• 07/05/2012

    Comissão Pastoral da Terra: Cresce o número de Conflitos no Campo

    Os dados que a CPT está divulgando dão conta de um crescimento de 15% no número total de conflitos no campo, em 2011, em relação a 2010. Passaram de 1.186, conflitos, para 1.363. As pessoas envolvidas, 559.401, em 2010, 600.925 em 2011, mais 7,4%. Estes conflitos compreendem 1.035 conflitos por terra, 260 conflitos trabalhistas e 68 conflitos pela água.  

     

    Os conflitos por terra é que apresentaram um crescimento mais expressivo. Passaram de 835, em 2010, para 1.035 em 2011, um crescimento de 24%. O número de famílias envolvidas cresceu 30,3%, passou de 70.387, para 91.735.  

     

    Este crescimento se deu em 17 das 27 unidades da federação. Foi mais expressivo na região Nordeste, 34,1%, que de 369 conflitos envolvendo 31.952 famílias, em 2010, passou para 495 conflitos envolvendo 43.794 famílias. O aumento mais significativo foi no Piauí, 130,8%, que passou de 13 conflitos em 2010 para 30 em 2011, e o número de famílias passou de 611 para 1.398, mais 128,8%.  

     

    As regiões Norte e Centro-Oeste também apresentaram crescimento tanto no número de conflitos, quanto no de famílias envolvidas. Norte: 258 conflitos, envolvendo 20.746 famílias em 2010; 307 conflitos e 27.111 famílias envolvidas em 2011, mais 19% no número de ocorrências, e 30,7% no de famílias envolvidas. O Centro-Oeste apresentou crescimento de 22% no número de conflitos e de 21,7%, no número de famílias envolvidas: 59 conflitos com 6.393 famílias em 2010; 72 conflitos com 7.778 famílias em 2011.  

     

    Já as regiões Sudeste e Sul apresentaram declínio no número conflitos, de 126 para 123 na Sudeste, menos 2,4% e de 41 para 37, menos 9,8% na Sul. No Sudeste o número de famílias envolvidas diminuiu de 9.945, em 2010, para 9.042 em 2011. Já no Sul, apesar do menor número de ocorrências de conflito, o número de famílias subiu exponencialmente: 196,8%, passando de 1.351 para 4.010.  

     

    O que se convencionou chamar de conflitos por terra, inclui os conflitos por terra, as ocupações e os acampamentos. Os assim denominados “conflitos por terra” se referem a expulsões, despejos, destruição de bens, ameaças de pistoleiros etc. Estes conflitos, em 2010, somaram 638, já em 2011 apresentaram crescimento de 26,2%, chegando a 805. O número de famílias envolvidas aumento 31,6%, passou de 49.950 famílias, para 65.742. No cômputo geral dos Conflitos por Terra, incluem-se as ocupações de terra e os acampamentos às margens das rodovias, ou nas proximidades de áreas que se reivindicam para desapropriação. As ocupações por famílias sem terra ou a retomada de áreas por comunidades indígenas ou quilombolas, apresentaram um crescimento de 11,1%. Passaram de 180, em 2010, para 200, em 2011. Já o número de famílias envolvidas apresentou crescimento de 35,1%, passaram de 16.858 famílias envolvidas, para 22.783. Os acampamentos sofreram uma redução de 35 para 30, menos 14,3%, com o número de famílias passando de 3.579 para 3.210, menos 10,3%.  

     

    Chama a atenção nos conflitos por terra o aumento do número de famílias expulsas. Um crescimento de 75,7%. Passaram de 1.216, em 2010, para 2.137, em 2011. Também teve crescimento significativo o número de famílias ameaçadas por pistoleiros, que passaram de 10.274 para 15.456, mais 50,4%. É o poder privado – fazendeiros, empresários, madeireiros e outros – voltando à liderança das ações. Este poder privado é responsável por 50,2% das ocorrências de conflitos por terra, 689 das 1.035.  

     

    Por outro lado, a ação do poder público, representada pelo número de famílias despejadas, decresceu 12,8%, foram 8.064 famílias, em 2010, 7.033 em 2011. Na análise do professor Carlos Walter Porto Gonçalves, a ação do poder público é mais expressiva quando a liderança das ações é dos movimentos sociais. Daí se infere que o poder público está pronto para agir quando os protagonistas da ação são os sem-terra, indígenas, quilombolas ou outros trabalhadores; já quando os protagonistas da ação são os senhores “proprietários” de terras e outros empresários, esta é vista como dentro da normalidade. Diz o professor: “Os dados parecem comprovar cientificamente o caráter de classe da justiça no Brasil, haja vista que a ação do poder público se move de acordo com a ação dos movimentos sociais em luta pela terra, mas se mostra indiferente com relação ao poder privado, na medida em que, como se observa, a intervenção do poder público aumenta ou diminui acompanhando o aumento ou queda da ação dos movimentos sociais”.  

     

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    Maiores Informações:

    Assessoria de comunicação: Cristiane Passos (62 8111-2890 / 9268-6837)

    Setor de Comunicação da CPT: (62) 4008-6406 / 6412

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  • 07/05/2012

    Nota Pública: Decisão do STF sobre caso Pataxó Hã-Hã-Hãe é vitória para os povos indígenas brasileiros

    Em vista da importante vitória do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) externa a mais profunda felicidade pelo resultado do que só a luta pode trazer aos povos indígenas brasileiros: a posse e ocupação do território tradicional, direitos constitucionais amiúde violados em nosso país. Em pouco mais de três horas de sessão no Supremo Tribunal Federal (STF), 30 anos de assassinatos e dor dos indígenas foram revistos de forma favorável aos Pataxó Hã-Hã-Hãe.

     

    Durante este período, o Cimi compartilhou a trajetória de lutas e martírios dos Pataxó Hã-Hã-Hãe pela recuperação do território tradicional no Sul da Bahia, indevidamente ocupado por não índios desde a década de 1940, quando o governo baiano passou a distribuir títulos de propriedade a fazendeiros dentro do território indígena. Expulsos das terras por sucessivos esbulhos, amparados de forma covarde pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), os indígenas decidiram retomar o território a partir do final dos anos 1970.

     

    A luta do povo intensificou-se em 1982, com a Ação Cível Ordinária (ACO) 312 impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a Nulidade de Títulos Imobiliários. A ACO contestava a legalidade dos títulos de propriedade emitidos pelo governo estadual, durante a década de 1960, dentro do território indígena de 54.105 hectares – demarcado em 1938 compreendendo parte dos municípios de Camacan, Itajú do Colônia e Pau Brasil.

     

    Após longos anos de luta, sangue, lágrimas, tristeza, violência, pressão política nacional e internacional a ACO foi colocada em julgamento em setembro de 2008, obtendo do relator, o ex-ministro Eros Grau, voto favorável à nulidade dos títulos. Entretanto, o julgamento foi paralisado devido ao pedido de vista do ministro Menezes de Direito. Quase quatro anos depois, os Pataxó Hã-Hã-Hãe aguardavam o reinício do julgamento, assistindo a boa parte do território e de seus recursos naturais serem violentados pela exploração e ações predatórias dos fazendeiros.

     

    No início de 2012, os Pataxó Hã-Hã-Hãe definem, então, por fazer várias ações de retomadas de fazendas para impedir a destruição, pressionar o reinício do julgamento da Ação e manter viva a esperança na vitória. Até a ministra Carmem Lúcia pronunciar seu voto no último dia 2 de maio, mais de 70 fazendas foram recuperadas pelos indígenas. O clima de violência acirrou-se, exigindo a presença constante da Polícia Federal e da Força Nacional, o que não foi suficiente para impedir a ação de milícia armada pelos fazendeiros, que impuseram o terror dentro da área indígena.

