• 19/02/2013

    Vida e morte Guarani-Kaiowá: Denilson, Marçal e o Papa

    Tiros na cabeça. O corpo estendido no chão é colocado em um carro e jogado longe do local da execução. Pistoleiros e seguranças da fazenda, cumprem a sina de matadores dos Kaiowá Guarani, na deflagrada guerra contra esse povo. Denilson Barbosa, de 15 anos, da aldeia de Tey’Ikuê, município de Caarapó, terra indígena do mesmo nome, é mais uma das centenas de vítimas do genocídio a que estão submetidos os Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul.

     

    O assassinato se dá num contexto de vários ataques e violências contra as aldeias e acampamentos desse povo no início de 2013. Denilson foi executado por ter ido pescar, no entorno da terra indígena.

     

    A não demarcação das terras pelo Governo Federal é a principal causa do assassinato. Os confinamentos, como o de Caarapó, tornam as famílias desse povo cada vez mais dependentes da cesta básica, com uma alimentação deficiente e inadequada, aprofundando ainda mais a cultura da dependência e a infame realidade de menos de meio hectare de terra por habitante, poderá agravar ainda mais a situação de violência e morte.

     

    Recentemente representantes dos interesses políticos e econômicos da região entregaram documento à presidente Dilma, reafirmando sua decisão contra o reconhecimento das terras indígenas.  Os mesmos objetivos manifestaram em reunião com o ministro da Justiça.

     

    Enquanto a notícia da execução do jovem Kaiowá começava a ser divulgada, já na tarde do dia 18 de fevereiro, em Brasília, nas dependências da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, se instalava a Comissão Especial Guarani-Kaiowá, com o intuito de somar esforços na garantia dos direitos desse povo e evitar mais violências, hostilidades e negação dos direitos.  Infelizmente os Kaiowá Guarani não foram integrados à comissão, mas certamente o serão para a próxima reunião. Comissão com o mesmo escopo foi criada em nível da Secretaria Geral da Presidência da República, uma vez que a situação desse povo é prioridade neste ministério.

     

    Em 1980, o Guarani Marçal Tupã’y já denunciava ao Papa João Paulo II, a história de massacre contra seu povo. Foto: Paulo Suess

    O Papa e os índios

     

    Denilson Kaiowá poderia ser um dos jovens a se encontrar com o Papa na programada jornada Mundial da Juventude que em julho se realizará no Rio de Janeiro. O Papa renunciou e Denilson foi assassinado, após ser espancado, no Mato Grosso do Sul. Num início de noite no centro de Manaus, no Amazonas, em julho de 1980, o Guarani Marçal Tupã’y se dirigia com veemência ao Papa João Paulo II, denunciando a história de massacre de seu povo, e as violências contra os povos indígenas no Brasil. Três anos depois ele seria brutalmente assassinado, em Campestre, na terra indígena Nhanderu Marangatu, no município de Antonio João, onde morava e trabalhava como enfermeiro.

     

    Chicão Xukuru, também externou ao Papa as preocupações dos povos indígenas no Brasil, quando de encontro com João Paulo II, em Cuiabá, no mês de outubro de 1991. Falou das ameaças que sofrem as lideranças indígenas que lutam pelos direitos de seus povos, especialmente a demarcação e garantia de suas terras e territórios. Pouco tempo depois foi assassinado.

     

    Em 2007 os povos indígenas no Brasil expuseram ao Papa Bento XVI suas preocupações com a grave situação de negação de direitos e violências cometidas contra os povos indígenas em nosso país.

     

    No momento da renúncia do Papa, dos assassinatos das lideranças indígenas e não garantia de seus territórios e recursos naturais, das contínuas invasões, pressões e destruição das terras indígenas, com perplexidade fica a indagação: quando haverá efetivamente respeito aos direitos desses povos e cessarão as violências e genocídios dos povos primeiros desse continente Abya Yala, América, Ameríndia?

     

    Reza e resistência

     

    As informações da região Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, dão conta do importante momento em que muitas comunidades estão fortalecendo sua resistência e luta, construindo casas de reza – oga pisy, e realizando os rituais, jerosy pucu. Uma demonstração de que a secular resistência e a afirmação de seus projetos de vida na busca da terra sem males, se fortalecem e lhes dá a garantia da vida e da vitória.

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  • 18/02/2013

    Guarani Kaiowá de 15 anos é assassinado com tiro na cabeça

    Denilson Barbosa, de 15 anos, morador da aldeia Tey’ikue, foi encontrado morto no domingo, 17, no município de Caarapó (MS)

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  • 14/02/2013

    Adolescente é resgatada de prostíbulo em Belo Monte

    Menina de 16 anos foge de boate onde polícia encontrou 15 mulheres em situação de cárcere privado e regime de escravidão. Caso pode ser caracterizado ainda como tráfico de pessoas*

     

    A Polícia Civil de Altamira, no Pará, encontrou 14 mulheres e uma travesti em regime de escravidão e cárcere privado em um prostíbulo localizado em área limítrofe de um dos canteiros de obras da hidrelétrica de Belo Monte. A operação foi realizada na noite desta quarta-feira, 13, após denúncia de uma garota de 16 anos, que conseguiu fugir. A adolescente procurou a conselheira do Conselho Tutelar, Lucenilda Lima, que acionou a polícia.

    Prostíbulo onde garotas estavam confinadas. Foto: Bruno Carachesti/Diário do Pará.

     

    De acordo com o delegado Rodrigo Spessato, que comandou a operação, as mulheres, de idade entre 18 e 20 anos – além da jovem de 16, todas provenientes dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – eram confinadas em pequenos quartos sem janelas e ventilação, com apenas uma cama de casal, e havia cadeados do lado de fora das portas. Em depoimentos ao delegado, as vítimas afirmaram que podiam ir à cidade de Altamira uma vez por semana, por uma hora, mas eram vigiadas pelos funcionários da boate.

     

    Além da situação de cárcere privado, a polícia encontrou no local um caderno onde eram anotadas as dívidas das meninas, como gastos com passagens, alimentos e vestimentas, além de “multas” por motivos diversos.

     

    Ameaça de morte

     

    Após a ação, a policia civil resgatou, além da adolescente, quatro  meninas e uma travesti. Segundo Lucenilda, do Conselho Tutelar, as demais disseram ter muito medo de retaliações, uma vez que o dono da boate teria ameaçado seus familiares que moram no Sul. Em entrevista à reportagem, uma das jovens resgatadas contou que, assim que a adolescente de 16 anos conseguiu fugir, o gerente a seguiu com uma arma.

     

    “Ele saiu atrás dela armado e disse que não custava matar uma, que ninguém ficaria sabendo”, afirma a garota, que tem 18 anos. Procedente de Joaçaba, no interior de Santa Catarina, ela conta que lá trabalhava em uma boate cuja cafetina era “sócia” do dono da boate no Pará. “Viemos em nove lá de Joaçaba. Falaram para a gente que seria muito bom trabalhar em Belo Monte, que a gente ganharia até R$ 14 mil por mês, mas quando chegamos não era nada disso”, conta.

