• 02/04/2012

    Operário de Belo Monte é preso durante repressão da polícia; greve continua

    Ruy Sposati

    De Altamira (PA)

     

    Um trabalhador da Usina Hidrelétrica Belo Monte foi preso na manhã desta segunda-feira, 2, durante repressão da Polícia Militar (PM) a  grevistas que pararam as obras da usina desde a semana passada. Ele permaneceu algemado numa picape da PM, pela manhã. Durante repressão, foram usadas bombas de gás e spray de pimenta. Um helicóptero- alugado pela Norte Energia para uso da Polícia e da Defesa Civil locais – sobrevoava o local, com fuzis apontados para os operários. Ao menos doze trabalhadores estão ameaçados de demissão por conta das movimentações dos últimos cinco dias.

     

    Em função da greve, que já dura cinco dias, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pela obra, adiantou o pagamento dos salários, previsto para quinta-feira, dia 5, para hoje. Os cerca de 7 mil trabalhadores tem recebido o salário, em dinheiro vivo, em uma danceteria da cidade de Altamira.

     

     

    "Tratam a gente feito gado", diz um trabalhador.

     

    A imprensa foi expulsa do local. Contudo, durante a confusão, foi possível furar o bloqueio e registrar algumas cenas.

     

    Uma comissão da Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas) veio a Altamira para auxiliar a greve dos trabalhadores, e propor que eles denunciassem suas condições de trabalho em uma reunião marcada para esta terça, 3, entre governo federal, empresas construtoras e sindicatos da categoria, em Brasília.

     

    A paralisação começou na última quarta-feira, 28 de abril, em um dos canteiros da obra. No mesmo dia, um acidente de trabalhador levou um operador de motosserra à morte em outro canteiro. No dia seguinte, a greve atingiu os demais canteiros.

     

     

    Trabalhador é algemado e levado por policiais.

     

    As reivindicações são equiparação salarial, redução do intervalo da baixada (visita à família, quando são de outras regiões) de seis para três meses, melhores na comida e água, o fim do desvio de função, baixada para ajudantes de produção (cargo mais baixo na hierarquia da obra), capacitação para funcionários, plano de saúde, aumento do cartão alimentação (hoje, em cerca de 90 reais), aumento de salário, pagamento de horas extras aos sábados, transporte digno, a “troca” do sindicato representativo e o direito à baixada para os trabalhadores que decidirem, por conta própria, morar fora dos canteiros de obras.

     

    Segundo o comando da greve, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada (Sintrapav) abriu diálogo com a empresa, sem a participação dos trabalhadores, propondo que suspendessem a greve e dessem novo prazo à empresa para que respondesse às reivindicações.

     

     

    Carro da Polícia Civil, com logotipo da Norte Energia, carregando policiais da Rotam, Cavalaria, Polícia Militar e homens sem farda.

     

    Texto e fotos: Ruy Sposati

     

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  • 02/04/2012

    CPT define prioridades para próximo triênio e elege nova diretoria nacional

    Encerrou-se na última sexta-feira, 30 de março, na cidade de Hidrolândia (GO), a XXIV Assembleia Geral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), inspirada no lema “Não mais terão fome ou sede”. A Assembleia Geral da CPT definiu as prioridades para o próximo triênio, fez um balanço da atuação da CPT, e ouviu os testemunhos de trabalhadoras e trabalhadores que estão na luta e na esperança de mudança das estruturas de injustiça que os povos da terra têm vivenciado.

     

    No primeiro dia da Assembleia, quarta, 28, a reflexão se concentrou no tema da pastoralidade. Foi retomada a criação da Comissão Pastoral da Terra e a conjuntura política e religiosa que era vivida no ano em que a ela foi criada, em 1975. O assessor do encontro e secretário do Movimento de Educação de Base, padre Virgilio Uchoa, fez uma provocação em sua fala a respeito da educação libertadora e transformadora, que perdura nas práticas de mudanças concretas.

     

    Nova diretoria executiva nacional

     

    No último dia de Assembleia foi realizada a eleição da nova diretoria executiva nacional da CPT, para o mandato de 2012 a 2015. Com dois delegados e um trabalhador por regional com poder de voto, foram escolhidas os seguintes nomes:

     

    Para presidente, Dom Enemésio Lazzares, bispo de Balsas (MA), e vice-presidente da CPT entre os anos de 2009 e 2012. Dom Enemésio era o atual presidente da CPT em exercício, devido à morte de Dom Ladislau Biernaski, no dia 13 de fevereiro desse ano.

     

    Para vice-presidente, Dom José Moreira Bastos Neto, bispo de Três Lagoas (MS).

     

    Para a diretoria foram reeleitos Edmundo Rodrigues, da CPT Tocantins, Isolete Wichinieski, da CPT Goiás e Flávio Lazzarin, da CPT Maranhão, e foi eleita Jane Silva, da CPT Pará. Para suplentes da diretoria foram escolhidos Frei Luciano Bernardi, da CPT Bahia e Thiago Valentin, da CPT Ceará.

     

    Carta Final da XXIV Assembleia Geral da CPT

     

    Os 70 participantes da Assembleia Geral da CPT aprovaram, ao final do evento, uma Carta Final onde destacam a memória viva e profética dos mártires da luta pela terra no Brasil, a luta incansável dos povos indígenas pela sua sobrevivência e seu duro processo de resistência diante dos grandes projetos que se desenvolvem em detrimento dessas culturas. A Carta destaca, ainda, as investidas do capital contra o meio ambiente, num processo de exploração devastador. O documento lembrou, ainda, o assassinato de quatro trabalhadores nos últimos dias, vítimas de um processo de violência no campo cada vez mais latente em nosso país. Confira, abaixo, o documento na íntegra:

     

    “Não mais terão fome e sede” (Ap 7,16)

     

    Mensagem da XXIV Assembleia Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

     

    Reunidos em Hidrolândia, GO, nos dias de 28 a 30 de março de 2012, para celebrar a XXIV Assembleia Nacional da Comissão Pastoral da Terra, nós, representantes dos Regionais do Brasil, reafirmamos nossa missão evangélica a serviço dos povos da terra e das águas.

     

    Em tempos de exílio e de sonhos de “bem viver”

     

    Sentimos a força do Espírito na memória das testemunhas e mártires que se fazem presentes na história de nossa caminhada: João Pedro Teixeira (50 anos do assassinato), Oscar Romero, Irmã Dorothy, Manelão do Araguaia e Dom Ladislau Biernaski – o homem que “viveu e pensou a fé a partir dos pobres da terra” -, iluminaram nossa fé e nossa esperança nas reflexões de nossa Assembleia. Comovente e precioso, em tempos de exílio e de cativeiro, foi o relato de camponesas e camponeses que nos contaram e cantaram suas lutas e resistências, avanços e conquistas.

     

    Companheiros do CIMI acompanharam e partilharam conosco, posturas e práticas corajosas junto aos povos indígenas: estes são um sinal de Deus que recria, através deles, todo dia e para toda a humanidade, a ética e a política do Bem Viver, na luta desigual da defesa e reconquista de seus territórios.

     

    A presença lúcida e profética de dom Tomás Balduino, com seus 90 anos, nos dá sempre novo vigor. Trouxe-nos alegria a presença do Secretário Geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner, do presidente da Comissão Episcopal de Pastoral do Serviço à Caridade, Justiça e Paz, Dom Guilherme Werlang, do assessor da Comissão oito da CNBB, padre Ari dos Reis, da representante da Cáritas Brasileira e de irmãos e irmã da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, da Igreja Adventista do Sétimo Dia e da Igreja Batista.