     

    Os índios mantiveram a sua resistência histórica, a crença nos seus direitos e na Justiça, apesar da pressão, ameaças e confinamento dentro da própria área indígena. Foram momentos de dificuldade e isolamento, onde a versão mentirosa dos fazendeiros era divulgada na mídia de forma parcial colocando a população contra os índios e estes sem poder se defender. Diante desse contexto, os Pataxó Hã-Hã-Hãe sempre solicitavam a urgência do julgamento da ACO e não compreendiam a razão de tanta demora, já que não havia nenhum impedimento legal para tal.

     

    No último dia 2, o STF retoma o julgamento e por maioria de sete a um anula os títulos imobiliários incidentes na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, bem como ratifica a presença permanente dos Pataxó Hã-Hã-Hãe no território. Um julgamento histórico e de importância vital para os Pataxó Hã-Hã-Hãe e outros povos indígenas no Brasil, que estão em luta pela recuperação de seus territórios e seus direitos.

     

    O conteúdo dos votos dos ministros reitera de forma direta e incontestável os direitos constitucionais dos povos indígenas, principalmente o direito imemorial e tradicional sobre seus territórios e assevera as diferenças culturais e uma cosmovisão voltada para a integralidade da vida com o seu meio ambiente. O julgamento da ACO e o resultado trazem consigo novo ânimo. Incentiva a todos os que estão na luta pela efetivação dos direitos, mas principalmente aos seus protagonistas, os Pataxó Hã-Hã-Hãe, pela sua resistência e crença em seus direitos nesses últimos 30 anos.

     

    Nossos agradecimentos e parabéns aos que diretamente contribuíram na luta dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, sobretudo organizações indígenas e indigenistas; a vitória primeira é dos índios, mas também dos demais movimentos sociais, instituições parceiras, Igreja, e tantos outros atores que se somaram a esta corrente durante todas essas décadas – tal conquista guarda orientação política para seguirmos adiante, ao lado dos povos indígenas, os assessorando e apoiando suas decisões de luta.    

     

    Sobretudo, rendemos homenagens aos mártires Pataxó Hã-Hã-Hãe e ao martírio de Galdino, que completou 15 anos em abril deste ano – o sangue derramado não foi em vão. Lembramos com grande emoção o teor profético de Samado, grande liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe, que dizia que virava adubo da terra, mas não saia dela. A semente dos sonhos gera agora frutos de realização. Nossa gratidão a Deus, nossos parabéns e força ao guerreiro povo Pataxó Hã-Hã-Hãe!

     

    Esperamos por fim que o governo federal, por intermédio da Polícia Federal, realize o quanto antes a retirada dos poucos invasores que ainda restam nas terras e garanta a segurança dos indígenas contra possíveis represálias dos pistoleiros – chamados de ‘seguranças’ pelos fazendeiros, que dentro da encenação dos invasores já não prestam mais nenhuma utilidade, pois as fazendas devem ser entregues aos Pataxó Hã-Hã-Hãe. Não obstante, que a presidenta Dilma Rousseff homologue a Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu com o máximo de urgência. Nada mais a impede.

     

    Brasília, 07 de maio de 2012.

     

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

     

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  • 07/05/2012

    Informe nº 1.012 – Acre: a ruidosa realidade indígena por trás da cortina de fumaça do governo Tião Viana e Sesai

    Delegação com 40 indígenas do Acre esteve em Brasília durante esta semana para reuniões na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Educação e Procuradoria Geral da República (PGR). Vindos direto da ocupação da sede regional da Funai em Rio Branco, que começou em 18 de abril, as lideranças representam dezenas de povos com reivindicações relativas a problemas fundiários, de educação e saúde.

     

    Conforme as lideranças indígenas, a ocupação parece não sensibilizar o governo federal, tampouco o governo estadual. Mesmo com a ruidosa realidade vivida pelos indígenas, onde entre outubro de 2011 e abril deste ano 24 crianças morreram de diarreia no Alto Rio Purus e alunos são obrigados a abrir os guarda-chuvas dentro da sala de aula em dias de tempestade, nenhuma medida concreta de resolução das dificuldades foi tomada pelos governos.

     

    Ao contrário, a resposta dos gestores públicos ficou em promessas e a elaboração de programas que nunca se efetivaram – como a histriônica campanha anunciada em janeiro deste ano, pela Sesai e Secretaria de Saúde do Acre, para combater as mortes por diarreia no Purus. Hospital de campanha, voadeiras (barcos rápidos), helicóptero e equipes de saúde percorrendo as aldeias, além da distribuição de 600 filtros de barro, não passaram de medidas nunca cumpridas – conforme atestou equipe que percorreu o rio Purus (leia texto abaixo).

     

    Em Brasília, porém, as reuniões não ocorreram. Na Funai, a presidenta Marta Azevedo não pôde recebê-los alegando não ter agenda. Na Sesai a situação foi constrangedora: as lideranças foram informadas de que não havia ninguém para atendê-los. Ao ameaçar um protesto, foram recebidos pelo secretário Antônio Alves e toda sua equipe. Alves alegou não ter sido encaminhado nenhum pedido de reunião. Ao receber o protocolo comprovando a solicitação, mudou o discurso e informou aos índios que eles tinham entrado por outro anexo do Ministério da Saúde. 

     

    No entanto, com as autoridades que se dispuseram a reuniões com os indígenas as lideranças alegam terem tido uma estranha constatação: o governo do Acre tem dissimulado informações, omitindo os problemas e construindo uma imagem de que o estado atende as demandas dos povos indígenas, sobretudo na área da saúde e educação. Por sua vez, o governo federal também deixa de cumprir com as obrigações fundiárias, de saúde e educação.

     

    De acordo com os indígenas, a situação forma um mosaico de tragédias. Ressaltaram também que o governo Tião Viana segue tentando aliciar as comunidades indígenas a aceitar os projetos de comércio de carbono e REDD, baseados em acordos entre o Poder Público acreano e o governo da Califórnia, Estados Unidos.

     

    Leia trechos da primeira parte de uma série de reportagens sobre a situação da saúde indígena no Acre, intitulada Mortos no Paraíso: Uma Jornada Rio Purus Adentro, publicada desde abril pelo jornal Porantim. Com o texto, mostramos parte da angústia vivida pelos indígenas, que agora estão em Brasília em luta para serem ouvidos pelas autoridades públicas.  

     

     

    Surto de diarreia faz 24 vítimas e escancara situação da saúde indígena no Acre

     

    Por Renato Santana,

    de Santa Rosa do Purus (AC)

     

    Mãe Madja segura filho em estado avançado de desnutrição. Foto: Ariel Lima Guimarães

    O dia era de ajie na aldeia Madja. A festa com canto e dança não obedece a calendário ou hora. Pela manhã as mulheres se levantam e com varinhas cutucam os homens para irem caçar. Elas ficam na casa e lá reúnem o que há de macaxeira, arroz e milho. O dossehe, tal como os Madja chamam a busca por comida, é parte integrante da festa; a caça trazida pelos homens e a comida organizada pelas mulheres são espalhadas em panelas no centro do terreiro, sobre uma lona amarela. Alimento pouco para tantos e logo não sobra mais nada. No geral, mulheres e crianças se alimentam antes, pois cozinham e os pequenos ficam ao redor. Às margens do rio Purus, Acre, essa festa ocorre entre os Madja quando há escassez de comida e dividir é herança doutras estações, no período em que os indígenas viviam em grandes malocas, no interior da floresta, e não na beira do rio em casas separadas. Porém, apenas o dossehe foi possível de ser realizado. A ajie não. Os tempos são de dificuldades e mortes na Terra Indígena do Alto Rio Purus.

