• 05/07/2012

    Lideranças Xukuru Kariri cobram da Funai agilidade na demarcação de terras

    Por Luana Luizy,

    de Brasília

    Lideranças do povo Xukuru Kariri estiveram nesta semana em Brasília para cobrar da Fundação Nacional do Índio (Funai) agilidade na demarcação do território indígena, situado no município de Palmeira dos Índios, Alagoas. O procedimento administrativo corre há 32 anos.

    A Procuradoria Geral da República, em Ação Civil Pública, condenou à multa a Funai e a União pela morosidade na demarcação das terras, que acarreta prejuízos diversos à integridade do povo.

    “O objetivo da nossa vinda a Brasília é relatar a morosidade da Funai. Temos terras retomadas desde 2008, mas o processo não avança. Há terras em que a Funai avaliou só por avaliar; a terra indígena atualmente virou negócio”, lamenta Antonio Xukuru Kariri.

    Ameaças são corriqueiras contra os Xukuru Kariri. De 1994 até 2012, ocorreram 10 episódios de violência, com casos de desaparecimento e assassinatos. “Já não andamos na cidade para vender nossos materiais porque as lideranças são constantemente ameaçadas”, afirma o pajé Celso Celestino Xukuru Kariri.

    Já foram realizados três levantamentos da área dos Xukuru Kariri, mas a cada levantamento a área só diminui. Os 36 mil hectares iniciais de terras de ocupação tradicional caíram para sete mil, declarados pelo Ministério da Justiça.

    Desde outubro de 2011 os Xukuru Kariri estão em uma área de retomada que possui 184 hectares. Os indígenas pedem a retirada dos fazendeiros. Porém, a Justiça concedeu reintegração de posse aos fazendeiros, mas o Ministério Público Federal recorreu.

    “Direito não se pede, mas estamos aqui para reivindicá-lo, pois hoje ele está sendo extirpado. Essa história só nos trouxe extermínio”, afirma Antonio Ricardo da Silva Xukuru Kariri.

    A população indígena Xukuru Kariri conta atualmente com mais de 3 mil indígenas, e menos da metade deles está presente nas aldeias; o restante vive na periferia do município de Arapiraca por falta da demarcação do território. “Todos estão conscientes da luta pela terra. As sete aldeias espalhadas já não comportam toda população. Dos 3.300 índios, grande parte está na periferia, mas continuam tendo vínculo com nossa cultura”, afirma Gecilnaldo Queiroz Xukuru Kariri.

    Educação, saúde e PEC 215

    Outra reivindicação é a educação: não há infraestrutura e professores preparados. A falta de uma categoria específica para professores em concursos corrobora com a fragilidade no sistema educacional. Segundo os indígenas Xukuru Kariri, o Ministério da Educação liberou recursos para construção de escolas, mas a da comunidade indígena não foi concluída.

    “Temos escola indígena, mas não temos educação indígena para o nosso povo. São professores mal remunerados e despreparados. Temos que sim estudar as questões do branco, mas e as nossas próprias questões? Para mim o terrorismo que o Estado faz é com as minorias, mas se todas essas minorias se unissem daria uma maioria, outro Brasil”, comenta Idyarony Xukuru Kariri.

    A carência de uma saúde pública que dê assistência necessária aos indígenas também foi pauta das reivindicações. “A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) contratou uma empresa terceirizada para prestar serviço. O descaso é latente e não há a assistência devida”, afirma Celso Xukuru Kariri.

    Em audiência com representantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, os indígenas saíram com o comprometimento da pasta em articular uma reunião com os ministérios da Saúde e Educação para tratar dos problemas, além de encaminhar um ofício ao Ministério Público Federal e a Funai sobre a demarcação do território.

    A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que propõe a transferência da demarcação e homologação das terras indígenas do Executivo para o Legislativo, também foi tratada pelos indígenas. “Essa PEC é inconstitucional; retira nossos direitos, vai destruir nosso povo”, pontua o pajé Celso Celestino Xukuru Kariri.

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  • 05/07/2012

    O adeus de familiares, amigos e do povo Guarani Kaiowá a Antônio Brand

    A despedida de nosso companheiro Antônio foi marcada por uma tristeza profunda diante da irreparável perda, mas também por um sentimento compartilhado de ternura. Familiares, líderes indígenas, missionários, amigos do Cimi de longa data, alunos, todos os que estavam ali reafirmavam a mesma coisa – Antônio tinha um cuidado especial com as pessoas com quem partilhava a vida e uma dedicação incondicional à causa indígena, à causa da vida em plenitude.

     

    E foi assim, com lágrimas nos olhos e com uma dor aguda que cada pessoa ali presente se despediu do pai, companheiro, missionário, amigo, lutador, historiador, esse homem tão imensamente humano, e tão divinamente dedicado.

     

    Os Guarani Kaiowá saíram de Mato Grosso do Sul e vieram também prestar uma última homenagem ao amigo e companheiro de tantas jornadas. Lideranças jovens – estudantes e professores indígenas que com ele compartilhavam espaços acadêmicos – e também alguns Nhanderu (líderes religiosos) viajaram toda a noite, cruzando estados e cidades, para encontrá-lo uma vez mais. Na chegada, realizaram um ritual e, entre cantos e palavras sagradas, agradecerem a presença de Antônio, por mais de 40 anos, entre os povos indígenas e a dedicação à luta do povo Guarani Kaiowá. Um líder religioso afirmou que tudo o que Antônio construiu, ao lado deles é estímulo para que continuem lutando pela conquista e garantia de seus tekohas (territórios).

