• 08/03/2013

    Informe nº 1054: Indígenas retomam área na fronteira com o Paraguai e são ameaçados por pistoleiros

    Cerca de 130 indígenas Guarani Kaiowá retomaram área invadida por fazenda no tekoha – aldeia – Kurusu Ambá, na noite de quinta-feira, 7, no município de Coronel Sapucaia (MS), fronteira com o Paraguai, onde estão armando acampamento. Na manhã de hoje, um grupo de homens armados em duas caminhonetes – identificadas pelos indígenas como de propriedade da fazenda retomada – se aproximou da área, ameaçando a comunidade.

     

    "Nós estamos na beira da mata. Na noite [da retomada] correu tudo bem, mas hoje chegaram pistoleiros", explica uma liderança da retomada. "Eram umas 15 pessoas com algumas armas. Os carros são de uma fazenda daqui, a gente conhece. Um [dos veículos] chegou uns 100 metros [do acampamento], tinha pessoa na cabine e na caçamba e arma. A gente foi na direção, mas eles foram dando ré, e falaram que iam chamar mais gente pra voltar mais tarde", denuncia.  A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada, e deverá acionar a Força Nacional e Polícia Federal. Conforme os indígenas, a retomada ocorre em área incluída dentro de acordo judicial como reserva legal, onde a comunidade poderia ocupar e permanecer nas terras.   

     

    "Queremos espaço pra andar, pescar, caçar, realizar nossa cultura e combater a fome", afirma a liderança. Há quatro fazendas incidindo sobre o território indígena de Kurusu Ambá, área de cerca de 18 mil hectares reivindicada pelos Kaiowá como território tradicionalmente ocupado por seus antepassados antes das espoliações do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século vinte.

     

    Atualmente, a terra está em processo de identificação e delimitação. Com os prazos estourados, o relatório de identificação sobre o tekoha deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta estabelecido pelo Ministério Público Federal. O relatório foi entregue pelo grupo técnico que realizou levantamento em campo, em 26 de dezembro de 2012, e aguarda aprovação da Funai de Brasília .

     

    "Não aguentamos mais a miséria. A gente quer plantar o próprio sustento", afirma uma liderança de Kurusu Ambá. Enquanto esperam a demarcação da terra, as famílías vivem no trecho de reserva legal desde a terceira retomada do tekoha, em 2009. A área ocupada pelos indígenas totaliza 10 hectares e é toda rodeada por lavouras de soja.

     

    A alimentação da comunidade é essencialmente suprida pelas cestas básicas distribuídas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). "A gente planta milho, feijão, mandioca, mas a terra é muito pouca. Nós retomamos porque simplesmente é humilhante ficar dependendo de cestas básicas", afirmam.

     

    Leia mais:

    Índios passam fome e bebem água contaminada em Coronel Sapucaia – http://campanhaguarani.org/?p=1162

     

    Em Kurusu Ambá, quatro lideranças da luta pela demarcação da terra foram assassinadas. Uma está ameaçada de morte e, apesar de incluída no Programa de Defesa de Defensores de Direitos Humanos do governo federal, denunciou não receber o monitoramento prometido pela plataforma.

     

    Rastro de pólvora

     

    A história de ameaças e assassinatos começa há seis anos atrás, durante a primeira tentativa de retomada do território tradicional. Na madrugada do dia 10 de janeiro de 2007, cerca de 40 pessoas em 10 caminhonetes cercaram o acampamento de Kurusu Ambá, disparando tiros contra os indígenas. Na ocasião, a ñande sy – rezadora – Xurete Lopes, de 73 anos, foi assassinada a tiros. Outro Kaiowá também foi ferido com três tiros na perna. Nesse conflito, o proprietário de uma das fazendas que incide sobre o território reivindicado "emprestou" um trator para os indígenas que haviam retomado a área para, logo depois, denunciar na polícia que os indígenas haviam "roubado" a máquina agrícola, incriminando-os e levando lideranças para a prisão.

     

    Na segunda tentativa de retomada, em julho de 2007, Ortiz Lopes foi morto. Em 2009, na terceira reocupação, Oswaldo Lopes foi assassinado. Outros cinco indígenas da comunidade têm cicatrizes de feridas de balas pelo corpo, atingidos durante ataques de seguranças particulares contra o grupo.