     

    No clima árido da escassez de profecia, padre Virgílio Uchoa nos ajudou a fazer a memória das raízes da pastoralidade e da espiritualidade, que animam até hoje a CPT. Lembramos um dos luminares da CPT, dom Pedro Casaldáliga. Fomos visitados e reanimados por João XXIII, dom Helder Câmara, dom Aloisio Lorscheider, dom Luciano Mendes, dom Antonio Fragoso e padre José Comblin. Respiramos novamente o ar fresco do Concilio Ecumênico Vaticano II e das assembleias latinoamericanas de Medellín e de Puebla. O rosto de milhares de leigas e leigos das CEB’s iluminou os ideais de uma Igreja libertadora, a serviço do Reino de Jesus e da sua Justiça, Reino dos pobres e empobrecidos, como os preferidos do Pai.

     

    Durante a Assembleia, chegou a noticia – que nos entristeceu e indignou – de mais quatro assassinatos de lideranças camponesas: Antônio Tiningo, coordenador do acampamento Açucena, dia 23 de março, em Jataúba – PE; Valdir Dias Ferreira, 40; e do casal Milton Santos Nunes da Silva, 52, Clestina Leonor Sales Nunes, 48, da Coordenação Estadual do MLST de Minhas Gerais, executados no município de Uberlândia, MG, no dia 24 de março, na presença de um neto do casal, de cinco anos.

     

    Povos e comunidades gritam e lutam para defender territórios e preservar a terra

     

    Preocupam-nos os impactos socioambientais, cada vez mais violentos e acelerados, que atingem diretamente toda a sociedade. Não há limites para a voracidade do capital. O Estado brasileiro é o seu incentivador, via PAC, e financiador, via BNDES. Aposta-se, delirantemente, no crescimento neo-colonialista predador, concentrador de riquezas, em troca de meros projetos assistencialistas.

     

    Isso se expressa claramente nos projetos em discussão no Congresso Nacional:

     

    1. As mudanças aprovadas do Código Florestal que, sob o discurso de defender os pequenos produtores rurais, querem legitimar a depredação dos recursos naturais.

     

    2. A tentativa de retirar do Executivo a prerrogativa de definir e aprovar o reconhecimento dos territórios indígenas e de comunidades quilombolas, com a aprovação da PEC 215, por Comissão da Câmara dos Deputados.

     

    3. Os inúmeros projetos que visam minar os direitos dos mais pobres.

     

    A aprovação de concessão de lavras minerárias que depredam a natureza, invadem áreas de preservação ambiental e territórios de povos indígenas, de comunidades camponesas e de assentamentos da reforma agrária, escancaram o modelo implantado em nosso país.

     

    Vítimas deste processo são os povos indígenas – de modo especial os Guarani Kaiowá de Mato Grosso do Sul, totalmente espoliados de seus territórios e de sua dignidade – quilombolas, posseiros, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, acampados e assentados de uma reforma agrária abandonada, assalariados e escravizados, sempre jogados à margem de nossa sociedade.

     

    Anima-nos, porém, a coragem e a resistência dos povos atingidos e impactados pelos projetos que os marginalizam, mas teimosamente apontam novos caminhos de organização e de relacionamentos com a natureza e na sociedade.

     

    Percebemos o risco que corre a democracia, no mundo inteiro, pelos persistentes rearranjos do poder econômico-financeiro nacional e transnacional. Despontam os riscos sobre o futuro do Estado de Direito, na medida em que crescem, nas instituições e na sociedade, mentalidade e comportamentos que impedem a participação das maiorias nas decisões.

     

    A CPT se une a todos os irmãos e irmãs de boa vontade, “pequeno resto” que luta por novos tempos, quando “não haverá mais fome e sede” e “todos terão vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Neste horizonte desafiador, nos sentimos animados pela sabedoria dos povos nativos, quando nos ensinam a vivenciar e a cantar com eles:

     

    “Pisa ligeiro, pisa ligeiro:

     

    quem não pode com a formiga,

     

    não assanha o formigueiro”

     

    ASSEMBLEIA GERAL DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

     

    Hidrolândia GO, 30 de março de 2012.

     

    Maiores informações:

    Cristiane Passos (Assessoria de Comunicação CPT Nacional) – (62) 4008-6406 / 8111-2890

    www.cptnacional.org.br

    @cptnacional

     

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  • 02/04/2012

    Manifestação pública dos povos indígenas Kayabi, Apiaká e Munduruku

    Nós, povos indígenas Kayabi, Apiaká e Munduruku, reunidos em Alta Floresta, viemos a público manifestar nossa discordância em relação à construção do empreendimento Usina Hidrelétrica de Teles Pires e chamar a atenção do Estado brasileiro, Poder executivo, legislativo e judiciário, organizações internacionais, instituições não governamentais, povos indígenas e todos do povo brasileiro para o descumprimento de nossos direitos consagrados na Constituição Federal e Convenção 169 da OIT.

     

    Primeiramente, informamos que JAMAIS FOMOS CONSULTADOS acerca deste empreendimento.

     

    Nesta semana o empreendedor apresentou para as nossas lideranças o Plano Básico Ambiental da Usina Hidrelétrica de Teles Pires. Nós povos indígenas KAYABI, APIAKA e MUNDURUKU manifestamos publicamente que NÃO ACEITAMOS O PLANO BÁSICO AMBIENTAL APRESENTADO e que nestes dias não travamos quaisquer negociações com o empreendimento que viola todos os nossos direitos desde o início de seu licenciamento.

     

    Exigimos do Estado brasileiro que se comprometa com os direitos dos povos indígenas e com seus compromissos internacionalmente firmados, agindo com boa fé.

     

    Não haverá desenvolvimento econômico, social e aperfeiçoamento democrático em nosso país enquanto os povos indígenas não caminharem juntamente com o desenvolvimento, enquanto continuarmos a ser vistos como entraves ao desenvolvimento nacional e à matriz energética escolhida pelo governo.

     

    Exigimos a imediata DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS KAYABI, APIAKÁ E MUNDURUKU, T.I. PONTAL DOS APIAKÁS ISOLADOS, T.I. MUNDURUKU DO JEMANXIM NA CALHA DO MÉDIO TAPAJÓS, E T.I. KAIABI DO BATELÃO, pois se o desenvolvimento nacional é tão importante, mais importante ainda é que também façamos parte dele, deixando de ser excluídos das ações do Estado que visam apenas o enriquecimento de financiadores de campanha do governo e não um verdadeiro desenvolvimento sustentado para a nação brasileira.

     

    A regularização fundiária de nossas terras é a única coisa que poderá salvaguardar nossos direitos frente aos processos de autoritarismo e violação de direitos aos quais os povos indígenas estão sendo sujeitados pelo governo brasileiro.

     

    Não aceitamos discutir o Plano Básico Ambiental proposto pelo empreendedor enquanto a regularização fundiária de nossas terras não estiver concluída com a homologação e registro. Depois das Terras demarcadas, homologadas e registradas, reivindicamos que o governo garanta um recurso financeiro para que sejam mantidos trabalhos de monitoramento e vigilância nas Terras Indígenas. Exigimos que o empreendedor apóie o governo nestas ações, internalizando em seus lucros todos os impactos físicos, ambientais e sócio-culturais aos quais já está submetendo os nossos povos e comunidades.

     

    O Plano Básico Ambiental apresentado nesta semana é mais uma prova de desrespeito aos nossos direitos, instâncias políticas e comunidades, jamais fomos consultados ou participamos de sua elaboração. O empreendedor pretende trocar nossos bens mais valiosos por projetos que se mostram ineficazes, ínfimos e desconectados de nossas realidades locais.

     

    Exigimos que após a regularização fundiária de nossas terras o Plano Básico Ambiental seja refeito pelas comunidades, com apoio técnico de organizações não governamentais de nossa confiança, que além de terem experiência de longos anos de trabalho com povos indígenas conhecem a realidade local, o modo de conduzir trabalhos com nossas comunidades.

     

    Exigimos que o governo brasileiro interrompa imediatamente qualquer ação de construção de hidrelétricas na bacia dos rios Teles Pires, Juruena e Tapajós e abra um diálogo nacional sobre a matriz energética brasileira.

     

    Não aceitaremos mais destruição e morte em nossos rios e estamos dispostos a lutar pela integridade de nossa vida, liberdade e territórios contra toda violência e massacre aos quais estamos sendo submetidos.