     

    Na celebração eucarística as palavras ditas expressavam a emoção, a gratidão, o reconhecimento e a estima de tantos companheiros que tiveram o privilégio de conviver com ele. Mensagens diversas foram enviadas aos familiares e algumas foram lidas na cerimônia. A canção suave entoada pelo coral da cidade acalentou o coração da gente; canção que nos fez sentir que a despedida era também momento de dizer: “Vai com Deus, amigo, colher os frutos desse trabalho árduo, realizado com amor e doação”.

     

    Na bênção final, novamente os líderes religiosos Guarani-Kaiowá pediram a palavra para, então, abençoar os familiares e confiar-lhes a força de Nhanderu, força vital para continuar caminhando. Num breve pronunciamento, lembraram momentos da trajetória de dor e sofrimento dos índios no estado de Mato Grosso do Sul, nos quais puderam contar com a presença solidária, com as palavras de sabedoria, com o apoio desse querido amigo. Agradeceram a Deus a oportunidade de ter Antônio como aliado e companheiro nas intermináveis lutas travadas até aqui. Vão continuar lutando, pois a conquista dos direitos que lhes tem sido negados será um modo de honrar a memória de todos os que lutaram e lutam juntos pela causa indígena, concluíram.

     

    Um gesto significativo finalizou esse ritual: os Guarani Kaiowá abençoaram um cocar e o colocaram sobre o corpo de Antônio, em sinal de respeito, reconhecimento e gratidão. Gesto que simboliza também a fé e a esperança em tempos mais amenos e que une, num mesmo sentimento, aqueles que acreditam na justiça e por ela lutam.

     

    Porto Alegre, 04 de julho de 2012

     

    Iara, Rabeca e Roberto

    Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre

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  • 04/07/2012

    Bispos se posicionam sobre grandes projetos da Amazônia

    Um dos problemas enfrentados hoje pelas populações da Amazônia são os grandes projetos, que além de causarem grande impacto ao meio ambiente, geram lucros para alguns e provocam inúmeros impactos sociais negativos nas cidades onde estão instalados. Esse foi o assunto principal da primeira coletiva oficial concedida à imprensa na tarde desta terça-feira, 03 de julho, no Seminário São Pio X, como parte do 10º encontro dos bispos da Amazônia, que está sendo realizado em Santarém-PA.

     

    A entrevista foi concedida por dom Jesus Maria Berdonces, bispo da prelazia de Cametá e presidente do Regional Norte I; dom Mosé João Pontelo, bispo da Diocese de Cruzeiro do Sul e presidente do regional Noroeste; dom Roque Paloschi, bispo da Diocese de Roraima e presidente do Regional Norte 1 e Monsenhor Raimundo Possidônio, coordenador de Pastoral da Arquidiocese de Belém e historiador.

     

    Dom Jesus Maria Berdonces afirmou que a Amazônia é tida até hoje como uma colônia, aonde as pessoas vêm, pegam a matéria prima, enriquecem e vão embora. “Esse é um modelo capitalista pautado pelo governo para a Amazônia, que não leva em conta o povo que aqui mora. Para eles, o povo é apenas um detalhe, que atrapalha o desenvolvimento, ressalta”.

     

    Ele destacou que existe outro modelo defendido pela Igreja, cujo foco são os povos que estão na Amazônia. “A igreja defende o incentivo à agricultura familiar, defende que os lucros das riquezas (minerais e vegetais) sejam deixados na Amazônia, e que os povos sejam ouvidos”.

     

    Já dom Roque Paloschi destacou que a questão é saber quem está usufruindo dos lucros desses grandes projetos, que além de terem as bênçãos do governo, são financiados com o dinheiro público. Ele ressalta que as populações não têm garantias, e suas terras quase sempre são “abocanhadas” pelo agronegócio e por grupos econômicos que aqui chegam.

     

    Dom Roque defende o respeito à biodiversidade, a participação de homens e mulheres amazônidas, que possuem a sabedoria milenar e tradicional de cuidar do meio ambiente sem agredi-lo. Ele espera que o encontro de Santarém provoque uma verdadeira reflexão. “Nós esperamos contribuir para que uma reflexão aconteça para que nossas comunidades se tornem sujeitos dessa região e não apenas vista como um entrave no processo do desenvolvimento sonhado pelo agronegócio  e pelo governo”, enfatiza.

     

    Dom Mosé João Pontelo afirma que os problemas estão aí, e isso requer responsabilidade dos pastores, que são lideres dessa igreja. E o encontro de Santarém vai apontar qual será o caminho a ser seguido nos próximos cinco anos.

     

    Dom Jesus Maria acredita que os bispos têm a obrigação de tentar iluminar a caminhada com a Palavra de Deus, mas também assumir o desafio e o povo da Amazônia. “É necessário não fugirmos da cruz de nosso Senhor, que é a cruz dos pobres e dos povos desta região”, finalizou.

     

    O 10º encontro dos bispos terá um documento conclusivo e uma carta encaminhada aos governantes dos Estados da Amazônia, outra ao Povo de Deus e uma ao Papa Bento XVI.