     

    “Já de cara fizemos uma dívida de R$ 13 mil por conta das passagens [valor cobrado do grupo]. Aí temos que comprar roupas, cada vestido é quase R$ 200, e tudo fica anotado no caderninho pra gente ir pagando a dívida. E tem também a multa, qualquer coisa que a gente faz leva multa, que também fica anotada no caderno. Depois de cada cliente, a gente dava o dinheiro para o dono da boate pra pagar as nossas dívidas, eu nunca ganhei nenhum dinheiro para mim”, explica a garota.

     

    Sobre as condições às quais foram submetidas na boate, ela conta que morava com outras três meninas em um pequeno quarto muito quente, e que realmente não tinha permissão de sair do local. “Eles ligavam o ar condicionado só por uma hora. A gente tinha que trabalhar 24 horas por dia; quando tinha cliente, tinha que atender”, afirma.

     

    “De comida, tinha almoço e janta. Se você estava trabalhando na hora do almoço, tinha que esperar a janta. Se desse muita fome, a gente tinha que comprar um lanche. O gerente da boate dizia que a gente só poderia sair depois de pagar todas as dívidas, e que nem adiantava reclamar porque ninguém ia nos ajudar, ele era amigo da justiça e nunca ninguém ia fazer nada contra ele. Mas ele disse que se a gente falasse, eles iam atrás dos nossos filhos e parentes lá no Sul.”

     

    Belo Monte

    Sobre os clientes, ela conta que eram exclusivamente trabalhadores de Belo Monte. “Eram operários, eram gerentes, tinha de tudo. Todo mundo que trabalha na obra vinha na boate”, explicou.

     

    O delegado Rodrigo Spessato diz não saber se o prostíbulo está dentro ou fora dos limites do canteiro de obras. A conselheira Lucenilda Lima relata, no entanto, que para chegar à boate foi preciso atravessar o canteiro de Pimental, um dos principais da usina. “Foi uma burocracia na entrada para a gente conseguir passar. E lá mesmo toda hora passavam os carros e tratores de Belo Monte, então eu considero que a boate está na área da usina”.

     

    Na ação, a polícia civil efetuou a prisão de dois funcionários da boate, mas não encontrou o proprietário. Segundo Spessato, além de exploração sexual de menor, cárcere privado e regime de escravidão, o caso poderá ser caracterizado como tráfico de pessoas, e os responsáveis pelo prostíbulo, processados por estes crimes.

     

    Como o canteiro de Pimental fica no município de Vitória do Xingu, o caso está sendo apurado pela delegacia dessa cidade. O delegado local chegou a Altamira na manhã desta quinta-feira para tomar os depoimentos das vítimas e dos dois funcionários presos, e uma nova ação voltará à boate ainda esta tarde, para fechar o estabelecimento e resgatar 1o mulheres que permaneceram no local.

     

    *Matéria atualizada às 15 h

     

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  • 14/02/2013

    Em busca da Atenção Diferenciada na Saúde Indígena

    A crise que atravessa a assistência à saúde das populações indígenas no país e que parece não ter fim levou a Sexta Câmara do Ministério Público Federal (MPF) a realizar no final do ano passado o chamado Dia D da Saúde Indígena, como uma forma de ‘chamar a atenção da sociedade e firmar uma postura de atuação coordenada do MPF diante do triste quadro da saúde indígena no Brasil’. O atual órgão gestor do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), que deveria dar as respostas a este quadro, é a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), criada no ano de 2010 em atendimento a uma forte mobilização nacional do movimento indígena motivada pelas notórias deficiências e incompatibilidades que a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) vinha tendo para exercer este papel.

     

    A própria criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) atendeu a uma crescente mobilização dos povos indígenas e seus aliados iniciada na Segunda Conferência Nacional de Saúde Indígena em 1993, que levou o Ministério Público Federal a interpelar o governo diante de sua omissão provocando a aprovação da chamada Lei Arouca no ano de 1999. Tanto a Lei Arouca como a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena aprovada pelo Ministério da Saúde no ano de 2002 foram baseadas inteiramente nas resoluções e no modelo de atenção diferenciada preconizado pela Segunda Conferência Nacional de Saúde Indígena, que foi protagonizada pelo movimento indígena pegando de surpresa os gestores da saúde indígena na época.

     

    Em 2012, mais uma vez o movimento indígena se levantou para reivindicar a convocação imediata da Quinta Conferência Nacional de Saúde Indígena, devido à morosidade do Governo Federal em promover a implementação efetiva da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena. O tema da conferência aprovado após muita resistência dos gestores da SESAI é “Subsistema de Saúde Indígena e SUS: Direito, Acesso, Diversidade e Atenção Diferenciada”. Alguns dos princípios desta Atenção Diferenciada à Saúde Indígena, estabelecidos ao longo das quatro conferências anteriores, e que deverão pautar as discussões nas etapas locais, distritais e nacional da Quinta Conferência, são discutidos a seguir. 

     

    Modelo de Gestão e Autonomia dos Distritos Sanitários Indígenas:

     

    A autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Indígenas é o principal fundamento do modelo de gestão propugnado nas conferências, e deve contemplar além dos aspectos meramente administrativos, questões como a democratização e descentralização das decisões, o fortalecimento do controle social e da gestão participativa, a realização de investimentos permanentes na formação dos profissionais indígenas, e a valorização da Medicina Tradicional Indígena. Os diversos órgãos que têm se sucedido na gestão da saúde indígena no país sempre se caracterizaram por uma cultura institucional autoritária, burocrática e tecnicista, permeada pelas ingerências constantes de grupos políticos anti-indígenas e pelos repetidos escândalos de corrupção.

     

    Toda a expectativa gerada com a criação da SESAI pelo Ministério da Saúde tem sido frustrada pela postura autoritária e centralizadora deste órgão, que impossibilita a construção de uma verdadeira autonomia dos distritos, e subtrai dos povos indígenas o seu direito à gestão participativa e à autodeterminação no campo da saúde. A Declaração sobre os Direitos dos Povos indígenas da ONU afirma que “os povos indígenas têm direito à autonomia e autogestão nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como dispor dos meios para financiar suas atividades de forma autônoma”. A saúde é um dos maiores bens das populações indígenas, e um modelo de gestão justo, democrático e culturalmente adaptado deveria respeitar este princípio fundamental.

     

    Modelo Assistencial e Diálogo Intercultural em Saúde:

     

    O modelo de assistência empregado na atenção à saúde das populações indígenas no Brasil tem como referência o sistema biomédico, criado nos chamados países desenvolvidos e difundido em todo o mundo, que se baseia no poder médico, está centralizado nos hospitais, e é dependente de alta tecnologia. O modelo assistencial proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na Conferência de Alma-Ata em 1978 tendo como principal estratégia a Atenção Primária à Saúde, encontra-se hoje sufocado, funcionando apenas como porta de entrada para um sistema cada vez mais caro, sofisticado e distante da realidade e da cultura da população indígena. 