     

    Em honra aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro e em honra ao respeito que a Companhia Hidrelétrica Teles Pires e  Consórcio Teles Pires afirmam ter por nossos povos, esperamos que até dezembro de 2012 a demarcação de nossas terras já esteja assinada pela Presidente Dilma e registrada nos órgãos competentes.

     

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  • 02/04/2012

    Acre – Entre Rio Branco e Sena Madureira: testemunhamos comovidos a presença de um povo indígena vivendo sem terra, em condições insalubres

    Entre Rio Branco, capital do Acre, e Sena Madureira, região do Yacco do estado, percorremos aproximadamente 140 km na tarde deste domingo, 1º de abril. Durante todo o percurso, testemunhamos impressionados, de ambos os lados da rodovia BR-364, a ocupação territorial absoluta tomada por grandes rebanhos de gado bovino pastando e pisando a terra já amplamente degradada em latifúndios a perder de vista. Derramou-se ali, junto com a lama que assoreia os rios e igarapés desprotegidos, a imagem de que este é um estado que preza pela defesa do meio ambiente.

     

    Em Sena Madureira, já ao anoitecer, visitamos lideranças do povo Jaminawa que vivem na área urbana do município. Percorrendo vielas estreitas e ainda muito úmidas, num amontoado de pequenas casas e muitos casebres, nas margens alagáveis e recentemente alagadas do Rio Yacco, testemunhamos comovidos a presença de um povo indígena vivendo sem terra, em condições insalubres. Ao longo do caminho, espremidos nos estreitos trilhos que rasgam a vila, dezenas de crianças e jovens conversavam na língua materna pertencente ao do tronco linguístico Pano.

     

    Impossível não estabelecer, de imediato, um paralelo estarrecedor. Ao longo de 140 km, a terra aberta estendendo-se ao longo das planícies até a vista alcançar o horizonte toda ocupada e sofrendo as pisadas doloridas de bois gordos, bem saciados. Em Sena Madureira, um povo vivendo sem nenhum palmo de terra onde possa plantar o próprio e digno sustento, dependente da mendicância e da busca de alimentos nas lixeiras da cidade para sobreviver e vendo suas crianças famintas sendo, a todo o momento, enxotados por comerciantes convictos de que estariam tratando com seres inferiores a si próprios.

     

    Como não sentir-se profundamente indignado e revoltado diante de uma realidade tão dura e injusta? Com tanta terra em tão poucas mãos, como aceitar calado que um povo viva sem terra em condição tão degradante e desumana?

     

    Evidentemente que não podemos compactuar, com o silêncio e a inoperância, frente a mais essa situação lastimável no Brasil. Um povo, em qualquer parte do mundo, tem direito à terra e ao território necessários à sobrevivência física e cultural de todos os seus membros com a dignidade de seres humanos que são.

     

    Nada menos que isso é aceitável. Terra é território para os Jaminawa no estado do Acre.

     

    Sena Madureira, AC, 02 de abril de 2012.

     

    Cleber César Buzatto

    Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi

     

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  • 30/03/2012

    Índios, vítimas da imprensa

    Por Dalmo de Abreu Dallari

             

    Os índios brasileiros nunca aparecem na grande imprensa com imagem positiva. Quando se publica algo fazendo referência aos índios e às comunidades indígenas o que se tem, num misto de ignorância e má fé, são afirmações e insinuações sobre os inconvenientes e mesmo o risco de serem assegurados aos índios os direitos relacionados com a terra. Essa tem sido a tônica.

     

    Muitas vezes se tem afirmado que a manutenção de grandes áreas em poder dos índios é inconveniente para a economia brasileira, pois eles não produzem para exportação. E com essa afirmação vem a proposta de redução da extensão da ocupação indígena, como aconteceu com a pretensão de reduzir substancialmente a área dos Yanomami, propondo-se que só fosse assegurada aos índios o direito sobre o pequeno espaço das aldeias. E como existem várias aldeias dentro do território Yanomami, o que se propunha era o estabelecimento de uma espécie de “ilhas Yanomami”, isolando cada aldeia e entregando a especuladores de terras, grileiros de luxo ou investidores do agronegócio a quase totalidade da reserva indígena.

     

    Não é raro encontrar a opinião de alguém dizendo que “é muita terra para pouco índio”, o que autoriza a réplica de que quando somente um casal ou um pequeno número de pessoas ocupa uma grande mansão ou uma residência nobre com jardins, piscina e até quadra de tênis, usando um grande espaço que vai muito além do necessário para a sobrevivência, um índio está autorizado a dizer que “é muita terra para pouco branco”.

     

    Créditos de carbono

     

    Outro argumento que aparece com grande frequência na imprensa é a afirmação de que as reservas indígenas próximas das fronteiras colocam em risco a soberania brasileira, pois os índios não fazem a vigilância necessária para impedir a invasão ou a passagem de estrangeiros.

     

    Uma primeira resposta que se pode dar a essa acusação é que frequentemente, quando se registra uma ocorrência mais marcante relacionada com o tráfico de drogas, aparecem informações, às vezes minuciosas, sobre os caminhos da droga, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Várias vezes se mostrou que a rota dos traficantes passa perto de instalações militares brasileiras de fronteira, vindo logo a ressalva de que o controle do tráfico é problema da polícia, não dos militares. E nunca se apontou uma reserva indígena como sendo o caminho da droga, jamais tendo sido divulgada qualquer informação no sentido de que a falta de vigilância pelos índios facilita o tráfico.

     

    E quanto à ocupação de partes de uma reserva indígena por estrangeiros, qualquer pessoa que tenha algum conhecimento dos costumes indígenas sabe que os índios são vigilantes constantemente atentos e muito ciosos de seus territórios.

     

    Noticiário recente é bem revelador do tratamento errado ou malicioso dado às questões relacionadas com terras indígenas. Em matéria de página inteira, ilustrada com foto de 1989 – o que já é sintomático, pois o jornal poderia facilmente obter foto de agora e não usar uma de 23 anos atrás – o jornal O Estado de S. Paulo coloca em caracteres de máxima evidência esta afirmação alarmante: “Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”.

     

    Como era mais do que previsível, isso desencadeou uma verdadeira enxurrada de cartas de leitores, indignados, ou teatralmente indignados, porque os índios estão entregando terras brasileiras da Amazônia a estrangeiros. Na realidade, como a leitura atenta e minuciosa da matéria evidencia, o que houve foi a compra de créditos de carbono por um grupo empresarial sediado na Irlanda e safadamente denominado “Celestial Green Ventures”, sendo, pura e simplesmente, um empreendimento econômico, nada tendo de celestial.

     

    Mas a matéria aqui questionada não trata de venda de terras, como sugere o título.

     

    Fora de dúvida

     

    Por ignorância ou má fé a matéria jornalística usa o título berrante “índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”, quando, com um mínimo de conhecimento e de boa fé, é fácil saber que, mesmo que quisessem, os índios não poderiam vender direitos sobre terras que ocupam na Amazônia ou em qualquer parte do Brasil.

     

    Com efeito, diz expressa e claramente o artigo 231 da Constituição brasileira :

     

    “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

     

    Nesse mesmo artigo, no parágrafo 2°, dispõe-se que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. E o parágrafo 4° estabelece uma restrição muito enfática, cuja simples leitura deixa bem evidentes o erro e a impropriedade da afirmação de que os índios venderam seus direitos sobre suas terras na Amazônia.

     

    Diz muito claramente o parágrafo 4°: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Acrescente-se a isso tudo, o que já seria suficiente para demonstrar a má fé do título escandaloso dado à matéria, que o artigo 20 da Constituição, que faz a enumeração dos bens da União, dispõe, também com absoluta clareza: “São bens da União: XI. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

     

    Com base nessas disposições constitucionais, fica absolutamente fora de dúvida que os índios não têm a possibilidade jurídica de vender a quem quer que seja, brasileiro ou estrangeiro, seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, na Amazônia, em Goiás, na Bahia, em São Paulo, no Rio Grande do Sul ou em qualquer outra parte do Brasil.