     

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  • 04/07/2012

    Em processo político, Júri Popular selará destino de vice-cacique Xukuru

    Por Renato Santana,

    de Brasília

     

    A história de resistência dos Xukuru do Ororubá, indígenas do agreste de Pernambuco, registrará nesta quinta-feira, 5, mais uma dura batalha contra a criminalização das lideranças do povo. O vice-cacique José Barbosa dos Santos, mais conhecido como Zé de Santa, irá a Júri Popular acusado de ser o mandante do assassinato de Chico Quelé, ocorrido em agosto de 2001 dentro da Terra Indígena Xukuru, situada no município de Pesqueira.

     

    Quelé, destacada liderança Xukuru, sofreu uma tocaia perto de Pedra D’Água, área ritual do povo na Serra do Ororubá. A morte ocorreu três anos depois do assassinato de cacique Xikão, em 1998. Na ocasião, Zé de Santa também foi acusado pela Polícia Federal de estar por trás da morte do cacique, mas logo a tese foi derrubada: o fazendeiro Zé de Riva acabou preso como mandante do assassinato de Xikão.

     

    “Então essas acusações estão no contexto da luta pela terra. Por mais que a tenhamos agora de forma definitiva, ainda tem a perseguição policial e judiciária”, afirma Zé de Santa. O indígena diz estar preocupado com o que pode acontecer, pois os interesses não-indígenas sobre as terras Xukuru permanecem. “Temo pela minha vida. Não sei o que pode acontecer se eu for preso”, diz o indígena.

     

    O julgamento ocorrerá na 28ª Vara Federal da Subseção de Arcoverde, município do sertão pernambucano. Conforme os advogados de Zé de Santa, entre eles Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), não há provas que incriminem o indígena que não sejam derrubadas por argumentos e fatos consistentes para comprovar a inocência do acusado.

     

    “Não há nada que ligue Zé de Santa ao assassinato. O que temos é um processo político, que remete a histórica disputa pela terra de ocupação tradicional dos índios Xukuru”, declara Cupsinski. A opinião é compartilhada por especialistas. A antropóloga e professora da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Vânia Fialho, escreveu um extenso relatório, anexado aos autos de defesa do vice-cacique, mostrando que desde o século XVI o povo Xukuru sofre com sucessivas criminalizações, sendo os indígenas taxados no processo histórico de bandidos e assassinos – durante um longo período da colonização os Xukuru não podiam assumir a identidade indígena.

     

    Santuário na Serra do Ororubá

     

    A morte de Chico Quelé foi uma emboscada. “Tínhamos uma reunião com a Funai no posto do órgão que fica dentro da terra Xukuru. Um dia antes a administração do órgão desmarcou, marcando para outra data. Na manhã da nova data, eu estava na aldeia São José esperando as lideranças para a reunião quando um irmão de Chico chegou dizendo que ele tinha sido assassinado perto de Pedra D’água. Eu estava distante uns quatro quilômetros do corpo já sem vida de Chico”, conta Zé de Santa.

     

    De acordo com a acusação, baseada na investigação da Polícia Federal, concluída 15 dias depois do assassinato, o indígena arregimentou outro Xukuru, João Campos, para executar Quelé. Campos morreu no ano passado, vítima de um câncer no estômago; para Zé de Santa, a razão da doença é clara: “O João sofria muito com essa acusação. Chico era muito querido, um lutador do nosso povo e por mais que não fosse de sangue, era nosso irmão porque é assim que os Xukuru se tratam: como irmãos”.

     

    Chico Quelé, desde os tempos de Xikão, se destacava pelo empenho em retomar o território de ocupação tradicional. Depois da morte do já lendário cacique, Quelé seguiu na mesma linha, ao lado de dona Zenilda, viúva de Xikão, Zé de Santa, Pajé Zequinha e tantas outras lideranças do povo Xukuru, que também sofreriam processos de criminalização. Com a homologação do território, em 2001, os fazendeiros invasores mudaram de tática e para manter a obtenção de lucros com a terra buscaram convencer os indígenas a construírem nela um santuário destinado a Nossa Senhora das Graças, supostamente vista por duas meninas na aldeia Guarda 70 anos antes.    

      

    Uma pequena parcela dos Xukuru concordou com a ideia, que envolvia a construção de hotéis, estacionamento para cinco mil carros e demais estruturas para a recepção aos romeiros. Porém, Chico Quelé, Zé de Santa, dona Zenilda, Pajé Zequinha e a ampla maioria das lideranças disseram que o território seria ocupado pelos índios, apenas; Quelé, inclusive, dizia que o santuário só sairia sobre o seu cadáver. A divisão do povo, também explicada do ponto de vista antropológico pela professora Vânia Fialho nos autos de defesa, culminou no assassinato de Chico Quelé.

     

    Dois anos depois, em 2003, cacique Marcos, filho de Xikão e recém alçado à função de cacique Xukuru, sofre um atentado na estrada que corta a terra indígena. Dois indígenas, um Atikum e outro Xukuru que faziam a segurança de Marcos, já ameaçado, acabaram mortos no conflito direto com os pistoleiros; o cacique escapou e buscou proteção nos rochedos típicos do agreste. A construção do santuário serviu de motivação ao atentado, pois Marcos manteve a posição contra o empreendimento.     

     

    “A elite ainda está lá em Pesqueira. Matando não conseguiram dominar os Xukuru, então criminaliza para tentar impor o medo. Mesmo assim, o povo continua unido e trabalhando pela comunidade na perspectiva da descolonização e uso coletivo do território”, aponta Zé de Santa. O indígena iniciou o que chama de “caminhada Xukuru” ainda nos anos de 1980 e vive nas proximidades de Vila de Cimbres, uma das aldeias da Serra do Ororubá.

