• 26/08/2012

    Guerreiros da Paz: povos indígenas do MS tiveram mais uma semana intensa de mobilizações na luta por seus direitos

    Os povos indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram mais uma semana intensa de mobilizações na luta por seus direitos, especialmente seus territórios, condição básica para a verdadeira paz no Mato Grosso do Sul. Os fazendeiros alardearam na imprensa regional a declaração de guerra contra os Kaiowá Guarani, que estão retornando às suas terras tradicionais. Descrentes de qualquer avanço na garantia de suas terras, por parte do Governo Federal, resta-lhes a fidelidade a seus lideres religiosos (Nhanderu) que decidem o que fazer.

     

    Participaram do 2º Congresso Camponês “Encontro Nacional Unitário dos trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas”.

     

    Diferentemente do que ocorreu há 51 anos, quando se realizou o primeiro Congresso Camponês, em Belo Horizonte, agora os povos indígenas estavam ali presentes, articulados, dando seu recado e sua efetiva contribuição para construir uma unidade das populações que vivem no campo. Naquela ocasião a população indígena era estimada em menos de 100 mil pessoas, destinadas ao desaparecimento. Conforme os últimos dados do IBGE, hoje são quase um milhão, falando 270 línguas e constituídos em 305 povos. Mas não apenas tiveram um grande aumento demográfico, como se constituíram em importantes atores políticos e sociais, protagonistas de importantes lutas no campo.

     

    Em Brasília, além de participar dos debates e mobilizações de milhares de camponeses, quilombolas e populações tradicionais, estiveram com dezenas de representantes de organismos do Estado brasileiro. A ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, ouviu a denúncia das violências e ameaças que pesam sobre inúmeras comunidades e lideranças indígenas na região. A declaração pública de guerra contra essas populações chamou a atenção da ministra, que se comprometeu empenhar-se na investigação dos crimes praticados, bem como buscar segurança para as comunidades e lideranças ameaçadas, particularmente no sul do cone sul, na fronteira com o Paraguai. Além disso, prometeu seu empenho para agilizar a demarcação e garantia das terras indígenas no estado, razão de tanta violência e conflito. E sinalizou com a sua ida à região para melhor sentir essa realidade que desafia e envergonha o país. Enquanto estavam com a ministra, informações da área denunciavam mais um ataque à comunidade, na qual havia sido destruídos barracos dos indígenas da retomada de Arroio Korá.

     

    Protocolaram documentos no Supremo Tribunal Federal, solicitando urgência no julgamento dos vários processos envolvendo as terras indígenas, como Nhanderu Marangatu, Arroio Korá, que já forram homologadas pelo presidente Lula e que estão liminarmente suspensos.

     

    Na AGU: racismo explícito

     

    A delegação indígena do Mato Grosso do Sul também foi registrar seu protesto contra a portaria 303. Quiseram entregar ao presidente do órgão, Luis Inácio Adam, documento pedindo a imediata revogação da portaria, unindo-se ao clamor dos demais povos indígenas do país, que unissonamente vem reiterando esse pedido. Foram informados de que ele não se encontrava no trabalho e não tinha previsão de retornar ao prédio (verdade ou blefe?).  Lindomar Terena entregou o documento ao assessor deixando claro que assim como já passaram ali inúmeras delegações com o mesmo pedido, isso continuaria até que fosse assinada a revogação dessa portaria.

     

    Enquanto os indígenas aguardavam no saguão do prédio, uma senhora, bem vestida, ao sair da porta e se deparar com os indígenas, mostrou o quanto esse país ainda é racista, ao declarar: "Aqui tem mais índio do que gente". Alguns indígenas imediatamente disseram que ela tivesse cuidado com o que fala. Ela apenas apressou o passo em direção à rua. Esse fato foi relatado ao representante da AGU.

     

    No Palácio do Planalto "pacificar"

     

    No quarto andar do Palácio do Planalto mais de uma dezena de representantes de órgãos e instituições ligados fundamentalmente aos direitos humanos e segurança, haviam sido convocados pela Secretaria Especial da Presidência da República, para discutir as medidas cabíveis diante das últimas violências no Mato Grosso do Sul, com o desaparecimento do indígena Kaiowá Guarani, Eduardo Lopes e a morte de uma criança, em conseqüência do ataque à retomada no Arroio Korá, no município de Paranhos.

     

    Durante quase duas horas foram feitos os relatos dos acontecimentos pelas lideranças indígenas e solicitadas providências urgentes, especialmente por parte dos órgãos de segurança, mormente, a Polícia Federal e a Guarda Nacional.

     

    Mesmo diante da urgência de medidas de proteção às comunidades e lideranças, os representantes dos órgãos de segurança, assim como a presidente da Funai, alegaram que não seria possível fazer determinadas ações de segurança devido ao corte de verbas para as diárias e passagens. Porém, foi anunciada a solicitação de condições para a presença de efetivo da Guarda Nacional em Paranhos e Iguatemi.

     

    Como a palavra de ordem era "pacificar o Mato Grosso do Sul", foi anunciada pela secretaria Especial da Presidência da República a ida de uma delegação do Governo Federal àquele estado com o intuito de dialogar com o governo e órgãos locais, na perspectiva de apaziguar a situação.

     

    Os guerreiros da paz tiveram mais uma missão de exigir justiça, diante da guerra que lhes foi declarada. Aguardam ativamente as providências prometidas.

     

    Cimi 40 anos, 25 de agosto de 2012.

    Egon Heck

    Povo Guarani Grande Povo

    Read More
  • 24/08/2012

    Ayres Britto: mantenha a decisão do TRF-1 sobre Belo Monte!

    Como era esperado, a Advocacia Geral da União (AGU) recorreu na tarde desta sexta-feira, 24, ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pela invalidação da licença prévia e de instalação da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Pará.

     

    A AGU argumenta que o STF já decidiu, em voto monocrático da ex-ministra Ellen Gracie, pela validade do Decreto Legislativo 788, que autorizou o executivo a construir Belo Monte. Portanto, que a decisão do TRF-1 não pode prevalecer sobre a Corte Suprema do país.

     

    Os desembargadores do TRF-1 decidiram, no último dia 14, de forma colegiada e por unanimidade, que a obra não atende a determinação da consulta prévia e informada às comunidades impactadas direta ou indiretamente – conforme manda a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

     

    Com isso, o governo federal pretende mais uma vez adotar medidas autoritárias para seguir adiante com a obra. Juridicamente, a AGU ajuizou a chamada Reclamação, que caiu diretamente no gabinete do presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto.