     

    Errada e absurda

     

    Se, por malícia, alguém, seja uma pessoa física, uma empresa ou qualquer instituição, obtiver de um grupo indígena uma promessa de venda de algum desses direitos estará praticando uma ilegalidade sem possibilidade de prosperar, pois, como está claramente disposto na Constituição, esses direitos são inalienáveis. E ainda de acordo com a Constituição é obrigação da União, que é a proprietária das terras indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nessas terras.

     

    Em conclusão, o título escandaloso da matéria jornalística aqui referida está evidentemente errado pois afirma estar ocorrendo algo que é juridicamente impossível segundo disposições expressas da Constituição brasileira.

     

    Comportando-se com boa fé e respeitando os preceitos da ética jornalística, a imprensa deveria denunciar qualquer ato de que tivesse conhecimento e que implicasse o eventual envolvimento dos índios, por ingenuidade e ignorância, na tentativa da prática de alguma ilegalidade. Mas, evidentemente, é absurda, errada e de má fé a afirmação de que os índios vendam direitos sobre terras na Amazônia.

     

    ***

     

    [Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP]

     

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  • 30/03/2012

    Ruralistas querem legalizar o saque das terras indígenas

    Os povos que viviam na terra chamada de Pindorama – quando chegou Cabral – se organizavam em grandes grupos, mas não chegaram a formar civilizações como aconteceu com os incas, maias e astecas, em outras regiões deste grande continente. Os daqui eram nômades e coletores. Viviam num espaço tão generoso em água e frutos que não tinham ainda encontrado necessidade de organizar cidades ou outras estruturas parecidas como já faziam os povos andinos, premidos pelo ambiente inóspito. Hoje, sabe-se que todos os povos do continente de alguma forma se conheciam e se encontravam, como prova o Caminho de Piabeiru, que sai do litoral sul de Santa Catarina até a região inca, ligando os dois oceanos. O que faz crer que outros caminhos havia e que muitos encontros de davam, não necessariamente de conquista. Enfim, as gentes viviam aqui do seu jeito e com sua organização. Essa não era uma terra vazia.

     

    A chegada dos europeus em 1492, sedentos de ouro e riquezas selou o destino desses povos. Invadidos pelos espanhóis e depois pelos portugueses, as comunidades da região sul de Abya Yala (hoje chamada de Américas) foram sendo dizimadas. Os impérios aqui existentes acabaram vencidos militarmente e as comunidades mais afastadas caíram em dominó. Algumas demoraram mais porque como o continente era grande, o interior demorou a ser ocupado. Muitas são as páginas heroicas dos povos autóctones em defesa de seu território e de sua forma de viver, como os exemplos de Tupac Amaru, Tupac Catari, Nheçu, Lautaro e tantos outros. Mas, apesar das lutas e da resistência, a força bruta dos invasores – e depois dos já nativos – foi mais forte.

     

    O caldo de toda essa história foi a dominação. O homem branco assumiu a liderança do “mundo novo” e aos indígenas ficou relegado o limbo. Chamados de seres sem alma, eles primeiro foram escravizados e depois – quando os brancos viram que se não se prestavam a isso – dizimados. Só que apesar de todo o processo de violência muitas comunidades sobreviveram. Acossados pela necessidade de sobrevivência foram se adaptando de alguma forma ao mundo que lhes foi imposto, o que Darcy Ribeiro chama de transfiguração. Ocorre que essa decisão nunca significou o abandono de sua cultura. Em algum lugar ela permanecia viva e nas entranhas das comunidades ela se expressava. Foi assim que muitas etnias lograram sobreviver, como é o caso dos ayamara, quéchua, kichwa, mapuche, guarani e tantos outros.

     

    Hoje, essas comunidades retomam sua cosmovisão e exigem o reconhecimento de sua cultura e da sua forma de organizar a vida. Muitas foram as batalhas travadas ao longo desses 500 anos e em alguns países como o Equador e a Bolívia, os indígenas conseguiram avançar ao ponto de garantir o Estado Plurinacional, que significa o reconhecimento de suas organizações e de seus territórios como regiões livres, conduzidas e governados por eles mesmos. Ainda assim, apesar de consolidado na Constituição, esse estado plurinacional ainda é uma construção. Basta ver o caso dos indígenas equatorianos que lutam contra as mineradoras que avançam sobre suas terras sem que seja respeitada a lei da consulta e do domínio do espaço pelos verdadeiros donos, que são os originários.

     

    Aqui no Brasil, por força da organização menos estruturada que a dos povos andinos, as comunidades autóctones ficaram mais expostas à destruição, e a dizimação aconteceu de forma acelerada. Com a chegada massiva dos imigrantes no século XVII, o interior, que ainda servia de abrigo a muitas etnias, também começou a ser invadido e a matança voltou a ocorrer. Os bandeirantes cumpriram esse triste papel. Visto como “heróis” pelos seus contemporâneos eles avançavam pelo Brasil adentro caçando e matando índios, “limpando” a terra para entregar aos imigrantes ou aos seus patrões latifundiários. Alguns deles são os incensados fundadores de cidades, homenageados até hoje, como é o caso de Francisco Dias Velho, que expulsou da ilha de Santa Catarina os guarani e fundou o que hoje é Florianópolis.

     

    A solução encontrada pelos “bondosos” senhores das terras naqueles dias era confinar em reservas os sobreviventes. A proposta primeira era integrar. Uma ideia que parecia muito piedosa depois do massacre. Diziam que aos índios era necessário “civilizar”, ou seja, submetê-los a uma cultura e a um deus que não era deles. Assim, aprisionados como bichos, os indígenas ou se integravam ou morriam. Mas, a tal da integração também nunca foi uma tarefa fácil. Os indígenas eram vistos pelos colonos brancos como uma ameaça e o confronto sempre foi latente. Daí para o racismo foi um pulo. A integração jamais foi conseguida. Aqueles que saiam das reservas e se aventuravam na cidade, tinham “por castigo” sofrer todo o tipo de preconceito e discriminação. Raramente se livravam da marca do “selvagem”.

     

    No início do século XX foi a vez da ocupação das terras amazônicas e, de novo, a proposta apresentada pelo governo era a de “civilização”. Trazer os “selvagens” para a vida civilizada, integrá-los ao mundo moderno, tira-los da mata e torná-los “gente e bem”. De novo, apesar das boas intenções, seguiu o longo processo de apagamento das culturas, senão pelos arcabuzes, pela integração. Ainda assim, muitos conseguiram seguir nos seus territórios, ainda que confinados nas reservas. Desde então é assim. Os indígenas que não migraram para as cidades e ainda seguem seus costumes tais como suas formas organizativas são seres tutelados pelo Estado. Não têm autonomia. São vistos e tratados como crianças, incapazes de gerir suas próprias vidas. Seus territórios não lhes pertencem, são da União, e é o Estado quem decide onde e como eles ficam na terra. Os argumentos para essa tutela seguem sendo os mais piedosos: “os indígenas não sabem negociar no mundo moderno, são bêbados, são vagabundos, são inúteis, são ladrões”. Ou seja, imputam ao índio toda a sorte de vícios e problemas que são típicos do homem branco invasor. É certo que os indígenas não são pessoas puras, desprovidas de toda a maldade (afinal, são 500 anos convivendo), mas daí a dizer que só por ser índio alguém vai conduzir de forma equivocada um pedaço de terra beira ao absurdo. Basta dar uma olhada nas fazendas que mantém pessoas escravizadas e ver quem as dirige: não são índios. São os latifundiários.

