• 23/04/2012

    Informe nº 1.010: Povo de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe segue firme na luta pela Terra Sem Males

    Por Renato Santana,

    de Itabuna (BA)

     

    “A minha aldeia tem

    Belezas sem plantar

    Eu tenho o arco, eu tenho a flecha, eu tenho a raiz para curar

    Viva Jesus, Viva Jesus, Viva Jesus

    Que nos veio trazer a luz”

    Toré Pataxó Hã-Hã-Hãe

     

    Ao invés do mármore frio, os túmulos dos cemitérios da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, sul da Bahia, se misturam à mata. Quanto mais velho é o morto, mais a vegetação se espraia sobre a terra. Longe de ser sinal de abandono, para o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe é o cumprimento da profecia do ancião Samado Bispo dos Santos, uma das tantas lideranças que empenharam a própria vida na retomada completa do território indígena: sirvo de adubo para essa terra, mas daqui não saio. Num desses lugares sagrados, onde os índios se misturam ao seu bem mais precioso, está Galdino, morto há 15 anos, depois de ser queimado por cinco jovens de classe média alta, num ponto de ônibus da capital do país.

     

    Familiares de Galdino: a filha, o neto, o genro
    e a viúva.

    Galdino é índio Pataxó Hã-Hã-Hãe. De forma tímida, alguns jornais lembraram os 15 anos da morte do indígena, mas sem o atrelar aos episódios recentes no sul da Bahia. O que era para ser uma data simbólica de renovação do compromisso do Estado com os povos indígenas, tornou-se apenas mais uma praça no local em que o índio foi martirizado. Nem mesmo a terra pela qual Galdino lutava em Brasília foi garantida pelas autoridades. Porém, 15 anos depois do assassinato do indígena, estando impunes os que o mataram e invadiram suas terras, o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe decidiu por reocupar cada palmo dos 54,105 mil hectares da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu. Desde janeiro, o número de áreas retomadas passam de 70. Como acontece há quase um século, a caminhada rumo à plenitude do território tradicional é marcada pela violência e criminalização.

     

     

    Na entrada do município de Pau Brasil, um grupo da tropa de elite da Polícia Militar baiana, fortemente armado, revista veículos e indaga os ocupantes. Desde o início das retomadas indígenas, Pau Brasil, Itajú do Colônia e Camacan, cidades que abrangem a terra indígena, foram invadidas por pistoleiros, na maior parte das vezes tratados como seguranças das fazendas. São estes jagunços, com armas de grosso calibre, conforme revelou matéria do jornal Folha de S. Paulo na edição do dia 21 de abril, que vão para o confronto com os indígenas. Na mesma reportagem, fazendeiros afirmam que pretendiam retirar os indígenas da fazenda para não dar a entender ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vota a nulidade dos títulos dos invasores, que a questão já está resolvida. Desde a primeira retomada dos Pataxó Hã-Hâ-Hãe, estes ‘seguranças’ já executaram em emboscadas mais de 30 lideranças do povo. Como ainda restam áreas não retomadas, os pistoleiros ficam pela cidade, ameaçando moradores, ou buscando se entrincheirar nas fazendas em posse dos invasores.

     

    Se por um lado a pistolagem faz parte do cotidiano dos indígenas, notícias plantadas na imprensa baiana, sobretudo pela Rede Globo, reverberam declarações de líderes de sindicatos rurais dando conta de que os Pataxó Hã-Hã-Hãe são invasores de terras, assassinos e uma ameaça para a vida social e econômica da região. Os indígenas nunca recebem espaço equânime e informações oficiais da polícia que desconstroem as acusações são omitidas. Em conversa informal, a delegada da Polícia Federal de Ilhéus Denise Dias afirma que os policiais nunca comprovaram a existência de reféns nas áreas retomadas pelos indígenas e tampouco as denúncias de sequestros, desaparecimentos e assassinatos de fazendeiros ou trabalhadores rurais. No entanto, é taxativa ao dizer que os dois lados estão armados.

     

    “Os índios não mataram nenhum fazendeiro e nenhum pistoleiro. Em todos esses anos de luta, foram mais de 30 lideranças nossas assassinadas. Fizemos o trabalho sem matar ninguém, porque fazemos pelo sangue derramado do nosso povo. Totalmente diferente do que eles contam”, justifica o cacique Nailton Muniz Pataxó Hã-Hã-Hãe. O povo possui mais de um cacique e Nailton é um dos mais antigos. Ele lembra do massacre sofrido por seu povo para justificar a recente onda de retomadas: “Sentimos também o desejo de políticos nas nossas terras e isso acumulou em nós a preocupação de nunca mais a termos. Fora o projeto de uma hidrelétrica no rio Pardo. Nós sabemos que se for realizada essa construção, uma parte importante da nossa terra se perderá”, pontua. Não se esquece de Galdino e de outros mortos na luta pela terra: “Completa agora 15 anos da morte de Galdino. Queria ter aqui a alegria de estar em paz em nosso território. Queria ver os assassinos do Galdino e de outras lideranças presos. Queríamos prender o fazendeiro que castrou o índio Djalma, que arrancou suas unhas, arrancou os dentes, o couro cabeludo, que o fez engolir os testículos e um quilo de sal até morrer”.

     

    Cacique Ilza Rodrigues da Silva salienta que as ocupações foram pacíficas, mas a postura dos jornais e das elites agrária e política é de criminalizá-los. A Polícia Federal acompanha de perto as ações, assim como a Fundação Nacional do Índio (Funai) está sempre nas retomadas. A comunidade indígena, conforme Ilza, é bem vista pela população de Pau Brasil, um dos rebolos do conflito, porque sabe que os indígenas são importantes para a cidade. “Acusam os índios de praticar mortes, como a de Ana Maria que foi pelas mãos dos pistoleiros. Queremos que investiguem. Os fazendeiros dizem que são seguranças: eu penso que segurança é a polícia, o que tem ali são pistoleiros. Não queremos tirar a vida de ninguém, não temos esse direito. O direito que nós temos é sobre a terra. À vida todos têm direito, assim como nós índios”, diz.

     

    Vaqueiros retiram parte das 20 mil cabeças de
    gado de uma das fazendas retomadas

    A situação de ocupação do território pelos indígenas nunca é fixa. Algumas fazendas retomadas foram recuperadas pelos pistoleiros, sobretudo na região do rio Pardo. O que é certo é que não há mais fazendeiros, trabalhadores ou gado nas áreas. Conforme o cacique Gerson de Souza Melo, dos 54 mil hectares, ao menos 50 mil estão na posse dos indígenas. Por isso os conflitos são permanentes, caso do indígena baleado na perna enquanto pescava numa das fazendas, do incêndio no pasto em área retomada pelos indígenas e de um caminhão de fazendeiro também incendiado. 

    Memória e resistência

     

    Como num eclipse alinhando a terra, o sol e a lua, outras datas se somam aos 15 anos da morte de Galdino e representam a memória usada pelos indígenas para, desde 1º de janeiro deste ano, tocarem uma série de retomadas que garantiram a ocupação de quase a totalidade das áreas invadidas por fazendeiros desde a década de 1940. Tais invasões foram facilitadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que passou recibos de arrendamentos de lotes da terra indígena aos latifundiários, mesmo com ela demarcada e já da União. Duas décadas depois, nos anos 1960, a ocupação irregular motivou o então governador baiano Antônio Carlos Magalhães a emitir títulos de posse ilegais aos ‘proprietários’ para ‘legalizar’ a situação dos invasores. A justificativa era de que naquela região os índios estavam extintos. São esses títulos que estão em votação pelos ministros do STF, que decidirão se eles são válidos ou não. O processo corre desde 1982, ou seja, há 30 anos.   