     

     

    Chamada por Euclides da Cunha de “um paraíso perdido”, quando o escritor lá esteve em expedição durante o ano de 1905, a região do Alto Purus segue exuberante, longe do desenvolvimento propagado por quase um século de exploração da seringa, ameaçada pelas novas promessas depredatórias de crescimento social, caso do agronegócio, madeireiras e empresas estrangeiras interessadas na captação de carbono, e com suas populações tradicionais violentadas por todos os anos de esbulhos e violações. Entre essas populações os povos Madja e Huni Kuĩ, comunidades com a memória viva das expulsões do território e massacres sofridos com a chegada da seringa e agora lançadas à sorte determinada por projetos faraônicos estatais que viram entulho nas aldeias, falta de assistência médica e um quadro de saúde alarmante.

     

    Durante 20 dias, equipe composta por integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um assessor da Federação Huni Kuĩ e dois barqueiros percorreu as aldeias da Terra Indígena do Alto Purus. O objetivo era investigar junto aos índios os motivos que levaram a morte de crianças indígenas, sob os mesmos sintomas: diarreia, vômito e febre. Ao fim da jornada, iniciada no dia 11 de fevereiro e encerrada no dia 2 de março, os cadernos de anotações davam conta de 22 nomes de meninos e meninas, abaixo dos cinco anos, que foram a óbito. Em março, a notícia de mais uma morte, e no início de abril outra – sinal claro de que as mortes não cessaram. Outras crianças apresentavam quadros variados de anemia, sendo alguns casos idênticos ao visto em países africanos de fome absoluta.

     

    Foto: Renato Santana

    As marcas da morte estavam por todos os lados. Uma mulher indígena grávida, que morreu por falta de pré-natal, um suicídio impulsionado pelo consumo de álcool, sendo que o indígena se atirou de um barranco para dentro das águas caudalosas e turbulentas do Purus, além da falta de saneamento e a inoperância dos órgãos públicos em controlar a situação – apesar da operação anunciada no fim de janeiro, em Rio Branco, pelo coordenador da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Antônio Alves. O relatório com as denúncias e as imagens captadas pela equipe foram encaminhados ao Ministério Público Federal do Acre pela Federação Huni Kuĩ e Cimi.

     

     

    No acre, o Purus corre entre as cidades de Santa Rosa do Purus, fronteira com o Peru, e Sena Madureira, divisa com o Amazonas, percurso do rio que nasce no vizinho sul americano e deságua no estado amazonense. As águas do Purus cortam de forma vertical o estado, num trajeto com cerca de 500 km. Na Terra Indígena do Alto Rio Purus, homologada em 2005 depois de demarcada quase duas décadas antes pelos indígenas, 45 aldeias estão organizadas de forma social e política num espaço humano, cultural e natural de 465 mil hectares. Nesse pedaço de terra da Amazônia brasileira vive o menino Madja com desnutrição aguda e ‘acusado’ de ter fugido para o mato quando os profissionais do Samu foram buscá-lo para tratamento e não o encontraram. Sem nenhuma proximidade com a questão indígena, a equipe chegou de forma brusca e ao lado de dois Huni Kuĩ, povo que mantém questões históricas com os Madja. O medo da mãe foi tamanho de ver o filho sequestrado, que o levou para se esconder na floresta. A criança, portanto, seguiu doente na aldeia. O ajie teve de ficar para outro dia. 

     

    A operação

     

    A aldeia Família é uma das maiores às margens do Purus. De tão próspera, dela nasce a Nova Aliança – expansão social e política do núcleo habitacional de origem. Nelas vivem indígenas do povo Huni Kuĩ. Ligadas por laços familiares, as comunidades choram quatro crianças mortas na aldeia Família durante surto de diarreia, febre e vômito. Morreram uma seguida da outra, em oito dias, na última quinzena de dezembro do ano passado. No dia de Natal, Hilário Augusto Huni Kuĩ enterrou a pequena Juçara, de 1 ano.

     

    “Levei minha filha para Santa Rosa do Purus, mas ela continuava ruim. Tinha cãibras e só fazia vomitar e ter diarreia. Encaminhamos então nossa menina para Rio Branco. Juçara ficou três dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e depois morreu. Foram quatro paradas cardíacas. Ela não resistiu”, conta Hilário, vice-prefeito de Santa Rosa. O surto no rio Purus não distingue possíveis privilégios. Porém, o indígena conseguiu transporte em embarcação rápida, a chamada voadeira, para os municípios de Santa Rosa, Manoel Urbano ou até mesmo para a capital do estado, Rio Branco.

     

    Das 24 crianças mortas, 15 feneceram na aldeia sem nenhum atendimento médico ou acesso a medicamentos. Em poucas aldeias Madja e Huni Kuĩ foram encontrados envelopes de soro caseiro, mas nenhuma orientação de como prepará-lo com sal e açúcar. A vida mudou de prisma para Hilário depois da morte da filha. Enquanto antes passava mais tempo em Santa Rosa do Purus, agora fica na aldeia ao lado da companheira “tentando esquecer, mas é impossível”. O indígena aponta que depois que a Sesai substituiu a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), as duas equipes de saúde que percorriam o Purus no início e fim do mês deixaram de atuar. Não há mais remédios e o Polo Básico de Saúde, em Santa Rosa, está inoperante.    

           

    “Depois que minha filha morreu, uma equipe de Brasília (Ministério da Saúde) chegou a Santa Rosa, mas não fizeram nada de relevante, além de papeladas. Não distribuíram remédios, não foram às aldeias. Nada.”, diz. Apenas um mês após a morte de Juçara, além de outras crianças durante o período, ocorreu a reunião entre o secretário da Sesai Antônio Alves e a secretária de Saúde do Acre, Suely Melo, em Rio Branco. Na ocasião ambos anunciaram uma operação que contava com helicóptero, hospital de campanha no meio da Terra Indígena do Alto Rio Purus, embarcações e equipes de atendimento. Mais um mês para frente, apenas uma equipe do Samu (dois médicos, dois enfermeiros e dois técnicos), vinda do Piauí, com o apoio do Exército, estava em Santa Rosa. Porém, sem cumprir agenda de visitas às aldeias, pois a voadeira do Polo não estava funcionando – as desculpas posteriores foram: falta de remédios e autorização para sair em operação. A morte, por sua vez, seguia o curso normal de dor para as famílias indígenas. 

     

    “Surpreendeu-nos chegar a Santa Rosa, percorrendo as aldeias, vindos de Manoel Urbano, mostrarmos 18 mortes (contabilizadas até aquele momento) e o pessoal da Secretaria de Saúde do município dizer que tinham apenas oito. Não queriam nem saber de que aldeias eram ou como as mortes se deram. Não assustou ninguém. Quando chegamos a Santa Rosa, estava tudo alagado (por conta da cheia do Purus) e a desculpa foi essa para o polo estar fechado, sem o rádio funcionando e medicamentos disponíveis”, afirma o missionário do Cimi, Rodrigo José Domingues. A equipe do Samu estava parada em Santa Rosa; primeiro por falta de medicamentos, depois se esperava por uma autorização e, por fim, não tinham pedidos de socorro registrados.

     

    Para o professor Edmilson Sampaio Esteves Huni Kuĩ, da aldeia Nova Família, seu filho de sete meses só morreu, porque não tinham medicamentos e tampouco assistência. “Não tínhamos como acessar o tratamento. O rádio não funciona e as equipes deixaram de passar. Espero que com essas mortes o atendimento ocorra, a atenção do governo”, lamenta. O professor explica que Vinícius, seu filho, morreu em três dias com forte diarreia, vômito e cãibras. Apesar dos outros quatro filhos, a tristeza ainda não deixou os olhos de Edmilson. Pelo visto, os indígenas ainda terão que esperar por mais competência dos governos.