     

    Em 2011, na quarta retomada, o professor e membro da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB), Eliseu, uma das principais lideranças daquela retomada, foi ameaçado de morte e retirado da aldeia, para onde até hoje não pode retornar.

     

    Nenhum inquérito sobre estes assassinatos foi concluído. Os ataques permanecem impunes. Os assassinos nunca foram levados a julgamento.

     

    Read More
  • 06/03/2013

    Brejo dos crioulos: sem mais adiamentos e protelações

    NOTA PÚBLICA 

     

    Brejo dos crioulos: sem mais adiamentos e protelações

     

    A Articulação das Pastorais do Campo, formada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cáritas, Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR), vem a público manifestar sua indignação contra a morosidade no reconhecimento e na efetivação dos direitos das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais sobre os seus territórios, acarretando, com isso, sérios prejuízos às famílias. 

     

    Em janeiro deste ano, o Juiz federal da 2ª Vara de Montes Claros (MG) expediu mandado de reintegração de posse contra os quilombolas do Povoado de Araruba, que faz parte do território Quilombola BREJO DOS CRIOULOS, em São João da Ponte (MG). A decisão foi em benefício de Miguel Véo Filho, proprietário da Fazenda São Miguel. O advogado dos quilombolas entrou com recurso de contestação, mas o juiz, no final de fevereiro, manteve a decisão. 

     

    A fazenda São Miguel faz parte da área quilombola Brejo dos Crioulos, de 17.302 hectares, e onde vivem 512 famílias. Nove fazendeiros têm 12 propriedades e ocupam 13.290 hectares desta área, 77% do território. Durante 12 anos tramitou nos órgãos governamentais o processo de reconhecimento e titulação da área quilombola e, mesmo já concluído, não era assinado. No final de setembro de 2011, duzentas famílias acamparam em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, exigindo a desapropriação da área, de ocupação centenária.

     

    Alguns se acorrentaram em frente ao Palácio, gritando que enquanto não tivessem a área, continuavam presos à escravidão. Só depois desta manifestação é que, no dia 29 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff assinou o decreto de desapropriação.

     

    Mas entre a desapropriação e sua efetiva execução há um longo caminho a ser percorrido. Um ano depois, os fazendeiros continuavam na área desmatando, aumentando o número de animais nas pastagens e mantendo jagunços. Para pressionar o Incra, em setembro de 2012, 350 famílias ocuparam três fazendas de um mesmo proprietário, que abrangem aproximadamente 2.100 hectares. Houve confronto com os pistoleiros e um deles acabou morrendo. Imediatamente cinco quilombolas foram presos e continuam presos até hoje, mais de 150 dias depois, sem qualquer prova concreta do seu envolvimento na ação.

     

    Neste entremeio, os quilombolas voltaram a Brasília, quando o Incra lhes garantiu que até dezembro de 2012 seriam desapropriadas seis fazendas, entre as quais a São Miguel, ficando as demais para 2013.

     

    Às vésperas do Natal, como o Incra não havia encaminhado nada de concreto, os quilombolas do povoado de Araruba ocuparam a fazenda São Miguel. O juiz federal, sem tomar conhecimento do Decreto de Desapropriação da presidenta da República, desengavetou um processo de 2009 e emitiu a ordem de despejo contra os quilombolas.

     

    Esta decisão é mais um capítulo de uma longa e conhecida história de como o direito dos quilombolas, dos indígenas e de outras comunidades tradicionais são tratados neste país. São inúmeros os obstáculos a vencer para se chegar ao reconhecimento dos direitos destas comunidades sobre seus territórios. Mas, entre o reconhecimento deste direito e sua efetiva realização, um novo e penoso caminho tem que ser percorrido em confronto com os mais diversos interesses e com a cobertura de diversos órgãos públicos.

     

    Diante disto, a Articulação das Pastorais do Campo exige do poder Judiciário que garanta os direitos previstos em lei aos cinco quilombolas presos. Por que o instituto do habeas corpus não é aplicado a estas pessoas, como se aplica normalmente a quem tem recursos econômicos?

     

    Ao mesmo tempo exige que o Incra execute imediatamente a desapropriação da área do Brejo dos Crioulos, assinada pela presidenta da República, retirando todos os que ilegalmente a ocupam, para que os quilombolas possam desfrutar em segurança e paz de seu território, como lhes garante a Constituição Federal. Não se pode aceitar, de forma alguma, a qualquer título, adiamentos e protelações que só alimentam a violência.