     

    No último dia 20 de abril, os Pataxó Hã-Hã-Hãe trouxeram à memória do povo os 20 anos da morte da índia Barretá, retirada da condição de isolamento pela equipe de atração de José Brasileiro, homem do SPI no Posto Indígena Caramuru que coordenou o arrendamento da terra indígena. Barretá falava a língua Pataxó Hã-Hã-Hãe e antes de morrer, já com idade bem avançada, deixou uma cartilha oral, subsídio usado nas tentativas de se recuperar a fala do povo. A índia foi retirada da mata à força ao lado de outros índios, entre eles Onhak, Zé Índio, Maria Butx e Txitxiá. Juntos viviam numa aldeia chamada Pedra do Couro Danta, na base de um grande rochedo. A área estava dentro das 50 léguas em quadra (mais de 200 mil hectares) proposta inicialmente pelos trabalhos fundiários de 1926, que a demarcação de 1936 reduziu para 54 mil hectares e deixou de fora a aldeia. A violência na região, portanto, atende aos casos mais clássicos de massacres cometidos contra as populações indígenas nas Américas.  

     

    Grupo Pataxó Hã-Hã-Hãe em fazenda retomada no
    último domingo. Fotos: Renato Santana

    O cacique Nailton, como todos na Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, desde pequenos convivem sob esse estigma. Nailton nasceu numa aldeia chamada Rancho Queimado, que tem esse nome pelo fato de que no lugar foi construído um rancho para os marcadores delimitarem a terra indígena, em 1926. Os fazendeiros atearam fogo na moradia e daí surge a denominação da aldeia. Apenas dez anos depois os trabalhos foram retomados. Iline Brasileiro da Silva lembra o período posterior à demarcação. Durante a década de 1940 ele viveu no posto indígena ao lado de seu pai, José Brasileiro. “O SPI mandava arrendar as terras. Foram muitas mortes mesmo. Todo fazendeiro era arrendatário e os que não eram meu pai expulsava”, lembra Iline numa esquina pacata de Itaju do Colônia.

     

     

    Era um tempo, de acordo com depoimentos deixados por Barretá, em que os indígenas chamavam seus algozes, fossem da SPI ou fazendeiros, de papai. “Ela dizia que os castigavam amarrando-os na árvore (que está na aldeia até hoje) sob o sol, com espancamentos e davam sal para eles comerem. Nesse sofrimento, os índios choravam e chamavam: papai, papai, papai. Tudo isso justifica retomarmos o que é nosso e foi roubado com muito sofrimento do nosso povo”, ataca o cacique Reginaldo Pataxó Hã-Hã-Hãe.

     

    Ele aponta a aldeia Barretá como o marco zero da posse dos indígenas sobre o território, pois ali foi montado o Posto Indígena Caramuru, foram feitas as atrações e dali as medições da terra partiram. Ele explica que o objetivo das retomadas não é só para garantir a posse da terra, mas também as riquezas naturais que existem já reduzidas pela ação depredatória da pecuária. “Nos preocupamos em reocupar a área até que o STF julgue. Assim podemos garantir que as terras estejam em nossas mãos. Queremos garantir aos nossos filhos a posse da terra e a recuperação das riquezas naturais”, define. Reginaldo salienta, no entanto, que as retomadas trouxeram ameaças e hoje não se pode caminhar pelos municípios do entorno.

     

    “Esses dias saiu matéria de demissões no comércio e usaram um lugar que já estava fechado há muitos e muitos anos. Dados do IBGE de 2010 mostram que os índices sempre foram baixos em Itjau do Colônia, por exemplo. O município vive de receita do governo federal e não tem nada que cria receita. Há sim um latifúndio criador de gado; esses bois não ficam no município e tampouco trazem recursos. Com essas terras em nossas mãos, vamos gerar renda para o município, porque defendemos a diversidade e a não exploração capitalista das terras. Com fé em Tupã vamos vencer”, ressalta.

     

    Depoimento: ameaças de morte e medo

     

    Cacique Gerson Pataxó Hã-Hã-Hãe: 

     

    “Eu já fui sequestrado por fazendeiro, preso duas vezes, saí em porta mala de fusca da cidade. Depois que me elegi vereador, o carro da Funai que me levava para as sessões e buscava. Foi atacado e ficou crivado de tiros. Tem um pistoleiro chamado de Remilson e mandou recado dizendo que só sai da área quando estourar minha cabeça. Já me caçaram na estrada. Corro risco de morte. Isso já vem de muitos anos. Eu estou com medo de morrer”.

     

    “A violência aumentou. Não deixam nem o carro pipa entrar na área para trazer água para a comunidade. Estamos com 1.200 alunos sem estudar, porque não podem sair da terra indígena. Esperamos que o julgamento saia logo. A terra da gente foi demarcada em 1936. Essa ação que está no supremo é para julgar nulidade de título, não a demarcação. Então, como é que o STF vai julgar como legítimo os títulos se a terra é da União? Como o governo da Bahia dá título de uma terra que não é dele? Pedimos aos ministros que pensem nisso”.

     

    As declarações são ainda mais contundentes quando se observa o tempo levado para a decisão da Justiça. No processo do STF está claro: dos 396 réus do processo, 336 já foram indenizados. A maioria não possui títulos de posse e já foram até indenizados pela Funai. Além disso, quatro perícias foram feitas e que comprovaram a ocupação nos 54,105 mil hectares. “Numa das fazendas do Durval Santana que ainda não retomamos está um dos marcos”, se indigna Gerson. O sentimento se expande aos outros caciques. Caso do jovem Josivaldo Reis dos Santos.   

     

    “Aqui queremos a terra. Índio não quer casa bonita, sede de fazenda. Queremos a terra, que é nossa. Somos um povo de raízes e aqui é nossa casa. Perto dos dez anos de idade começo a lembrar de muita gente que morreu. Samado, meu avô, foi preso pelos homens de Geno (primeiro fazendeiro de quem os indígenas retomaram terras) e trancado dentro de um banheiro cheio de imundices. Isso é considerado tortura hoje em dia. Os mais velhos correram longas datas pelo mato para fugir de pistoleiros”, encerra Josivaldo.

     

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  • 23/04/2012

    Cimi: todos aos 40

    Brasília, ainda criança, completava seus dez anos, quando duas dezenas de missionários e bispos se reuniam, sob os ventos auspiciosos e renovadores do Concílio Vaticano II e as desafiadoras verberações dos antropólogos em Barbados. Porém, o então secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ivo Lorscheiter, fizera a convocação com mais uma preocupação, que era a tramitação no Congresso Nacional, do Estatuto do Índio, que estava para ser aprovado.

     

    Foi nesta conjuntura que de 21 a 23 de abril de 1972, na sede do Antrophos em Brasília se realizou o terceiro encontro de missionários. Além dessa pauta de urgências da conjuntura, em plena ditadura militar, no “milagre brasileiro”, desenvolvimentismo, “ame-o ou deixe-o”, os missionários sentiram a necessidade urgente de enfrentar o desafio de mudanças profundas na sua forma de estar junto aos povos indígenas, através de alguma forma de organização e articulação. Já havia sido descartada a proposta de “diocese pessoal” à semelhança do que acontecia com relação aos militares, com um bispo responsável pela questão indígena em todo o país. Surgiu então a ideia de se conformar um Conselho congregando os missionários e estudiosos que pudessem ajudar na definição de formas de atuação mais coerentes, às luzes do Vaticano II e das conferências Episcopais de Puebla e Medellín, além de dar respostas concretas à realidade de morte e agressões e violências perpetradas contra a maioria dos povos indígenas do Brasil. Seria uma espécie de equipe assessora e animadora dos missionários.

     

    Foi então que constituíram o Conselho Indigenista Missionário, no final do encontro, naquele dia 23 de abril. Já como primeira incumbência de contribuir com a proposta de Estatuto do Índio, construir um regimento interno e organizar encontros dos missionários, o Conselho iniciou suas atividades. Pe. Jaime Venturelli, salesiano, foi seu primeiro presidente. Tempos depois pediu demissão, pois a entidade passou a andar por caminhos – denúncias de violências, organização de equipes volantes de levantamento da realidade, críticas severas à política indigenista do governo, dos quais ele discordava. Nascia assim o Cimi, numa realidade de contradições, violências, genocídio. Na ata de fundação, além do secretário da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, estavam Dom Tomás Balduíno, Dom Eurico Kräutler (tio do atual presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler), Dom Pedro Casaldáliga, Dom Geraldo Sigaud, Dom Henrique Froehlich, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, Dom Luiz Gomes de Arruda e Dom Estevão Avelar.