     

    A assistência à saúde indígena prestada hoje na maioria dos distritos privilegia a atuação das Equipes Multidisciplinares de Saúde, sem uma formação indigenista e antropológica adequada, que acabam encaminhando a maioria dos pacientes indígenas para os serviços de atendimento nas cidades, provocando a superlotação das casas de Saúde Indígena (CASAI). O modelo preconizado nas conferências baseia-se na reciprocidade entre as comunidades indígenas e os agentes de intervenção, seja na troca de experiências como no poder de decisão; na busca da eficácia simbólica, através da compreensão ampla do universo indígena e da aproximação entre medicina e cultura; e na visão integral da saúde, abrangendo os determinantes históricos, sociais e ambientais da saúde, de uma forma global e criativa.

     

    Formação e Valorização dos Profissionais Indígenas de Saúde:

     

    Os programas de capacitação de Agentes Indígenas de Saúde estão paralisados desde a criação da SESAI na grande maioria dos distritos; o mesmo acontece em relação aos Agentes Indígenas de Microscopia (fundamentais para o controle da Malária na Amazônia), Agentes Indígenas de Endemias, Agentes Indígenas de Saúde Bucal, e aos Técnicos de Enfermagem, de Laboratório, e de Higiene Dental indígenas. Os processos de reconhecimento e regularização profissional destes profissionais indígenas foram esquecidos, assim como a promessa de um Processo Seletivo Diferenciado para a sua contratação. A importante categoria dos motoristas indígenas indicados pelas comunidades também foi substituída na maioria dos distritos por ‘motoristas profissionais’, sem nenhuma interlocução com as comunidades.

     

    A prioridade estabelecida nas conferências para a atuação dos profissionais indígenas de saúde, que deveriam ser o elo fundamental de um sistema baseado na comunicação intercultural, na autogestão e na Medicina Tradicional Indígena, foi colocada em último plano, considerada por muitos gestores como inviável e ineficaz. É preciso retomar com urgência o Programa de Educação Profissional Básica para Agentes Indígenas de Saúde, uma das maiores conquistas do SASI-SUS, construído por técnicos de reconhecida capacidade do Ministério da Saúde, de instituições formadoras e de organizações indígenas, e que se encontra paralisado e desvalorizado pelos atuais responsáveis na SESAI.

     

    Controle Social e Autêntica Gestão Participativa:

     

    Historicamente, os setores que controlam a política no país sempre encontram formas de virar as conquistas dos povos indígenas contra eles próprios. Isto tem acontecido com o SASI-SUS, concebido originalmente como uma forma de fortalecer a autonomia dos povos indígenas na área da saúde, e que está sendo usado hoje como um instrumento para promover a dominação e a divisão entre suas lideranças e comunidades. Os combalidos conselhos locais e distritais de saúde muitas vezes são usados para a legitimação de políticas que já vêm prontas, e que se revelam nocivas aos seus verdadeiros interesses. Assim foi imposta a Portaria 2656, que instituiu na prática a municipalização da saúde indígena na maioria dos distritos, e assim está sendo conduzido o processo de autonomia dos distritos, controlado pelos mesmos dirigentes que levaram a crise da saúde indígena até o patamar em que se encontra.

     

    O movimento indígena deve exercer o seu legítimo direito de decisão e autodeterminação na saúde, através de suas formas próprias de organização social. A saúde deve estar a serviço da autonomia dos povos indígenas, fortalecendo sua resistência, organização e protagonismo na execução das políticas que lhes digam respeito. Os povos indígenas têm hoje o enorme desafio de criar novos instrumentos de resistência no rumo da tão almejada autonomia, não só na saúde, mas em todos os aspectos envolvidos no seu projeto de futuro. Este foi o lema adotado pelas lideranças indígenas na construção do modelo pioneiro de autogestão implementado por muitos anos no Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima: “A Saúde Indígena se conquista através da participação e da organização”.

     

    Informes Gerais sobre a 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena:

     

    A 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena foi convocada através de portaria do ministro da Saúde e deve ser realizada ao longo do ano de 2013. O calendário aprovado prevê a realização das etapas locais de janeiro a junho, das etapas distritais de julho a outubro, e da etapa nacional nos dias 26 a 30 de novembro de 2013, em Brasília. Foi aprovada também a realização de Encontros Macrorregionais de Saúde (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centroeste), como previsto na Política Nacional de Saúde Indígena, a serem realizados no dia 26 de novembro em Brasília antecedendo a abertura da conferência, mas devendo ser realizados em ‘espaços próprios e com autonomia de condução pelas lideranças indígenas das regiões’.

     

    O número total de delegados eleitos nas etapas distritais para a Conferência Nacional em Brasília será de 1.320 pessoas, dos quais metade serão usuários indígenas e o restante dividido igualmente entre os segmentos dos trabalhadores na saúde e dos prestadores de serviço. As delegações estão divididas proporcionalmente às populações dos distritos, variando de 16 delegados nos distritos pequenos como Altamira ou Araguaia, até 136 delegados no maior distrito que é o Mato Grosso do Sul. É importante observar que no segmento dos trabalhadores devem estar incluídos os trabalhadores indígenas. Serve como alerta a manipulação promovida pela Funasa na quarta conferência, comprometendo a paridade indígena, desvirtuando a legitimidade das decisões e definindo o rumo das principais votações.

     

    O processo de realização das etapas locais e distritais deve ser coordenado pelos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI), que em muitas regiões estão esvaziados e desestruturados. Por isto é importante a participação das bases organizadas do movimento indígena, integrando as comissões organizadoras e as equipes de apoio, e ajudando na construção dos regimentos internos e na realização das conferências. É importante também estar atentos para o risco de atrasos na liberação dos recursos previstos no orçamento provocando o esvaziamento destas etapas fundamentais para os objetivos da conferência, como aconteceu nos eventos anteriores.

     

    O segmento dos gestores e prestadores de serviços não pode ficar restrito somente às instituições que integram o cadastro do SUS, como pretendem alguns membros da SESAI e do Conselho Nacional de Saúde, mas deve incluir todos os segmentos do movimento indígena que tiveram um papel determinante na criação do SASI-SUS e que prestam efetivos serviços de saúde, como apoio ao controle social, formação e educação em saúde, segurança alimentar, saúde do meio ambiente, e fortalecimento da Medicina Tradicional Indígena. Estes aspectos pouco valorizados pela atual gestão da saúde indígena são componentes essenciais da Política Nacional de Atenção a Saúde Indígena, conquistada com muita luta pelo movimento indígena e que ainda está vigente no país.

     

    É hora de participar e trabalhar para que esta 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena possa representar mais um passo na árdua caminhada em busca da Atenção Diferenciada na Saúde Indígena, respondendo aos legítimos anseios, interesses, e direitos dos povos indígenas consagrados na Constituição Brasileira e nos diversos documentos aprovados por órgãos internacionais.

     

    Boa Vista – RR, 14 de fevereiro de 2013.

     

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  • 13/02/2013

    MS: pistoleiros rondam e atacam comunidades Guarani e Kaiowá

    Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)

    Duas comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul foram atacadas durante o carnaval. Dia 7, pistoleiros contratados por fazendeiros atacaram dois adolescentes do tekoha – "o lugar onde todos somos", a aldeia – Sombrerito, no município de Sete Quedas, fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Um indígena ficou ferido. Dia 10, uma caminhonete com quatro homens armados invadiu o acampamento de Pyelito Kue/Mbarakay, em Iguatemi, também na fronteira com o Paraguai, apontando armas de fogo contra a comunidade.

