliança bem costurada entre diferentes bancadas em votações que pretendem atingir direitos e ou a imagem dos povos indígenas. As bancadas ruralista e evangélica estão votando em bloco contra os povos indígenas. São parlamentares de diferentes partidos, independentemente de estarem ou não na base de governo ou na oposição a ele. Votaram a favor da PEC todos os deputados do PMDB, PP, DEM, PSD, PR, PSDB, PTB, PDT e PPS. Apenas os representantes do PT, PCdoB, PSB e Psol se movimentaram contra a aprovação da PEC na CCJ.


    O objetivo central que motiva esta mudança da Constituição é a facilitação e a ampliação do acesso ao território brasileiro por parte um grupo muito reduzido e já intensamente privilegiado de grandes fazendeiros e grandes empresas transnacionais que atuam no Brasil. As terras indígenas, as terras de quilombolas e o meio ambiente são considerados, pelo agronegócio, como elementos que limitam o acesso, o controle e a exploração territorial. Para isso, os parlamentares que representam o agronegócio no Congresso almejam serem portadores do poder de decidir e, com isso, inviabilizar por completo os processos de reconhecimento e demarcação de terras (indígenas e quilombolas), bem como a criação de novas Unidades de Conservação no país.


    IHU On-Line – Em sua avaliação, a votação da PEC 215/2000 tem alguma relação com a
    proposta do novo Código Florestal?


    Cleber César Buzatto –
     Há uma estreita relação entre a votação da PEC 215 e o novo Código Florestal. Ambos são instrumentos usados para flexibilizar a legislação com o mesmo objetivo de facilitar o acesso e ampliar a concentração da posse e propriedade da terra no país. Ambos representam retrocessos históricos que sinalizam o avanço de forças políticas conservadoras e reacionárias.


    IHU On-Line – Quantas terras indígenas já foram demarcadas e quantas estão homologadas?


    Cleber César Buzatto –
     Essa situação é extremamente grave, uma vez que das 1.046 terras indígenas, apenas 363 estão regularizadas. 335 terras encontram-se em alguma fase do procedimento de demarcação e outras 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil. Mas até o momento o órgão indigenista não tomou nenhuma providência a fim de dar início a sua demarcação.


    IHU On-Line – Caso essa PEC seja sancionada, quais as implicações para as comunidades indígenas? Os índices de violência tendem a aumentar?


    Cleber César Buzatto –
     A PEC 215 é especialmente danosa aos direitos dos povos indígenas no que diz respeito às suas terras tradicionais. Ela atinge também os diretos dos quilombolas e a questão do meio ambiente. O deputado Osmar Seraglio, em seu relatório e voto, anexou a ela outras 11 PECs que também tramitavam na CCJ. Dessa maneira, na forma do relatório e voto em questão (1) a aprovação da matéria alterará os artigos 49, 225 e 231 da Constituição e, em última instância, entre outras, determinará que toda e qualquer demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional; será exigida a aprovação de lei para a demarcação de terras indígenas; expedição de títulos das terras pertencentes a quilombolas e definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo poder público.

    A composição amplamente anti-indígena do Congresso Nacional nos permite afirmar que a aprovação em definitivo desta alteração da Constituição poderá significar, de fato, a paralisação absoluta do processo de demarcação de terras indígenas no Brasil.

    Pela experiência, sabemos que os povos locais não desistem de lutar pelos seus direitos, especialmente aqueles relacionados à questão fundiária. A aprovação desta PEC tende a alimentar ainda mais a insanidade de fazendeiros na relação com os povos indígenas. Dessa maneira, é muito provável que a própria tramitação de matéria potencialize a violência contra lideranças e comunidades indígenas.


    IHU On-Line – Como o Cimi recebeu a notícia de que a Dr. Marta Azevedo irá assumir a presidência da Funai? Quais as perspectivas que vislumbra?


    Cleber César Buzatto –
     Como parte da opção governamental pelo desenvolvimentismo e pelo agronegócio como modelo a ser incentivado no campo brasileiro e da consequente estratégia de retração dos processos de demarcação das terras indígenas, a Funai tem sido intencional e sistematicamente enfraquecida como instituição. O presidente Márcio Meira nunca foi recebido pela presidente Dilma. Isso demonstra o total desprestígio deste órgão governamental por parte do atual governo. Ouvimos constantemente reclamações de lideranças indígenas de todas as regiões do país dando conta da total falta de condições de estrutura e pessoal da Funai em suas respectivas regiões. Participei de uma audiência na sede de uma Coordenação Técnica Local da Funai que não tinha nem água potável para servir às lideranças indígenas e demais autoridades que estavam presentes. O orçamento da Funai destinado à ação Demarcação de Terras Indígenas é irrisório e tem sido ainda mais reduzido nos últimos anos.

    Por tudo isso, entendo que o debate em torno de quem é ou será o presidente da Funai é extremamente periférico. No atual contexto, o presidente da Funai, independentemente de quem seja, tende a ser usado para facilitar a implementação daquilo que realmente interessa e está na pauta do governo, entre outros, ganha destaque especial o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

    Por isso, não gastamos energia para apoiar a demissão, nem a indicação de presidentes da Funai.

     

    NOTA:

    (1) Confira em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562.

     

    (Por Patricia Fachin)

     

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