     

    Histórico de criminalização

     

    Do processo de lutas iniciado por cacique Xikão ainda nos anos 1980 até a retirada completa dos não-indígenas do território, os Xukuru sofreram e ainda sofrem com a criminalização da Polícia Federal e Poder Judiciário. No Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), com sede em Recife, corre processo contra 34 indígenas acusados dos mais diversos crimes durante retomada da Vila de Cimbres, logo após o atentado sofrido pelo cacique Marcos, que configura entre os acusados. Se condenados pegarão dez anos de prisão.

     

    “A prática que observamos da polícia ao longo desses 30 anos é de acusar em primeiro lugar as lideranças indígenas por supostos crimes. Na morte de cacique Xikão foi assim: primeiro acusaram a viúva, dona Zenilda, depois Zé de Santa até que as provas deram conta de que foram pistoleiros a mando do fazendeiro Zé de Riva”, analisa o secretário adjunto do Cimi, Saulo Feitosa.

     

    Zé de Santa lista os Xukuru já apontados como assassinos em processos de criminalização: dona Zenilda, Toinho e Augusto Pereira, cacique Marcos e ele. A criminalização é tão latente que o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, chegou a intervir e em 2003 impedir que Zé de Santa fosse preso pela morte de Quelé alegando que não existiam provas capazes de condenar o vice-cacique. Todavia mais casos condenam o povo Xukuru.

     

    No posto da Funai situado dentro do território, dois outros indígenas pagam pena acusados de matar o filho de Chico Quelé. Rinaldo Feitoza Vieira e Edmilson Guimarães foram apontados como os culpados pela morte depois de dois meses do assassinato. Provaram que não estavam no local e na hora do crime, mas não foi o suficiente para inocentá-los. Nem mesmo o fato do crime ter ocorrido numa madrugada de intenso nevoeiro dissuadiu as autoridades do entendimento de que uma testemunha os identificou; tampouco que ambos não sabem pilotar motocicleta, transporte usado pelos assassinos.

     

    “Nada é capaz de parar o povo Xukuru. São séculos de violências contra a gente. Não matei o Chico nem ninguém. Dói pensar que posso pagar por algo que não fiz, mas esse é o preço da luta por nossa terra”, encerra Zé de Santa, com os olhos marejados, mas firmes.     

     

       

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  • 04/07/2012

    Servidores da Funai entram em greve e dizem: questão indígena não é prioridade para o Estado

    MANIFESTO DOS SERVIDORES E SERVIDORAS EM GREVE DA FUNAI AOS POVOS INDÍGENAS

     

    Brasília/DF, 03 de julho de 2012

     

    Comunicamos aos povos indígenas, suas organizações e associações que os/as servidores/as da Funai sede, em Brasília, deflagraram greve por tempo indeterminado no dia 21 de junho, após deliberação em assembleia. As Coordenações Regionais e respectivas Coordenações Técnicas Locais estão, paulatinamente, aderindo ao movimento, cujo objetivo é atingir a adesão nacional.

     

    A greve da Funai vem se somar ao movimento de greve nacional dos servidores públicos federais, em defesa do serviço público de qualidade e da valorização das respectivas carreiras.

     

    A questão indígena não tem sido uma prioridade para o Estado Nacional e menos ainda para o atual governo. Nesse cenário, a luta na Funai passa pela valorização da instituição e pela aplicação da política indigenista. Política esta que passa por uma reviravolta a partir do marco constitucional de 1988[1], em que, pela primeira vez, a perspectiva assimilacionista e assistencialista do Estado foi deslocada em direção ao respeito à multiplicidade étnica e às diversas formas de territorialidade dos povos indígenas.

     

    Porém, essa luta ainda está em processo, uma vez que os direitos não estão garantidos em sua plenitude, com destaque para a defasagem na regularização fundiária dos territórios indígenas.  Ao longo da história, quase 90% do território nacional foi sendo expropriado dos povos indígenas. Dos 12% atualmente reconhecidos como territórios indígenas pelo Estado, menos de 60% estão regularizados e boa parte desse total não se encontra na posse plena das populações indígenas, gerando graves problemas de desestruturação socioambiental e cultural.

    Da mesma forma, é preciso repensar o lugar que ocupam a saúde e a educação indígenas, dois direitos conquistados durante longas décadas de discussões e lutas do movimento indígena, e que ainda não foram implementadas de forma efetiva e adequadas às especificidades dos povos indígenas.

     

    Entendemos que a Funai deva exercer um papel mais atuante no desenvolvimento de ações complementares e diferenciadas, fortalecendo as ações dos órgãos diretamente responsáveis pelas políticas de educação e saúde, bem como das outras Políticas de Estado voltadas aos povos indígenas.

     

    Além disso, enquanto órgão indigenista, a Funai deve apoiar os povos indígenas para o exercício do controle social sobre essas Políticas para que as mesmas sejam adequadas às suas especificidades e interesses.

     

    No contexto das questões levantadas acima, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI[2] passa a ser um instrumento importante de reconhecimento da autonomia e protagonismo dos povos indígenas por meio da gestão que fazem de seus territórios. A Política foi conquista de um intenso debate e mobilização do movimento indígena, que demandou do Estado brasileiro o reconhecimento da importância dos modos de vida tradicionais e do manejo e conservação da biodiversidade nos territórios ocupados.