     

    Desse modo, a validade da decisão colegiada dos desembargadores da 5ª Turma do TRF-1 em parar Belo Monte está nas mãos do ministro. “A consulta deve ser prévia, não póstuma. Não podemos aceitar essa ditadura que vemos no Brasil. Faz a obra e pergunta depois. Isso afronta a Constituição. A vontade das comunidades indígenas precisam ser ouvidas e respeitadas”, disse o desembargador Antônio de Souza Prudente após a decisão da 5ª Turma.

     

    Está nas mãos do ministro Ayres Britto impedir que tal ditadura se instale de vez no Brasil. O que as comunidades tradicionais do Xingu pedem, bem como o conjunto da sociedade brasileira, é que o ministro ouça o Ministério Público Federal (MPF) e que Belo Monte só saia caso os afetados sejam ouvidos se querem ou não seus territórios físicos e simbólicos afetados pela ação devastadora do empreendimento.

     

    A AGU usa de um recurso criado no período da ditadura militar ao pedir que a decisão monocrática de um ministro do STF valide uma intervenção que poderá afetar milhares de pessoas, suas culturas e o meio ambiente. No entendimento do próprio ministro Ayres Britto, para os indígenas os territórios são “totens horizontais”, não possuindo valor comercial ou de lucro. Já para o ministro Celso de Mello, a Constituição deve proteger o “meio ambiente cultural” de tais comunidades e que, portanto, tais espaços não podem ser vilipendiados. Ambos assim se pronunciaram em recente julgamento envolvendo a Terra Indígena Caramuru Catarina-Paraguaçu, no sul da Bahia. 

     

    Brasília, 24 de agosto de 2012

     

    Movimento Xingu Vivo Para Sempre

    Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib)

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    Comissão Pastoral da Terra – CPT

    Plataforma Dhesca

    Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

    Justiça Global

    Terra de Direitos

    Ocupa Sampa

     

    Abra seu e-mail AGORA e encaminhe esta mensagem ao ministro Ayres Britto (audienciaspresidencia@stf.jus.br) com o seguinte título: Ayres Britto: mantenha a decisão do TRF-1 sobre Belo Monte!

     

    Assista ao vídeo:

    Read More
  • 24/08/2012

    Informe nº 1028: Indígenas Potiguara protestam por mais segurança

    Por Luana Luizy,

    de Brasília

     

    Manifestação índios Potiguara em João PessoaAproximadamente 250 indígenas Potiguara saíram em caminhada do Ministério Público Federal (MPF) da Paraíba até a Assembleia Legislativa do estado, em João Pessoa, nesta quarta-feira, 22. Os indígenas protestaram por mais segurança e denunciaram as mortes e ameaças que vêm sofrendo.

     

    Em audiência com representantes do governo paraibano, Procuradoria da República e presidência da Assembleia Legislativa, os indígenas solicitaram mais patrulhamento nas aldeias Potiguara, entre os municípios de Baía da Traição, Rio Tinto e Armação.

     

    “Muitas denúncias já foram feitas, mas a criminalidade continua aumentando. A comunidade fica reprimida em seus lares. Hoje o Povo Potiguara está vulnerável a ameaças e atos como: roubos, assaltos, drogas, entre outros”, aponta o documento entregue pelos Potiguara ao presidente da Assembleia Legislativa, Ricardo Marcelo.

     

    O atentado contra o cacique Aníbal Cordeiro, da aldeia Jaraguá, Rio Tinto, que levou cinco tiros após ter sua casa arrombada por dois homens encapuzados, enquanto jantava com sua família numa noite de domingo de 2009. Neste ano, o Cacique Geral Sandro Gomes Barbosa teve familiares abordados por seis homens armados a sua procura. Ameaças também ao Cacique Genival Pintado, da aldeia Santa Rita e a tragédia anunciada: a morte do Cacique Geusivan, da aldeia Brejinho, neste mês de agosto.

     

    Todos estes episódios foram relatados no documento de denúncia às autoridades. “A Justiça brasileira deve tomar responsabilidade sobre quem matou o Cacique Geusivan. Vou levar um documento para a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República”, afirma Capitão Potiguara, também ameaçado de morte. Cacique Geusivan Silva de Lima foi morto no último dia 5 de agosto, depois de permanecer seis dias internado devido ao atentado que sofreu na aldeia Brejinho, município de Marcação.

      

    A liderança levou três tiros, sendo dois na cabeça. A lesão o fez perder massa encefálica. Na mesma ocasião os pistoleiros atiraram contra Claudemir Ferreira da Silva, o Cacau, não-indígena que fazia a segurança de Geusivan e atirou-se contra os assassinos para protegê-lo. O atentado não é um ato isolado; ameaças e mortes são frequentes entre os Potiguara que atualmente vivem sob clima de tensão.

     

    “Queremos que a Justiça apure o caso. Atualmente está um clima de medo dentro da aldeia, mas não podemos sair e ficar à mercê de novas ameaças”, lamenta o Capitão Potiguara.

     

    Questão fundiária     

     

    No último mês de abril a comunidade da aldeia Brejinho retomou 90 hectares de área ocupada por fazendeiro de cana de açúcar – localizada dentro da terra indígena já demarcada, mas sem extrusão realizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

     

    Cacique Geusivan liderou os indígenas, apesar das dificuldades oriundas do fato de ter tido uma perna amputada depois de acidente automobilístico. Tão logo se deu a reocupação da área, a comunidade colocou abaixo toda a plantação de cana, iniciando a construção de moradias e abrindo roçados.

     

    A medida atendeu decisão dos 32 caciques Potiguara: dentro das terras indígenas do povo, nenhuma muda de cana deveria ser plantada e as lavouras existentes não renovadas; os arrendamentos de terra, por fim, impedidos. Como as cidades de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição se confundem com as aldeias, o policiamento foi intensificado para combater roubos e violências.

     

    Tais medidas e a retomada de abril fizeram com que Geusivan passasse a sofrer ameaças. Nos últimos meses recebeu telefonemas dizendo que iriam arrancar a outra perna dele, além de avisos dando conta de que sua vida seria ceifada. Com os outros caciques não foi diferente, incluindo o cacique geral.

     

    “Esperamos e ainda confiamos que as autoridades não fechem os olhos para o povo indígena. Basta o que sofremos no período da colonização quando grande parte do nosso povo foi criminalizado pelos invasores, pedimos que a justiça seja feita para evitar mais mortes de nossas lideranças”, reitera o cacique Sandro Gomes Barbosa.