     

    Assim, nesse sistema de tutelagem, as comunidades indígenas são mandadas para cá e para lá conforme os interesses dos governos de plantão. Poucos são os que conseguiram garantir a permanência no seu território original. Ocorre que para as comunidades indígenas o território não é descolado da vida. Não é a mesma coisa que para um cidadão ocidental que pode mudar de casa, de cidade ou de país sem qualquer alteração no seu modo de ser. Um indígena está conectado com o lugar de vivência, precisa de espaço para caçar, cultivar, nadar, adorar os seus deuses. A terra faz parte do seu ethos cultural, é parte constitutiva de sua cosmovisão. Por isso que tantas etnias sofrem a fome, a miséria e a morte – alguns chegam a preferir o suicídio. Levadas para reservas – que são cópias mal apanhadas do mundo branco – sem identidade, as pessoas sucumbem e precisam viver à custa do Estado como se fossem inúteis. Não o são. Foram expropriados de sua maneira original de viver e ainda têm de pagar o preço de uma decisão que nunca foi delas.

     

    Como no Brasil as comunidades são espalhadas e pequenas, a organização também é bem mais difícil do que em países como Bolívia e Equador, onde a maioria da população é indígena. Nesse sentido, acossados por todos os lados, os indígenas de Pindorama mal conseguem se fazer ouvir, a não ser em casos específicos onde, inclusive, são mais uma vez apontados como selvagens, avessos ao progresso, como é o caso da construção da usina Belo Monte que vai alagar a terra de muitas comunidades e contra a qual as comunidades estão em luta. Os indígenas defendem seu território, mas são mostrados na mídia como bárbaros, enquanto os verdadeiros “bárbaros” passam por empresários de sucesso que só querem o bem e o progresso do país. A União, que detém a posse legal da terra, põe e dispõe conforme os interesses dos depredadores da vida e do país.

     

    Pois agora, não satisfeitos com a entrega das terras indígenas para seus projetos privados e destruidores, os negociantes e empresários, de olhos nas riquezas das terras ocupadas pelas comunidades autóctones, deram mais um golpe na já combalida organização indígena. Levaram para o Congresso Nacional uma proposta que aparentemente é singela e democrática: tirar da União a decisão sobre as terras indígenas e passar para o Congresso Nacional. Assim, pensam eles, será mais fácil vencer as resistências que por ventura possam surgir quando da ocupação de algum lugar onde vivam os índios. Como agora há uma presidente permeável às demandas das comunidades eles viram que era melhor arrancar o mal pela raiz. Devem ter pensado: “vai que a presidente resolve dar uma de esquerda e proteger os índios. Melhor não arriscar”. A ideia então foi jogar a decisão para o Congresso Nacional onde os poderosos têm quase total controle.

     

    Numa primeira vista pode parecer interessante. No Congresso a coisa parece mais democrática, a decisão precisa ser discutida, negociada. Mas, não é. No Congresso quem manda são os poderosos, os endinheirados. Na correlação de forças, os trabalhadores, os empobrecidos, os índios, os excluídos sempre perdem. As chances de uma proposta de ocupação de terra indígena são muito maiores se levadas ao Congresso, pois o lobby dos ruralistas é forte demais. E eles agiram apresentando uma proposta de emenda constitucional, o que significa alterar a Constituição que, com todos os seus problemas, tem alguns avanços no que diz respeito à questão indígena.

     

    Pois, sem debate e sem uma discussão nacional, essa proposta leonina já passou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Os argumentos são os mesmos usados pelos invasores e destruidores do passado: os indígenas precisam se integrar. E, caso algum dia (que será bem breve) alguma terra precisar ser ocupada por algum projeto mirabolante ou mesmo por uma fazenda de bois, os indígenas terão “todo o direito” de se organizar, ir ao Congresso e debater. Ora, isso é o cinismo levado à última potência.

     

    A emenda constitucional ainda vai tramitar e ser votada no plenário. Ela foi inscrita como PEC 215. É mais uma violência contra as já tão aviltadas comunidades indígenas. Caso seja aprovada, pode ser a pá de cal nas ainda sobreviventes comunidades que lutam pela demarcação de seus territórios. É por isso que a luta contra essa PEC precisa ser assumida pelos movimentos sociais populares, pelos sindicatos. Já basta de deixar a questão indígena para os índios. Ela é parte de cada uma de nós, está no nosso DNA, precisa ser uma luta nacional.

     

    A batalha que agora começa a ser travada contra essa PEC também não deveria ficar no mais do mesmo. Não se trata de apenas impedir que a decisão sobre as terras indígenas seja apreciada no Congresso, muito menos de aceitar que siga como tem sido, na base da tutela governamental. Há que avançar. A decisão sobre as terras indígenas pertence aos indígenas. É hora de caminhar para a consolidação da autonomia real. É o momento de lutar pela retomada dos territórios originais, pelo direito à cultura e a organização da vida e pelo direito de gerir o seu território no que diz respeito às riquezas que ali estão. Essa não é uma luta fácil, mas tem de iniciar. O debate sobre os direitos das comunidades originárias precisa tomar o país para além das folclorizadas visões de um mundo puro, natural e perfeito. O mundo indígena tem seus próprios problemas, mas acabe às comunidades resolverem. Como em toda Abya Yala é chegada a hora das comunidades indígenas de Pindorama também se levantarem na luta pelo que lhes é direito. Todos contra a PEC 215, mais uma safadeza dos ruralistas.  Ainda é tempo de estancar a fonte do crime seguindo o que ensinava o inesquecível poeta palestino Mahmud Darwish: “rebelem-se… e permaneçam vigilantes, prontos para o combate”!

     

    Existe vida no Jornalismo

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    Desacato – www.desacato.info

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  • 29/03/2012

    Decisões favoráveis aos índios priorizam direito à vida em detrimento do direito à propriedade

    Renato Santana

    De Brasília

     

    Três importantes decisões da Justiça garantiram esta semana a permanência de comunidades indígenas Kaingang, no Rio Grande do Sul, e Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, nas retomadas feitas em territórios de ocupação tradicional. Em duas delas, a decisão dos magistrados é clara: o direito dos índios prepondera sobre direitos privados, ou seja, a vida de um povo vale mais que a propriedade.  

     

    Depois de um mês marcado pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara Federal, onde a bancada ruralista propõe a transferência da demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental do Executivo para o Congresso Nacional, as decisões da Justiça são motivo de alegria para o movimento indígena.

     

    “O direito dos índios sobre terras tradicionalmente ocupadas por suas comunidades é originário, reconhecido pela Constituição Federal e prepondera sobre direitos privados, direitos adquiridos e, inclusive, sobre propriedade registrada em escritura pública”, disse Fernando Quadros da Silva, presidente da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre (RS).No Mato Grosso do Sul, 250 Guarani kaiowá foram assassinados entre 2003 e 2010 na luta pelo tekoha

     

    O desembargador manteve decisão que suspendeu a reintegração de posse da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, entre os municípios Cacique Doble e Sananduva, noroeste gaúcho. Em 19 de abril do ano passado, o Ministério da Justiça publicou Portaria Declaratória de demarcação da área. No entanto, a Justiça Federal de Erechim determinou em agosto que as terras demarcadas fossem devolvidas ao proprietário.

     

    A procuradoria da Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu, garantindo que a ocupação dos Kaingang é tradicional, conforme estudos antropológicos de identificação e demarcação. O proprietário, por sua vez, lá chegou em 2004. Os indígenas seguem na retomada da área, de onde foram expulsos por frentes colonizadoras no decorrer do século XX.

     

    O último indígena de lá saiu sob tiros em 1972, sendo que documentos de 1889 mencionam a presença dos Kaingang na área, além de relatos passados de geração para geração e anciãos que em Passo Grande se criaram antes da retirada forçada feita pelos latifundiários. A decisão dos desembargadores foi unânime e os índios ficam no local até o processo de reintegração ser julgado pela Justiça Federal de Erechim – a mesma que derrubou a Portaria do Ministério da Justiça.

     

    Para as lideranças Kaingang a vitória é importante, aponta que setores da Justiça estão empenhados em garantir os direitos constitucionais dos indígenas, mas a mobilização não pode parar.