     

    Nascia assim uma entidade que marcou decisivamente o indigenismo brasileiro e a presença missionária da Igreja Católica junto aos povos indígenas no Brasil. Como pastoral de fronteira, profética, com vários missionários dando seu testemunho com o sangue derramado pela vida dos povos indígenas, o Cimi, assim como a Comissão Pastoral da Terra, que nasceu em 1975, se constituíram sob o signo do testemunho radical de compromisso com a vida, ao lado dos mais oprimidos e marginalizados deste país.

     

    “Indignados, comprometidos e esperançosos”

     

    Com essas palavras, Dom Pedro Casaldáliga se referiu aos missionários do Cimi, por ocasião da celebração dos 40 anos de existência. Ao lembrar a atuação do Cimi nestas quatro décadas marcadas pelo profetismo, radicalidade do Reino, testemunho silencioso na encarnação-inculturação junto às comunidades indígenas, martírio, não deixou de mencionar as contradições e erros cometidos por missionários nesta caminhada. Porém, a celebração dessa memória também nos deve remeter a uma profunda avaliação para não apenas lembrar vitórias dos povos indígenas e nossa contribuição corajosa, teimosa e destemida, movidos pela opção radical pela vida, uma nova sociedade, a fé que nos impulsiona e alimenta, para definir os próximos passos, as novas estratégias de atuação.

     

    Dom Pedro não podia deixar de mencionar duas dimensões muito presentes, buscadas em meio a muitas dificuldades, o “macro-ecumenismo”, diálogo intereligioso, em sintonia e com o processo de luta dos povos indígenas em todo o continente, na construção de um novo projeto de sociedade baseado nas experiências milenares do Bem Viver dos povos primeiros destas terras.

     

    Para os aproximadamente 300 missionários indigenistas articulados no Cimi por esse Brasil afora, hoje é uma data especial. Lembramos centenas de aguerridos lutadores que não hesitarão em deixar o caminho fácil do sistema neocolonial e deram sua vida pela causa dos povos indígenas, seus direitos, suas terras, seus projetos de Bem Viver. Celebramos a vida e a esperança, renovando nosso compromisso com a causa dos povos indígenas, do Reino de justiça, de vida plena, de solidariedade e de paz.

     

    Egon Heck

    Cimi 40 anos, Goiânia 23 de abril de 2012.

    Povo Guarani Grande Povo

     

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  • 21/04/2012

    Por uma nação multi-étnica, multicultural, democrática e popular

    Contra a ADIN racista, em defesa das terras quilombolas e indígenas, em defesa dos direitos dos trabalhadores e da Comunidade LGBT

     

    Nós,

    Da Frente Indígena, Negra e Popular,

    Da equipe CIMI Sul – Porto Alegre,

    Da Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas,

    Da Resistência Indígena Continental,

    Do Instituto Cosmologia da Floresta Continente Sul Intercontinental,

    Do Movimento Indígenas em Ação,

    Do Comitê Popular da Copa do Centro de Porto Alegre;

     

    Protestamos contra:

     

    – As ações desenvolvidas pelos ruralistas do agronegócio exportador, madeireiras, carvoarias, mineradoras e empreiteiras que, aliados as bancadas evangélicas pretendem tornar sem efeito a legislação (Decreto Federal 4887/2003), que regulamenta o processo de titulação das terras quilombolas e indígenas. Neste sentido, impetraram, através do Democrata, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3239), que está sendo julgada hoje, dia 18, no Superior Tribunal Federal.

     

    – A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que transfere do Executivo para o Congresso Nacional o poder de reconhecer e demarcar as terras indígenas e quilombolas, bem como de definir políticas para atender os direitos desses povos, podendo até terceirizar serviços e trabalhos.

    – A ação deste agrupamento reacionário que pretende modificar o Artigo 225 da Constituição Federal e mudar o Código Florestal, retirando, assim quais impedimentos a expansão dos interesses dos ruralistas e do agronegócio, avançando para destruir nossas florestas, rios, vida indígena e quilombola.

     

    – A degradação ambiental associada aos Programas de Aceleração do Crescimento – PAC I e PAC II – (cujos maiores exemplos são UH Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco), a tentativa em transformar o Código Florestal em Código Agrícola, enfraquecendo a soberania alimentar, prejudicando a agricultura familiar e orgânica, a defesa das sementes crioulas e a luta contra os organismos geneticamente modificados.

     

    – O genocida Decreto 7056/09 que extinguiu postos e administrações regionais da FUNAI, deixando funcionários sem lotação causando a morte de centenas de indígenas ao por fim a direitos básicos, como o direito à Saúde e à Educação, entre outros tantos.

     

    – Que as demarcações, reconhecimento e titulação de terras dependem da luta dos povos, vitimando diversas comunidades indígenas e negras. No Rio Grande do Sul esta política nacional e estadual tem vitimando famílias Guarani e Kaingang. Existem dezenas de indígenas, negros e pobres brancos vivendo embaixo de pontes, à beira de estradas, sem nenhuma assistência e água potável. Os indígenas que vendem artesanatos são perseguidos na em Porto Alegre, sendo necessária a construção de um quiosque para que possam comercializar sua arte indígena e consigam valorização da cultura ancestral. Os quilombos rurais estão relegados à miséria.

     

    – O governo do estado do Rio Grande do Sul que vem pedindo publicamente a paralisação das demarcações das terras e exigindo que a FUNAI não crie os grupos de trabalhos para proceder aos estudos de identificação e delimitação das terras que ainda não foram oficialmente reconhecidas como indígenas, fazendo coro, como se vê, aos interesses do grupo reacionário que tem agido no país.

     

    – O fato de que, em nenhum momento a FUNAI (órgão indigenista responsável pela demarcação de terras indígenas), e a Sesai – Secretaria de Atenção à Saúde Indígena -, (órgão responsável pela assistência a estas comunidades), demonstraram interesse em atender as nossas reivindicações indígenas e cumprir com suas responsabilidades.

     

    – A situação em quase todas as ocupações Guarani no RS é gravíssima. As águas dos rios e córregos estão contaminadas pelos dejetos das lavouras e das fábricas. As crianças, homens e mulheres estão doentes por causa desta realidade, e o governo federal desestrutura a FUNAI e as possibilidades de atendimento à saúde indígena, e o governo do estado apóia a ação do agronegócio.

     

    – A postura arrogante da Cúria Metropolitana de Porto Alegre que assume seu passado genocida exibindo na fachada da base de sua Catedral a figura de cabeças indígenas de etnias diferentes que foram massacrados ao longo da história da formação social do estado exatamente pela aliança desta igreja com os poderosos de sempre. Demonstrando mais um descaso com a história de opressão aos povos indígenas, o Museu Antropológico do Rio Grande do Sul está fechado e a Biblioteca de Porto Alegre está desativada apesar de conter rico acervo sobre história dos povos e culturas pré colombianas.

     

    – A heteronormatividade, o racismo e qualquer tipo de preconceito de institucional. Exigimos o cumprimento da Lei e o respeito ao direito histórico, ao direito à vida e ao direito de livre orientação sexual.

     

    – O preconceito à comunidade LGBT e o impedimento organizado para impedir, no Congresso Nacional, o avanço da Legislação protetiva a esta população, em especial a obstrução da PLC 122/06, que transforma a homofobia em crime e a legislação que regulamenta o casamento homossexual.

     

    – As ações contra o povo negro, indígenas, pobres, LGBT são movidas pelas bancadas conservadoras e fundamentalistas e pelos ruralistas do agronegócio exportador. Madeireiras, carvoarias, mineradoras e empreiteiras têm tido apoio de parlamentares visando mudar a legislação e contam com apoio de governos municipais, estaduais e federais, em prejuízo do ecosistema e do desenvolvimento sustentável.