     

    Situação das terras indígenas  

     

    Os Potiguara do litoral norte da Paraíba se dividem em 32 aldeias entre as três terras indígenas registradas e declaradas pelo governo: Jacaré do São Domingos, Potiguara de Monte Mor e São Miguel. Juntas somam35.328 hectares. A ocupação não-indígena nelas é acentuada. Em São Domingos, posseiros plantadores de cana conseguiram liminares na Justiça para continuarem na terra já registrada.

     

    Em São Miguel uma usina de cana ocupa área de 14 mil hectares e joga no rio que corta o território vinhoto, inutilizando-o para a pesca do camarão e peixe, prática tradicional dos Potiguara, durante seis meses no ano. Já nas aldeias que compõem a terra Monte Mor, a presença não-indígena ultrapassa 7 mil indivíduos em 1.653 ocupações, além de mais usinas de cana de açúcar.

     

    “É muita covardia: dentro de nossa terra, da qual somos filhos, andamos assombrados. Porém, não tenho medo de bandido e se tiver que morrer defendendo meu povo, se essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não vou abandonar a luta”, enfatizou o cacique geral Sandro Potiguara na ocasião da morte de Geusivan.

     

     

    Read More
  • 24/08/2012

    Pastorais Sociais, Organismos da CNBB e movimentos sociais realizam seminário sobre a 5º SSB

    Por Francisco Vladimir Lima da Silva

    Membro do Serviço Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Fortaleza, jornalista

    Adital

     

    Nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 2012 bispos, coordenadores das pastorais sociais, organismos e movimentos sociais realizam um seminário em preparação da 5ª Semana Social Brasileira. As atividades iniciaram com uma avaliação do processo e realização da Cúpula dos Povos que aconteceu no mês de junho passado. Os outros dias serão dedicados ao processo de realização da 5ª Semana Social Brasileira com um estudo do tema proposto "Estado para que e para quem” e os encaminhamentos de continuidade tendo em vista o momento nacional que acontecerá de 20 a 25 de maio de 2013. O encontro está acontecendo no Instituto São Boaventura situado no Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) quadra 915 – Brasília – DF.

    Para o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz e Bispo de Ipameri – Goiás, dom Guilherme Werlang, esse momento será de olhar para o que foi feito até aqui nesse processo que começou em 2011, "perceber quais os ganhos até aqui, avaliar e encaminhar os próximos passos, como também começar a coletar as sistematizações que devem chegar dos regionais, das dioceses, das pastorais sociais e dos movimentos sociais do Brasil”.

     

    Encontro da Coordenação Nacional das Pastorais Sociais

     

    Os coordenadores das pastorais sociais e organismos da Igreja do Brasil estão reunidos do Instituto São Boaventura com os objetivos de fortalecer a articulação entre as pastorais sociais e organismos da CNBB, dar visibilidade às práticas das pastorais sociais e organismos enquanto serviço da Igreja, e compreender o "chão” do trabalho das pastorais sociais e organismos e olhar para os desafios atuais. No dia 20, foi realizada uma analise de conjuntura seguida da partilha das atividades das pastorais sociais e organismos. Ontem, 21, as pastorais sociais e organismos discutiram as perspectivas das pastorais sociais, organismos e movimentos sociais, com a contribuição de Rosilene Wansetto, integrante da Rede Jubileu Sul Brasil, do professor José Antonio Moroni, do Inesc, e do professor padre José André da Costa, do Instituto de Filosofia Berthier.

     

    A reflexão dos expositores buscou localizar o diálogo entre pastorais e organismos sociais da CNBB com o movimento social pensando em perspectivas futuras. "Este momento de reflexão é importante porque historicamente as pastorais sociais e movimentos sociais no Brasil fazem uma caminhada unida pautando lutas e desafios comuns para uma melhoria das condições de vida do povo, por isso é importante retomar esse processo, essas articulações”, afirma padre Ari dos Reis.

     

    Além de dom Guilherme Werlang, os bispos dom José Moreira Neto (Três Lagoas – MT), dom José Luis Salles (Pesqueira – PE), dom Enemésio Lazzaris (Balsas – MA), dom Pedro Stringhini (Franca – SP) e Dom Sebastião (Viana – MA), participam do encontro nacional das pastorais sociais. Participa também do encontro um representante de cada pastoral social e organismo.

     

    Semana Social Brasileira

     

    As Semanas Sociais são parte da ação evangelizadora da Igreja em muitos países. Uma nova Semana Social Brasileira tem como primeira referência a experiência das semanas anteriores, com a clara consciência de que não se trata de repetir fórmulas.

    Visite a página eletrônica www.semanasocialbrasileira.org.br e acesse as mídias virtuais.

    Contatos: Padre Ari dos Reis, assessor da CNBB – Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz ou Francisco Vladimir, assessor de comunicação da 5a. Semana Social Brasileira (85) 8922 0089, (85) 9969 7804 ssbcomunicacao@cnbb.org.br

     

    Read More
  • 24/08/2012

    ”Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos”. Entrevista especial com Lucia Helena Rangel

    “As cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas”, declara a antropóloga.

    Confira a entrevista.

     

    “A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas”, diz a antropóloga Lúcia Helena Rangel, ao comentar os dados do Relatório de Violência 2011 contra as comunidades indígenas. Segundo ela, as situações de violência e descaso com os povos indígenas são recorrentes e se manifestam não só através dos conflitos territoriais, mas também em casos de racismo e na tentativa de suprimir os direitos das comunidades assegurados na Constituição Federal. “Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e aportaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos”, assinala em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

    De acordo com a antropóloga, como as mudanças propostas contra os direitos indígenas sempre “esbarram no princípio constitucional”, surge um “movimento no âmbito do Legislativo para modificar o princípio constitucional”. Para ela, as elites brasileiras não querem reconhecer os direitos indígenas e criam indisposições entre a população e as comunidades, gerando um discurso racista, especialmente diante dos indígenas que vivem nas cidades. “O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente, mas quando analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões”, aponta. E dispara: “Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos. Então, o índio nunca tem um lugar”.


    Lucia Helena Rangel
     é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.


    Confira a entrevista. 