     

    Brasília, 6 de março de 2013.

     

    Articulação das Pastorais do Campo

    CPT, CPP, SPM, Cáritas, CIMI e PJR

     

    Read More
  • 06/03/2013

    Comunidade Pataxó faz retomada em área de ocupação tradicional invadida por empresários

    Cerca de 900 índios Pataxó da aldeia Coroa Vermelha, em Porto Seguro, extremo sul da Bahia, retomaram nesta terça-feira, 5, uma área de 4.100 hectares usada por um empresário como campo de pouso de pequenas aeronaves – dentro do território tradicional reivindicado pelos Pataxó.  

     

    No território funciona uma Área de Preservação Ambiental (APA). Porém, mesmo assim é grande a invasão de pessoas não-indígenas devido à localização: norte da rodovia BA-001, que liga Porto Seguro a Santa Cruz de Cabrália. Uma equipe da Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia se deslocou para o local, além da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai de Porto Seguro, na pessoa de Irajá Pataxó.

    A área retomada pelos Pataxó apresenta vegetação de restinga costeira, com remanescentes de flora e fauna de Mata Atlântica e manguezais ameaçados por empresários do setor de turismo e de hotelaria. Os Pataxó temem a destruição da vegetação, assim como ocorreu em Coroa Vermelha.


    A APA Coroa Vermelha, reivindicada pelos indígenas como território tradicional, abrange parte da zona costeira dos municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Foi criada em 1988 a fim de garantir a preservação dos recursos naturais, ao lado do desenvolvimento de atividades turísticas. Hoje em dia convive com conflitos ambientais, depósitos irregulares de lixo, extração ilegal de areia, ocupação desordenada do solo e desmatamento.

     

    Jonga Pataxó afirma que a retomada é para garantir a proteção da vegetação nativa e da terra tradicional. Iracema Pataxó e Poa Pataxó dizem “que a presença dos Pataxó neste local é para garantir a proteção da área contra os invasores que querem usar a terra para construção de hoteis, pousadas, e a especulação imobiliária”. Como a área estar dentro do território reivindicado, os Pataxó afirmam que vão resistir até o fim e não vão ceder as terras para invasores.

    Read More
  • 05/03/2013

    Homens invadem aldeia Kaiowá em Rio Brilhante, relata Aty Guasu

    Por Ruy Sposati,

    de Campo Grande (MS)

     

    O Conselho do Aty Guasu (grande assembleia Guarani Kaiowá) relatou que, no último domingo, 3, um grupo de homens invadiu o tekoha – território sagrado – Laranjeira Ñanderu, comunidade Kaiowá de Rio Brilhante, região de Dourados (MS).

     

    O ataque aconteceu dias depois da equipe de perícia antropológica do Grupo Técnico ter iniciado os trabalhos de campo que deverão levar à desintrusão e demarcação do tekoha.

     

    Segundo relatos de lideranças da aldeia colhidos por membros do Aty Guasu, os homens, que não puderam ser identificados, chegaram num trator com os faróis apagados, de propriedade de um fazendeiro vizinho à aldeia, que puxava uma carreta com uma dezena de homens embriagados, e ameaçaram incendiar a casa de reza da comunidade.

     

    Leia os relatos do Aty Guasu sobre o caso

     

    Acionada, uma equipe da Fundação Nacional do Índio (Funai) esteve no local para apurar as informações.

     

    Conflito

     

    Desde a reocupação do território, em 2009, conflitos impulsionados por fazendeiros locais tem sido recorrentes. O mais comum é o fechamento da saída da aldeia com toras de madeira, impossibilitando os indígenas de usarem ônibus escolares ambulâncias.

     

    Em janeiro, uma liderança indígena relatou à equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ter sido alvejada com quatro tiros pelo arrendatário da fazendeira que incide sobre o território, reivindicado pela comunidade como tradicional do povo Kaiowá. A indígena conseguiu escapar com vida do ataque, se escondendo na mata.

     

    O tekoha de Laranjeira Nhanderu está contemplado no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido em 2007 pelo Ministério Público Federal (MPF) com a Fundação Nacional do Índio (Funai). O acordo exige que sejam constituídos grupos técnicos para identificação e delimitação das terras indígenas, no sentido de agilizar o trabalho de demarcação de terras reivindicadas pelos Kaiowá e Guarani.