     

    Reiteramos que as ações que procuram desmobilizar e destruir nossos povos são movidas pelos ruralistas do agronegócio exportador, pelas madeireiras, pelas carvoarias, pelas mineradoras e pelas empreiteiras, com o apoio de parlamentares para mudar as legislações, e o aval de governos municipais, estaduais e federal.

     

    Esses empresários e políticos usam a boa fé de todos e o amor do povo por determinados valores, como o futebol, para fazer dele mais um grande negócio, desta vez, de tal magnitude que pretendem ocupar grandes espaços de terra, expulsando grande contingente de famílias de suas moradias pobres, realizando uma higienização urbana e rural, para realizarem seus mega projetos, sem nenhuma preocupação real com populações inteiras, tradicionais, que habitam estas áreas há dezenas de anos.

     

    Por fim, exigimos nosso:

     

    – Direito à terra ancestral indígena e quilombola;

    – Direito de exercer livremente sua orientação sexual,

    – E não aceitamos o retrocesso social preconizado pelo bloco político do mal, o racismo, o sexismo, a homofobia e o preconceito institucional e exigem o respeito aos direitos históricos, humanos, à vida e o cumprimento da lei.

    – Mobilizados, aguardamos respostas dos governos e a derrota da ADIN 3239 que está sendo julgada hoje, dia 18, no Superior Tribunal Federal.

     

    Porto Alegre, RS, 18 de abril de 2012.

     

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    Contatos:

    Frente de Luta Quilombola, Indígena, Negra e Popular de Porto Alegre – http://frentequilombola.wordpress.com/

    Instituto Cosmologia da Floresta Continente Sul Intercontinental – tvashaninka.blogspot.com

    Blog Resistência Indígena Continental – resistenciaindigenacontinental@gmail.com

    Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas – http://www.grumin.org.br

     

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  • 20/04/2012

    Nota de reivindicação dos Povos Indígenas de Alagoas

    Nós Povos Indígenas, Jeripankó, Kalankó, Karuazu, Katokinn, Koiupanká, Tingui-Botó, Xukuru-Kariri e Wassu-Cocal do Distrito Sanitário Especial Indígena de AL/SE, ocupamos na tarde da quarta-feira, 18, o prédio da FUNASA em Maceió, Alagoas. Com o objetivo de reivindicar melhorias na saúde dos povos indígenas desse distrito:

     

    – Rever o modelo de atenção à saúde dos Povos Indígenas, ouvindo as comunidades;

     

    – Reforma e construção dos pólos e posto nas aldeias;

     

    – Contratação dr motoristas;

     

    – Garantia de medicamentos;

     

    – Contratação de recursos humanos de acordo com as necessidades de cada Povo;

     

    – Garantia de transporte para atender as demandas em trânsito;

     

    – Revisão do convênio com a IMIP – Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueiredo;

     

    – Garantia do atendimento efetivo de média e alta complexidade;

     

    – Melhoria da área de saneamento básico.

     

    Durante 11 anos de vigência, o modelo de atenção à saúde dos Povos Indígenas, não satisfez as necessidades de nossas comunidades como definido nas conferências nacionais de saúde indígena.

     

    Mais uma vez se comprova que não se tem o quer comemorar em mais um 19 de abril.

     

    Assinam os povos Indígenas de Alagoas:

     

    Maceió-AL, 19 de abril de 2012.

     

    Jeripankó, Kalankó, Karuazu, Katokinn, Koiupanká, Tingui-Botó, Xukuru-Kariri e Wassu-Cocal.

     

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  • 19/04/2012

    Documentário sobre luta Guarani-Kaiowá recebe Prêmio Margarida de Prata

    Amanhã, 20, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil entregará o Prêmio Margarida de Prata de melhor a média-metragem para o documentário "À Sombra de um Delírio Verde".

     

    Além de "À Sombra de um Delírio Verde", os filmes: "As canções", de Eduardo Coutinho; "Diário de uma busca", de Flávia Castro; e "A música segundo Tom Jobim", de Nelson Pereira dos Santos, foram agraciados com o "Margarida de Prata" de melhor longa-metragem.

     

    “À Sombra de um Delírio Verde” (The Dark Side of Green) é uma produção independente realizada sem recursos públicos, de empresas ou do terceiro setor. Trabalharam de forma associada à repórter televisiva belga An Baccaert, o jornalista Cristiano Navarro e o repórter cinematográfico argentino Nicolas Muñoz.

     

    O filme começou a ser rodado nas aldeias da região sul do Mato Grosso do Sul, em abril de 2008, e contou com apoio da Associação de Professores Guarani Kaiowá, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), CESE e da Foodfirst Information & Action Network (Fian international). Sua finalização, feita de maneira “quase artesanal”, e a primeira apresentação em público foi no 23º Festival Cinémas d’Amérique Latine 2011, Tolouse, França .

     

    Sete músicas de fundo foram compostas especialmente para o documentário por Thomas Leonhardt. O grupo de hip-hop Bro MC, que canta a música No Yankee, é formado por jovens Guarani Kaiowá de comunidades das aldeias de Dourados, Mato Grosso do Sul.  A narração em português fica por conta da cantora Fabiana Cozza.

     

    O documentário possui versões em espanhol, francês, inglês e alemão e pode ser visto no link: http://vimeo.com/midialivre/videos

     

    Mais do que um simples produto audiovisual, os realizadores do filme têm como expectativa utilizar o documentário para fazer uma denúncia internacional sobre a grave situação em que vive o povo Guarani-Kaiowá, apoiando assim a sua luta pela reconquista de seu território tradicional.

     

    A premiação será transmitida pela Rede Vida, na sexta-feira, às 20h30.

     

    Ficha técnica:

    Título Original: À Sombra de um Delírio Verde Documentário (The Dark Side of Green)

    Gênero: Documentário

    Produção: Argentina, Bélgica, Brasil

    Tempo de Duração: 29 min.

    Ano de Lançamento: 2011

    Direção, produção e roteiro: An Baccaert, Cristiano Navarro e Nicolas Muñoz

    Narração em Português: Fabiana Cozza

    Música composta por Thomas Leonhardt

     

    Festivais selecionados:

    23º Festival Cinémas d’Amérique Latine

    5º Festival de Cinema da Floresta

    Festival ALIMENTERRE 2012: Sélection du film

    Festival de cinema indígena e quilombola "Prêmio Anaconda"

     

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  • 19/04/2012

    Cimi Regional Maranhão – Dia 19 de abril, dia de todos os povos da terra!

    Hoje se celebra o Dia do Índio. Neste dia, mas não somente hoje, somos convidados a nos comprometer com a vida de todos os Povos da Terra, da qual viemos e para a qual retornaremos, que alimenta a todos e, por isso mesmo, é Mãe na concepção dos povos indígenas. Há o que se alegrar e há muitos motivos para protestar. Alegremos-nos pelos mais de 800 mil indígenas do país, somando mais de 230 povos, em sua diversidade linguística e cultural, pelos mais de 60 povos que vivem em isolamento. Parabéns Brasil! Somos um país plural! Vivamos a diferença presente na diversidade! Como se valoriza e se comemora tanta riqueza? Nos discursos generalizados sobre diversidade e sustentabilidade? Ou na demonstração das relações que estabelecemos com os nossos irmãos brasileiros e brasileiras?

     

    Os indígenas e aliados da causa, conclamam a sociedade brasileira, a dizerem a este país que todo dia é dia de índio e assim deverá ser com o nosso apoio a essa minoria grandiosa; pois se depender dos ruralistas no Congresso Nacional, a identidade indígena e sua visão de Terra Mãe estarão com os dias contatados se a PEC 215/2000 vier a ser aprovada. Os indígenas conquistaram a Terra, com muito sangue e resistência, sobre a qual podem continuar a perpetuar sua identidade e sua relação de filhos com a Mãe. Para esses congressistas, a terra é uma escrava que deve ser pisoteada, arranhada e envenenada até os confins que o homem ‘branco’ puder chegar, inclusive, avançando sobre as terras indígenas já demarcadas. Pretendem fazer isso retrocedendo a luta e os direitos constitucionais indígenas por meio de propostas de emendas constitucionais e projetos de leis, sendo a PEC/215 a mais perniciosa, que busca inviabilizar o reconhecimento dos territórios indígenas, quilombolas e reservas ambientais.