     

    IHU On-Line – Quais são os dados mais alarmantes do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil? Comparando com os relatórios anteriores, o que destaca?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – É difícil mencionar o que é mais alarmante, porque algumas situações se repetem a cada ano, com variações. Assim, em determinados momentos, o desmatamento chama mais atenção, em outros, a saúde etc. No ano de 2011, registramos um quadro grave, que já tinha sido destacado em anos anteriores e que diz respeito à situação da saúde dos povos do Vale do Javari, no estado do Amazonas. O Vale do Javari é uma área muito grande, demarcada, e que abriga diversos povos, sendo que muitos deles possuem comunidades isoladas no meio do mato, com os marubos, corubos, os matis, os canamari. Entretanto, as populações que vivem na beira dos rios estão sofrendo de verdadeiras epidemias de malária, de hepatite e das doenças aéreas: gripes, tuberculose, pneumonia. Nessas comunidades, a mortalidade infantil é muito alta. As lideranças indígenas relatam que nos últimos dez anos houve 300 mortes. Não temos como saber, de fato, qual é o tamanho dessas populações, mas vamos supor que seja algo em torno de três a quatro mil pessoas. Nesse caso, 300 mortes em 10 anos é muito.


    Outro caso grave, identificado através do relatório, é a situação do povo guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul, onde há uma taxa de homicídios de cem mortos por cem mil pessoas. Essa taxa é maior do que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi já denunciou os casos de genocídio, e essas denúncias já chegaram à ONU, a organismos internacionais, e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar tal situação. Entretanto, não se toma nenhuma providência. Outro problema muito complicado é o desmatamento. Este ano destacamos violações ao patrimônio indígena, depredação, retirada ilegal de recursos naturais, incêndios criminosos etc.


    Comparando os dados deste relatório com os relatórios anteriores, não temos como dizer se a situação dos indígenas melhorou ou piorou. Às vezes piora, às vezes melhora, mas isso não significa nenhuma tendência nem de melhorar, nem de piorar. A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas.


    IHU On-Line – Qual a situação dos xavantes no Mato Grosso? Os conflitos também estão atrelados à disputa pela terra?


    Lucia Helena Vitalli Rangel 
    – No caso dos xavantes, a situação mais complicada é a da terra indígena Marãiwatsèdè. Essa terra está foi invadida por fazendeiros e está em litígio há muitos anos. As comunidades não se conformaram com as ocupações indevidas e tentam reaver o seu território na integralidade. Além de terem acesso a pouca terra, eles são pressionados pelo desmatamento oriundo da pecuária, do agronegócio, da soja, das queimadas, do envenenamento de rios etc. Além disso, a mortalidade infantil entre os xavantes foi alarmante nos anos de 2009 e 2010. 


    Há uma relutância da Funai diante destes conflitos, porque o órgão cria projetos, faz levantamentos, identifica as terras que devem ser demarcadas, mas não conclui tais projetos, e mesmo quando há conclusão, quando os relatórios são publicados, não há continuidade nas ações. Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina há estradas em que se veem placas indicando “Cuidado, indígenas na estrada”, como se eles fossem animais selvagens.


    IHU On-Line – Quais são as etnias que mais sofrem por causa da violência e dos conflitos de terra?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – No extremo sul da Bahia, o povo pataxó tem sofrido há décadas pressões e violências brutais, tais como assassinatos, emboscadas em estradas, tiroteios, incêndios de escolas, de casas, de roçados por parte de fazendeiros que não querem admitir que as terras dos pataxós e dos tupinambás, que vivem nessa região, sejam demarcadas. Eles afirmam que o governo do estado da Bahia concedeu as terras para eles e, portanto, têm mais direitos do que os índios. Entretanto, ninguém leva em conta que o próprio governo da Bahia foi o primeiro a violar os direitos indígenas ao conceder as terras a um fazendeiro qualquer, considerando que muitos deles nem eram daquela região.


    Outras etnias vítimas da violência são os guarani e os kaingang, no Sul; os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os guajajara e os awá-guajá, no Maranhão; os turucá, em Pernambuco e no Norte da Bahia. Outra situação interessante de apontar é o caso de Roraima, da terra indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem os povos uapixana, macuxi, e outros. Ali havia registros de violência brutal durante muitos anos. A luta foi longa, mas finalmente em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal – STF corroborou a homologação que já havia sido feita pelo então presidente da República, concedendo aos indígenas a terra, os relatos de violência, em 2011, praticamente sumiram dos relatórios. Isso prova que a situação dos indígenas melhora se as terras forem demarcadas. 


    Por mais que haja posições contrárias de alguns senadores e deputados, que dizem que os índios de Roraima vivem nas cidades no meio do lixão, devemos lembrar que essa situação é muito anterior à demarcação. O que nós comparamos não é a situação dos indígenas que vivem na cidade de Boa Vista, mas a situação de violência dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol.


    IHU On-Line – A disputa pela terra é a principal razão pelos conflitos entre indígenas e não índios? Que outros problemas são gerados em decorrência da não demarcação das terras?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – O pano de fundo é a questão da terra. Entretanto, não podemos reduzir tudo a essa questão. Mas inúmeros problemas vêm daí, porque quando uma terra não está reconhecida, os índios não têm acesso à assistência de saúde, não recebem programas de educação escolar, não recebem insumos agrícolas, projetos de alimentação etc. Então, trata-se de uma questão fundiária, de disputa pelas terras indígenas e de não reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras. Os indígenas têm um modo de vida baseado na relação com a terra, com o território, com a natureza. E essa relação é a base da vida deles.


    No Mato Grosso do Sul, cerca de dez reservas indígenas de kaiowá-guarani foram demarcadas. A Funai levou todas essas comunidades para dentro dessas terras, e elas viraram um barril de pólvora por causa da superlotação. Há conflitos internos entre comunidades que não se entendem; há casos de alcoolismo, falta de perspectiva etc. Além disso, eles não conseguem trabalhar a terra porque não tem espaço para isso. Então há consequências graves por causa da falta de demarcação das terras.


    IHU On-Line – Como vê o projeto desenvolvimentista brasileiro, que propõe a expansão do parque energético em áreas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais, como o caso do Xingu e do Tapajós? Como ficam os povos indígenas diante desses projetos?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – Cada rio da bacia amazônica tem um tipo de potencial hidrelétrico, e são todos discutíveis, porque alguns rios têm um potencial maior, outros, menor. O quanto isso vai beneficiar a produção econômica, as cidades brasileiras, a população que vive nas cidades, também é uma coisa a ser discutida, porque os mais prejudicados com essas construções, com esses empreendimentos, são as populações ribeirinhas e as populações indígenas. 


    No rio Madeira, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estão sendo feitas em uma região onde há comunidades indígenas isoladas, que ainda não fizeram um contato regular com os agentes do Estado brasileiro e a sociedade. O que vai acontecer com essa gente, nós não sabemos. Por onde eles vão escapar? Eles vão morrer ou não? Vão pegar epidemia ou não? Não há como saber.