     

    O território, de cerca de 400 hectares, foi retomado em 2009. Em 2010, os indígenas foram expulsos da área, quando se alojaram às margens da estrada, ao lado da entrada de uma das fazendas invasoras. Sofreram com as inundações, o calor, falta de água potável e ao menos três mortes por atropelamento, até que retomaram novamente o território em maio de 2011.


    Já em janeiro de 2012, os fazendeiros tentaram a reintegração de posse da área em ação junto à Justiça Federal. Contudo, por conta da pressão de indígenas e organizações indigenistas, o despejo foi suspenso pelo Tribunal Regional Federal da 3a. Região (TRF-3), em São Paulo, onde ainda tramita o processo dos fazendeiros contra os indígenas.

     

     

    Read More
  • 05/03/2013

    Nota sobre o assassinato do Guarani Kaiowá Denilson Barbosa e as investigações

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vem a público se manifestar sobre a morte do indígena Guarani-Kaiowá Denilson Barbosa, de 15 anos, brutalmente assassinado na noite do dia 16 de fevereiro de 2013 pelo proprietário da fazenda Santa Helena, Orlandino Gonçalves Carneiro, réu confesso, na área que incide sobre território reivindicado pelos indígenas como tekoha Pindo Roky.

     

    O Cimi apoia a reinvindicação do Conselho da Aty Guasu (grande assembleia Guarani e Kaiowá) de que o Governo Federal deve implementar, de forma imediata, um programa de segurança nas comunidades que estão em luta pela demarcação das terras, dentre elas a Tey’ikue, que ocupa a área da fazenda onde Denilson foi morto. De acordo com os relatos das lideranças indígenas, ocorreram dois ataques de fazendeiros e pistoleiros desde o dia 18, quando houve a retomada da fazenda pelos Guarani e Kaiowá.

     

    Reforçamos também a urgência de que as investigações que envolvem o caso sejam imediatamente assumidas pela Polícia Federal, a exemplo das investigações do assassinato de Nisio Gomes, em novembro de 2011. Lideranças indígenas do Tey’ikue e do Conselho do Aty Guasu posicionaram-se publicamente exigindo o deslocamento da competência das investigações da Polícia Civil para a Polícia Federal, preocupados com o comprometimento da polícia estadual com os fazendeiros da região.

     

    Também apoiamos a reinvindicação dos indígenas sobre a necessidade de que sejam indicados novos delegados federais para assumir o caso, em substituição aos que atuam na região, uma vez que estes foram denunciados pelos indígenas em carta endereçada ao Governo Federal por uma atuação "declaradamente anti-indígena" e preconceituosa.

     

    As contradições e divergências existentes entre os depoimentos do fazendeiro Orlandino e dos dois indígenas, que também foram vítimas dos disparos e que presenciaram o assassinato do adolescente Denilson, reforçam ainda mais a versão de que o crime foi doloso. A comunidade, portanto, refuta a versão de que o fazendeiro, naquela noite de 16 de fevereiro, teria atirado da varanda de sua casa na direção do criadouro de peixes porque ouviu barulho e os latidos dos cães. A distância da varanda da casa até o local onde Denilson foi morto é de pelo menos 400 metros. A pergunta que deve ser respondida é como um senhor de 61 anos de idade, durante a noite, portanto no escuro, e a mais de 400 metros acertou um tiro na cabeça do adolescente? O Cimi confia plenamente na versão dada pelos indígenas e reafirma se tratar de um caso de homicídio com fortes traços de execução.

     

    Em seu relato, Orlandino negou a participação de outras pessoas no crime, contradizendo o depoimento das duas testemunhas que viram Denilson ser assassinado, onde apontaram a participação de três pessoas no homicídio. Para o Cimi, ao omitir esta informação, Orlandino estaria tentando descaracterizar a prática de ‘segurança’/pistolagem da área, recorrente nas áreas de conflito Guarani e Kaiowá, que já resultaram em incontáveis ataques a acampamentos e aldeias, e pessoas feridas, torturadas, desaparecidas e mortas.