     

    O Pró-Acre deveria ter entregado, conforme programação da operação anunciada em Rio Branco, 600 filtros de barro às aldeias. Apenas 170 chegaram aos indígenas, incluindo os quebrados. Pelo constatado nas comunidades do Purus, a maioria dos filtros não foi instalado, sendo que a outra parte foi montada errada, com a vela invertida do sentido correto para a filtragem da água. “Tivemos aldeias com três mortes e nenhum filtro entregue. Assim como teve aldeia que não registrou ninguém morto e todos receberam filtros. Segundo alguns indígenas, para cada filtro eram requisitados os documentos de identidade, CPF e título de eleitor”, explica o assessor da Federação Huni Kuĩ, Adriel Lima Guimarães.

     

    “Bebemos água da chuva” 

     

    Cacique Maurício Huni Kuĩ, da aldeia Porto Alegre, fala com a voz embargada. O filho do indígena, ao que tudo indica, é a primeira vítima do surto. Marcinho morreu em 20 de outubro de 2011, depois de uma semana doente e com apenas nove meses de vida. Mal a família tinha se recuperado da perca, no último dia 2 de fevereiro Nemerson, o neto recém-nascido do cacique, não resistiu durante dois dias depois de apresentar também diarreia, vômito e febre. Quanto mais nova a criança, menor é o tempo de vida depois de contraídos os sintomas. Isso ao menos nas aldeias do rio Purus.

     

    “Estamos todos tristes. Deixam a gente morrer. Não recebemos remédios, consultas e não entregaram nenhum filtro. Minha aldeia não recebeu. Vieram aqui, pegaram os nomes dos meninos mortos e foram embora. Só isso”, amarga cacique Maurício. Para piorar a situação, no final de janeiro e início de fevereiro deste ano a cabeceira do rio Purus, nos Andes peruanos, deve ter sido assoberbada por alguma tempestade fazendo com que ele enchesse em todo seu trajeto, incluindo seus afluentes – os rios Acre, Yaco, Chandless, além de quase meia dúzia de igarapés. Vários pontos no Acre ficaram debaixo d’água e as aldeias do Purus mais vulneráveis ao rio alagaram-se.

     

    As águas das cacimbas, usadas pelos indígenas e abertas nas encostas, entre o rio e as comunidades, submergiram nas águas barrentas do Purus. “Ficamos sem água e o jeito foi pegar a da chuva. Aqui na aldeia tomamos água das chuvas, porque não tínhamos mais de onde tirar. Temos uma vertente, mas ela fica a 5 quilômetros da aldeia”, frisa o cacique. No geral, as mulheres ficam encarregadas de ir buscar a água, em bacias, panelas e baldes. As vertentes são fontes de água retiradas comumente de algumas espécies de árvores ou origem de um poço. Os indígenas sabem como poucos os melhores lugares para a abertura. O problema é que não são ouvidos pelos técnicos do governo: amiúde se encontra nas aldeias poços de 60 metros secos. Dessa forma, os indígenas buscam outras fontes de água e aí está um dos principais motivadores do surto: as precárias condições de saneamento básico.

     

     


      

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  • 05/05/2012

    “Estamos morrendo. Que o mundo saiba. Façam alguma ação urgente. Não aguentamos mais. A saúde indígena nunca esteve tão pior”

    “Saímos de casa há um mês e dois dias”, revelam algumas das lideranças dos seis povos indígenas do Acre, há uma semana em Brasília. Reuniram-se com vários órgãos públicos, elaboraram, protocolaram ou entregaram inúmeros documentos às autoridades. Expuseram a dramática situação porque passam a maioria das comunidades indígenas no Estado do Acre. Fizeram emergir do fundo da floresta ao coração do poder, o grito: “Estamos morrendo. Que o mundo saiba. Façam alguma ação urgente. Não aguentamos mais. A saúde indígena nunca esteve tão pior…”.

     

    Os 40 caciques, dos quais alguns viajaram por mais de duas semanas a pé, de canoa e ônibus, para chegar até Brasília, foram unânimes e enfáticos em seu clamor, no relato de suas dores, na exigência de providências imediatas. “Estamos aqui numa voz só. Viemos mostrar e falar a realidade, a verdade sobre o que se passa com nossas comunidades. Hoje expressamos nossas palavras até o mais profundo dos vossos corações para desabafar todos esses anos de dores, doenças, desespero, genocídio, perseguição, que já não pode mais ser silenciado…”, escreveram os Jaminawa em documento à presidente da República, parentes e autoridades.

     

    Das mais distantes aldeias dos povos indígenas do Acre a voz insurgente da gente primeira, denunciando o sistema de morte, dor, ameaças, abandono a que estão submetidas. Parece até um filme. A maioria das pessoas que por horas ouviram atentamente os caciques, ficam embasbacadas: “Nunca pensei que isso pudesse ser assim no Acre. As informações que tínhamos eram de uma beleza e tranquilidade paradisíaca”. Essa perplexidade de muitos membros dos órgãos públicos e entidades surgem como riscos no cartão postal propalado pelo Brasil e mundo afora por muitos anos.

     

    Durante uma semana os caciques e lideranças fizeram uma maratona de audiências, depoimentos contundentes, debates acalorados mas sempre respeitosos e conscientes,  entrega de documentos e denúncias… Apesar do cansaço, da estranheza e dureza da salva de pedra do poder, em nenhum momento perderam a alegria, a esperança e a certeza de que essa é uma dura luta que está apenas começando.

     

    Vistosos cocares, corpos pintados, flechas e bordunas, armas da indignação, revolta e paz, os caciques deram visibilidade ao grito de vida e morte ecoado das aldeias mais distantes desse grande Brasil, em acres tempos.

     

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  • 05/05/2012

    Comitiva de Juízes visita áreas indígenas em Mato Grosso do Sul

    Magistrados da Associação dos Juízes para a Democracia constatam graves violações de direitos e cobram medidas urgentes para o fim da violência e a demarcação definitiva das terras indígenas em MS.

     

    Entre os dias 27 a 30 de abril, estiveram em Mato Grosso do Sul membros da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) em visitas por diversas aldeias indígenas do estado.

     

    Durante quatro dias de frio, os Magistrados conheceram algumas das mais conflituosas áreas indígenas em razão das lutas pela demarcação de terras.

     

    Participaram da comitiva a Desembargadora Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da AJD, da ex presidente, a Juíza Dora Martins, além da secretária executiva da AJD, Juíza Fernanda Menna Peres, e de outros membros, como o Juiz de Direito Luis Fernando de Camargo Barros Vidal e a Juíza Fernanda Carvalho.

     

    Também acompanharam as visitas o advogado da Justiça Global, Eduardo Baker, e Jônia Rodrigues, representante da FoodFirst Information and Action Network (Fian), além da Procuradora do estado de SP, Ana Paula Zommer e da Jornalista Caroline Bittencourt. Representantes do Conselho Indigenista Missionário e lideranças indígenas também acompanharam as atividades.

     

    Além das aldeias, os Juízes também compareceram na II Cuña Aty Guasu (Grande Reunião das Mulheres) Kaiowá-Guarani de MS, que estava sendo realizada na aldeia Jaguapirú, em Dourados. Reuniram-se ainda com os Procuradores da República, Marco Antonio de Almeida e Tiago Luz, do Ministério Público Federal de MS, visando buscar mais informações sobre a realidade local.

     

    Kurussú Ambá

     

    Recebidos com rezas (jeroky), na visita a aldeia Kurussú Ambá, localizada entre os municípios de Amambai e Coronel Sapucaia, percebeu-se prontamente a imensa alegria dos indígenas com a presença da caravana. Com crianças brincando e correndo por todos os cantos a resistência dos povos indígenas se traduziu naquilo que a Juíza Dora Martins afirmou: “em Kurussú Ambá você verifica a pobreza e as dificuldades, mas vê um alento”. A terra vem sendo reivindicada há anos pelos Kaiowá-Guarani mas ainda não foi demarcada pelo Governo Federal.