    As denúncias foram realizadas pelos indígenas através do Conselho do Aty Guasu, a grande assembleia Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, e somam-se a outros três ataques realizados contra os indígenas no mês de janeiro.

    Em Sombrerito, o conflito aconteceu num trecho de floresta utilizado pelos indígenas como principal fonte de matéria-prima da aldeia, mas protegido por pistoleiros contratados por fazendeiros da região.

    No dia 7, dois indígenas, um de 14 e outro de 17 anos, foram cortar madeira para fazer uma casa de sapé, quando foram abordados por dois pistoleiros. "Eles apontaram as armas para os dois meninos, disseram pra eles ficarem no chão e entregarem as ferramentas, um facão e uma foice", explica o professor Guarani de Sombrerito, Elieser Franco. "Os rapazes se recusaram a dar, os pistoleiros ficaram nervosos e tentaram arrancar da mão [dos indígenas]. Aí nisso um pistoleiro conseguiu puxar um facão e acabou cortando a mão de um dos dois [indígenas], porque ele não ia entregar de jeito nenhum. O corte foi um pouco fundo, mas ele está bem".

    A comunidade acionou a Fundação Nacional do Índio (Funai), que notificou a Força Nacional e a Polícia Federal (PF), que estiveram no local para apurar as denúncias.

    "Aqui [no perímetro da aldeia] a gente não tem nem um sapé pra fazer casa. A única opção é uma mata que fica do lado da fazenda. Como é nosso único recurso, a gente tem que ir lá pra pegar ervas pra fazer remédio, lenha e madeira pras casas. Tudo o que a gente tem a gente tira desse mato. A gente sabe que é perigoso, mas tem que ir", afirma.

    "A gente ficou apavorado, porque eles vivem dando tiros quando a gente entra nessa mata, pra pegar ervas pra fazer remédio, pra procurar a lenha. É o único mato que tem ali. Eles ficam cuidando direto, às vezes a gente se depara mesmo com eles [pistoleiros]. Eles ficam ameaçando, falando que vai dar tiro se continuar passando ali. Mas o que a gente vai fazer? Não tem outra mata, é só essa. A outra é pro lado do Paraguai, que fica muito longe da aldeia", contextualiza.

    Líder Lopes, liderança Kaiowá de Pyelito Kue – cujo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Iguatemipegá I foi aprovado em janeiro de 2013 -, relata a aparição de pistoleiros na área do acampamento.

    "Era domingo [dia 10], 10 da manhã. Uma caminhonete preta veio da fazenda. Tinha vidros escuros. A mulherada foi com as crianças tomar banho no corguinho [rio Hovy], quando ouviram um carro chegando. A caminhonete pasou um pouquinho do último colchete antes do corguinho e parou lá, pra cima da beira [onde os indígenas estavam banhando]. Aí duas pessoas com arma desceram e vieram andando até onde tá o pessoal, e mais dois ficaram em cima do carro, armados. "[Os homens armados] não chegaram a agitar a mulherada, só veio até a metade [do caminho, entre o colchete e o córrego], apontando as armas. Eles iam chegando perto e as crianças e as mulheres se afastava um pouquinho. Nós [os homens] nos reunimos e quando íamos atrás deles, eles voltaram, subiram no carro e se mandaram. A gente ficou atento no corguinho até de noite, cuidando do acampamento".

    Segundo Líder, a PF esteve na aldeia na terça-feira, 12, investigando o caso.

    Em nota pública, o Aty Guasu exigiu que a Justiça julgue e puna com urgência "aos fazendeiros-mandantes e pistoleiros-executores dos crimes contra as vidas Guarani e Kaiowá". Também reivindicam que o governo federal garanta a segurança permanente das comunidades ameaçadas.

    Para o Aty Guasu, a impunidade é a força motriz da violência contra os Guarani e Kaiowá. "Esses fazendeiros contratantes de pistoleiros e mandantes de assassinados das lideranças são extremamente truculentos", apontou o Conselho. "Desobedecem à ordem da Justiça Federal, fazem as suas leis próprias, mas não são punidos até os dias de hoje. Por isso retornam a agir", explicou o documento.

    SOMBRERITO

    A luta pela retomada do tekoha de Sombrerito tem um rastro grave de violências contra os indígenas, envolvendo morte, sequestro e tortura.

    Em 1975, a comunidade foi expulsa da terra, e as famílias divididas ao longo das reservas criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século vinte. Desde então, os Guarani reivindicam o território de onde foram retirados.

    Em 2003, a Funai iniciou os estudos circunstanciados para fins de identificação do tekoha. Sentindo-se ameaçada pelos proprietários das fazendas que incidiam sobre a terra indígena, a equipe suspendeu os trabalhos, poucos dias depois do início da pesquisa, para depois recomeçar sob acompanhamento da PF.

    No sentido de pressionar contra a morosidade da demarcação da terra, em 26 de junho de 2005, os indígenas decidiram reocupar a Fazenda Floresta, que incidia sobreo território tradicional Guarani reinvindicado pelas famílias de Sombrerito. Durante aquela madrugada, um grupo de não-índios manteve quatro indígenas como reféns, torturando-os por horas. O caminhão que transportara a comunidade até a área da fazenda foi destruído, incendiado pelos agressores.

    Dorival Benites, 26 anos, foi assassinado pelos pistoleiros durante o ataque. Segundo relatos da comunidade, outros três indígenas saíram feridos no tiroteio, ocorrido durante a madrugada. Os indígenas Rosana Gonçalves, 42 anos, grávida de quatro meses, relata ter sido espancada durante a briga; Sílvio Iturbio, 46 anos, teve o olho esquerdo perfurado; e Ari Benites, irmão de Dorival, levou um tiro de raspão. O Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) encaminhou denúncia contra os autores e mandantes do crime. Os processos, no entanto, sequer foram iniciados.

    Fruto da luta dos indígenas, em julho de 2006, os estudos de Sombrerito foram publicados no Diário Oficial da União. Contudo, segundo Elieser, depois da aprovação, os conflitos se intensificaram.

    "Quem tivesse medo de bala e tiro não conseguia ficar aqui não", diz o professor. "[Até 2009] Eles andavam rodeando a aldeia, na divisa provisória [com a fazenda], dando tiro com metralhadora, espingarda. Toda semana tinha um ataque desses, uma intimidação", recorda.

    Em 2010, o Ministério da Justiça declarou como de posse permanente do grupo indígena a Terra Indígena Sombrerito, com 12 mil hectares. O processo permanece parado, desde então.

    "Agora eles tão começando de novo a criar problema com a gente. Acho que isso acontece devido ao noticiário [sobre a aprovação do relatório de Pyelito] sobre os 40 mil hectares [dimensão do território dos Kaiowá de Pyelito identificado no relatório]. Iguatemi [onde fica Pyelito] é perto, faz divisa com Sete Quedas [onde fica Sombrerito]. Eles ficam intimidados com essa demarcação, e aí eles vem e intimidam a gente".