     

    Mais do que nunca, as minorias que mais dependem da Terra para viver precisam da solidariedade da sociedade brasileira. No Maranhão com a luta dos nossos irmãos Kanela, Apajekra e Hankokrameka, Guajajara, Gavião/Pukobiê, Awa-Guajá e Krenyê, em seus processos de luta pela manutenção da Terra Mãe. Todos que quiserem podem ajudar escrevendo uma carta ao ministro da Justiça, solicitando:

     

    – que prossiga com a demarcação da Terra Porquinhos, do povo Kanela, e da Terra Bacurizinho, do povo Guajajara, visto que não há nenhum impedimento legal;

     

    – que a Funai determine a retomada dos estudos por parte do Grupo de Trabalho, objetivando concluir a demarcação da terra indígena Governador, em Amarante, também sem nenhum impedimento legal;

     

    – a desintrusão da Terra Indígena Awa, do povo Awa-Guajá, que possui uma realidade que beira o extermínio de seus membros e de sua floresta, exigindo que seja cumprido o prazo de um ano, a partir de dezembro de 2011, de acordo com a decisão do TRF da 1ª Região (Brasília) para a retirada dos invasores, tendo as apelações contrárias sido negadas na decisão;

     

    – agilidade no processo de reconhecimento do território Krenyê, que possuem famílias amontoadas na periferia de Barra do Corda.

     

    Escreva ao parlamentar de sua região/localidade, exigindo que se oponha a projetos de lei que visam subtrair (como a PEC 215), como também exija do governo da presidenta Dilma Rousseff que mobilize sua base no Congresso Nacional para que tais propostas de emendas constitucionais não sejam aprovadas.

     

    Fiquemos atentos às campanhas antiindígenas desenvolvidas nos meios de comunicação, da qual vêm sendo vítimas os povos indígenas. Rechacemos campanhas travestidas de defesa à soberania nacional e a favor dos pequenos e contra o ‘privilégio’ dos índios. Desconfiemos de quem as promove e quais seus reais interesses. Rechacemos a venda indiscriminada de terras brasileiras a estrangeiros. O elevado número de terras cercadas, degradadas e sem nenhuma função social deve ser outro motivo de preocupação.

     

    Que todos saibam que as terras indígenas e quilombolas, são patrimônios da União, portanto de toda a nação, cabendo aos seus ocupantes, apenas o usufruto e a posse sobre tais territórios, assegurando-lhes, assim, o primeiro direito humano fundamental, a VIDA.

     

    Apoiar o acesso dos índios às suas terras significa a não escravização da Terra, a preservação das florestas e de seus frutos, das águas, o uso dos bens naturais em uma relação de respeito e harmonia. Significa preservar os biomas do Cerrado e da Amazônia, que estão sendo dilacerados por tratores e correntões, ou sendo escancaradamente queimados em carvoarias a céu aberto.

     

    Apoiemos a rejeição e a resistência dos povos indígenas ao confinamento a que estão sendo submetidos e ao desaparecimento de suas culturas, já que sua população cresce, mas suas terras são negadas e as que ocupam são invadidas e degradadas. Sobre isso, indagamos: quem mais tem terra hoje, os filhos da Terra ou o gado? Quem mais concentra terra neste país? “Ai de vós que ajuntam casa com casa e ides acrescentando campo a campo, até chegar ao fim de todo o terreno”! (Profeta Isaías, 5:8).

     

    Importante também lembrar as contribuições e proposições dos povos indígenas no Maranhão:

     

    – a proposta, por meio do Conselho Distrital de Saúde Indígena, de criação do Distrito Aragokri, em referência aos territórios Araribóia, Gavião e Krikati. Esperamos que tal proposta seja considerada pela Secretaria da Saúde Indígena (Sesai), mesmo esta ainda não tendo trazido nenhuma melhora na qualidade da assistência à saúde dos povos indígenas em todo o país;

     

    – a criação de um Grupo de Trabalho sobre educação escolar indígena, visando a implementação e o fortalecimento de uma Política Estadual de Educação Indígena no Maranhão, diante da omissão fragrante do governo estadual, uma iniciativa de defensores de direitos sócio ambiental e humanos, e de indígenas e indigenistas;

     

    – pela aliança entre indígenas e quilombolas, de quilombolas e policiais militares nos processos de luta pela regularização das terras quilombolas no estado e pela melhoria das condições de trabalho e salário dos policiais;

     

    – pelos mais de 35 mil indígenas do estado reconhecidos em nove povos de diversidade linguística e cultural, por suas florestas, suas identidades e culturas tão vivas entre nós;

     

    – pelos grupos de Awa-Guajá, ainda sem contato, que resistem em assegurar sua condição de liberdade.

     

    Sobretudo, não nos esqueçamos da continuidade das violências que são cometidas contras os povos da Terra. As doenças evitáveis como a tuberculose, a diarreia, a desnutrição e a falta de vacinas que têm vitimados indígenas no Maranhão.

     

    Os constantes e flagrantes desmatamentos de terras indígenas, vergonhosamente mostrados em operações policiais. Tais operações e seus números assustadores só confirmam a destruição acelerada dos territórios indígenas Caru, Awa, Turiaçu, Araribóia e a Reserva Biológica do Gurupi:

     

    – em 2009 e 2010, 21 caminhões com madeira foram apreendidos; mais de 100 fornos de carvão foram destruídos;

    – em 2011, 3,2 mil m³ de madeira foram apreendidas, totalizando cerca de 160 caminhões com madeira;

    – já em 2012, já foram apreendidos cerca de mil m³ de madeira, totalizado cerca de 45 caminhões[1].

     

    Em municípios situados no entorno das terras indígenas, madeireiras estão sempre com seus pátios cheios, operando normalmente e com seus fornos transformando árvores em carvão. Verifica-se ainda o surgimento de novas serrarias nessas regiões e a falta de fiscalização facilita a retirada de madeira das terras indígenas e da Rebio Gurupi. O comércio ilegal de madeira alimenta a violência, os assassinatos e violações, a corrupção e a cooptação, o alcoolismo e a pobreza levada aos territórios indígenas, em nome de um progresso que, já sabemos, é para poucos e à escravidão de muitos. Tais ocorrências provam que essas terras precisam de um plano permanente de vigilância e proteção que considere a participação e concepção dos indígenas dos povos indígenas, e não promova criminalização de suas lideranças. Que retire o estado do Maranhão do topo da lista de estados que mais desmatam suas florestas.

     

    Finalmente, o dia de hoje nos pede reflexão e ação. Aos aliados, de todas as causas e de todas as horas, persistir na esperança exercitando a paciência combativa. Aos indígenas, toda a força dos encantados, karawaras e xamãs para seguirem rumo à Terra Sem Males, onde se poderá vivenciar o Bem Viver. Nem toda a violência e nem todo o seu aparato conseguirão matar a esperança e acovardar os anunciadores do Novo Dia.

     

    Cimi Regional Maranhão

    Abril de 2012

     

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  • 19/04/2012

    Carta dos Povos Indígenas e Quilombolas de Mato Grosso

    Nós povos indígenas, quilombolas, articuladores e demais presentes no Encontro dos povos indígenas e quilombolas do Mato Grosso – Direitos Ameaçados e Resistência, realizado entre os dias 16 a 18 de abril de 2012, na Universidade Federal de Mato Grosso apresentamos nossos posicionamentos políticos em dizer NÃO a quaisquer Projetos de Emendas Constitucionais (PEC) e projetos de leis seja municipal, estadual e federal que venha ferir os direitos coletivos dos povos indígenas e quilombolas. Apresentamos as nossas propostas que reafirmam Qual economia queremos para Mato Grosso? E, ressaltamos a necessidade que essas sejam plenamente consideradas nos acordos advindos da Rio+20. Queremos uma economia que:

     

    – Fortaleça os territórios indígenas, quilombolas, bem como as terras onde vivem os extrativistas, ribeirinhos, assentados, caixaras, retireiros, morroquianos, outras comunidades tradicionais e grupos sociais diversos. E, reconheça a importante contribuição dos saberes e valores destes povos e comunidades acima referidos na sustentabilidade dos territórios e da biodiversidade;

     

    – Preserve a natureza e os direitos do usufruto coletivo, pois as políticas públicas não podem compreender que os impactos ambientais e sociais possam ser compensados em termos monetários. Consideramos que muitas realidades existentes em nossos territórios devem ser invioláveis, e impossíveis serem convertidas em valores financeiros. Reafirmamos a necessidade que sejamos ouvidos, e, considerados nossos posicionamentos;

     

    – Considere a participação desses grupos em todas as etapas dos projetos e políticas públicas. Desde a sua concepção, planejamento até a gestão dos mesmos.