    Hidrelétricas 


    Em Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, vive uma população indígena que já tem contato regular com a sociedade. Ocorre que essa população da região da Volta Grande já foi deslocada em momentos anteriores. Então, trata-se de uma população que tem essa memória, que sabe o quanto custa um empreendimento desses. Quando a Transamazônica foi construída, essa população não foi ouvida, os impactos não foram avaliados corretamente, e o próprio Ibama reconhece isso.


    Diante de empreendimentos como Belo Monte, os empreendedores e os representantes do Estado dizem para a população de Altamira o seguinte: “Os indígenas não querem que vocês tenham acesso à energia”. Então cria um conflito que é insuportável. 


    No Tapajós, acontece a mesma coisa. O complexo hidrelétrico de Tapajós vai alagar terras indígenas. Prioritariamente, quase todas as hidrelétricas que foram construídas nesse plano de desenvolvimento afetaram os povos indígenas, a exemplo de Itaipu, Tucuruí entre outras. 


    Por causa da transposição do rio São Francisco, por exemplo, o povo Truká foi afetado pela transposição do rio, porque o canal dividiu a terra deles ao meio, e usou parte do território para instalar canteiros de obras. Os próprios indígenas denunciam e reclamam das consequências, como o aumento do alcoolismo, da prostituição, da falta de emprego e da diminuição das terras agriculturáveis. Nesse caso do rio São Francisco, transpõe-se o rio para irrigar terras, mas quem está na beira do canal perde área cultivável. Quer dizer, trata-se de um contrassenso da obra ou de uma falta de respeito pelos indígenas que viviam ali. Por que o canal tem que cortar a terra ao meio?


    IHU On-Line – Os índios têm clareza dessa situação, das implicações das obras? No caso de Belo Monte, por exemplo, algumas etnias estão divididas. Eles acabam sendo cooptados pelo Estado?


    Lucia Helena Vitalli Rangel 
    – É sempre assim. Têm aqueles que, em troca de algum dinheiro ou algum benefício, trabalham para que a obra se realize. A consequência disso, depois da obra pronta, é um conflito interno muito grande, porque aqueles que se beneficiaram não dividem o benefício com toda a comunidade.


    Um exemplo são os indígenas que vivem próximo ao rio Tocantins. O povo xerente foi afetado pela hidrelétrica do Lajeado, que teve a barragem construída no “pé” da terra deles. À época, algumas lideranças se apressaram e quiseram convencer todo mundo de que eles deveriam aceitar o dinheiro da mitigação do impacto – e a mitigação do impacto nessas obras acaba sendo sempre o dinheiro. Então, quando eles aceitam, recebem um valor monetário determinado, para implementarem projetos dentro da área. Mas com esse valor, criam uma associação, constroem uma sede na cidade, compram veículos (tanto ambulâncias como camionetes e caminhões), computadores, telefones. Posteriormente, tudo isso gera uma fase de insatisfação e reclamações. Aumentam os conflitos entre as comunidades que vivem dentro da mesma área, porque umas ganharam mais dinheiro, outras ganharam menos benefícios. Claro, não cabe à empresa que vai construir a hidrelétrica resolver esse problema, mas a atuação dos agentes do Estado podia levar em conta essas coisas, porque elas são conhecidas. 


    Agora, quando alguém oferece dinheiro para as comunidades, todo mundo fica enlouquecido pelo dinheiro. Então, esse é um problema muito sério e muito complicado. Quem sou eu, por exemplo, uma professora e antropóloga, para dizer a um indígena que, se ele aceitar esse dinheiro, posteriormente enfrentará muitos problemas? Trata-se de outro processo de conscientização, de análise, que demandaria um esforço diferente no tratamento dessas questões com os indígenas. A pressa em propor essas formas de mitigação é que faz com que alguns indígenas também se sintam atraídos e aceitem, de “mão beijada”, coisas que trarão consequências graves para a sua comunidade.


    IHU On-Line – De acordo com os dados do Cimi, a homologação das terras indígenas diminuiu drasticamente de 145 registros no governo Fernando Henrique Cardoso para 79 no governo Lula e apenas três no governo Dilma. Quais as razões dessa redução? O que essa mudança na política governamental sinaliza?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – Cada governo enfrenta um tipo de pressão. Da gestão Lula para cá, o governo tem cedido demais às pressões dos fazendeiros, das empreiteiras, daqueles interessados ou nos grandes projetos, nas grandes obras ou no agronegócio. O governo faz alianças políticas e depois tem que dar a contrapartida. Isso é evidente, no caso do Mato Grosso do Sul, porque há uma pressão muito forte do governo estadual, dos empresários do agronegócio. Até o judiciário, no Mato Grosso do Sul, é contra os indígenas, sendo que existem leis, que há uma Constituição Federal. Mas ninguém respeita.


    IHU On-Line – E ainda são publicadas a portaria 303 da AGU, a PEC 215…


    Lucia Helena Vitalli Rangel 
    – Exatamente. Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos. 


    Outro exemplo foram as discussões em torno da mudança do Código Florestal, que acabou sendo aprovado na Câmara Federal através dos piores princípios. Por exemplo, em 2010 as discussões das mudanças do Código Florestal desencadearam um verdadeiro vandalismo. No Mato Grosso, as terras indígenas foram afetadas pelo desmatamento de uma forma violenta. Segundo a Polícia Federal, cem terras indígenas foram afetadas, além de 20 unidades de conservação.


    IHU On-Line – Como compreender tais portarias diante do artigo 231 da Constituição Federal?


    Lucia Helena Vitalli Rangel 
    – A Constituição Federal é uma “salva guarda”, ela resguarda os direitos cidadãos. Então, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos indígenas às suas terras, a ocupação originária etc. Portanto, o reconhecimento do direito é constitucional, e é o princípio mais importante. Agora, a aplicabilidade do direito não depende somente da Constituição Federal; há de ter uma regulamentação. No caso dos povos indígenas, a regulamentação acontece através do Estatuto do Índio. Depois de 1988, quando a Constituição foi promulgada, deu-se início à discussão de elaborar um novo Estatuto do Índio, porque o Estatuto que vigora até hoje é de 1970.


    IHU On-Line – Que aspectos do Estatuto do Índio deveriam ser atualizados?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – Teria de fazer um novo estatuto, porque o vigente foi baseado em outros princípios, como o princípio da integração do índio à comunhão nacional, o princípio de que as terras indígenas devem ser protegidas ou administradas pela Funai e o princípio de que, em nome da segurança nacional, as terras indígenas podem ser violadas. Entretanto, o direito Constitucional de 1988 modifica esse princípio, como modifica também o princípio da tutela. Então, há de ter um novo estatuto, porque o atual foi elaborado durante a ditadura militar. 