     

    O Cimi compreende que a defesa feita pelos advogados do fazendeiro tem o objetivo de despolitizar o conflito, tratando a morte de Denilson como uma "fatalidade", um crime comum, tirando-o da dimensão de crime contra os direitos humanos. É importante enfatizar que as áreas do entorno das reservas ocupadas por fazendas foram estudadas nos levantamentos feitos pelo Grupo Técnico (GT) de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá, cujo relatório ainda está sob avaliação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e desde então, segundo relatos das famílias do tekoha Tey’ikue, onde vivia Denilson, os conflitos com o fazendeiro Orlandino se acirraram. Trata-se, portanto, de uma área de conflito, fruto de um processo histórico de confinamento – e das consequências geradas por ele – sofrido pelos indígenas Guarani e Kaiowá do estado, e não de algo que, conforme declarou à imprensa uma das advogadas do réu "poderia ter acontecido com qualquer outra pessoa".

     

    Por isso, vimos a público declarar nossa solidariedade ao povo Guarani-Kaiowá na sua luta pela garantia do direito a terra e por justiça, e conclamamos a sociedade para que acompanhe com atenção a apuração de mais este assassinato. Não podemos permitir que assassinos de indígenas fiquem impunes. Denilson foi covardemente assassinado, seus familiares estão inconformados, sua comunidade clama por justiça.

     

    Campo Grande, MS, 5 de março de 2013.

     

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    Read More
  • 05/03/2013

    Eis-me aqui Senhor, envia-me!

    Estamos em tempo de quaresma, tempo de conversão, ano da fé, refletindo o tema da CF – Fraternidade e Juventude. Dentro deste contesto religioso, estamos vivendo em nossa sociedade, especificamente no Mato Grosso do Sul frente às diferentes realidades de opressão que estão acontecendo, um clima propício para parar e pensar em nossa atitude de fé e conversão. Convido a todos e todas, a meditar o verdadeiro jejum recomendado pelo Isaías. 

     

    Assim fala o Senhor Deus: Grita forte, sem cessar, levanta a voz como trombeta e denuncia os crimes do meu povo e os pecados da casa de Jacó.

     

    Buscam-me cada dia e desejam conhecer meus propósitos, como gente que pratica a justiça e não abandonou a lei de Deus. Exigem de mim julgamentos justos e querem estar na proximidade de Deus:

     

    ′Por que não te regozijaste, quando jejuávamos, e o ignoraste, quando nos humilhávamos?’ – É porque no dia do vosso jejum tratais de negócios e oprimis os vossos empregados.

     

    É porque ao mesmo tempo que jejuais, fazeis litígios e brigas e agressões impiedosas. Não façais jejum com esse espírito, se quereis que vosso pedido seja ouvido no céu.

     

    Acaso é esse jejum que aprecio, o dia em que uma pessoa se mortifica? Trata-se talvez de curvar a cabeça como junco, e de deitar-se em saco e sobre cinza? Acaso chamas a isso jejum, dia grato ao Senhor?

     

    Acaso o jejum que prefiro não é outro: – quebrar as cadeias injustas, desligar as amarras do jugo, tornar livres os que estão detidos, enfim, romper todo tipo de sujeição?

     

    Não é repartir o pão com o faminto, acolher em casa os pobres e peregrinos? Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne.

     

    Então, brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá.

     

    Então invocarás o Senhor e ele te atenderá, pedirás socorro, e ele dirá: ‘Eis-me aqui’.

     

    Recentemente ouvimos e vimos falar do assassinato de um jovem que pescava peixe em um açude, para saciar a fome quando foi brutalmente assassinado por um fazendeiro. O mesmo confessou o crime e até agora nada foi feito. O fazendeiro permanece solto enquanto a Polícia Civil conduz as investigações e elabora o inquérito. Seis dias depois do assassinato, homens armados atacaram o acampamento da retomada indígena, que está localizado próximo ao açude onde mataram Denilson que passou a ser chamada de Tekohá Pindo Roky.

     

    Diante de mais um fato ocorrido e de tantas outras violações de direitos que vem acontecendo contra as comunidades indígenas, como religiosa não poderia deixar de manifestar o meu sentimento de dor, compaixão e indignação por ver diariamente este povo como ovelha sem pastor. Vulnerável à beira da estrada, nos fundos de fazendas, nas praças, nas ruas da cidade, nas escolas e nas igrejas, enfrentando todo tipo de discriminação e violação de direitos.