     

    – Fortaleça os territórios tradicionais, que não enxergue nesses espaços uma oportunidade de saquear a biodiversidade e os saberes;

     

    – Seja sustentável, ética e solidária;

     

    – Reconheça e respeite nossos costumes, saberes, valores, línguas, crenças e modos de vida de quaisquer população tradicional e grupos sociais;

     

    – Respeite a biodiversidade, terra, água e ar, nossa cultura, nossa espiritualidade e saúde;

     

    – Seja promovida com cuidados ecológicos, buscando a aliança de saberes construídos tradicionalmente;

     

    – Seja de pequena escala, de trocas e benefícios coletivos;

     

    – Combata o crescimento e consumismo desenfreado, incentivando alternativas que busque a reutilização e reciclagem dos resíduos;

     

    – Desmascare os impactos socioambientais dos médios e grandes empreendimentos (hidrovia, hidrelétricas, linhões, grandes lavouras, rodovias, ferrovias etc.);

     

    – Valorize e priorize a sustentabilidade, a educação e a saúde de qualidade adequados aos nossos interesses, e, sobremaneira garanta nossos direitos, autonomia e autodeterminação nos nossos territórios;

     

    – Queremos uma economia em que nossos bens (água, território, biodiversidade) não sejam transformados em mercadoria ou falsa solução para os problemas criados por terceiros, como são os projetos de REDD ou Pagamento por Serviços Ambientais;

     

    Repudiamos a ideia mascarada da ECONOMIA VERDE que vem mais uma vez ferir os direitos ao usufruto dos bens coletivos destes povos tradicionais.

     

    Assinamos

     

    Povos Indígenas:

    Nambiquara, Myky, Manoky, Kaiabi, Bororo, Chiquitano, Umutina, Guató, Rikbaktsa, Tapirapé, Arara, Karajá, Kanela, Krenak, Xavante, Bakairi, Guarani-Kaiowa, Apiaká, Paresi

    Organização dos Povos Indígenas do Noroeste de Mato Grosso – Oimecrikanaz

     

    Comunidades Quilombolas:

    Comunidade Tanque do Padre (Poconé)

    Comunidade Lagoinha de Cima (Chapada dos Guimarães)

    Comunidade Jejum (Poconé)

    Comunidade Jacaré dos Pretos (Nossa Senhora do Livramento)

    Comunidade Mutuca (Nossa Senhora do Livramento)

    Comunidade Morro do Candambe (Chapada dos Guimarães)

     

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  • 19/04/2012

    Povos Indígenas e Quilombolas de Mato Grosso: denunciamos e repudiamos a PEC 215/2000

    Cuiabá, MT, 17 de abril de 2012.

     

    A Presidência da Republica Federativa do Brasil

    Ao Congresso Nacional

    A Comissão de Constituição e Justiça – CCJ

    A Assembléia Legislativa de Mato Grosso

    A Organização das Nações Unidas – ONU

    A Organização dos Estados Americanos – OEA

    A Fundação Nacional do Índio- FUNAI

    Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

    Ao Ministério Público Federal

    As Organizações da Sociedade Civil – ONGs

    Ao Povo Brasileiro

     

    CARTA DOS POVOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS DE MATO GROSSO

     

    Nós povos indígenas e quilombolas presentes no Encontro dos povos indígenas e quilombolas de Mato Grosso – Direitos Ameaçados e Resistência, discutimos o Projeto de Emenda Constitucional – PEC nº 215 – denunciamos e repudiamos esta proposta pelos seguintes motivos:

     

    1- A PEC 215 fere os nossos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988. Os artigos 231 e 232 constituem direitos individuais e coletivos dos povos indígenas e quilombolas, em virtude disso são cláusulas pétreas, ou seja, não são passíveis de reforma constitucional;

     

    2- Na Constituição Federal de 1988 o Estado Brasileiro, firmou o compromisso de demarcar todas as Terras Indígenas dentro de cinco anos. No entanto, o Estado Brasileiro encontra-se em divida com os povos indígenas há pelo menos 19 anos;

     

    3- A PEC 215 viola a Convenção 169 da OIT;

     

    4- A PEC 215 prejudicará a população quilombola e indígena ameaçando os decretos 4887/2003 e 1775/1996, que trata da demarcação das Terras quilombolas e indígenas, respectivamente, fazendo com que critérios que envolvem estudos técnicos/científicos, participação das comunidades e manifestações do poder executivo se submetam exclusivamente à vontade e morosidade política;

     

    5- A demarcação das terras das comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas representa a salvaguarda de nossa identidade cultural, simbólica e material, além de garantir a nossa sobrevivência física;

     

    Por todos esses motivos NÃO ACEITAMOS A PEC 215.

     

    Denunciamos e repudiamos a PEC 215, porque ela vem destruir, desmontar, ferir e retroceder os direitos historicamente conquistados pelos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras populações tradicionais, povos com os quais o Estado Brasileiro tem uma divida histórica e que já suportaram muitas violências aguardando a efetivação dos seus direitos territoriais.

     

    Por isso, EXIGIMOS que em virtude de sua inconstitucionalidade, do retrocesso e ameaça que representa para os direitos dos povos indígenas e quilombolas a PEC 215 seja DEFINITIVAMENTE ARQUIVADA.

     

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  • 19/04/2012

    19 de abril: dia de luta em defesa dos povos indígenas

    Na data em que se comemora do Dia dos Povos Indígenas, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Regional Norte I (AM/RR) vem a público manifestar sua indignação diante da omissão e do descaso do Estado brasileiro para com os povos indígenas. No Vale do Javari, os indígenas estão morrendo em decorrência de doenças para as quais o Governo Federal não presta a assistência devida promovendo a prevenção e dotando as comunidades da estrutura necessária para atendimento, controle e prevenção de doenças.

     

    Há quase três décadas os indígenas sofrem e morrem por causa de doenças como malária e hepatites, de vários tipos, além da tuberculose e outras que poderiam ser evitadas com soluções mais fáceis, como as verminoses que afetam as crianças. A população já decresceu 8% nos últimos dez anos.

     

    De um modo geral, a assistência à saúde dos povos indígenas, de atribuição da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), encontra-se em estado precário em todas as regiões. No Amazonas, isso se torna ainda mais grave devido às dificuldades para alcançar as aldeias mais distantes. Em situação igualmente precária encontra-se a educação. Na maioria das comunidades falta escola, materiais didáticos, professores qualificados. A educação das crianças e jovens é desenvolvida apenas pela boa vontade dos professores, alunos e demais lideranças.

     

    Causa indignação a falta de sensibilidade do Governo Federal para com os povos que habitam as terras afetadas pela construção de grandes projetos, como as hidrelétricas de Belo Monte e o complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. Nos últimos anos, o povo brasileiro tem testemunhado o fracasso da realização de grandes obras que, de concreto, tem servido para drenar recursos públicos alimentar a corrupção em nosso país. Exemplo disso são estradas, hidrelétricas – como a de Balbina -, e a transposição do rio São Francisco.

     

    Além do Executivo, os povos indígenas sofrem prejuízos por ação do Legislativo e do Judiciário. Na Câmara e no Senado, os grupos anti-indígenas ganharam força nos últimos anos como consequência das articulações políticas que transformaram o parlamento em balcão de negócios e a questão indígena em moeda de troca, especialmente em razão do interesse de grupos econômicos em se apoderar dos territórios indígenas.