    Há mais de 20 anos uma nova proposta de Estatuto do Índio tramita no Congresso Nacional e na Câmara Federal. O novo texto nunca foi votado, porque primeiro os deputados querem votar a Lei da Mineração, a mudança do Código Florestal, para tirar os direitos indígenas, e depois fazer o Estatuto do Índio. Mas como as mudanças sempre esbarram no princípio constitucional, há outro movimento no âmbito do Legislativo, para modificar o princípio constitucional. Não há meio das nossas elites reconhecerem os direitos indígenas e, assim, começam a inventar coisas. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul inventaram que os índios queriam 600 milhões de hectares, área maior do que o estado do Mato Grosso do Sul. Mas eles não querem 600 milhões de hectares; querem o pedaço que lhes cabem. Essa distorção fomenta a discórdia, criam uma indisposição entre a população local e os indígenas. Ações como essa geram racismo, preconceito. Parece que não há nem um pouco de vergonha em manifestar isso contra os indígenas.

    Além disso, outros dizem que alguns índios não são mais índios, porque têm cabelo crespo, moram na cidade, são “misturados”, quer dizer, eles têm menos direitos do que os outros. Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar.


    IHU On-Line – De acordo com os dados do censo, existem 305 etnias indígenas no país. Como estão os estudos atuais sobre essas culturas? Há conhecimento desta diversidade? 


    Lucia Helena Vitalli Rangel 
    – Para os antropólogos, essa diversidade é uma realidade, e como tal é considerada. Entretanto, nem os antropólogos possuem este número, porque só o IBGE consegue fazer um censo nacional e ter esse alcance. O que os pesquisadores conseguem nas universidades, nos seus laboratórios de pesquisa, é sistematizar os dados. Foi importante o IBGE publicar essa informação de 305 etnias. Não sei exatamente como é a definição de etnia do IBGE, mas são muito provavelmente relativas à autodenominação da comunidade ao falar o nome do povo. Supunha-se que fossem 280 etnias, mas o IBGE fala que é 305. É um dado mais preciso e importante.


    IHU On-Line – O que os dados do censo revelam sobre os indígenas brasileiros? Algum dado lhe surpreendeu?


    Lucia Helena Vitalli Rangel
     – No censo do ano 2000, havia um dado da população autodeclarada indígena. Desses, 52% viviam em cidades e 48% viviam nas terras indígenas, em aldeias. Então, no censo de 2010, inverteu o número. A população indígena que vive na cidade está em volta de 47% e 48% e a população que vive em aldeia está em torno de 52% e 53%. O dado demonstra que a população indígena que vive em cidades é muito grande, e o Estado, através da Funai, reluta em reconhecer essas comunidades como sendo comunidades indígenas, porque não quer lhes atribuir direitos. Então, aqueles índios que vivem na cidade não são considerados indígenas. Portanto, estão excluídos do artigo 231. O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente. Quando, porém, analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões. Então, a migração é um recurso para as comunidades. 


    Além disso, as cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas. Quando iam para as cidades, eles eram presos, escorraçados, expulsos. Quando iam ao médico, iam e voltavam para casa escoltados pela Funai. A Constituição, bem ou mal, é democrática, e nesse sentido abriu direitos que não estavam previstos, como a ampliação do direito de ir e vir, que é um direito civil do cidadão. Então, a conquista do ambiente humano também é uma conquista para os indígenas, que eles não têm mais que ficar escondidos nos fundos das fazendas, trabalhando quase como escravos, visto que não possuem terra e não têm lugar para onde ir. Então, há uma série de movimentos dessa população que vão configurando também novos perfis. Nesse sentido, os dados do IBGE são muito importantes para pensarmos essas questões e para aprofundarmos em nossas pesquisas.

     

    Read More
  • 23/08/2012

    TRF1 sobre Belo Monte: “Não podemos admitir um ato congressual no estado democrático de direito que seja um ato de ditadura”

    A Norte Energia já paralisou as obras civis. O acórdão com a ordem para realização das consultas indígenas foi divulgado hoje

     

    A Norte Energia S.A, responsável pela construção da usina de Belo Monte, paralisou hoje as obras civis em Altamira e Vitória do Xingu, depois de receber o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou a paralisação. A decisão atendeu pedido do Ministério Público Federal no Pará e anulou o decreto legislativo 788/2005 e todas as licenças concedidas pelo Ibama para o empreendimento.

     

    Para a 5ª Turma do TRF1, formada pelos desembargadores Antonio Souza Prudente, João Batista Moreira e Selene Almeida, o decreto que autorizou Belo Monte só poderia ter sido aprovado pelo Congresso Nacional depois dos estudos de impacto ambiental e das consultas indígenas. Eles consideram que, pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição brasileira, os índios têm o direito de exercer a participação democrática e decidir previamente sobre seu destino e o das futuras gerações.

     

    “Somente será possível ao Congresso nacional autorizar o empreendimento Belo Monte, consultadas previamente as comunidades indígenas, diante dos elementos colhidos no estudo de impacto ambiental e respectivo relatório conclusivo, porque, do contrário, a letra da Constituição é letra morta, é um faz de conta. Não podemos admitir um ato congressual no estado democrático de direito que seja um ato de ditadura, um ato autoritário, um ato que imponha às comunidades indígenas um regime de força”, diz o voto do relator Antonio Souza Prudente, acolhido por unanimidade pela 5ª Turma.

     

    Para o Tribunal, Belo Monte causará “interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua qualidade de vida e patrimônio cultural”. Portanto, o debate sobre a consulta indígena em Belo Monte se sobrepõe a qualquer outro interesse de cunho político e econômico, “é questão que excede o mero interesse individual das partes e afeta de modo direto o interesse da comunidade em geral”.

     

    “Embora possa estar aqui pregando no deserto, não posso deixar de mencionar que talvez estejamos, no caso de Belo Monte, apenas diante da primeira construção de uma grande usina, com potenciais de impacto imenso no meio ambiente, e que afetará populações indígenas e ribeirinhos e, eventualmente, outras populações tradicionais que não são mencionadas nos autos. Não podemos começar errando”, disse a desembargadora Selene Almeida em seu voto.