     

    Permanência no tekoha  

     

    Outras duas importantes decisões partiram do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, envolvendo o povo Guarani Kaiowá. Cerca de 310 indígenas que vivem no tekoha Yvy Katu, em Japorã, poderão permanecer na terra de ocupação tradicional. Há oito anos, os Kaiowá retomaram a área de 260 hectares, que fica dentro da Fazenda Remanso Guaçu.

     

    A decisão deverá ser mantida até que ação de reintegração de posse seja julgada pela Justiça Federal. Yvy Katu faz parte de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre Funai e Ministério Público Federal (MPF), que exige o urgente trabalho de identificação e demarcação da terra indígena.

     

    O próprio MPF entrou com recurso no TRF-3 pedindo que os desembargadores suspendessem liminar da Justiça Federal de Naviraí (MS), que determinava a reintegração de posse da área ao suposto proprietário. O desembargador Newton De Lucca, presidente do TRF-3, decidiu atender ao pedido do MPF.  

     

    Por dois votos a um, o mesmo TRF-3 decidiu que os Guarani Kaiowá do tekoha Laranjeira Nhanderú, município de Rio Brilhante (MS), devem permanecer na área retomada. A decisão deverá ser mantida até que se faça perícia judicial – estudos antropológicos e fundiários -, requisitada pelo juiz de 1ª instância da Justiça Federal de Dourados.  

     

    No entanto, mais uma vez chama a atenção os argumentos dos desembargadores que votaram contra a reintegração de posse e pela retirada dos indígenas: o direito à vida se sobrepõe ao de propriedade; o segundo pode ser compensado financeiramente, já o primeiro não. Além disso, os desembargadores acompanharam as justificativas do MPF: trata-se de direito originário, portanto constitucionalmente os Guarani Kaiowá devem permanecer no local.

     

    TRF-5: julgamento de lideranças Xukuru   

     

    Entrou na pauta do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife (PE), o julgamento do Recurso de Apelação de 35 lideranças do povo Xukuru do Ororubá, condenadas pela Justiça Federal de Pernambuco a penas que variam entre 10 e 13 anos. Os desembargadores votam a questão no próximo dia 17 de abril.

     

    Os indígenas são acusados de praticar, em fevereiro de 2003, crimes contra o patrimônio de fazendeiros invasores e demais ocupantes da terra indígena Xukuru, na Serra do Ororubá – já homologada pela Presidência da República desde 2001.

     

    Horas depois de atentado sofrido pelo cacique Marcos Xukuru, que culminou no assassinato de dois indígenas que o escoltavam, a comunidade se rebelou e decidiu retirar da terra indígena os invasores. Tal como nas decisões do TRF 3 e 4, o cacique Marcos Xukuru espera que os desembargadores em Recife façam justiça e absolvam as lideranças das acusações.

     

    “Meu pai (cacique Xikão) e outros indígenas foram assassinados, eu sofri um atentado com a terra já homologada, meu povo vem de muitos anos de luta e sofrimento pelo território e ainda corremos o risco de prisão. Então a tensão é grande”, declarou o cacique durante a Marcha Xukuru, no ano passado, quando se completou 13 anos do assassinato de cacique Xikão no Bairro Xukuru, em Pesqueira (PE).   

     

    Depoimentos não incluídos

     

    Os indígenas, vítimas da espoliação de seu território e morte de suas lideranças, foram parar no banco dos réus e um dos fazendeiros envolvidos no atentado sequer foi denunciado no processo referente aos indígenas mortos.

     

    “Eu espero que seja feita justiça. As investigações feitas sobre o caso deixaram de considerar vários depoimentos, sobretudo os fatos que vitimaram o cacique Marcos, estopim para os eventos seguintes. Espero que os indígenas não sejam punidos, quando são vítimas”, declara a Subprocuradora Geral da República, Raquel Dodge.

     

    Raquel lembra que naquele dia eles visitaram o cacique Marcos, “muito machucado e sedado por uns medicamentos para controlar infecções”; se dirigiram até a Vila de Cimbres, palco do conflito, e na sequência foram conversar com o delegado de Pesqueira, que ia começar as primeiras oitivas, mas desistiu.

     

    “Então Nilmário, o presidente da Funai e eu decidimos colher os depoimentos. Começamos às 22 horas e acabamos no dia seguinte, por volta das 6 horas da manhã. Depois uma comissão foi designada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos”, explica a Subprocuradora.

     

    A questão é que nenhum destes depoimentos – “das testemunhas oculares” – foram considerados pela Justiça Federal. “O que eu espero é que os desembargadores façam justiça e examinem se as provas entregadas foram completas e revelam os meandros do episódio”, pede Raquel Dodge.

     

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  • 29/03/2012

    Informe nº1007: Após morte de trabalhador, greve geral paralisa obras de Belo Monte

    Ruy Sposati

    De Altamira (PA)

     

    Os cerca de cinco mil trabalhadores do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da terceira maior hidrelétrica do mundo, entraram em greve geral nesta quinta-feira, 29. As reivindicações são aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos trabalhadores a suas famílias) de 6 para 3 meses, o não rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e água. A paralisação começou ontem no canteiro de obras do Sítio Pimental, após um acidente de trabalho que matou o operador de motosserra Orlando Rodrigues Lopes, de Altamira, e se estendeu para os demais canteiros. A saída dos ônibus do perímetro urbano de Altamira para os canteiros de obra, em Vitória do Xingu, foram bloqueadas.

     

    “A pauta é a mesma de antigamente: tudo o que está no acordo coletivo. Não cumpriram nada”, explica um dos trabalhadores. Segundo ele, apesar das greves e pressões realizadas que no ano passado, que levaram a empresa a assinar o acordo coletivo, ao invés de melhorar, as condições de trabalho tem piorado.

     

    “No último pagamento cortaram as horas-transporte, o que diminuiu em até 600 reais o salário do peão”, explica. A justificativa para a redução é que trabalhadores estão sendo removidos da cidade para os canteiros, e que por isso não precisarão do adicional. Por conta disso, ao menos 40 trabalhadores que passaram a residir nos alojamentos provisórios dentro dos canteiros já teriam se demitido. “Pra quem vem de fora o salário já não estava bom. Com esses 600 a menos, nem vale a pena ficar”.

     

    O trabalhador morto em acidente, que, segundo operários prestava serviços para o CCBM, era da empresa terceirizada Dandolini e Peper, e estava trabalhando na derrubada de árvores no canteiro Canais e Diques. “Nós não temos segurança nenhuma lá. Falta EPI (equipamento de proteção individual), sinalização e principalmente gente para fiscalizar”, reclamam os trabalhadores.

     

    Coerção

     

    “A greve ia estourar no começo de março”, relata outro trabalhador. “Foi quando a gente recebeu o salário [no início do mês] que a gente viu que cortaram as horas in itinere”. O pagamento ocorreu numa discoteca local. “Tratam a gente que nem bicho… Ficam 5 mil trabalhadores numa fila enorme, entra de seis em seis (no escritório provisório). É muito inseguro, eles dão o dinheiro na nossa mão. Conheço três que foram roubados logo que saíram de lá”, explica.

     

    No dia 3 de março, um trabalhador teria sido demitido por ter tentado, sozinho, paralisar o canteiro Belo Monte, o maior da obra. Funcionários relataram que ele foi colocado com violência em um veículo do CCBM e demitido momentos depois.

     

    Perguntados sobre o sindicato, nenhum trabalhador soube responder onde estavam os dirigentes. “O sindicato não veio, não veio ninguém. Mas vamos continuar a greve até a Norte Energia vir aqui”, concluíram os trabalhadores.

     

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  • 29/03/2012

    Índios evitam despejo e põem agronegócio no banco dos réus

    Fábio Nassif  

    De São Paulo

     

    Nesta semana, indígenas Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul viajaram mais uma vez a São Paulo para acompanhar o julgamento que tratava da ordem de despejo da Aldeia Laranjeira Nhanderú. Desta vez a comunidade indígena da aldeia localizada no município de Rio Brilhante venceu, e a justiça decidiu pela sua permanência no local. A decisão, tomada na segunda-feira (26), vale pelo menos até a finalização de uma perícia judicial que levará a aldeia a novos julgamentos.