     

    Após a decisão do Tribunal Regional Federal da 3. Região (TRF3) em assegurar a posse de uma pequena parcela desta terra, ocupada pelos Kaiowá-Guarani em 2010, as condições de vida das famílias melhoraram, mas as lideranças ainda manifestam preocupação com a falta da demarcação definitiva e com as questões de segurança de seus membros.

     

    Os representantes da AJD ouviram atentamente os relatos sobre o histórico de violências ocorridos desde janeiro de 2007, com lideranças assassinadas, baleados, atropelamentos, indígenas presos e casos de morte de crianças por desnutrição. Fatos que ocorreram durante a movimentação dos Kaiowá-Guarani pela ocupação de suas terras tradicionais ainda não demarcadas.

     

    Milho, mandioca, batata, feijão e arroz foram exibidos com orgulho aos Juízes em grandes potes cuidadosamente preparados pelos indígenas para a recepção. Nesta pequena parcela de terra, os Kaiowá-Guarani já conseguem produzir alguns alimentos, em pequenas roças, mas afirmam que ainda não possuem condições de produzir o suficiente para alimentar toda a comunidade por falta de espaço.

     

    A terra que estão ocupando trata-se de pequena área de “reserva legal”. Mata nativa que os indígenas se recusam a derrubar para as roças, sendo poucos os espaços já abertos e que possam ser utilizados para o plantio. A cesta básica fornecida pelo Governo Federal ainda é fundamental para a comunidade.

     

    O acesso a educação escolar na aldeia foi muito destacada pelos Kaiowá-Guarani. Uma escola no local ocupado vem sendo negada pelas autoridades responsáveis. As crianças indígenas tem de percorrer todos os dias cerca de 20 Km  a pé para chegarem á escola mais próxima localizada na antiga reserva “Taquaperi”.

     

    Na opinião do Juiz Luis Fernando de Camargo Barros Vidal, “a situação verificada em Kurussú Ambá, onde as crianças tem de percorrer, a pé, 20 Km de distância até a escola na Reserva, deve ser revertida com a instalação urgente de uma escola na própria aldeia de Kurussú Ambá”.

     

    A impunidade foi um dos destaques nas falas dos Kaiowá-Guarani. Segundo os indígenas, muitos agressores, como os assassinos da rezadeira Xurite Lopes e da liderança Ortiz Lopes, mortos em 2007, continuam soltos e a ameaçar a comunidade. Além disso, quatro indígenas baleados, nos casos ocorridos em 2007, ainda se encontram com balas alojadas no corpo. Os projéteis e suas cicatrizes foram sendo mostradas aos Juízes.

     

    Guayviry

     

    Com as rezas de recepção logo vinham as crianças. Muitas. Visivelmente compondo a grande maioria dos indígenas na área. Com elas, muitas mensagens escritas em pedaços de papelão e faixas que seguravam altivamente e com imensa alegria, mas que relatavam a dor, a violência e os pedidos urgentes de soluções por parte do Estado brasileiro. A demarcação da terra e o fim da violência eram as principais reivindicações.

     

    Recebidos pelos familiares do cacique Nísio Gomes, liderança religiosa que foi atacada por pistoleiros em ação ocorrida na área em 2011 e que encontra-se até hoje desaparecido, os Juízes se emocionaram com o relato de agressões e os clamores pelo fim dos conflitos.

     

    No local onde Nísio tombou os presentes fizeram um minuto de silêncio em meio à mata exuberante que os envolvia. E os relatos de novas ameaças e agressões continuaram. Para a Juíza Dora Martins “Guayviry foi o símbolo da exposição do índio à falta de segurança no Brasil”.

     

    Passo Piraju

     

    A comitiva ainda visitou a aldeia Passo Piraju, em Dourados, outra área onde ocorreram graves casos de agressões e violências contra os Kaiowá-Guarani.

     

    Em 40 hectares assegurados pelo TRF3 em 2008, a pequena comunidade tenta sobreviver com roças cercadas por imensos canaviais, onde os agrotóxicos utilizados na monocultura têm produzido graves impactos sobre a saúde dos indígenas.

     

    Foram relatados os casos de violência contra a comunidade envolvendo policiais de Dourados, incluindo os relatos sobre um “Rancho Pesqueiro” instalado contíguo à comunidade às margens do Rio Dourados e cedido à policiais pelo próprio fazendeiro incidente na terra indígena. Segundo o cacique Carlito de Oliveira, “acabando a piracema os tiros voltam… nós já avisamos as autoridades”.

     

    Uma grande escola vem sendo construída na área. Segundo os indígenas, a escola vai melhorar muito o atendimento da educação para as inúmeras crianças. Porém, a questão da saúde ainda carece de melhorias. O atendimento vem sendo feito a “céu aberto” e os indígenas pedem a construção de um local adequado.

     

    Aldeias Urbanas

     

    A comitiva de Juízes ainda visitou as aldeias urbanas “Marçal de Souza” e “Água Bonita” localizadas em Campo Grande.

     

    Em “Água Bonita” ficou claro o descontentamento dos indígenas pelas suas condições atuais. Segundo estes, há anos reivindicam que o Governo de MS regularize uma pequena parcela de terra que pertence à aldeia urbana, mas que não se encontra na posse da comunidade.

     

    Na aldeia “Marçal de Souza”, os Juízes conheceram o “Ponto de Cultura” da comunidade além do grande “Quiosque” instalado pela Prefeitura de Campo Grande para receber os “turistas” e vender artesanatos. Os indígenas da aldeia, em sua totalidade sendo do povo Terena, reclamam que este espaço não atende suas expectativas e reivindicações, servindo apenas para os interesses de atravessadores e da própria prefeitura.

     

    Situação de emergência

     

    As conclusões retiradas pelas visitas dão conta de que o cenário local é de graves violações de direitos humanos e descumprimento da constituição federal brasileira e carecem de medidas emergenciais visando à solução dos problemas que afetam as comunidades.

     

    Na opinião da Juíza Fernanda Menna Peres, “não esperava que fossem tantas condições precárias. A questão da Justiça foi muito destacada pelos indígenas, pois estes não têm obtido respostas desta mesma Justiça e que eles respeitam muito. Senti sendo muito cobrada com isso. O que a gente leva daqui é uma mensagem deles para o Judiciário”. E acrescenta, “foi uma oportunidade ímpar para entender a gravidade do que significa a PEC 215, pois a demarcação de terras é a mais premente questão e todo o resto é desdobramento de tudo isso.”

     

    Para a Juíza Dora Martins, “fiquei todo tempo me checando entre a visão romântica e a realidade sobre os povos indígenas. As visitas nas aldeias me colocaram em várias perspectivas deferentes. A Aty Guasú, sem dúvida, foi muito importante. Ao nos colocarmos como Juízes foi muito desconfortável. Achei muito gritante a situação toda. Estes povos estão aumentando a sua população. Temos que sensibilizar o STF para que julgue os processos rapidamente.”

     

    Segundo a Desembargadora Kenarik Boujikian, “para mim é muito impactante, muita emoção. A necessidade de julgamento imediato dos processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal deve ser enfrentada com prioridade além de outras medidas a cargo da AJD”.

     

    Para Flávio Vicente Machado, do Conselho Indigenista Missionário, “Trata-se de um momento único com a presença de Magistrados conhecendo de perto a realidade dos povos indígenas. A AJD é muito conhecida pela sua imensa respeitabilidade e inegável importância para a sociedade. Durante esses dias fizeram história na historia dos Kaiowá e Guarani.”