     

    “Nossos quinhentos anos de erros relativamente ao trato com os povos indígenas não mais se justificam, à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos e da consciência social e ética que este país adquiriu, principalmente após a redemocratização”, completou. A desembargadora Selene Almeida questionou ainda o planejamento do setor energético: “se o Estado brasileiro sabe, a priori, quais serão os locais de possível construção, não existe motivo para a improvisação que ora se assiste no tema de consulta prévia de povos indígenas relativamente às obras que os afetarão de forma permanente, irreversível”

     

    O desembargador João Batista Moreira afirmou que o que o Ibama, a Funai e a União vêm alegando serem as consultas indígenas não passaram de processo de informação às comunidades. “Estas não foram ouvidas, mas simplesmente ouviram o que os servidores do Poder Executivo tinham para lhes dizer. Não foi um processo de audiência, mas processo inverso, unidirecional”, afirmou.

     

    Guinnes Book – Ao contrário do que havia definido o desembargador Fagundes de Deus no julgamento anterior do mesmo caso, os desembargadores afirmaram agora que o decreto 788/2005 jamais foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No julgamento anterior, o desembargador Fagundes de Deus apresentou a tese de que uma decisão monocrática da então presidente Ellen Gracie havia declarado a constitucionalidade do decreto.

     

    O acórdão refutou a tese de Fagundes de Deus: só decisão colegiada da maioria absoluta dos membros do STF pode declarar a constitucionalidade. “O decreto Legislativo 788/2005 tem um histórico bem estranho nos anais do Congresso Nacional. Tudo indica que é um decreto encomendado para ser empurrada uma autorização goela adentro para a implantação do projeto hidrelétrico Belo Monte”, diz o voto de Souza Prudente.

     

    Na época da votação, o então senador pelo Pará, Luiz Otavio Campos, chegou a se espantar com a rapidez da tramitação do decreto 788. “Isso não bate! Essa história de que Belo Monte vai resolver o apagão, essa obra é para 10, 15, 20 anos. Então o motivo não é o apagão. Não é possível, em uma sessão como a de hoje, chegar aqui de pára-quedas o projeto, e termos de votá-lo hoje. Porque tem que ser hoje? Em quatro dias! É recorde mundial. Com certeza esse projeto vai para o Guinness Book”, registram as notas taquigráficas da sessão do Congresso, citadas pelo TRF1 na decisão que parou Belo Monte.

     

    Processo número 2006.3903.000.711-8

     

    Íntegra do acórdão

     

    Outros trechos da decisão

     

    Ministério Público Federal no Pará

    Assessoria de Comunicação

    (91) 3299-0148 / 3299-0177

    ascom@prpa.mpf.gov.br

    http://www.prpa.mpf.gov.br

    http://twitter.com/MPF_PA

    http://www.facebook.com/MPFPara

     

    Read More
  • 23/08/2012

    Todo apoio do Povo Ka’apor à luta contra Belo Monte

    Prezados parentes e amigos que estão sofrendo ameaças com a construção de Belo Monte. Assim como vocês estão sofrendo ameaças com a construção dessa hidrelétrica, nós, Povo Ka’apor, do Maranhão, estamos sofrendo com as ameaças e invasões de madeireiros e fazendeiros em nosso território por causa de nossos bens naturais, as nossas florestas e tudo que existe nela. São fazendeiros, madeireiros, donos de serraria, prefeitos, e outras pessoas que comandam a invasão de nosso território. Não temos nenhum apoio e nem proteção do governo do Estado, nem da FUNAI e outros órgãos que deveriam garantir a proteção de nosso território. A gente tem percebido que esses órgãos têm abandonado a proteção dos povos que protegem as florestas e rios.

    A gente ficou muito alegre com a notícia de que a Justiça suspendeu as obras de Belo Monte, que mostra o desrespeito das empresas, do governo federal e estadual com os direitos dos povos que vivem e depende do Rio Xingu para viver. A gente é solidário à luta de vocês contra esse monstro. Nós estivemos em outubro de 2011 com vocês no Seminário dos Povos do Xingu, em Altamira, Pará, e vimos como deve ser difícil enfrentar as ameaças dessas empresas que estão invadindo, ameaçando o Rio Xingu. Continuem contando sempre com nossa solidariedade, nosso apoio. Vamos continuar torcendo e lutando com vocês para continuarem vivendo e protegendo o Rio Xingu.

    Associação Ka’apor ta hury do Rio Gurupi – KAAPORTARUPI

    Comissão de Educação Ka’apor.

    Povo Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu

    Read More
  • 23/08/2012

    Movimento Tapajós Vivo realiza encontro

    Por Guenter Francisco Loebens,

    de Itaituba, Pará

     

    Com o objetivo de organizar a resistência contra a imposição das hidrelétricas do rio Tapajós foi realizado nos dias 21 e 22 de agosto, de 2012, um encontro na comunidade ribeirinha de Pimental, município de Itaituba/PA, promovido pelo Movimento Tapajós Vivo, com a presença do Procurador Dr. Felício Pontes do MPF/PA e 60 lideranças comunitárias, indígenas, religiosas e de organizações da sociedade civil.

     

    O complexo hidrelétrico previsto para o rio Tapajós é composto pelas hidrelétricas São Luiz do Tapajós, Jatobá, Cachoeira do Caí, Jamanxim e Cachoeira dos Patos, nos rios Tapajós e Jamanxim.

     

    Para uma melhor compreensão dos possíveis impactos sócio-ambientais que as barragens, se construídas provocarão no rio Tapajós, das estratégias governamentais que serão usadas para sua instalação e das formas de resistência popular, Antonia Melo (Movimento Xingu Vivo) e Márcia Nunes Maciel (Instituto Madeira Vivo) fizeram um relato sobre as experiências de enfrentamento das hidrelétricas no Rio Xingu e no Rio Madeira.

     

    O líder de Pimental, Odair Pereira Matos denunciou o desrespeito das empresas a serviço do projeto de construção da hidrelétrica São Luís, que chegam à comunidade com o objetivo de realizar pesquisas, sem pedir licença.  Pimental é uma das comunidades a ser alagada pelo empreendimento. O Estudo de Impacto Ambiental da hidrelétrica de São Luis (EIA) está em pleno andamento.

     

    As lideranças Munduruku das terras indígenas do médio rio Tapajós, que serão afetadas, manifestaram-se veementemente contrárias à construção das barragens, assim como as lideranças comunitárias de Pimental. “Quando eu penso nos meus filhos dói no meu coração”, afirmou um líder Munduruku.