     

    Merece repúdio, ainda, a morosidade do Poder Judiciário na solução de conflitos envolvendo o direito dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais. Uma das razões pelo recrudescimento da violência e o avanço das forças anti-indígenas tem sido a impunidade e a sensação de que o Judiciário usa dois pesos e duas medidas em benefícios de latifundiários, grileiros e grandes empresas de agronegócios. 

     

    Nesta oportunidade, o Cimi Norte I conclama todos os demais segmentos sociais a abraçar de forma solidária a causa indígena para evitar que seus direitos sejam usurpados, abrindo-se, assim, as portas para que outros setores tornem-se presa fácil do grande capital.

     

    Manaus (AM), 18 de abril de 2012.

     

    Cimi Norte I – AM/RR

     

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  • 19/04/2012

    50ª Assembleia Geral da CNBB – Dom Édson Damian: “Temos uma dívida social imensa com os povos indígenas”

    “Temos uma dívida social imensa com os povos indígenas pelos massacres, genocídios, inomináveis crueldades e injustiças praticadas ao longo destes 512 anos de invasão e extermínio”, disse dom Édson Tasquetto Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), presidente da celebração eucarística realizada no Santuário Nacional de Aparecido neste segundo dia da 50a. Assembleia dos Bispos da CNBB.

     

    Dom Damian é bispo na diocese onde 90% da população é formada por povos indígenas e trabalha em profunda sintonia com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um dos organismos vinculados à CNBB com atuação reconhecida na história recente do Brasil. Ele lembrou da fundação do Conselho e destacou: “o seu início, é marcada pelo testemunho dos mártires. Lembro apenas alguns: Pe Rodolfo Lukenbein, Simão Bororo,  Pe João Bosco Penido Burnier, Ângelo Pereira Xavier, cacique Pancaré, Ângelo Kretã, líder dos Kaingang, Marçal Tupã-y, líder Guarani que saudou o papa João Paulo II quando visitou o Brasil em 1980, Ir Cleusa Rody Coelho, Pe Ezechiel Ramin, Ir Jesuíta Vicente Cañas. Xicão Xucuru, Galdino de Jesus, queimado vivo por um bando de jovens em Brasília, Cacique Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o último que foi assassinado, em novembro do ano passado, no Mato Grosso do Sul”.

     

    O CIMI tem 40 anos de existência que foram comparados por dom Damian, durante a homilia, como “o tempo em que o povo hebreu andou pelo deserto rumo à Terra Prometida e ajudam a manter viva a esperança dos povos indígenas que aguardam o processo de demarcação de 335 territórios e de outros 348 que ainda estão em fase de reivindicação”. O bispo de São Gabriel da Cachoeira manifestou seu apreço pelas comunidades indígenas “Sempre me encanto com estes irmãos. Apesar de uma vida dura e penosa nunca perdem a alegria e a fé que se expressam no sorriso límpido, espontâneo, cativante. Quando adoecem demoram até uma semana, nas frágeis embarcações com motor de ‘rabeta’, para serem transportados a São Gabriel, debaixo de sol abrasador ou de chuva torrencial. Dizia-me um médico que muitos chegam tão debilitados que se torna muito difícil ou até impossível o tratamento”.

     

    Dom Damian, diante dos mais de 340 bispos reunidos em Aparecida, compartilhou uma experiência vivida com o Papa Bento XVI. Ele contou que na visita “ad limina” de 2010, ficou surpreso com duas perguntas feitas pelo Papa. A primeira: “O povo da sua região está destruindo a floresta?” Dom Damian disse que teve a alegria de informá-lo “que na bacia do Rio Negro apenas 4% das florestas foram derrubadas, ao passo que em alguns Estados da Amazônia elas já foram totalmente destruídas pela ganância avassaladora das madeireiras, do agronegócio e das hidrelétricas. D. Erwin Kräutler, nosso presidente do CIMI, não se cansa de denunciar a grande destruição e os minguados resultados da faraônica hidrelétrica de Belo Monte. Os índios são nossos mestres na preservação ambiental e no desenvolvimento sustentável. “Nossa vida depende da vida da floresta”, costumava dizer nossa mártir Ir Doroty Stang.

     

    A segunda pergunta feita por Bento XVI foi: “Os índios são bons católicos. Eles se confessam?” Dom Damian respondeu: “Todos, se confessam, desde as crianças que há pouco fizeram a Eucaristia até aos mais idosos. E com um detalhe original. A maioria começa dizendo: ‘Agora vou me confessar na minha língua’. Continua contando dom Damian dizendo que o Papa reagiu e o indagou: “E você entende todas as línguas?” E o bispo respondeu: “De que jeito, respondi. São 18 línguas e tão diferentes umas das outras. Mas quem perdoa é o Pai que criou todos os povos e culturas e Ele se entende muito bom com seus filhos prediletos. Assim a boa nova das culturas indígenas acolhe a Boa nova de Jesus”.

     

    Antes de terminar a homilia, o bispo de São Gabriel da Cachoeira fez um agradecimento: “Agradeço, de coração, a todos os que, com generosidade e abnegação, se dedicam à causa indígena como uma causa do Reino, às missionárias e missionários do CIMI, às dioceses e seus agentes de pastoral, às congregações religiosas, enfim, a todos os que vivem ‘em estado de missão inculturada e se empenham para que nossa Igreja se  torne realmente morada de povos irmãos e, assim também, casa dos povos indígenas”.

     

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    A íntegra da homilia cedida por Dom Edson Tasqueto Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM):

     

    “Devemos obedecer antes a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Disso nós somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem” (At 5 30 e 32).

     

    Estas palavras do Apóstolo Pedro fazem ecoar a verdade que o Senhor nos diz Evangelho: “Aquele que vem do Alto, dá testemunho daquilo que viu e ouviu. Quem aceita o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. Aquele que acredita no Filho possui a vida eterna” (Jo 3, 31-32 e 36).

     

    “O Espírito Santo e nós”, congregados nesta jubilosa 50ª Assembléia da CNBB, acima de tudo, expressamos nosso vigoroso testemunho no Bom Pastor Ressuscitado, fundamento de nossa fé e razão de nossa esperança. Ele está vivo no meio de nós. Queremos ser testemunhas dele no seio da  Igreja e no coração mundo.

     

    Na luz e na força do Espírito do Ressuscitado somos hoje convidados a rezar pelos queridos povos indígenas no dia que lhes é dedicado. Queremos também testemunhar e reder graças a Deus pelos 40 anos de atuação profética do CIMI – Conselho Indigenista Missionário.

     

    Depois de 20 anos de convivência das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucuald com o povo Tapirapé, no rio Araguaia, no oitavo ano da ditadura militar, cinco anos depois da extinção do SPI – Serviço de Proteção ao Índio – por corrupção, sadismo e massacres a dinamite e metralhadoras, 10 anos depois início do Vaticano II, quatro anos depois da Conferência de Medellín, no período mais repressivo da história do Brasil, nosso amado e saudoso Dom Ivo Lorscheiter, então secretário geral da CNBB, no dia 23 de abril de 1972, reuniu em Brasília um pequeno grupo de missionários para discutir o projeto de Lei n. 2328 que tramitava na Câmara e dispunha sobre o Estatuto do Índio.

     

    Quem fez parte deste grupo? Além de Dom Ivo, lá estavam D. Henrique Froehlich, D. Geraldo Sigaud, D.Eurico Kräutler, D. Pedro Casaldáliga. D. Tomás Balduíno, D. Estevão Avelar, e os missionários Luís Gomes de Arruda, Tomás de Aquino e Sílvia Wewering.  Estes irmãos da primeira hora foram seguidos por uma multidão de testemunhas “da grande tribulação” (cf Ap 7,14). Temos uma dívida histórica e social imensa com os povos indígenas pelos massacres, genocídios, inomináveis crueldades e injustiças praticadas ao longo destes 512 anos de invasão e extermínio. Os missionários do CIMI desencadearam uma marcha de solidariedade fraterna. Lançaram sementes de esperança e forjaram a possibilidade de sobrevivência através das demarcações de territórios e abertura de novos horizontes.