     

    Além dos Juízes, a representante da Fian/Brasil, Jônia Rodrigues, destacou que “as atividades foram muito importantes pela proximidade com as comunidades, pois estivemos aqui em outros tempos e pudemos verificar que as violações de direitos continuam ocorrendo”.

     

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  • 04/05/2012

    Povos Indígenas seguem com marcha na Bolívia

    As comunidades que vivem na região do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Secure (TIPNIS) ameaçado pela passagem de uma estrada de alta velocidade até o Brasil estão em marcha até a cidade de La Paz, onde querem dialogar com o presidente Evo Morales e exigir que ele cumpra a promessa feita de não permitir que a estrada atravesse o parque. As comunidades temem que, além da destruição ambiental provocada pelas obras, a estrada venha a se converter numa porta de entrada para um tipo de desenvolvimento que não leva em consideração o modo de vida das pessoas que habitam o lugar.

     

    A caminhada enfrenta, além dos problemas com o tempo ruim, a polêmica com os apoiadores do governo. Há entre os militantes do MAS a crítica de que essas comunidades estão sendo manipuladas pela direita, pelas ONGs estrangeiras, que querem desestabilizar o governo. Ontem, organizações camponesas que atuam na região de La Paz, manifestaram a emergência de se levantar contra a marcha indígena, alegando que ela está colocando em risco o processo de mudanças levado a cabo pelo governo de Evo Morales. Também a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, a Federação Departamental de Camponeses Túpac Katari e a Federação de Mulheres Bartolina Sisa (onde se concentram os cocaleiros, base de Evo) se manifestaram contra a marcha. Todas essas entidades seguem firmes na defesa do governo e acreditam que a caminhada dos indígenas, que saiu da região central do país, quer mesmo afrontar o governo.

     

    Já os líderes da marcha não aceitam de maneira alguma essa assertiva. O que eles querem é parar o processo de construção da estrada dentro do parque. Eles alegam que o governo não cumpriu a lei de consulta prévia, portanto, as comunidades têm todo o direito de se manifestar. “Como não fomos escutados como manda a lei, estamos tendo de fazer todas essas manifestações”. As comunidades repetem o que a maioria dos críticos se recusa a ouvir: não são contra a estrada. Apenas querem que ela seja desviada e não passe por dentro do Parque Nacional Isiboro Secure. O alegado aumento dos custos que podem vir com o desvio não pode servir de argumento, uma vez que a preservação dos recursos naturais vale mais do que qualquer obra. É o que os indígenas procuram mostrar com a marcha. O governo diz que vai fazer a consulta, mas os caminhantes sabem que com toda a celeuma criada e o forte esquema de propaganda contra a marcha torna a consulta, agora, tremendamente viciada.

     

    É certo que misturados à caminhada e ao protesto indígena estão políticos de direita e também a malfadadas organizações não governamentais, muitas vezes elas mesmas conspirando contra o povo boliviano, uma vez que servem a outros países e outros interesses. Mas, qualquer olhar mais apurado pode perceber que a crise causada pela estrada no TIPNIS poderia ser facilmente evitada. Mais vale aumentar o traçado da estrada passando ao largo do parque, do que fomentar todo esse tipo de crítica e de sacrifício por parte das comunidades. A lei boliviana é clara: qualquer decisão sobre território indígena precisa ter consulta prévia. Isso não foi feito.

     

    O fato é que o governo de Evo Morales está enredado em uma série de conflitos que, juntos, podem mesmo trazer problemas de estabilidade. Não é só a marcha indígena que tem esquentado a cabeça do governante. Também a Confederação Obreira Boliviana está realizando movimentações e paralisações, em luta por aumentos salariais aos trabalhadores. Há também em curso uma greve na saúde, com os médicos e trabalhadores paralisados e realizando cortes de rua e há manifestações dos mineiros cooperativados, outro setor bastante complicado no país.

     

    Em cada uma dessas lutas há muita coisa em jogo. Ninguém pode dizer que só porque o governo é progressista os trabalhadores não podem lutar por aumento salarial ou melhores condições de trabalho, embora também aí se infiltrem os velhos inimigos direitistas, sedentos por voltar ao poder. Entre os médicos, da mesma forma, há profissionais que só querem ver o circo pegar fogo, enquanto outros estão realmente lutando por condições dignas de trabalho, uma vez que o decreto presidencial propõe oito horas de trabalho, acabando com o turno de seis horas, muito mais produtivo e seguro. Essa também é uma luta justa. No caso dos mineiros cooperativados a questão é ainda mais complexa. Algumas dessas cooperativas, criadas depois de muita luta por parte dos mineiros, agem como empresas capitalistas, principalmente no que diz respeito à exploração dos trabalhadores. É, de fato, um campo minado. Porque nos mineiros se configura uma força de luta muito grande e é preciso muito traquejo para enfrentar as demandas sem quebrar o tênue fio que sustenta um governo mais popular.

     

    Assim que a Bolívia vai caminhando entre conflitos, avanços e recuos. Os trabalhadores fazem as lutas, a direita se mistura, o governo ora acerta, ora erra. Mas, por enquanto, Evo Morales tem sabido se mexer no tabuleiro intricado que é a política boliviana. E o que se espera, desde aqui, é que não haja retrocesso.

     

    Existe vida no Jornalismo

    Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com

    América Latina Livre – www.iela.ufsc.br

    Desacato – www.desacato.info

    Pobres & Nojentas – www.pobresenojentas.blogspot.com

    Agencia Contestado de Noticias Populares – www.agecon.org.br

     

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  • 04/05/2012

    O dia em que a justiça começou a ser feita

    A agenda do Supremo Tribunal Federal estava tomada por questões relevantes. A ministra Carmem Lucia propõe, em função da gravidade da situação e a eminência de conflitos e violências, o julgamento da nulidade dos títulos incidentes nos 54 mil hectares da terra dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, no Sul da Bahia. Exceto o ministro Gilmar Mendes, os demais se pronunciaram pela nulidade dos títulos. Era dois de maio.

     

    O presidente do STF, Ayres Brito, interveio em algumas oportunidades frisando que para os indígenas “terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”.

     

    Quem diria,

    Uma vez mais na Bahia,

    Onde a invasão começou,

    Há mais de cinco séculos,

    O heroico povo Pataxó Hã-Hã-Hãe

    Reconquista, com suprema galhardia,

    Um pedaço de seu território tradicional.

    Suprema justiça no tribunal da vida!

     

    A ação de anulação dos títulos aguardou 30 anos para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. O que todos nos perguntamos é por que três décadas para se julgar uma ação? Dezenas de lideranças foram assassinadas neste período. Há 15 anos Galdino era queimado aqui em Brasília.

     

    Agora esperamos o julgamento urgente das ações de devolução das terras já homologadas dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, e outras dezenas de ações que envolvem direitos indígenas e seus territórios. Que sejam anulados os títulos dados pelo governo Getúlio Vargas em terras dos Kaiowá Guarani.

     

    Que a justiça para com os povos indígenas continue sendo feita!

     

    A justiça abre os olhos e o coração

     

    Enquanto em Brasília o Supremo Tribunal Federal, julgava a nulidade dos títulos incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru/Catarina/Paraguasu, do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, a juíza Dora Martins que, juntamente com uma delegação de juízes, visitou algumas comunidades Kaiowá Guarani, escrevia seus sentimentos com relação à visita:

     

    E nós, juízes, ali, "veneno e antídoto" a engolir em seco lágrimas insuspeitas. Conseguimos, estou certa, nos fazer ver além e através da toga. E foi bom.