    Isso tem potencializado, novamente, um contexto de insegurança e intimidações para os Guarani de Sombrerito. "Eu e o capitão [de Sombrerito], a gente vive direto com ameaça, com recados. De uns tempos pra cá, começou de novo. Eles acham que nós temos a ver com a aprovação do estudo. Então a gente toma algumas precauções, de não sair muito da aldeia. Com esses ataques, vem muito a PF, e aqui é área de fronteira, então não só os fazendeiros estão bravos aqui. Então, está todo mundo começando de novo a ficar de orelha em pé", conclui Elieser.

    PYELITO KUE/MABARAKAY

    Após a retomada do território, em 9 dezembro de 2009, pistoleiros invadiram a comunidade. O grupo dindígena foi espancado, ameaçado com armas de fogo, vendado e jogado à beira da estrada em uma desocupação extra-judicial. Na ocasião, mais de 50 pessoas, inclusive idosos, foram espancadas, e o Arcelino Oliviera Teixeira desapareceu.

    Em 23 de agosto de 2011, um grupo de pistoleiros à cavalo invadiu a retomada de Pyelito, novamente agredindo os indígenas, incendiando barracos e os ameaçando de morte.

    Em novembro de 2011, homens armados chegaram à comunidade em um caminhão, atirando balas de borracha contra os indígenas e incendiando e destruindo cabanas e pertences.

    Também no caso de Pyelito Kue/Mbarakay, os réus ainda foram julgados.

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  • 08/02/2013

    Construtora de Belo Monte descumpre condicionantes socioambientais e Ibama não pune

    Por Verena Glass

    Mais caro projeto de infraestrutura do país em andamento, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), tem sido alvo, nos últimos anos, de uma série de ações na Justiça em função dos problemas sociais e ambientais da obra – levantamento do Movimento Xingu Vivo para Sempre, sediado em Altamira (PA), aponta que tramitam atualmente 56 processos contra Belo Monte. Apesar dos problemas, porém, as ações de mitigação e compensação dos impactos – as chamadas condicionantes e o Plano Básico Ambiental (PBA) –, previstas no licenciamento ambiental, têm sido negligenciadas pelo Consórcio Norte Energia, responsável pela usina.

    Publicada na última semana, uma análise do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre o status do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação e do PBA de Belo Monte mostra um quadro grave de irregularidades na implantação tanto das medidas antecipatórias (que deviam ter sido realizadas antes das obras para evitar a ocorrência de impactos) quanto de mitigação (compensação de danos sofridos).

    De acordo com o documento do Ibama, passados quase três anos do leilão da obra, a Norte Energia ainda não concluiu o Cadastro Socioeconômico (CSE) das famílias afetadas pelo empreendimento – não sabendo, portanto, quantos e quem são os atingidos por Belo Monte –, não implantou os aterros sanitários em Altamira e Vitória do Xingu, não fez as obras de saneamento básico nesses municípios e nas comunidades afetadas por Belo Monte, não construiu hospitais e não implantou equipamentos de saúde e educação, não reassentou famílias de comunidades desapropriadas, não fez a recomposição das atividades produtivas de áreas remanescentes, não terminou o sistema de transposição de embarcações no local onde o barramento do Xingu impede a navegação do rio, não informou a população como se dará esse processo, e não implementou os projetos de recomposição da infraestrutura viária como previsto, entre inúmeras outras irregularidades.

    Grosso modo, apenas 9,7% das obrigações da Licença de Instalação foram devidamente cumpridas, avalia o corpo de advogados do Instituto Socioambiental (ISA), que tem monitorado o andamento das condicionantes das licenças prévia e de instalação de Belo Monte desde o início das obras. Muitas delas tiveram seus prazos renegociados e, de acordo com o relatório do Ibama, outras foram postergadas pela Norte Energia sem prévio conhecimento ou concordância do órgão ambiental, o que é grave tendo em vista as consequências sobre a população afetada.

    Ou seja, como as condicionantes foram estipuladas como medidas prévias às obras justamente para evitar impactos mais graves, explica a advogada Biviany Garzón, do ISA, estender prazos deixa os afetados pela usina numa situação de extrema vulnerabilidade. “O Ibama deveria embargar a obra até o cumprimento das condicionantes e do Plano Básico Ambiental. Não terem cumprido as ações referentes ao saneamento, por exemplo, afeta diretamente a saúde da população”, afirma a advogada.

    Na área rural, as principais vítimas da negligência são famílias que, desapropriadas, não foram reassentadas ou indenizadas devidamente. Em um trecho do documento, os técnicos do Ibama chegam a considerar a situação de uma das comunidades desapropriadas – Santo Antônio, localizada no epicentro das obras do sítio Belo Monte – como “traumática”. “O processo por que passa a comunidade da Vila Santo Antônio é traumático. A demora em proceder ao reassentamento deixa as famílias em meio a casas demolidas, terrenos antes cuidados pelos antigos moradores que agora estão tomados por mato, e trânsito de caminhões e pessoas estranhas à comunidade, que tornam mais dolorida a mudança de vida nesta fase”.

    De acordo com a Defensoria Pública de Altamira, correm atualmente 67 ações contra a Norte Energia por problemas referentes a Santo Antônio. Algumas famílias, explica a defensora Andréia Barreto, chegaram a receber apenas R$ 3,1 mil pelas suas casas e terras, valor com o qual claramente não puderam recompor a vida em outra localidade, sobretudo diante da especulação imobiliária nos municípios afetados pela hidrelétrica.

    Já outros atingidos sequer foram reconhecidos como tal. “É o caso do seu Amadeu. Um dos moradores mais antigos de Santo Antônio, o pescador não tinha título de propriedade e a Norte Energia se negou a indenizá-lo até que entramos com um processo. Ele finalmente foi incluído no Plano de Atendimento à População Atingida e hoje vive de aluguel em uma casinha paga pela empresa”, conta a defensora. Segundo ela, foram impetradas sete ações somente envolvendo casos de famílias agroextrativistas excluídas do Plano de Atendimento, mas, no total, até dezembro de 2012 estavam correndo 20 processos por reparação de danos a famílias ribeirinhas ajuizados pela Defensoria. A maioria pede revisão dos valores pagos a título de indenização.

                            Seu Amadeu em meio a destroços de casa derrubada em Santo Antônio: dificuldades de receber indenização    (foto: Verena Glass)

    Responsabilidade do Ibama
    Procurado pela reportagem, o Ibama não quis comentar os atrasos e não cumprimentos das condicionantes de Belo Monte. Segundo a assessoria de imprensa, o órgão apenas “encaminhou ofício notificando o empreendedor a resolver as pendências apontadas no parecer técnico 168/2012, estabelecendo prazos para que sejam atendidas”, mas não estipulou nenhuma penalidade à Norte Energia.

    Além de não aplicar medidas cabíveis previstas por lei, como o embargo das obras da usina, o Ibama sinaliza que considera fato consumado a instalação de outro projeto que deve multiplicar os impactos socioambientais da região afetada por Belo Monte: a mineradora Belo Sun, que pleiteia licença de lavra de ouro por 12 anos na Volta Grande do Xingu, exatamente a região mais impactada pela usina. No documento sobre as condicionantes, o órgão recomenda à Norte Energia atenção “à influência que o empreendimento de mineração da Belo Sun pode causar à região da Transassurini, evitando que famílias que optem por carta de crédito adquiram suas novas propriedades em área que possa ser diretamente afetada pela Belo Sun”. A mineradora está em fase de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, mas já foi alvo de duas recomendações contrárias por parte do Ministério Público Federal e de um pedido de declaração de inviabilidade por parte d o ISA.