     

    Entretanto, esse instrumento jurídico ainda carece de garantia orçamentária e política por parte dos órgãos responsáveis para sua aplicação. Ressalta-se que a execução dessa Política dependerá decisivamente de uma Funai que consiga trabalhar de forma eficiente junto aos indígenas em seus territórios. Para tanto, é fundamental que se tenha estrutura administrativo-financeira, pessoal qualificado e definição das normas e procedimentos internos ao órgão.

     

    A Funai, historicamente, vem sofrendo um processo de sucateamento que reflete o desinteresse do Estado brasileiro com relação à política indigenista, fundiária e ambiental. A Funai há quase três anos passa por um processo de reestruturação que ainda não se deu na prática, acarretando a inexistência ou a existência precária de várias Coordenações Técnicas Locais, Frentes de Proteção Etnoambiental e até mesmo de Coordenações Regionais.

     

    Os/As servidores/as são submetidos a condições degradantes de trabalho, sem condições mínimas de logística para atendimento às demandas dos povos indígenas; sem acesso a meios de comunicação com as outras unidades, inclusive com a Funai sede; com procedimentos burocráticos ultrapassados que implicam a extrema dificuldade de acesso aos recursos e execução das atividades junto aos povos indígenas. Somam-se a esses problemas o contigenciamento de recursos imposto pelo Governo Federal e o baixo efetivo de servidores, sem o suporte institucional adequado de cursos de formação para as funções exercidas.

     

    Além disso, a baixa remuneração dos servidores tem sido um importante fator de evasão e precariedade dos serviços prestados. Não há política de capacitação/qualificação, de qualidade de vida no trabalho, tampouco política salarial. Os concursos para provimento de vagas são pouco atraentes e mesmo os escassos processos seletivos realizados foram incapazes de recompor o quadro de servidores. Dos 2.585 servidores ativos da Funai, 35% poderão se aposentar até o final de 2013, e dos remanescentes, 47% estarão aposentados até 2020.

     

    Esses dados reforçam a necessidade premente de novos concursos de provimento de cargos vinculados a melhorias estruturais e de carreira, de modo que a instituição construa uma política de valorização, garantindo a permanência de bons profissionais.

     

    Além da falta de orçamento, pessoal e condições de trabalho, outro grande gargalo para a reestruturação do órgão está na ausência de um processo democrático e participativo dos servidores na construção do Regimento Interno e em algumas inconsistências relativas à localização das unidades descentralizadas.

     

    Fica evidente, portanto, que o Estado não vem oferecendo condições materiais e humanas para o pleno funcionamento do órgão indigenista, impedindo o cumprimento da missão institucional da Funai e, assim, o atendimento à Constituição Federal no que concerne aos direitos garantidos aos povos indígenas.

     

    Por isso, trazemos ao debate: a necessidade de que todas as Coordenações Técnicas Locais entrem em funcionamento para o adequado trabalho junto aos povos indígenas; de que as Coordenações Regionais sejam dotadas de estrutura física e de pessoal qualificado para a execução de suas atribuições; a desburocratização e promoção da autonomia técnico-administrativas das Coordenações Regionais; a criação de normativas que aprimorem e agilizem os procedimentos internos da Funai; a criação e aprovação do Plano de Carreira Indigenista que reconheça e valorize a real situação na lida diferenciada dos funcionários desta Fundação com as comunidades indígenas; a participação indígena e de servidores nas discussões sobre a reestruturação da Funai; a realização de concurso público para provimento total dos 3100 cargos previstos no Decreto 7056/09, incluindo a previsão de cotas para indígenas; a discussão e construção conjunta e participativa do Regimento Interno; e, que o orçamento da Funai seja compatibilizado às suas demandas, dentre outras ações estruturantes para a Fundação, como reivindicações a serem discutidas para além da greve.

     

    Como manifestado pelo movimento indígena[3], repudiamos ais  a impunidade, a violência e a perseguição de lideranças indígenas; os grandes empreendimentos em territórios indígenas e a falta de poder de decisão dos povos indígenas sobre a construção desses empreendimentos, em contradição à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT; a diminuição dos territórios indígenas; o enfraquecimento da legislação indigenista e da política ambiental que interfere diretamente na disponibilidade e na qualidade dos recursos naturais essenciais para a sobrevivência física e reprodução cultural dos povos indígenas; a tentativa de, por meio da PEC 215, transferir ao Congresso Nacional a competência para a demarcação e homologação de terras indígenas. 

     

    Repudiamos ainda a recomendação inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff de submeter à aprovação do Ministério de Minas e Energia todos os processos de regularização fundiária de terras indígenas antes da expedição de decreto homologatório; a morosidade nos processos de regularização fundiária; o desmonte do Código Florestal; a discussão do projeto de lei que regulamenta a mineração e o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas sem considerar as proposições contidas no novo Estatuto dos Povos Indígenas, que está em tramitação no Congresso há mais de uma década; a Portaria 419, que atropela os trâmites técnico-processuais próprios ao processo de licenciamento ambiental, em favor de maior celeridade na condução dos empreendimentos de infraestrutura nacionais.

     

    Exigimos do Estado as condições adequadas para a regularização fundiária e a proteção dos territórios indígenas; a melhoria dos serviços de saúde prestados aos povos indígenas; a valorização dos processos educacionais indígenas e o diálogo intercultural simétrico que respeite as especificidades étnicas e culturais de cada povo; a participação dos povos indígenas no planejamento decenal dos setores de infraestrutura e energético, responsável pelos projetos de empreendimento que afetam diretamente seus territórios; a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas; a regulamentação do direito de consulta dos povos indígenas, conforme disposto na Convenção 169 da OIT; ação efetiva dos demais órgãos afetos a políticas indigenistas, a exemplo do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, dentre outros; capacidade administrativa para a Funai coordenar, implementar, executar e acompanhar toda a política indigenista do estado brasileiro.