     

    De acordo com o Procurador, a exemplo do que ocorreu com Belo Monte, no Rio Xingu, que teve sua licença prévia de instalação invalidada pelo Tribunal Regional Federal 1º(TRF 1º), também em relação às hidrelétricas do rio Tapajós está sendo desrespeitado o direito das comunidades indígenas e ribeirinhas de serem consultados de forma prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT. No caso dos povos indígenas o direito de consulta também é uma disposição constitucional e a oitiva deve ser realizada pelo Congresso Nacional. Isso quer dizer que de acordo com a lei existe um vício de origem e que tudo o que foi feito até agora não tem validade.

     

    O Movimento Tapajós Vivo ao final do encontro estabeleceu como seu objetivo maior “defender a vida do rio Tapajós contra todas as ameaças e morte e o direito dos povos indígenas, ribeirinhos e das populações locais”. Com base nesse objetivo formulou suas estratégias de articulação, mobilização e enfrentamento.

     

    Read More
  • 22/08/2012

    Mensagem da Assembleia do Regional Goiás/Tocantins em celebração aos 40 anos do Cimi

    À beira do rio Tocantins, em Miracema (TO), bispos, missionários e missionárias, indígenas dos estados de Goiás e Tocantins, nos reunimos para celebrar os 40 anos de uma nova forma de presença, luta e testemunho missionário junto aos povos indígenas.

     

    Foi um grande momento de agradecimento e louvor ao Deus da Vida pela caminhada esperançosa de quatro décadas junto aos povos indígenas.

     

    A memória perigosa e o sangue dos mártires nos reanimaram em nosso compromisso com a causa desses povos, em sua caminhada de luta, resistência e afirmação de seus projetos de vida, de Bem Viver.

     

    Vemos com alegria que povos praticamente condenados ao desaparecimento, como os Avá Canoeiro, assumiram a luta pelos seus direitos, especialmente seu território tradicional. Igualmente vemos com esperança a crescente participação e protagonismo das mulheres nas lutas pela vida e direitos dos povos indígenas da região.

     

    Constatamos que os decretos de extermínio dos povos indígenas perpassaram esses 40 anos e continuam se atualizando a cada dia, através de um sistema perverso de negação e violação dos direitos desses povos.

     

    Após os sofrimentos e ameaças dos grandes projetos, como as hidrelétricas, agora pesam sobre os povos da região e do país, as ameaças da extração mineral (Projeto de Lei 1.610), com seu mar de lama e destruição do meio ambiente e impacto mortífero sobre as populações.

     

    Com eles denunciamos as intenções e práticas genocidas embutidos na portaria 303, no PEC 215 e outras iniciativas e ações advindas dos três poderes, que desrespeitam e ferem a Constituição e os direitos originários desses povos, por seus territórios, recursos naturais e formas plurais de viver em paz e serem felizes.

     

    Continuaremos apoiando os processos de informação e formação das comunidades indígenas, na perspectiva de fortalecer seu poder de mobilização na luta pelos seus direitos e construção da autonomia em seus territórios.

     

    Continuaremos honrando o sangue mártir dos que tombaram e deram sua vida pela causa indígena nestes 40 anos do Cimi, selando e renovando nosso compromisso e testemunho com essa causa.

     

    Que as águas revoltas dos rios represados e os fortes ventos de agosto nos embalem no renovado vigor de nossa missão com a vida, direitos e Bem Viver dos povos indígenas de Abya Yala, Ameríndia, América.

     

    Miracema, TO, 22 de agosto de 2012.

     

    Cimi Regional Goiás/Tocantins

     

    Povos: Avá Canoeiro, Xerente, Krahô, Karajá, Apinajé, Krahô-Kanela, Karajá de Xambioá, Tapuia, Javaé

     

    Read More
  • 22/08/2012

    Declaração do Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas

    Terminou hoje o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas. Reunidos desde o dia 20 em Brasília, sete mil representantes de organizações camponesas, agricultores, pescadores, quilombolas, povos indígenas e tradicionais aprovaram um declaração exigindo “o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois campo não suporta mais [a política do governo]”, aponta o texto. O documento também indica a necessidade do fortalecimento da luta e da unidade política entre as organizações sociais.


    Para as lideranças indígenas que participaram do encontro, é fundamental que surja uma articulação nacional como essa, de resistência e de luta pela garantia da terra do território entre os indígenas e o campo e a cidade, que prepare pautas comuns e processos unitários de luta entre si em torno da luta por direitos, por autonomia e por soberania.


    Repressão

    Na quarta, 22, os participantes finalizaram o encontro realizando uma marcha do Parque da Cidade até a Praça dos Três Poderes. O protesto, chamado de “Manifestação dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas”, foi recebido com spray de pimenta, cassetetes, cães e bombas de gás lacrimogêneo pela Tropa de Choque do Exército, pela Polícia Militar e pela segurança do Planalto – além da presença tradicional dos Dragões da Independência – apelidados de “paquitos” pelos manifestantes.


    Leia o documento final na íntegra.


    Por Terra, Território e Dignidade!

     

    Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.

     

    Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.

     

    Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no campo.

     

    Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.

     

    Nós estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.

     

    A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.

     

    Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.

     

    O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.

     

    Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.

     

    Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.

     

    Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.

     

    O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.

     

    Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.

     

    Diante disto, afirmamos:

     

    1) a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

     

    2) a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e  formas de produção e reprodução,  que marcam e dão identidade ao território.

     

    3) a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.

     

    4) a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.

     

    5) a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à  cooperação, agroindustrialização e comercialização.

     

    6) a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.

     

    7) a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.

     

    8) a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora.  Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.

     

    9) a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador,  que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.

     

    10) a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.

     

    Nos comprometemos:

     

    1. a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao  inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.

     

    2. a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.

     

    3. a fortalecer a luta pela reforma agrária  como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.

     

    4. a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.

     

    5. a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.

     

    6. a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.

     

    7. a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.

     

    8. a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

     

    9. a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.

     

    10. a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.

     

    11. a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.

     

    Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais.  Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.

     

    Brasília, 22 de agosto de 2012.

     

    Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)

    Associação das Mulheres do Brasil (AMB)

    Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)

    Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)

    Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

    Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

    Cáritas Brasileira

    Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)

    Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)

    Comissão Pastoral da Pesca (CPP)

    Comissão Pastoral da Terra (CPT)

    Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)

    Central Única dos Trabalhadores (CUT)

    Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)

    Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)

    Fase

    Greenpeace

    Inesc

    Marcha Mundial das Mulheres (MMM)

    Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

    Movimento Camponês Popular (MCP)

    Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)

    Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)

    Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

    Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)

    Oxfam Brasil

    Pastoral da Juventude Rural (PJR)

    Plataforma Dhesca

    Rede Cefas

    Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)

    SINPRO DF

    Terra de Direitos

    Unicafes

    Via Campesina Brasil

     

    Read More
Page 610 of 1202