    Segundo o procurador do Ministério Publico Federal no Pará, Ubiratan Cazetta, o MPF ainda está estudando o documento do Ibama, mas a princípio a conclusão cabível é que condicionantes e licenciamentos ambientais têm sido tratados como mera formalidade pelo Consórcio Norte Energia e pelo órgão ambiental, afirma o procurador. “Parece que temos dois mundos aqui: o teórico, onde as condicionantes resolveriam todos os problemas da obra, e o concreto, onde não se cumpre as condicionantes e, mesmo se cumprisse, os problemas persistiriam.”

    Segundo Cazetta, o MPF pode responsabilizar e requerer punição tanto ao empreendedor, que falha no cumprimento das condicionantes, quanto ao Ibama, que falha na fiscalização e autuação das irregularidades. “A postura leniente do Ibama não apenas enfraquece a instituição da condicionante, como também deixa os afetados sem nenhuma defesa em seus direitos”, afirma o procurador.

    Procurada pela reportagem, a Norte Energia, através de sua assessoria, comunicou que a diretoria da empresa está em planejamento e incomunicável.

     

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  • 08/02/2013

    Informe nº 1051: Indígenas ficam expostos a acidentes por atropelamento

    Por Luana Luizy,

    de Brasília

    Estradas e rodovias próximas a aldeias, reservas e acampamentos indígenas contribuem para o aumento de casos de atropelamentos e mortes. No dia 9 de janeiro, uma menina de nove anos de idade foi atropelada na BR-277, no município de Nova Laranjeiras, estado do Paraná. A rodovia federal corta a aldeia indígena Rio das Cobras onde vive majoritariamente o povo Kaingang, mas também Guarani.

     

    O motorista do veículo fugiu sem prestar socorro e está foragido. Segundo a Polícia Rodoviária Federal do estado, em 2012 foram nove casos de atropelamentos no Paraná, destes seis resultaram em morte. Fato que tem se tornado recorrente. Levantamento preliminar do Cimi indica a ocorrência de outros sete casos em 2012, nos estados do Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Em seis destes casos, os agressores fugiram do local sem prestar socorro.

     

    O Cimi revelou no Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas de 2011, 12 casos de mortes por atropelamento em todo país. “Chama a atenção o elevado número de ocorrências no estado do Paraná, com quatro casos registrados em 2011″, destaca o texto. Já em 2010, a situação foi ainda pior. Nesta mesma rodovia onde a menina indígena foi atropelada, a Polícia Rodoviária Federal, contabilizou 82 atropelamentos, sendo que 41 destas ocorrências causaram a morte de indígenas.

     

    No dia 7 de fevereiro, no município de Tenente Portela, em Rio Grande do Sul outra indígena morreu atropelada por motocicleta, Jurema Sales era Kaingang e sofreu ferimentos graves na perna e braço. “Às vezes os indígenas precisam atravessar a estrada seja para ir ao outro lado da aldeia, visitar um parente, vender artesanato ou qualquer outra coisa. Essas mortes são consequência das grandes obras, tais como estradas ou hidrelétricas que acabam prejudicando a existência desses povos. O que o governo deveria fazer agora em regiões de intenso tráfego como a BR-277 é construir lombadas ou passarelas, alternativas que não faltam”, aponta Jacson Santana, do Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul.

     

    Nos estados do Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) há populações indígenas que vivem em beira de rodovias há pelo menos 10 anos, sem que haja alguma modificação, por parte dos estados, da forma de vida desses povos. Muitos aguardam demarcação de suas terras, outros vendem artesanato como meio de sobrevivência na beira das estradas.

     

     

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  • 08/02/2013

    Documento Final – 9º Encontro em Memória de Sepé Tiaraju

    Foto: Cimi Equipe Florianópolis

    São Gabriel, RS, 07 de fevereiro de 2013.

     

    Nós, representantes e lideranças das comunidades Guarani do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, juntamente com o Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG) e com o Conselho Continental do Povo Guarani, reunidas no 9º Encontro em Memória de Sepé Tiaraju, nos dirigimos às autoridades públicas para denunciar os graves problemas que nossas comunidades enfrentam e ao mesmo tempo cobrar das autoridades o cumprimento de nossos direitos constitucionais.

     

    Nossos caciques e lideranças relatam que as comunidades de Irapuá, Arroio Divisa, Petim, Passo Grande, Passo da Estância, Lami, Estiva, Capivari e Capi Ovy vivem em acampamentos na beira das estradas. Há falta de água, saneamento básico, falta de assistência em educação e saúde e principalmente faltam o alimento e as condições para plantar e produzir porque vivem sem terra.

     

    Nossos líderes religiosos estão muito preocupados porque as crianças e os jovens são os que mais sofrem e correm o risco de serem agredidos em sua cultura em função da falta de terra e pelo descaso das autoridades. Não há espaço físico para viver porque habitamos entre as cercas e as rodovias.  Nesses lugares, as comunidades convivem com o intenso tráfego de veículos que amedronta e trás muita insegurança.

     

    Foto: Cimi Equipe Florianópolis

    Preocupa-nos o fato de a Funai demorar muitos anos para demarcar uma terra indígena. Enquanto os técnicos e funcionários demoram décadas para demarcar uma terra, as nossas famílias sofrem uma situação desumana nos acampamentos de beira de estrada. Estamos preocupados porque as autoridades prometem que vão resolver os problemas, quando na verdade nada passa de promessas. 

     

    Nossas lideranças fazem estas denúncias porque vivem essa realidade todos os dias. As terras que estão sendo demarcadas pela Funai não avançam. Os exemplos que temos são inúmeros. A terra Mato Preto esta em demarcação há mais de 13 anos e até o momento as nossas famílias não conseguiram viver na terra que se encontra em demarcação. O mesmo ocorre com Irapuá, uma terra também demarcada, mas as nossas famílias permanecem em barracos de beira da estrada. Caso semelhante é a da área do Canta Galo, também demarcada, no entanto a Funai não retira de nossa terra os moradores brancos (Juruá).

     

    A Funai tem demorado muito nos trabalhos de demarcação das terras de Itapuã, Ponta da Formiga, Morro do Coco, Petim, Passo Grande e Arroio do Conde. No final do ano passado a Funai deu início ao Grupo de Trabalho para a demarcação das terras da Estiva, Capivari, Lami e Lomba do Pinheiro. Nós, lideranças, exigimos que estes estudos sejam feitos com mais rapidez, porque nossas famílias passam por muito sofrimento sem a terra para viver.