     

    Esta semana, junto à equipe do Cimi, como missionária, estive em vários acampamentos, terras indígenas, junto a comissões que visitavam as comunidades, cada uma manifestando seu gesto de solidariedade, compromisso e compaixão pelo povo. Isto mexeu profundamente com meu ser cristão e me veio este texto de Isaías. Isto confirmou em mim o que é viver o verdadeiro jejum, penitência. E aí estamos juntos aos povos indígenas, derramando nosso suor na luta pela defesa de suas vidas. Ao mesmo tempo aprendendo tanto com eles. Apesar do sofrimento e da dor que passam, seus rostos estão sempre alegres. Manifestando gestos de acolhimento, sensibilidade e, sobretudo muita resistência. Lutando para que o dia da paz, justiça e libertação aconteça e possamos todos, independente de etnias, classes sociais ou crenças, vivenciar o Bem Viver para sempre!

     

    Que a justiça seja feita. Para que todo este sangue derramado ao longo desses anos não seja em vão, mas que brote cheios de esperança e vida nova!

     

    Amém! Awere! Axé! Porã!

     

    Ir. Joana Aparecida Ortiz

    Franciscana Aparecida

     

    Read More
  • 04/03/2013

    Cacique Yukpa Sabino Romero é assassinado na Venezuela

    Sabino Romero Izarra, cacique de Chaktapa, foi assassinado na manhã de domingo, 03 de março, por volta das 7hs. Ele era um dos principais líderes indígenas da Venezuela e há muitos anos vinha sofrendo sucessivas ameaças de mortes por fazendeiros. Apesar das inúmeras denúncias, o governo da Venezuela nunca adotou as medidas devidas para proteger sua vida. Sabino foi um grande defensor dos direitos territoriais indígenas. Seu pai também foi assassinado em decorrência da luta pela terra.

     

    O assassinato teria ocorrido por volta das 19 horas de domingo, na rodovia de El Tukuko, distrito Libertad, município de Machiques de Perijá, no estado de Zulia. Ao que tudo indica, Romero foi vítima de emboscada, sua esposa Lucia Martinez, que o acompanhava, ficou ferida.

     

    Sabino Romero é mais uma vítima do agronegócio – cuja fúria sanguinária não obedece fronteiras – e da política nacional-desenvolvimentista do governo venezuelano, que não consegue perceber a pluralidade de povos e culturas daquele país.

     

    Read More
  • 01/03/2013

    MANIFESTO PELA VIDA – SOLIDARIEDADE E DEFESA DOS POVOS INDÍGENAS EM MATO GROSSO DO SUL

    Foto: Ruy Sposati

    As entidades que abaixo subscrevem vêm através da presente afirmar que é obrigação da nação brasileira, tanto governo, como sociedade civil, a defesa intransigente do direito à vida, a integridade física e mental, da liberdade e da segurança pessoal dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, entendendo que qualquer forma de violência física ou mental contra qualquer membro dessas comunidades devem ser exemplarmente punidos, principalmente quando praticada contra adolescente, como no caso ocorrido próximo a comunidade indígena Tey`i Kue, Caarapó-MS, onde o adolescente Guarani-Kaiowá de quinze anos de idade, Denilson Barbosa foi covardemente assassinado no último dia 17 de fevereiro.

     

    É notória a realidade que afeta os povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, em permanente estado de violação de seus direitos humanos em flagrante ofensa à Constituição Federal brasileira, principalmente aos artigos 1º, I, III, 3º, I, II, III e IV, 5°, III, VI, XXXV, XXXVI, XLIV, LIV e 231, além da negativa de vigência aos Tratados Internacionais os quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da OIT e a Convenção Americana de Direitos Humanos, além do total desrespeito às regras mínimas sobre os direitos indígenas estabelecidos pela Organização das Nações Unidas na Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

     

    Diante da vergonhosa situação imposta a esses seres humanos é necessário declarar que as entidades que baixo subscrevem apoiam incondicionalmente a defesa da posse das terras tradicionais pelos povos indígenas, bem como, apoiam as demarcações das terras indígenas e do amplo acesso desses povos aos recursos nelas existentes, única forma de colocar fim às violações de direitos e à violência contra que vem sendo imposta a esses povos, sendo urgente que o Estado Brasileiro, através do Governo Federal assuma as obrigações constitucionais de respeitar, proteger e garantir a vida e os direitos humanos dos povos indígenas.