     

    Convidamos os povos indígenas, por meio de suas principais esferas de representação, como APIB, COIAB, ARPINPAN, ARPINSUL, ARPINSUDESTE, APOINME, ATY GUASSU, bem como as demais organizações e iniciativas indígenas de nível local e regional a se juntarem a nós, servidores do órgão indigenista oficial, na construção conjunta desse movimento que visa à garantia efetiva dos direitos indígenas e indigenistas.

     

     

    Servidoras e Servidores em Greve da Funai

     

     

    [1] Durante as décadas de 1970 e 1980 há um intenso processo de discussão e politização do movimento indígena e indigenista não oficial, que culmina na participação decisiva de algumas lideranças indígenas na construção do texto constitucional vigente.

     

    [2] Aprovada por meio de Decreto Presidencial (nº 7.747, de 05 de junho de 2012) e não por meio de um Projeto de Lei, que garantiria maior segurança e força do ponto de vista jurídico.

     

    [3] Documento Final do IX Acampamento Terra Livre – Carta do Rio

     

     

     

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  • 04/07/2012

    Povo Tupinambá retoma área de ocupação tradicional em Ilhéus

    No último dia 30 de junho de 2012, cerca de 70 indígenas do povo Tupinambá retomaram uma área na região do Santana, município de Ilhéus, sul da Bahia, conhecida como Fazenda Fé em Deus.

     

    O cacique Tupinambá Luciano Jesus informou que a comunidade tomou esta decisão devido a constantes ameaças que vinham sofrendo pela propreitária da fazenda invasora das terras indígenas, acusando-a de contratar jagunços para intimidar a comunidade. Fato este que vem ocorrendo desde o ano passado, afirmou Luciano.

     

    Segundo o cacique o objetivo é de reaver o que é deles, desse modo a retomada foi feita de forma pacífica. Ainda segundo Luciano Jesus as ações de retomada, ainda é a única maneira dos Tupinambá defenderem o território reivindicado, e também fazer com que as autoridades competentes agilizem o processo de regularização do território. 

     

    O cacique Luciano informou que eles permanecem na área ocupada, e até o presente momento tudo permanece tranqüilo. A comunidade reclamou da ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai), que até o momento não apareceu e nem prestou nenhuma assistência a comunidade.

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  • 04/07/2012

    Meu caro e inesquecível Antônio Brand

    Meu caro e inesquecível Antônio Brand,

     

    Fiquei profundamente abalado quando hoje de manhã o nosso comum amigo Egon Heck me deu a notícia de tua partida e depois tua filha querida me telefonou e chorando me disse: Meu amado pai se foi. Não consegui traduzir minha dor em palavras. Falei apenas que iria rezar por ti e te recomendar ao Pai e lembrar-te na Eucaristia.

    Dom Erwin Kräutler (esquerda) e Antonio Brand (direita) eleitos para a coordenação nacional do Cimi

     

    Os anos que lutamos juntos no Cimi passaram de repente como um filme diante de mim. Lembrei a assembleia em Itaici (1983) em que fomos eleitos para presidir a entidade. Lembrei muito mais ainda a sintonia que entre nós reinava todos esses anos de luta em favor dos povos indígenas de nosso País. Foram anos decisivos para a causa indígena, pois era a época da assembleia nacional constituinte. Não podíamos perder a chance de ancorar os direitos indígenas na Constituição Federal. E creio não exagerar quando afirmo que o teu empenho foi decisivo. Quantas vezes foste ao Congresso para encontrar-te com deputados e senadores a fim de convencê-los a respeito da dignidade e dos direitos dos povos indígenas. Como não recordar também a virulenta campanha contra o Cimi, deslanchada pelo jornal de maior circulação neste País! Como sofremos com as calúnias e difamações veiculadas durante cinco dias por aquele matutino! E quando sofri aquele misterioso acidente que quase ceifou minha vida, tu foste visitar-me no hospital em Belém para me confortar, expressar tua solidariedade, mais ainda, para assegurar-me que estavas pronto para continuar a luta apesar dos ataques da parte dos inimigos da causa indígena. Sou-te eternamente grato, Antônio, por tua dedicação. E os povos indígenas também o são!

     

    Quem pensava que a festa de casamento de tua filha querida fosse o nosso derradeiro encontro. Ficaste tão feliz naquele dia! Nunca te vi tão alegre e contente. Tive ainda a oportunidade de visitar a terrinha que te viu nascer. Sem o sabermos, foi nossa despedida neste mundo.

     

    Agora tu ves face a face o nosso Deus cheio de bondade e misericórdia. A morte é apenas a ponte para a vida em plenitude. Passaste hoje por esta ponte. Nós, do lado de cá, continuaremos em peregrinação.

     

    Abraços, com gratidão,

     

    Erwin,

    bispo do Xingu e presidente do Cimi

     

    Santarém, PA, 3 de julho de 2012

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  • 03/07/2012

    Nota de falecimento: Morre o indigenista e historiador Antonio Brand

    Faleceu na manhã desta terça-feira, 3, no Rio Grande do Sul, o indigenista e historiador Antonio Jacó Brand, 62 anos. O motivo atestado da morte foi falência múltipla de órgãos.