     

    As lideranças Guarani que vivem na região oeste e centro-oeste do Paraná, municípios de Guaíra, onde existem nove acampamentos, Terra Rocha, onde existem quatro acampamentos, Santa Helena, um acampamento e Matelândia, um acampamento, denunciam que a Funai iniciou um Grupo de Trabalho para a demarcação das terras, mas este foi paralisado e as informações levantadas pelos antropólogos não foram entregues para o órgão indigenista. As famílias indígenas estão sendo ameaçadas através dos meios de comunicação com discursos anti-indígenas, a exemplo da frase: “Invasões indígenas não combinam com ordem e progresso” – escrita em faixas espalhadas pelos municípios da região, até mesmo nas localidades onde não existem acampamentos, em todos os municípios e há inclusive ordem judicial de despejo de comunidades que vivem nestas regiões. Três acampamentos – Tekoa Porã, Tekoa Y Hovy no município de Guaira, Tekoa Araguaju no município de Terra Roxa já receberam ordem de despejo.

     

    Nós, lideranças presentes no encontro, exigimos que a presidência da Funai tome medidas no sentido de coibir as violências e crie um Grupo de Trabalho para realizar os estudos de demarcação das terras e ao mesmo tempo apresente recursos para derrubar as ordens de despejo.

     

    Quanto à questão da educação escolar indígena, nossas lideranças exigem maior participação nas discussões referentes aos territórios etno-educacionais, afim de garantir um projeto de educação que garanta nossas especificidades, coisa que até o momento não ocorre, pois tudo fica centralizado nas secretarias estadual e municipal de Educação. 

     

    Queremos ainda manifestar neste documento o total repúdio de nossas lideranças e comunidades a PEC 215/2006 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União, considerando que estas medidas são um retrocesso histórico para os povos indígenas, inviabilizando o processo de demarcação e acabando com o usufruto exclusivo de nossas terras, sendo este um desrespeito a todas as gerações passadas e seus sacrifícios para conquistar os direitos que hoje se encontram na Constituição, nas resoluções e nas leis brasileiras.  

     

    Diante destas realidades de negação dos nossos direitos e das violências que sofremos nas diferentes regiões do Brasil, exigimos que as autoridades responsáveis pela política indigenista (Presidência da República, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Funai e SESAI) respeitem os nossos direitos cumprindo a Constituição Federal e implemente uma política que assegure assistência digna e a demarcação e usufruto de todas as nossas terras.

     

    Assinam as lideranças presentes no encontro.

     

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  • 07/02/2013

    Fazendeiros atacam acampamento Terena no MS

    Ruy Sposati,

    de Campo Grande (MS)

    Cerca de 250 famílias Terena que reocuparam 300 hectares de terra, na noite de terça-feira, 5, no município de Dois Irmãos do Buriti, a cerca de 110km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, sofreram um ataque. Segundo lideranças indígenas que estão no local, na manhã desta quinta-feira, 7, pistoleiros e fazendeiros foram ao acampamento e dispararam tiros para o alto, na tentativa de retirar os indígenas da fazenda. Ninguém ficou ferido, e a comunidade permanece na área.

    Após a ocupação, a comunidade orientou a proprietária da fazenda a retirar tudo o que quisesse da área que, segundo os indígenas, está abandonada. A Polícia Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), acionadas pelos indígenas, estão no local.

    Em 2009, os Terena já haviam tentado retomar a fazenda. Após acamparem por pouco mais de um mês da área, em novembro de 2009, foram violentamente retirados do local por fazendeiros, funcionários e pela Tropa de Choque da Polícia Militar, que, conforme denúncias recolhidas pelo Ministério Público Federal (MPF), atuou sem ordem judicial de reintegração de posse.

    A terra, atualmente ocupada pela Fazenda Querência São José, é parte dos mais de 17 mil hectares do território identificado em 2001 pela Funai e declarado pelo Ministério da Justiça em 2010 como terra tradicionalmente ocupada pelos Terena.

    Atualmente, cerca de 5 mil Terena vivem em pouco mais de 2 mil hectares de terra, divididos em nove aldeias. As áreas restantes ainda estão na posse de fazendeiros.

    HISTÓRICO

    Na década de 20, sob a responsabilidade do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), foi criada a então Reserva Buriti. Era política do estado, à época, confinar indígenas em áreas muito menores do que seu território tradicional. A partir daí, surgia a necessidade de recuperar as terras que ficaram fora da demarcação.

    Por décadas, os Terena se organizaram para reivindicar o direito à terra, solicitando às autoridades governamentais a ampliação do território. Notadamente, a partir de 1999, os indígenas passaram a atuar diretamente na retomada dos territórios em Buriti, de modo que as denúncias tomassem maior projeção e houvesse mais pressão para que as perícias antropológica, arquelógica e históricas fossem feitas.

    Esse processo de retomadas desencadeou o estudo sobre a situação em Buriti, feito no ano 2000. A Funai, através do Relatório Circunstanciado de Revisão de Limites da Terra Indígena, conduzido pelo antropólogo Gilberto Azanha, identificou 17,2 mil hectares como território indígena tradicional Terena, em agosto de 2001, localizada nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. Imediatamente, fazendeiros da região solicitaram a nulidade da identificação antropológica, através de uma ação declaratória na Justiça Federal de Campo Grande. Durante este período, a demarcação ficou paralisada.

    Em 2004, o Juiz Federal de Campo Grande, Odilon de Oliveira, deu a sentença do processo, decidindo contra os direitos territoriais do povo Terena. Após a decisão do Juiz, foram movidos recursos pelo Ministério Público Federal e Funai para o Tribunal Regional Federal da 3º Região, em São Paulo, que tramitaram até o seu julgamento definitivo em 11 de dezembro de 2006.

    Na decisão, foi modificada a sentença proferida pelo Juiz Federal de Campo Grande, reconhecendo que a Terra Indígena (TI) Buriti é terra “tradicionalmente ocupada pelo povo Terena”, sendo determinado o prosseguimento normal da demarcação.

    O processo se alongou até setembro de 2010, quando o Ministério da Justiça publicou uma portaria declaratória identificando os limites da TI.

    Após a portaria, o próximo passo seria que a Funai promovesse a demarcação física dos limites da terra, disponibilizando imediatamente os profissionais encarregados para a colocação dos marcos, visando que o processo administrativo possa seguir para suas etapas finais, com a esperada homologação da demarcação. Em 2011, técnicos da Funai de Brasília foram a Buriti avaliar a situação das terras como parte da ação de um Grupo de Trabalho para a demarcação.

    Com informações do MPF-MS, Funai e agências

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  • 06/02/2013

    Premissas universais do reino do agronegócio

    Em contextos de globalização eclodem práticas culturais, religiosas, econômicas, sociais diversificadas, que adquirem visibilidade e confrontam as noções de unificação. Contudo, nestes mesmos contextos, não raramente ocorre um recrudescimento dos fundamentalismos, que conferem caráter absoluto a um ponto de vista, como se este fosse a verdade irrefutável, a única direção, que então deveria ser seguida sem questionamentos.

     

    Ocorre, no Brasil, algo semelhante. Nunca como hoje, as diferenças tiveram tamanho espaço de expressão, o que oportuniza a emergência de múltiplas formas de pensar e de vislumbrar o “futuro da nação”. Contudo, vemos emergir também aqui um tipo particular de fundamentalismo – vinculado a um único ponto de vista sobre o desenvolvimento nacional, tomado então como absoluto, inquestionável, verdadeiro e bom em si mesmo. Esse novo “desenvolvimentismo” emerge como uma urgência, que deveria ser assumida como prioridade política e pública, acima de qualquer outro aspecto da vida social ou, melhor ainda, submetendo tudo o que é social ao plano das métricas e equações econômicas.