     

    Assinam:

     

    1.       Associação Juízes para a Democracia – AJD

    2.       Anistia Internacional no Brasil

    3.       Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    4.       Conselho Federal de Psicologia – CFP

    5.       Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE

    6.       Comissão Pastoral da Terra – CPT

    7.       Comissão Regional de Justiça e Paz – CRJP

    8.       Justiça Global – JG

    9.       Plataforma Dhesca Brasil

    10.   Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil

    11.   Survival International

    12.   Comitê Nacional de Defesa dos Povos indígenas de Mato Grosso do Sul – CONDEPI

     

    Organizações que integram o CONDEPI:

    1.       Ação Brasil
    2.       Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos – ABRANDH
    3.       Advogados Sem Fronteira
    4.       Agência Popular Solano Trindade
    5.       Agência Brasil
    6.       Anthares Multimeio
    7.       Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto - ABREA
    8.       Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais - AATR – BA
    9.       Associação de Aposentados e Pensionistas de Campo Grande-MS
    10.   Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – PR – AMAR
    11.   Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte –PR – APROMAC
    12.   Associação de Saúde Ambiental – PR - TOXISPHERA
    13.   Associação Internacional Poetas Del Mundo
    14.   Associação Nacional dos Centros de Def. da Crian. e do Adoles. - ANCED
    15.   Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais - ANDEF
    16.   Associação Rede Criança
    17.   Brasil de Fato
    18.   C.S.E.N - MS
    19.   CEDECA
    20.   Central Única dos Trabalhadores - CUT - MS
    21.   Centro Acadêmico de História – UFMS – Campo Grande
    22.   Centro de Agricultura Alternativa –  CAA -  Norte de Minas - MG
    23.   Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - Ceará CEDECA - CE
    24.   Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza - CDDH
    25.   Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – Belo - Horizonte – MG CEDEFES
    26.   Centro de Estudos e Pesq. para o Desenvolvimento do Extremo Sul - BA  - CEPEDES 
    27.   Centro Gaspar Garcia DH
    28.   Cidadão do Mundo
    29.   Circulo Universal dos Embaixadores da Paz
    30.   Clinica de Direitos Humanos Luiz Gama - USP
    31.   Coletivo de Mulheres Negras - MS
    32.   Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores de Campo Grande – MS
    33.   Comissão de Direitos Humanos/OAB-MS - CDH-OAB-MS -         
    34.   Comissão Permanente de Assuntos Indígenas/OAB-MS - COPAI-OAB-MS – 
    35.   Comissão Pró-Índio SP
    36.   Comissão Regional de Justiça e Paz – CRJP - Oeste 01 - CNBB
    37.   Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena - ITC
    38.   CONAMI
    39.   CONDEPE (SP)
    40.   Conselho de Saúde Indígena – CONDISI
    41.   Conselho Estadual dos Direito do Índio do Estado de Mato Grosso do Sul - CEDIM- MS
    42.   Conselho Federal de Psicologia - CFP
    43.   Conselho Municipal Indígena de Campo Grande - MS
    44.   Conselho Regional de Psicologia – CRP 14ª/MS
    45.   Coordenação de Políticas para Negros e Índios SP
    46.   Décima Segunda Defensoria Pública Cível de Segunda Instância de MS
    47.   Dignitatis – João Pessoa – PB
    48.   Erguendo Barricadas
    49.   Faculdade de Direito USP
    50.   Fórum Carajás – São Luís – MA
    51.   Fórum da Amazônia Oriental - FAOR – Belém – PA
    52.   Fórum Nacional de Mulheres Negras
    53.   Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina - GEDIC (UFERSA/UERN) – RN
    54.   GT Combate ao Racismo Ambiental da RBJA
    55.   Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável Centro-Oeste (IBISS/CO) 
    56.   Instituto de Estudos Socioeconômicos - Brasília – DF – INESC
    57.   Instituto Irmãs de Santa Cruz - SP
    58.   Instituto Terramar – Fortaleza – CE
    59.   ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
    60.   Luta Popular
    61.   Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania - BA
    62.   Movimento Sem Terra - MST-MS
    63.   Museu Da Cultura - PUC-SP
    64.   Opção Brasil
    65.   Pastoral Indigenista - MS
    66.   Programa Pindora
    67.   Rede Alerta contra o Deserto Verde
    68.   Rede Nacional de Advogados Populares - Renap - CE
    69.   Rede Nacional de Advogados Populares - Renap - MA
    70.   Rede Nacional de Advogados Populares - Renap - MS
    71.   Rede Nacional de Advogados Populares - Renap - RN
    72.   Terra de Direitos
    73.   TEZ (Fundação Vovó Quirina)
    74.   União Geral Trabalhista – UGT
    75.   União Nacional dos Estudantes – UNE
    76.   União Popular de Mulheres