    E o líder Jorge bradou justiça com a Constituição na mão, e as mulheres fizeram, na história, sua segunda ATY GUASU (assembleia) para discutir o medo de não terem terra, alimento, saúde e identidade. Mulheres indígenas com voz. Homens indígenas que querem voltar a ocupar seu território sagrado e tão vilipendiado. E as atrocidades se repetem compassadamente.

    Nos agradeceram os companheiros brancos, que lá nos receberam, e nos presentearam com a fala de que, com toda certeza, nós, juízes brancos, ao irmos até lá "fizemos história na história deles". Mais lágrimas e legítimas. E foi tocante saber que eles acharam honroso e importante que juízas e um juiz que lá estiveram se fizeram acompanhar por familiares, crianças e filhos. E tudo ficou tão familiar, tão igual, tão brasil profundo de brancos e índios… Um alento, para todos, e em especial para aqueles que lá, guerreiros bravios, lutam em prol da causa Guarani; lá, em Mato Grosso do Sul, onde juízes decidem os processos de uma perspectiva tão divorciada da terra e dos humanos valores indígenas, a ponto de entenderem que quando a prova é apenas a "fala do índio", ainda que sejam dezenas deles, alega-se "falta de prova" para por fim ao caso… Afinal, para esse cego olhar da justiça de branco, palavra de índio não vale!

     

    Oxalá outras delegações de juízes se disponham a conhecer esse outro Brasil, de origem, profundo, desconhecido e desprezado. Quiçá outras Doras, Coras e Coralinas surjam por esse país afora e tenham a sensibilidade e coragem de expressar seus sentimentos com relação aos sofrimentos e injustiças sofridas pelos povos primeiros desse “grande país e tão pequeno para nós povos indígenas” (Marçal Guarani em sua fala ao Papa, em 1980).

     

    Egon Heck

    Povo Guarani Grande Povo

    Cimi 40 anos – início de maio de 2012

     

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  • 03/05/2012

    A realidade dos povos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul

    Ao visitar os povos Guarani Kaiowá em suas aldeias, deparamos com uma realidade totalmente diferente daquela que costuma ser divulgada. São pessoas alegres e preocupadas com a natureza, principalmente com a terra, que para eles é imaculada, tratam-na de uma forma nem sempre dada por nós, os “não índios” (termo dado por eles para o homem branco). Sua relação com ela vai muito além da subsistência; para eles, estar onde nasceram e viveram os seus antepassados é como estar sempre com eles, uma forma de manter suas tradições. Essa relação, contrastando com o jeito dos brancos de encarar a natureza, gera conflitos e uma questão muito grave, que é a violência contra os povos indígenas.

     

    Atualmente esses povos vivem a constante luta pela retomada das terras em que nasceram. Um dos casos acompanhados pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário do Regional Oeste 1 da CNBB (Mato Grosso do Sul), é o da aldeia Laranjeira Nhanderu, que fica no município de Rio Brilhante, a 35 km de Dourados (MS). Ali vivem 36 famílias compostas por 147 membros; o mais novo tem apenas alguns meses de vida e o mais velho é o Senhor Olímpio com 71 anos, o “nhanderu” ou “nosso pai”, que é o líder religioso.

     

    O cacique Farid Mariano, tem o sonho de sobreviver da terra, ter dela tudo o que necessitam para viver: plantar, pescar, caçar e assim seguir transmitindo aos novos a cultura e principalmente a língua. Para que isso realmente aconteça, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio precisa divulgar o relatório da perícia antropológica realizada no local, parte final do processo que identifica as terras pertencentes aos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

     

    Enquanto aguardam a decisão definitiva da Justiça Federal, eles vivem em um pequeno espaço da área a que têm direito, onde construíram uma grande oca que é utilizada para os rituais religiosos, reuniões e celebrações. O local está todo enfeitado, o que para eles também tem um significado especial já que vieram ao mundo para enfeitar. O que pode ser constatado também pelas roupas das mulheres e crianças da aldeia.

     

    Não muito distante dali, vivem outros membros do povo Guarani Kaiowá, os da aldeia Passo Piraju, no município de Dourados, com uma realidade diferente, porém com o mesmo problema da violação do direito à terra. Esse caso também é acompanhado pelo CIMI. Quem nos recebeu foi o cacique Carlito de Oliveira com uma reza muito bonita, modo como eles recebem os outros índios que os visitam.

     

    Ele vive sem poder sair ou transitar livremente, pois sofre punição da justiça por um triste fato ocorrido na aldeia, que resultou na morte de dois policiais e nove indígenas presos. Diante dessa situação, Carlito expressa sua visão sobre seu modo de viver no local: “vivemos como escravos, não podemos caçar, pescar, visitar nossos parentes. Se um índio é visto andando pela rodovia é jogado um caminhão em cima dele, é morto e depois falam que estava bêbado”.

     

    A luta pela retomada das terras segue na Justiça Federal. O cacique relata que foi expulso do local junto com seus pais e avós quando tinha 12 anos. Hoje com 71 anos, afirma que voltou para dentro da sua aldeia onde nasceram seus antepassados. “Minha roupa pode ser diferente das usadas pelos meus antepassados, mas a minha cor, minha voz e o meu coração são de índio”, diz com orgulho.

     

    Os próximos meses serão decisivos para as duas comunidades, espera-se que até o final de 2012 a Justiça Federal julgue definitivamente os casos, para que índios e não índios possam seguir suas vidas em suas terras.

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  • 03/05/2012

    Informe nº1011: Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe faz festa depois de decisão do STF e planeja ocupação territorial

    Renato Santana,

    de Brasília (DF)

     

    A tensão seguia depois de quatro meses de sucessivas retomadas e confrontos com pistoleiros – chamados de seguranças pelos fazendeiros. Com quase a totalidade dos 54,100 mil hectares reocupados pelos indígenas, os invasores expulsos tentavam recuperar algumas áreas, pois a intenção era evitar o fato consumado. Rumores diziam que nesta sexta-feira, 4, entraria na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) a votação da anulação dos títulos de posse incidentes em área indígena demarcada.

     

    Viaturas da Força Nacional e de tropas de elite da Polícia Federal circulavam pelos ramais que cortam a Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, extremo sul baiano, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe. Nas fazendas retomadas, indígenas mantinham-se atentos. Nas cidades de Pau Brasil, Itajú do Colônia e Camacan, cujas terras a área indígena se distribui, carros eram revistados e policiais se mantinham de prontidão.  

     

    Porém, mesmo com a movimentação fora do comum, a vida seguia seu curso sob o sol escaldante, que não perdoava nenhum dos lados de uma história de expulsões e esbulhos que há quase um século teve início e há 30 anos estava nas mãos do STF: a anulação dos títulos de posse de fazendeiros concedidos de forma ilegal pelo governo da Bahia na década de 1960, que tramitava como uma Ação Cível Originária (ACO) e tinha parecer favorável do relator, o ex-ministro Eros Grau.    

     

    Numa das escolas indígenas da aldeia Caramuru, retomada ainda nos anos 1980, cacique Ilza Rodrigues da Silva Pataxó Hã-Hã-Hãe conversava com as crianças quando recebeu a notícia: os ministros do STF tinham iniciado a votação da ACO e Carmem Lúcia estava pronunciando seu voto. Era quarta-feira, 2, e os indígenas foram pegos de surpresa. “Saímos correndo para confirmar, até que liguei para Itabuna e descobri que estávamos ganhando de dois a zero (Carmem Lúcia e Rosa Weber já tinham votado pela anulação)”, explica a cacique.