     

    Desde o final da última semana, Brand se recuperava de um ataque cardíaco na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre.

     

    Logo após cirurgia no coração para acertar um problema na válvula mitral, procedimento considerado simples pelos médicos, Brand sofreu um infarto e não resistiu. O sepultamento ocorrerá em São José do Sul (RS), cidade natal de Brand.

     

    Com tristeza e consternação o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) recebe a notícia e se une à família de Brand numa dor inexprimível, repleta de ausência e perplexidade.

     

    Todavia, de memória do abnegado lutador da causa indígena. Junto aos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, estado em que residia, Brand esteve durante cerca de 30 anos, até sua morte. Pela Nação Guarani desprendeu grande esforço intelectual e de militância.

     

    Em Brasília, o indigenista desempenhou imprescindível papel na batalha pelos artigos indígenas na Constituinte de 1987-88, sendo vítima de criminalizações, mas sem jamais abandonar a luta.  

     

    Brand foi o fundador do Cimi no Mato Grosso do Sul e secretário executivo da organização, entre as décadas de 1980 e 1990. Atualmente lecionava no Departamento de História da Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande (MS), orientando alunos no mestrado e doutorado. 

     

    A atuação indigenista de Brand ocorria atualmente por intermédio do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (GAPI) e à frente do Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas (NEP).

     

    Nosso querido Antonio Brand parte para a viagem mais misteriosa da existência humana, mas nos deixa uma vida clarividente e plena de feitos maravilhosos. Por ora fica a dor, inevitável de ser sentida; porém, jamais podemos perder a esperança de seguir adiante na luta que Brand teve destacada participação, a luta dos povos indígenas.

     

    Na hora em que nos inclinamos pesarosos diante da vontade de Deus e de seus juízos insondáveis, agradecemos ao Pai a dádiva que nos concedeu na pessoa de Antonio Brand, incansável defensor da dignidade dos povos indígenas e de seus direitos.

     

    Brasília, 2 de julho de 2012

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  • 03/07/2012

    Nota das lideranças Aty Guasu Guarani e Kaiowá para as autoridades do Brasil

    O objetivo desta nota das lideranças da Grande Assembleia Guarani e Kaiowá Aty Guasu é lamentar o atropelamento e morte da liderança Guarani Kaiowá “Zezinho” ou José de Almeida Barbosa, da terra em conflito Laranjeira Ñanderu, município de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul. Além disso, é socializar a trajetória de luta árdua do Zezinho, que é uma luta comum às outras lideranças Guarani e Kaiowá.

     

    Ele era umas das lideranças ameaçadas de morte por lutar pelas efetivações dos direitos indígenas e justiça. Por essa razão, o Zezinho falava de forma repetitiva na assembleia Aty Guasu: “Estou lutando pela recuperação de nossa tekoha antiga Laranjeira Ñanderu, é para nossas crianças, por isso logo serei morto, eu sei disso. Mas vou lutar até morrer”.

     

    O Zezinho como qualquer outro líder indígena guarani-kaiowá, e porta voz da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, ao longo das últimas duas décadas, participou de todas as grandes assembleias Aty Guasu. Além disso, nos últimos cinco (5) anos, ele tem participado de várias audiências com todas as autoridades federais, reivindicando reiteradamente a devolução do território indígena Laranjeira Ñanderu, denunciando as violências e ameaças contra as indígenas, demandando os recursos para as áreas de saúde e educação escolar, etc.

     

    Assim, quase todo o dia, Zezinho ia a pé e/ou de bicicleta atrás de autoridades municipal, estadual e federal para buscar soluções possíveis para as demandas da comunidade indígena da área em conflito. Por isso mesmo, ele é bem conhecido tanto pelas autoridades federais locais como pelas autoridades nacionais.

    Pela última vez, no dia 25 de junho de 2012, o Zezinho saiu de bicicleta do acampamento em conflito Laranjeira Ñanderu para demandar o transporte escolar para crianças indígenas que andam diariamente 6 km para pegar o ônibus escolar municipal.

     

    Durante o trajeto, o Zezinho foi atropelado e estava no hospital em Dourados desde 25/06/2012, em estado grave. O Zezinho, infelizmente não resistiu e morreu ontem (01/07/2012) às 16h00min, no hospital em Dourados/MS. Diante disso, é importante destacar que uma das preocupações e demandas do Zezinho é sobre o meio de transporte das lideranças dos territórios em conflito.

     

    Várias vezes, ele reivindicava que “as Fundações Federais (FUNAI, FUNASA, etc.) responsáveis pela assistência e proteção dos Índios deveriam transportar nós lideranças das terras em conflitos. Nós corremos risco de vida andando a pé pela estrada, muitas lideranças já foram atropelados nas estradas”. Ele repetia essa frase.

    Lembramos ainda que uma vez, na reunião da Aty Guasu, Zezinho falou: “é muito difícil conseguir carona com pessoal da FUNAI e FUNASA/SESAI, a gente pede e pede, mas parece que eles não gostam de transportar nós lideranças não, por isso, hoje vim a pé, andei um pouco e depois pequei carona, cheguei agora à reunião.”

     

    A família extensa do Zezinho é originária do território tekoha guasu Laranjeira Ñanderu, ele nasceu nesse tekoha. Ele é casado tem dois filhos, quatro filhas e vários netos. O Zezinho, além de reivindicar o território antigo tekoha guasu Laranjeira Ñanderu, passou a ocupar a função importante de porta voz da Aty Guasu.