     

    A história do CIMI, desde o seu início, é marcada pelo testemunho dos mártires. Lembro apenas alguns missionários e indígenas: Pe Rodolfo Lukenbein, Simão Bororo e Pe João Bosco Penido Burnier, Ângelo Pereira Xavier, cacique Pancaré, Ângelo Kretã, líder dos Kaingang, Marçal Tupã-y, líder Guarani que saudou o papa João Paulo II quando visitou o Brasil em 1980. Ir Cleusa Rody Coelho, Pe Ezechiel Ramin, Ir Jesuíta Vicente Cañas. Xicão Xucuru, Galdino de Jesus, queimado vivo por um bando de jovens em Brasília, Cacique Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o último que foi assassinado e seu corpo seqüestrado, em novembro do ano passado, no Mato Grosso do Sul.

     

    Os 40 anos de caminhada do CIMI recordam os 40 anos que o povo hebreu andou pelo deserto rumo à Terra Prometida e ajudam a manter viva a esperança dos povos indígenas que aguardam o processo de demarcação de 335 territórios e de outros 348 que ainda estão em fase de reivindicação. Como não lembrar neste momento os 30 anos de luta sofrida e paciente dos índios de Roraima para se apropriarem da TI Raposa Serra do Sol? Eu era administrador diocesano quando o secretário da presidência da república encarregou-me de comunicar ao presidente do CIR – Conselho Indígena de Roraima – que naquele dia, 15 de abril de 2005, o presidente assinaria o decreto da homologação. Chorando de alegria, o tuxaua Jacir José de Souza, grande líder Macuxi, pronunciou estas palavras inesquecíveis: “Assim como o povo da Bíblia e nós cristãos celebramos todos os anos a festa da Páscoa, o dia 15 de abril será por nós lembrado para sempre como o dia da libertação da TI Raposa Serra do Sol”. Oxalá todos os índios que vivem acampados nas margens das estradas ou confinados em exíguos espaços, possam um dia reaver a terra que lhes pertence e ter reconhecidos os direitos consignados pela Constituição Federal.

     

    Agora, Deus me concede a imerecida graça de conviver com povos indígenas de 23 etnias, que falam 18 línguas diferentes e constituem mais de 90% da população na longínqua e pobre Igreja de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Em 2014, celebraremos com gratidão os 100 anos de presença evangelizadora dos missionários salesianos e salesianas na imensa bacia do Rio Negro, que abrange 293.000 Km2.

     

    Um dia recebi a visita da sábia antropóloga indigenista, Manuela Carneiro da Cunha. Dom Erwin me segredou que ela varava madrugadas com a equipe de trabalho a fim de encontrar os termos exatos para formular os direitos indígenas na Constituição de 88. Ela estava em São Gabriel para colaborar com outros pesquisadores que haviam descoberto que os índios cultivavam mais de 300 espécies de mandioca. Inclusive sabiam cruzar as diferentes espécies. Constataram também que a parte mais importante do enxoval que uma noiva indígena levava para a aldeia do seu futuro marido eram as manivas, isto é, as ramas de mandioca que ela havia aprendido a cultivar com sua mãe. Os casamentos da região são sempre interétnicos. Um indígena sempre se casa com uma jovem de uma etnia diferente. Por isso, a noiva ao mudar-se para a nova aldeia leva consigo as espécies de mandioca que ela aprendeu a cultivar na sua casa paterna.

     

    Quando visito as aldeias espalhadas ao longo dos rios, depois de cansativas jornadas de “voadeira”, todos correm até a beira para receber o bispo e o tuxaua me saúda chamando-me de “excelência nosso pastor”. “Excelências são vocês”, respondo-lhes, que moram tão isolados e vivem desprovidos dos mínimos os recursos. O Rio Negro, apesar de ser o maior afluente do Amazonas, devido às numerosas cachoeiras e à acidez de suas águas, é chamado de “rio da fome”, pois não fornece peixes nem para saciar a fome dos seus ribeirinhos.

     

    Sempre me encanto com estes irmãos. Apesar de uma vida dura e penosa nunca perdem a alegria e a fé que se expressam no sorriso límpido, espontâneo, cativante. Quando adoecem demoram até uma semana, nas frágeis embarcações com motor de “rabeta”, para serem transportados a São Gabriel, debaixo de sol abrasador ou de chuva torrencial. Dizia-me um médico que muitos chegam tão debilitados que se torna muito difícil ou até impossível o tratamento.

     

    Na audiência particular com o Papa Bento, durante a “visita ad limina” de 2010, fiquei surpreso com a primeira pergunta que me fez: “O povo da sua região está destruindo a floresta?” Tive alegria de informá-lo de que na bacia do Rio Negro apenas 4% das florestas foram derrubadas, ao passo que em alguns Estados da Amazônia elas já foram totalmente destruídas pela ganância avassaladora das madeireiras, do agronegócio e das hidrelétricas. D. Erwin Kräutler, nosso presidente do CIMI, não se cansa de denunciar a grande destruição e os minguados resultados da faraônica hidrelétrica de Belo Monte. Os índios são nossos mestres na preservação ambiental e no desenvolvimento sustentável. “A morte da floresta é o fim da nossa vida”, costumava dizer nossa mártir Ir Doroty Stang.

     

    Papa também me perguntou: “Os índios são bons católicos. Eles se confessam?” Todos, se confessam, respondi-lhe, desde as crianças que há pouco fizeram a Eucaristia até aos mais idosos. E com um detalhe original. A maioria começa dizendo: “Agora vou me confessar na minha língua”. E o Papa reagiu: “E você entende todas as línguas?” De que jeito, respondi. São 18 línguas e tão diferentes umas das outras. Mas quem perdoa é o Pai que criou todos os povos e culturas e Ele se entende muito bom com seus filhos prediletos”. Assim a boa nova das culturas indígenas acolhe a Boa nova de Jesus.

     

    Muitas vezes, no meio dos povos indígenas, sentimos a presença de Deus e a verdade profética da palavra de S. Paulo (cf. Is 52,15): “Vê-lo-ão aqueles a quem não foi anunciado e haverão de conhecê-lo aqueles que dele não ouviram falar” (Rm 15,21). Ao defender os projetos históricos dos povos indígenas, redescobrimos o Deus da Bíblia, que faz aliança com os pobres. O Deus, cuja justiça favorece as vítimas; o Deus do despojamento e da gratuidade, da proximidade e da libertação.

     

    Agradeço, de coração, a todos os que, com generosidade e abnegação, se dedicam à causa indígena como uma causa do Reino, às missionárias e missionários do CIMI, às dioceses, prelazias e seus agentes de pastoral, às congregações religiosas,  enfim, a todos os que vivem “em estado de missão inculturada (DAp, n.213) e se empenham para que nossa Igreja se  torne realmente morada de povos irmãos e, assim também, casa dos povos indígenas (cf DAp, n.8).

     

    Permitam-me, por fim, que diga um “bom dia” aos meus diocesanos nas três línguas indígenas que, em São Gabriel da Cachoeira, são consideradas oficiais, além do português:

     

    “Puranga ara” – “Puraga”( Nheengatu ou Língua Geral)

    “Hekoapi waikaa”  – “Waikaa”(Baniwa)

    “Wã’kati, masã” – “Wã’ká” (Tukano).

     

    Um cordial abraço aos primeiros integrantes da Fazenda da Esperança de S. Gabriel, inaugurada no dia 24 de março, com as bênçãos do Cardeal Dom Cláudio Hummes, presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia.

     

    Divino e adorável Bom Pastor Ressuscitado, querida Mãe Aparecida, abençoai e acompanhai com carinho nossas irmãs e irmãos indígenas. Dai força e coragem às heróicas missionárias e missionários que convivem com eles e lutam para ajudá-los na conquista dos seus direitos. Respeitadas as nossas diferenças e enriquecidos por elas, somos todos iguais, porque somos todos irmãos no amor do Pai, no abraço Redentor do Filho, na comunhão do Espírito Santo.

     

    Dom Edson Tasquetto Damian

    Bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM)

     

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