     

    Quem estava na roça largou a enxada, as aulas foram suspensas e a primeira roda de Toré foi armada. Do voto das ministras, seguiram os de Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Marco Aurélio Mello, que votou contra a anulação dos títulos e a favor dos invasores, Celso de Mello e o presidente do STF, Ayres Brito. Somado ao voto de Eros Grau, sete posições favoráveis ao pedido de anulação e apenas Marco Aurélio contra – o que não representou nenhuma novidade. Conforme lideranças indígenas, vitória sem precedentes, histórica e que recompensa as dezenas de mortes, entre elas a de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe, queimado vivo num ponto de ônibus em Brasília há 15 anos, enquanto realizava articulações entorno das terras de seu povo.   

     

    Surpresa e alegria

     

    Como não entrou na pauta, sempre publicada às sextas, os Pataxó Hã-Hã-Hãe não esperavam que os ministros fossem abordar a ACO. Porém, a ministra Carmem Lúcia pediu ao presidente do STF que a matéria que tratava da anulação dos títulos de posse de 186 fazendeiros invasores dos 54,100 mil hectares da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu fosse apreciada em face dos crescentes conflitos na região.

     

    Articulados, os ministros concordaram e Carmem Lúcia pronunciou seu voto. Argumentou, por uma hora, o que a levou a decidir pela anulação dos títulos. “O resultado foi muito bom, sentimos uma grande alegria. Eu não esperava que fosse uma decisão contrária. Não seria possível que depois de 30 anos de espera, de lutas e caminhadas o STF não fizesse justiça”, explica o cacique Nailton Muniz Pataxó Hã-Hã-Hãe.  

     

    O cacique lembra que se preocupava em morrer sem ver o fim da luta pela terra. Agora afirma que seus filhos e netos não derramarão mais sangue para tê-la. Nailton tem 65 anos e desde os 35 é liderança do povo. Sofreu ameaças, atentados e todo tipo de criminalização. Resistiu a tudo como tantas outras lideranças, mas viu dezenas de Pataxó Hã-Hã-Hãe tombarem pelas mãos dos pistoleiros.

     

    Por outro lado, o início das retomadas em janeiro pareceu um erro, porque o STF poderia entender como pressão. Ao menos assim algumas leituras foram feitas. Ocorreu exatamente o contrário: o ministro Ayres Brito frisou durante a votação que a constante luta pela ocupação do território mantém provas de que os indígenas estão vinculados a terra. Já o ministro Celso de Mello trouxe o indigenato (instituto que reconhece as terras indígenas como direito originário), criado no século XVII, frisando que as constituições que se seguiram só o reafirmaram.  

     

    Argumentos que desfizeram a defesa do ministro Marco Aurélio, que afirmou que os Pataxó Hã-Hã-Hãe não estavam sobre a terra na Constituição de 1967, avocando o conceito de temporalidade estabelecido pelas condicionantes da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e por isso os título não podiam ser anulados, pois são de boa fé.

     

    “Com essa decisão, fica claro para os fazendeiros que agora é um novo momento e que entendam que a terra é dos Pataxó Hã-Hã-Hãe. Nunca duvidamos disso. O que se precisa fazer agora é criar estratégias de ocupação, com aldeias e agricultura, para proteger o território”, destaca cacique Nailton.

     

    Ameaças e planos    

    Reginaldo Pataxó Hã-Hã-Hãe estava em Salvador quando recebeu a notícia de que os ministros do STF votavam a nulidade dos títulos. “Tentei manter a calma. Sabíamos que o STF não ia votar contra a gente, porque sempre tivemos certeza de que essa terra sempre foi nossa”, diz. Para o cacique, o desafio agora é recuperar a floresta, ressuscitar as nascentes dos rios e fortalecer o solo para a agricultura.

     

    Uma assembleia envolvendo todo o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe ocorrerá nos próximos dias para que caciques e lideranças decidam ao lado da comunidade os próximos passos. Os indígenas pretendem avaliar o processo das retomadas até o julgamento desta quarta-feira na sessão do STF. Além desses pontos, vão tratar da segurança: “Não podemos descartar que os pistoleiros queiram se vingar, que os fazendeiros estão mordidos com a derrota. Estamos atentos a qualquer tipo de agressão”, destaca cacique Reginaldo.

     

    Antes do julgamento, a posse de oito a dez fazendas era o que faltava para a todalidade do território estar com os Pataxó Hã-Hã-Hãe. Porém, as cerca de 20 mil cabeças de gado tinham sido retiradas, bem como os fazendeiros também não ocupavam mais as sedes das fazendas. Restavam apenas os ‘seguranças’ das áreas.  

     

     

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  • 03/05/2012

    CPT lançará o relatório Conflitos no Campo no Brasil 2011: 07/05, às 09h30, na CNBB

    No dia 07 de maio, próxima segunda-feira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançará sua publicação anual, Conflitos no Campo Brasil 2011. É a 27ª edição do relatório que concentra dados sobre os conflitos, violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais e suas comunidades, e pelos povos tradicionais, em todo o país. O relatório elenca também algumas ações dos homens e mulheres do campo na busca e defesa de seus direitos. O lançamento se realizará na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, às 9h30. Estarão presentes ao lançamento, o conselheiro permanente da CPT, Dom Tomás Balduino, o secretário geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, o presidente da Comissão para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, Dom Guilherme Werlang, os membros da coordenação executiva nacional da CPT, o secretário da coordenação nacional da CPT, Antônio Canuto e o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Walter Porto Gonçalves. O lançamento terá a presença, também, de Laísa Santos Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo que, juntamente com seu marido, José Cláudio, foi assassinada em uma emboscada no Pará, em maio de 2011. Laísa está sendo ameaçada de morte. Também estarão presentes a quilombola, Zilmar Pinto Mendes e Diogo Cabral, advogado da CPT, ameaçados de morte no Maranhão. E está sendo aguardada a presença de Valmir, indígena Guarani Kaiowá, filho do cacique Nísio Gomes, assassinado em novembro de 2011, no Mato Grosso do Sul.  

     

    Na mesma data, a CPT entregará o relatório à ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o protocolará nos ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia, e na Secretaria Geral da Presidência da República.  

     

    Conflitos no Campo Brasil 2011

     

    O relatório registra 29 trabalhadores rurais assassinados em conflitos no campo no ano de 2011. Um número menor que no ano anterior, quando foram assassinados 34 trabalhadores. Entretanto, houve um grande aumento no número de trabalhadores e trabalhadoras ameaçadas de morte, de 177,6%. Além disso, os conflitos no campo, em especial os conflitos por terra, tiveram acentuado crescimento.  

     

    Violência volta a assustar em 2012

     

    O ano de 2012 se inicia com mais violência no campo. Somente nos quatro primeiros meses do ano, 12 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinadas em conflitos no campo. No mesmo período do ano passado, 8 haviam sido assassinados. Muitos trabalhadores, indígenas, militantes, sindicalistas e lideranças continuam sendo ameaçados. O caso da trabalhadora do sul de Lábrea (AM), Nilcilene, é um exemplo. Ameaçada, depois de muita insistência junto a órgãos do governo, conseguiu proteção policial da Força Nacional, que foi para a região monitorar os conflitos. Nesse mês de abril último, tanto a Força Nacional quanto Nilcilene tiveram que sair da região. As ameaças passaram a ser destinadas, também, a membros da Força. Segundo relatos, os pistoleiros se organizavam para matar Nilcilene e os seguranças que estivessem com ela.  

     

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    Serviço: Lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil 2011

     

    Quando: 07 de maio (segunda-feira), a partir das 9h30.

     

    Onde: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – SE/SUL, Qd. 801, Conj. B – Brasília (DF).  

     

    Informações:

    Assessoria de comunicação da CPT, com Cristiane Passos (62 8111-2890 / 9268-6837) e nos fones (62) 4008-6406/6412.

    A partir do dia 07, todos os dados estarão disponíveis na página da CPT na Internet: www.cptnacional.org.br

    @cptnacional

     

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