     

    O Zezinho pregava, de modo similar a demais lideranças Guarani e Kaiowá, na grande assembleia aty guasu que: “nós lideranças guarani-kaiowá que lutamos pela recuperação dos nossos territórios antigos tekoha guasu “nós nunca devemos desistir de lutar pelo nosso tekoha e jamais abandonar nossos familiares e companheiros de luta”. “Até devemos morrer, se for preciso pela nossa tekoha guasu, para salvar muita vida e futuro de nossas crianças”, “mas abandonar a tekoha nunca, porque nos pertencemos ao nosso tekoha guasu”. Estas são também algumas frases que o líder Zezinho compartilhava e repetia com frequência.

     

    É importante destacar que a porta voz e liderança indígena que luta especificamente pela terra antiga, na tradição e cultura do povo Guarani Kaiowá, é um cargo vital irrenunciável e imutável.

    Baseado nisso o Zezinho com vida não deve abandonar o território antigo que ele reocupou com seu grupo de parentela e filhos (as), netos (os), porém o território antigo reocupado Laranjeira Ñanderu e os parentes foram abandonados fisicamente por Zezinho no dia 01/07/2012, por que foi atropelado de forma cruel, somente por isso Zezinho abandonou já sem vida o território tradicional tekoha guasu reocupado.

     

    No sentido amplo, com máxima honra e profundo respeito, reconhecemos que o Zezinho morreu lutando pela terra e justiça, de modo igual às várias lideranças, tais como: Marçal, Dorival, Dorvalino, Xurite, Genivaldo, Rolindo Vera, Nisio Gomes, entre outros. Frente a esse fato cruel em que lutamos e sobrevivemos, mais uma vez, pedimos que seja investigado e punido o autor e mandante do crime.

     

     Por fim, destacamos que a luta do Zezinho e das demais lideranças Guarani e Kaiowá assassinadas citadas acima continuam e continuarão para sempre. Nós todas as lideranças Guarani e Kaiowá podemos ser morto e/ou morremos, mas esta luta árdua pela recuperação dos territórios antigos não morrerá, por ser uma luta justa e digna que por essa razão a luta justa do ZEZINHO é e será uma luta vital, forte e infinita.

     

    Atenciosamente,

     

    Laranjeira Ñanderu/ Rio Brilhantes/MS, 02 de julho de 2012.

     

    Lideranças/Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá/MS

     

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  • 02/07/2012

    MPF sustenta que investigação de protesto contra Belo Monte é de competência federal

    O Ministério Público Federal no Pará apresentou hoje à comarca da Justiça Estadual em Altamira uma arguição de incompetência absoluta para que a investigação sobre os protestos contra Belo Monte ocorra na esfera federal, diante da origem das acusações investigadas: a ameaça representada pela obra da usina contra os direitos indígenas. Em casos similares, de acordo com a jurisprudência juntada pelo MPF, o Supremo Tribunal Federal têm afirmado que a competência é da Justiça Federal.

    “A Constituição determina a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de causas envolvendo disputa sobre direitos indígenas”, argumenta o pedido, assinado pelos procuradores da República Bruno Gutschow, Cláudio Terre do Amaral, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr,. Com o pedido, o MPF espera que a Justiça Estadual decline da competência. Se isso ocorrer, as investigações passam a ser feitas pela Polícia Federal, com acompanhamento do MPF e da Justiça.

    Em uma das decisões do STF citadas na arguição, a corte suprema decidiu que, tendo em vista que a Constituição da República impôs à União o dever de preservar as populações indígenas, “é competente a Justiça Federal para julgar o feito (um homicídio, no caso citado), não estando a Justiça Estadual, na presente ordem constitucional, legitimada a conhecer das infrações penais cometidas por ou contra indígenas”.

    Para o MPF, a origem do ilícito atualmente investigado pela Polícia Civil do Estado do Pará – acusações contra indígenas e integrantes do movimento Xingu Vivo para Sempre de danos patrimoniais no escritório do canteiro de obras – é a usina de Belo Monte e a ameaça que constitui às terras e recursos naturais dos povos indígenas do Xingu. Os próprios documentos do licenciamento ambiental da obra atestam o impacto grave sobre os índios.

    “Caso a usina seja construída, vai interferir de maneira drástica nas condições de vida da população indígena de Altamira e da população indígena da Volta Grande”, diz o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte. A Funai, ainda no licenciamento, confirma: “as maiores preocupações dos índios referem-se à perda dos peixes, das praias e das casas, ao aumento da incidência de doenças e da violência”

    A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, determina que a Fundação Nacional do Índio, órgão da União, participe das apurações em quaisquer irregularidades envolvendo povos indígenas, o que também atrai a competência da Justiça Federal. Além disso, há evidente interesse federal no caso, já que apenas uma semana depois do episódio apurado pela Polícia Civil, um grupo de indígenas de várias etnias ocupou um canteiro de obras de Belo Monte e o próprio Consórcio Construtor tentou a reintegração de posse junto à Justiça Federal.

    “Os documentos juntados com a inicial denotam a gravidade do problema, uma vez que diversos índios, aparentemente armados, estão ocupando área de terceiros, no claro intuito de paralisar a construção da barragem, haja vista que é do conhecimento público a discordância da população indígena e parte da população civil daquela região com o empreendimento”, disse a juíza federal Priscilla Pinto de Azevedo ao negar o pedido de reintegração de posse. Para o MPF, todos os elementos do caso afirmam a competência federal.

     

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