     

    As lideranças saíram aliviadas, já que os outros três despejos e os ataques dos pistoleiros renderam algumas mortes de indígenas. Mesmo assim, a situação ainda é muito instável pois a comunidade está localizada no meio de uma plantação de soja, depende das cestas básicas entregues pela Funai e permanecem sendo ameaçados por jagunços.

     

    O cacique Faride agradeceu o apoio dos advogados e apoiadores, mas cobrou a Fundação Nacional do Índio quanto à demarcação daquela terra. “A Funai está demorando para apresentar o laudo antropológico. Isso prejudica muito porque quando chegamos aqui [no julgamento] os fazendeiros estão sempre mais avançados que nós”, disse.

     

    O funcionário do órgão presente contou que a Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID), departamento da Funai responsável pela regularização das áreas indígenas, está com o pedido de Laranjeira Nhanderú e mais 400 pedidos de demarcação de terras de todo o país. Segundo ele, a média é de 20 terras demarcadas por ano.

     

    Isso significa que, em uma estimativa, se esta média for mantida, os indígenas de Laranjeira Nhanderú podem ter que lutar para sobreviver durante os próximos cinco anos para eventualmente terem sua terra reconhecida pelo Estado. Segundo dados do Cimi, no entanto, nos oito anos do governo Lula foram 88 terras homologadas, uma média de 11 por ano, o que acirrou ainda mais os conflitos por terra no Brasil.

     

    Justiça popular

    O estado onde se mata mais indígenas no país finalmente irá enfrentar o banco dos réus. Entidades, movimentos sociais e indígenas organizam o Tribunal Popular da Terra em Mato Grosso do Sul, nos próximos dias 30, 31 de março e 1º de abril, e fazem um julgamento simbólico do Estado brasileiro, do latifúndio e do agronegócio. A ideia é colher depoimentos sobre as violações aos direitos humanos cometidas neste histórico conflito de terras, e, a partir daí, julgar o papel do Estado.

     

    O eixo da atividade será “povos da terra e estrutura fundiária em MS” e será realizada na UFMS. Na noite de sexta haverá uma abertura solene, e no dia seguinte, a partir das 8h, haverão cinco oficinas simultâneas: “Diálogos sobre a questão agrária: ações e impactos no MS”; “Movimento negro e as questões dos territórios quilombolas”; “A luta pela restituição territorial dos povos indígenas em MS”; “Oficina musical: luta pela terra, pela vida – resistir é preciso”; e “Agrotóxicos e seus impactos no Mato Grosso do Sul”, com a exibição do filme “O veneno esta na mesa”, de Sílvio Tendler.

     

    Na tarde de sexta acontecerá uma mesa redonda com Miescelau Kudlavicz, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MS); Narciso Pires, presidente da ONG Tortura Nunca Mais/PR e Katya Vietta, doutora em Antropologia Social e Etnologia Indígena. O tribunal será aberto oficialmente às 19h30 no auditório LAC da UFMS, com participação da juventude do MST e apresentações culturais, como o já conhecido grupo de rap indígena Brô Mcs. A sentença será proferida no sábado pela noite.

     

    No domingo, as várias organizações, entidades de direitos humanos e movimentos populares realizarão uma plenária de avaliação e de articulação de outras atividades. O tribunal está sendo organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Diretório Central de Estudantes da UFMS, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Conselho Aty Guassú Kaiowá-Guarani em conjunto com mais de 20 entidades.

     

    Entre os dias 20 e 22 de abril ocorre em São Paulo, no Sacolão das Artes, a versão nacional do Tribunal Popular da Terra, que pode reunir mais de mil ativistas, indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais. Na ocasião, haverá debate sobre casos conhecidos de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais como do Pinheirinho, da ocupação da fazenda da Cutrale em Iaras (SP) e do Quilombo Rio dos Macacos (BA).

     

     

     

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  • 28/03/2012

    Documentário À Sombra de um Delírio Verde vence o tradicional prêmio Margarida de Prata

    O documentário À Sombra de um Delírio Verde é o grande vencedor do prêmio Margarida de Prata, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na categoria média-metragem. O filme trata da exploração desumana de indígenas Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul em plantações de cana, incidentes sobre terras indígenas, e as consequências para o povo.

    As canções, documentário de longa-metragem, de Eduardo Coutinho, Diário de uma Busca, documentário de longa-metragem, de Flávia Castro, e A música Segundo Tom Jobim, documentário de longa-metragem, de Nelson Pereira dos Santos, foram os outros vencedores do troféu. 

     

    Um dos diretores de À Sombra de um Delírio Verde é o jornalista Cristiano Navarro, que entre 2002 e 2006 foi editor do jornal indigenista Porantim, sendo que depois, até meados de 2009, foi missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no MS – período em que gestou e produziu o filme.

     

    Navarro hoje é um dos editores do jornal Brasil de Fato e coleciona prêmios jornalísticos tratando da questão indígena. O trabalho do jornalista representa grande contribuição para a causa destes povos resistentes e o prêmio joga luz sobre um dos principais processos de genocídio contra indígenas do mundo.

     

    Em dezembro do ano passado, a revista Le Monde Diplomatique publicou entrevista com o jornalista, que explica, entre outros fatores, como foi a produção do documentário e sua urgência ao tratar da realidade de violência e vulnerabilidade social a que estão submetidos os Guarani Kaiowá.

     

    A cerimônia de entrega do prêmio acontecerá durante a 50ª assembleia anual dos bispos, no dia 20 de abril, em Aparecida (SP). Criado em 1967, o troféu já premiou mais de 100 filmes brasileiros entre longas e curtas-metragens e menções especiais. Foram agraciados com o Margarida de Prata cineastas como Walter Salles por “Central do Brasil”, “Terra Estrangeira” e “Abril Despedaçado”; Silvio Tendler por “Os anos JK”, “Jango”, “Castro Alves – Retrato do poeta” e “Utopia e Barbárie”; Roberto Farias por “Pra frente Brasil”; Leon Hirszmann por “São Bernardo”, “Eles não usam black-tie” e “Imagens do Inconsciente”; João Moreira Salles por “Nelson Freire”,” Notícias de uma Guerra Particular” e “Santiago”; Eduardo Coutinho por “Boca de Lixo”, “O Fio da Memória”, “Santo Forte”, “Edifício Master”; Nelson Pereira dos Santos por “A Terceira Margem do rio” e “Raízes do Brasil”.

    À Sombra de um Delírio Verde soma-se a essa lista de grandes obras do cinema brasileiro.

     

    “É no canavial que a gente vê a cara do diabo”

     

    Documentário À Sombra de um Delírio Verde, lançado agora em HD, denuncia a presença das transnacionais no massacre aos indígenas Guarani Kaiowá no MS   

     

    Renato Santana

    Jornalista

     

    Logo após o sol nascer no acampamento Tekoha Guaiviry do povo Guarani Kaiowá, na última sexta-feira, 18 de novembro, um bando armado tomou de assalto a comunidade. Era o início de mais um episódio de violência contra os indígenas na região sul do Mato Grosso do Sul (MS), estado com a segunda maior população originária do país – 75 mil – e líder em assassinatos de índios – estando, nos últimos oitos anos, mais de 50% acima da média nacional.

     

    O jornalista Cristiano Navarro conhece bem tal realidade. Atuou junto aos Guarani, residindo no MS, durante quase três anos, entre 2007 e 2009, e viu de perto massacres tão covardes e violentos quanto o ocorrido contra o Tekoha Guaiviry, que, conforme o relato de indígenas, registrou a execução do cacique Nísio Gomes e o sequestro de seu corpo pelos pistoleiros que atacaram o acampamento.