     

    O historiador inglês Eric Hobsbawm, considerado um dos mais importantes intelectuais do século XX, afirma que o pensamento econômico vigente se vale de uma retórica teológica, embora seja, como sabemos, contingente e dependente de condições políticas e históricas específicas. Para o historiador, o modelo capitalista, em sua forma atual, tem apelos semelhantes aos do discurso religioso. 

     

    Seguindo esta linha argumentativa, pode-se dizer que o desenvolvimentismo se sustenta numa fé suprema – a fé no caráter redentor do mercado – de tal modo que, mesmo quando todos os indicadores demonstram que o caminho é tortuoso e incerto, acredita-se que seja linear, quase como se fosse um destino. A fé é um elemento central no manejo dessa retórica: é preciso crer fielmente que não há saídas para a crise energética, a não ser a construção de hidrelétricas gigantes; é uma questão de fé imaginar que os recursos naturais são inesgotáveis e uma questão de (má)fé afirmar que recursos contingenciados e, portanto, não aplicados em saúde e educação serão revertidos em benesses para todos. Um dos braços mais vigorosos e convictos desse novo tipo de fundamentalismo é o “culto” ao agronegócio.

     

    Mesmo não tendo base religiosa, o agronegócio possui um “catecismo”, no qual um conjunto de pressupostos é tomado como absoluto – destaca-se, entre eles, o uso “racional” (leia-se exaustivo) das terras para assegurar a elevação da produtividade, maximização dos resultados e dos lucros, conversão da natureza em recurso, conversão do trabalhador do “campo” em um empreendedor, conversão dos direitos de cidadania em direitos de consumo.

     

    Mesmo não tendo base étnica, o fundamentalismo ligado ao agronegócio produz como efeito o ódio ao outro – ao diferente, a todo aquele que supostamente se contrapõe às premissas do desenvolvimento rural, a toda coletividade que não se enquadra, que não se converte ao modelo produtivista, que não professa a mesma crença. E a retórica do agronegócio tem claramente uma base social, uma vez que nele se marca a classe representada, aquela que define o caráter e a urgência das ações e políticas de desenvolvimento para o espaço rural.

     

    A vivência deste tipo contemporâneo de fundamentalismo produz também “pastores”, ou seja, aqueles fervorosos porta-vozes, que expressam sem escrúpulos as premissas absolutizadas da fé que professam. Esses porta-vozes profetizam tempos de prosperidade, advindos da máxima produtividade e da vocação para a exportação de produtos oriundos dos negócios rurais. Conforme Kátia Abreu, no texto intitulado “Entre o passado e o futuro”, publicado na Folha de S. Paulo em 19/01/2013, “a moderna empresa agrícola é de alta produtividade, com uso intensivo de tecnologia”, portanto é para poucos, apenas para quem dispõe de capital para isso.

     

    Os porta-vozes profetizam também os horrores de um mundo mantido na desordem e no caos dos assentamentos, da agricultura familiar, espaços nos quais a produção é operada em pequena escala e baseada no pluricultivo. Kátia Abreu afirma no mesmo texto que “a produtividade dos assentamentos é pífia, muito abaixo da média nacional”, o que mostra mais uma vez que a premissa da produtividade em larga escala é tomada como absoluta.

     

    Esses “visionários” do agronegócio alertam, por fim, para os desastres da manutenção de terras produtivas nas mãos de comunidades indígenas, indignas de viver nesse novo tempo, nesse novo mundo do desenvolvimento, visto sob uma única ótica. O arqui-inimigo desta nova “guerra santa” não é, certamente, Satanás, aquele que habita tradicionalmente o fogo do inferno, e sim aqueles que habitam tradicionalmente as terras que hoje deveriam ser convertidas em “modernas empresas rurais”, terras predestinadas (conforme estas sagazes profecias) à produção em larga escala de alguma coisa para o presente (afinal, dentro desta lógica, para que manter áreas de floresta, reservas ambientais ou essas tais terras indígenas como espaços indisponíveis para o mercado, quando essa suprema força produtiva pode e deseja ardentemente expandir suas fronteiras?).

     

    O conjunto de premissas desenvolvimentistas, tomadas como “naturais”, explica porque a presidente Dilma recebeu, no último dia 04, diretamente das mãos do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS, Eduardo Riedel, um documento demonstrando os efeitos da demarcação de novas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, mas não recebeu (em mais de dois anos de mandato) diretamente das mãos dos índios qualquer documento que demonstre os efeitos desumanos da omissão do estado em promover a efetiva demarcação das terras de povos que vivem hoje confinados em pequenas áreas ou acampados às margens de rodovias.

     

    Aqueles que se contrapõem a tais premissas e defendem, por exemplo, o direito dos povos indígenas à terra, são chamados de nostálgicos, utópicos e “ongueiros”. Mais do que isso, questionam-se os direitos destes povos, com o argumento de que se trata de muita terra, já que, “no mais das vezes, os índios não produzem uma mandioca pra chamar de sua”, conforme Reinaldo Azevedo escreveu no seu blog, publicado no site da Veja, em 28/01/2013.

     

    Além das constantes perseguições a lideranças indígenas, um exemplo recente dessa nova “caça aos ímpios”, foi a reação ao texto escrito por Dom Tomás Balduíno, publicado no jornal Folha de S. Paulo, no qual confronta premissas do agronegócio. Dom Tomás é chamado por Reinaldo Azevedo, de estranho “homem de Deus”, pois se atreve a opinar sobre assuntos “profanos”, mas a ironia é que esses assuntos assumem, na atualidade, um viés sagrado.

     

    O que torna mais difícil contestar os fundamentalismos econômicos é o fato de que dificilmente se admitirá o radicalismo das premissas de mercado e a arbitrariedade das regras que definem o que é produtivo, o que é prioritário. Tal como em outras formas de pensamento fundamentalista, o braço do agronegócio também exige “a cabeça” de seus oposicionistas, prática que envolve, inclusive, desautorizar ou desacreditar quem se atreve a apresentar resistência (são exemplos disso o questionamento sobre a “capacidade” dos índios de serem mentores de suas ações e reivindicações, que se pode ler em diferentes fontes, ou a suspeita lançada sobre a autoria do texto de Dom Tomás Balduíno – “se escrito por ele, isso já não sei”, no Blog de Reinaldo Azevedo, em 25/01/2013).

     

    Tal como nas velhas práticas coloniais, o agronegócio requer a abertura de campos nos quais se possa ceifar “livremente” vidas humanas – aquelas gentes incompetentes, pouco ajustadas, pouco convictas, pouco dispostas à redenção. Tem-se aqui a banalização da vida e são oferecidas, no altar do sacrifício, as condições de sobrevivência, de saúde, de educação, de bem estar de muitos, para o deleite absoluto de alguns segmentos empresariais no “templo” do mercado e do consumo.

     

    Iara Tatiana Bonin

    Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

     

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