     

    Nos canaviais das fazendas instaladas em territórios tradicionais dos Guarani Kaiowá – áreas de exploração desumana do trabalho dos próprios indígenas – foi que o jornalista encontrou foco para junto com a repórter belga An Baccart e o cinegrafista argentino Nico Muñoz realizar o documentário À Sombra de um Delírio Verde, denúncia contundente da ação das transnacionais do agronegócio da cana-de-açúcar e de seus efeitos no contexto de violência do MS.

     

    Por este fio condutor, os realizadores comprovam que a realidade de fome, miséria, morte, resistência e luta pela terra dos Kaiowá está atrelada aos efeitos da ação devastadora de um modelo de desenvolvimento que serve de combustível ao capital nacional e internacional – à custa de direitos fundamentais expressos na Constituição Federal, além de motivar episódios de assassinatos permanentes.

     

    Dentro desta perspectiva, o filme denuncia também a ausência do Estado brasileiro em garantir os direitos dos indígenas, que acabam indo viver às margens de rodovias em condições subumanas de existência. Desde 2008, a Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza estudos de identificação e demarcação de terras indígenas no estado. No entanto, só montou o Grupo de Trabalho (GT) depois de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público Federal (MPF), em 2007.  

     

    “É lá (nos canaviais), naquele trabalho, que os Guarani Kaiowá se alcoolizam, se matam e são escravizados. São os filhos desses trabalhadores que morrem de fome. É na sua terra, com a sua água e com seu suor que o combustível é produzido”, diz Cristiano Navarro em entrevista ao Le Monde Diplomatique e que agora você lê os principais trechos.    

     

    Como surgiu a ideia do documentário e a qual realidade e conjuntura ele está submetido?

     

    No ano de 2008, uma comissão internacional da Fian foi ao Mato Grosso do Sul verificar a questão das violências contra os Guarani Kaiowá na região de Dourados, especialmente a situação de subnutrição das crianças. Poucos meses antes havia acontecido o massacre de Kurusu Amba, pior do que o que aconteceu na semana passada. Nele homens e mulheres foram mortos, feridos e, ainda por cima injustamente presos. Bem, acompanhavam a comissão internacional An, uma jornalista belga, e Nico, um cinegrafista argentino. Foi aí que tivemos nosso primeiro contato e rapidamente acordamos em fazer o documentário.

     

    Qual foi a metodologia utilizada para se fazer o filme?

     

    Nós partimos para as filmagens sem um roteiro pré definido. O que tínhamos era a vontade de filmar e a situação grave para abordar. Como base para as filmagens e entrevistas, utilizamos os relatórios de violações de direitos indígenas publicados pelas entidades de apoio e as orientações das lideranças e professores Guarani Kaiowá. Por fim havia a minha experiência fazendo reportagens na região que ajudou a definir o roteiro e a edição final.

     

    Por que a escolha das plantações da cana-de-açúcar como linha guia da construção retórica da produção e qual o impacto da ação das transnacionais do agronegócio entre os indígenas?

      

    Poderíamos ter falado do boi, da soja ou de todas as outras culturas que são tão maléficas aos Guarani quanto a cana. Mas o filme busca uma leitura dialética. E é no canavial que a gente vê a cara do diabo. É lá, naquele trabalho, que os Guarani Kaiowá se alcoolizam, se matam e são escravizados. São os filhos desses trabalhadores que morrem de fome. É na sua terra, com a sua água e com seu suor que o combustível é produzido. Numa terra que não tem mais árvore nenhuma e que de noite queima em chamas. É deste inferno que as transacionais enriquecem gente daqui, dos Estados Unidos, da Europa, da China e de não sei onde. São esses diabos que esse governo de babacas chamou de herói.

     

    A região sul do Mato Grosso do Sul, onde se passa À Sombra de um Delírio Verde, foi nomeada pela vice-procuradora da República Deborah Duprat como uma das principais tragédias humanas sobre indígenas que se tem notícia no mundo. Que tragédias o documentário revela e quais as razões delas acontecerem?

     

    As tragédias são de todas as ordens: assassinatos, desnutrição infantil, trabalho escravo, desassistência, falta de perspectiva. E as razões são realmente profundas. Vêm do nosso colonialismo. Da idéia de evolucionismo cultural que ensinam para as crianças nas escolas que a história começa com a escrita ou que a democracia nasceu na Grécia e vem evoluindo até os dias de hoje. São essas coisas que servem de combustível para a ganância, para o preconceito, para o ódio. Nas cidades próximas às aldeias, as pessoas odeiam os índios sem nunca ter trocado uma palavra com eles. É assim, não sabem o porquê, apenas odeiam e pronto!

     

    O documentário tem a sua versão em HD para a internet lançada dias depois de mais um massacre contra os Kaiowá Guarani da comunidade Tekoha Guaiviry, no último dia 18 de novembro. O documentário mostra que há décadas tais massacres são constantes, sendo que nos últimos oito anos mais de 200 indígenas foram assassinados no MS. Por que tal realidade mostra-se intermitente?

     

    Essa realidade é fruto de conflito desigual, onde praticamente tudo é desfavorável, sobretudo o poder judiciário que não pune os assassinos de lideranças. Mas veja bem, os Guarani enfrentaram os exércitos de Espanha e Portugal, em seu apogeu como império, por mais de 150 anos. Eles resistiram bravamente e escreveram uma das mais belas, se não a mais bela, histórias de resistência do nosso continente. O problema hoje é que a resistência continua, o Estado e o poder econômico continuam colonialistas, mas a correlação de forças piorou. Pois as comunidades estão ultra fragilizadas, sem seu espaço, sem ter como fazer suas roças, plantar o que comer, isso tira qualquer poder de reação autônoma dos Guarani Kaiowá.

     

    Há um trecho em que é mostrado um indígena assassinado. Como foi a execução dessa cena e como foi lidar com tamanha violência, posto que durante o período em que o filme foi rodado estão os maiores índices de mortes – não só assassinatos, mas de crianças desnutridas, fome, doenças?

     

    Foi difícil… Aliás, é difícil. Por que essas cenas reaparecem, e não como fantasmas na minha cabeça ou no documentário. Elas ressurgem em casos como o que vimos semana passada e chocam as pessoas por um tempo, somem e depois reaparecem.

     

    Os acampamentos também são outra dura realidade mostrada. De 2009 para cá eles saltaram de 22 para 31 – abrigando 1.200 famílias nas margens de rodovias. Quais as consequências disso para a vida dos indígenas?

     

    Na verdade os acampamentos já são uma consequência da questão central. Pois com ou sem o reconhecimento dos territórios por parte do governo os Guarani Kaiowa precisam voltar para sua terra, seja por falta de espaço nas reservas que estão superlotadas e a vida se tornou inviável, seja porque os caciques mais velhos percebem que estão morrendo e querem retornar para o lugar onde nasceram. De qualquer, forma a vida nos acampamentos é ainda pior que nas aldeias, por causa dos crimes de pistolagem aos quais as pessoas estão expostas e da total falta de assistência do governo federal como, por exemplo, é o caso da Funasa (Fundação Nacional de Saúde que atualmente está em transição para a Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai) que se nega a atender nesses acampamentos.

     

    Apesar do cenário de terror, o documentário revela que os Kaiowá Guarani são um povo de muita resistência, beleza e cultura. De que forma se dá isso em meio a tamanho caos e mortes? O grupo de rap Brô vem desse contexto?

     

    Pois é, se por um lado se vive a tragédia, existe a leveza, a fé, a coragem, a transcendência deste povo que são inspiradoras e parecem invencíveis.  É difícil compreender esta força. Os Guarani Kaiowá juntam três, quatro, cinco dezenas de pessoas e a pé e de bicicleta entram desarmados em fazendas onde já sabem o que os esperam. As armas que têm são o arco, a flecha e a reza. Me pergunto: numa situação tão desfavorável, o que faz essa gente retornar para suas terras com tanta coragem? É difícil dizer. E essa força a gente vê também na cultura. A força dos pajés, da língua. E, claro, o grupo Brô é resultado dessas coisas.

     

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