     

    Read More
  • 01/03/2013

    Guarani em Santa Catarina sob ameaça de violência

    A gente Guarani tem outros valores, diferentes dos que são apregoados pelo mundo branco, capitalista. Ente eles, a existência está visceralmente ligada ao destino da terra. Gente e natureza é uma coisa só.

     

     

     

    A gente Guarani tem outros valores, diferentes dos que são apregoados pelo mundo branco, capitalista. Ente eles, a existência está visceralmente ligada ao destino da terra. Gente e natureza é uma coisa só. Daí que o plantio, por exemplo, obedece outra lógica. Os Guarani não precisam plantar de forma extensiva, esgotando a vida da terra. Eles semeiam o que precisam para comer, colhem e deixam a terra descansar. Por isso precisam de bastante espaço, para poder praticar essa agricultura que respeita os desejos da terra, dos bichos. "Não plantamos para ter excedente, as pessoas não entendem isso e dizem que a gente não precisa de tanta terra. Somos um povo que caminha, precisamos disso, é nosso jeito. As pessoas deveriam compreender".

     

    Mas essa é uma coisa bem difícil de acontecer. Ainda mais num mundo onde a terra tem valor comercial. Não é sem razão que a presença dos guarani no Morro dos Cavalos é sistematicamente questionada. Para os que no passado invadiram as terras indígenas, empurrando-os a ponta de bala para o interior, ou dizimando-os, eles são ninguém, gente que atrapalha o desenvolvimento, obstáculos ao progresso. E, mesmo hoje, ainda há aqueles que procuram não compreender a cultura originária para assim melhor combatê-la.

     

    Apertadas em apenas quatro hectares, as 28 famílias guarani que vivem no Morro dos Cavalos, num total de 200 pessoas, há muito esperam pela liberação de suas terras, cerca de 1.997 hectares, já demarcadas desde 2008. Mas, por conta de no território viverem mais de 60 famílias de "juruás" (brancos), o processo de remoção vem se arrastando. Algumas dessas famílias compraram as terras de outros proprietários que, por sua vez, também compraram dos que invadiram. Então, a questão não é fácil. Ocorre que o Incra só pode indenizar as benfeitorias, a terra não. Porque, afinal, aquelas terras sempre foram legalmente da União. Agora, a luta das famílias que têm títulos de propriedades tem de ser travada com o estado de Santa Catarina.

     

    Os Guarani tem clareza sobre a situação dessas famílias e apoia sua luta. Mas, por outro lado, precisam das terras, que são originalmente deles, para poder viver com dignidade. Ocorre que um determinado proprietário, que vive inclusive fora da área demarcada, insiste em fomentar o ódio das famílias removidas contra os Guarani. Em  2007, a revista Veja, insuflada por esse indivíduo, fez uma longa reportagem na aldeia onde acusava a maioria dos moradores de serem "paraguaios", coisa típica das mentiras mirabolantes da revista semanal. O objetivo era barrar a demarcação que estava por sair, acusando os guarani de serem estrangeiros. Nada mais estúpido. Felizmente a tentativa não vingou e a terra foi demarcada no ano seguinte.

     

    Agora, em 2012, saiu o decreto que obriga as famílias que vivem dentro da terra guarani a sair do lugar. E, por conta disso, os conflitos voltaram. Nas últimas semanas, a aldeia teve as mangueiras que carregam a água do rio para as casas, cortadas. As aulas tiveram de ser suspensas. A casa da cacique está sendo vigiada e circulam ameaças de morte. Há muita tensão na comunidade. A violência contra os indígenas não é coisa de hoje e o medo é uma constante. Os guarani acabam vivendo todas essas torturas psicológicas e reais sempre em solidão. A imprensa não diz nada e quando fala no tema é para reforçar o racismo e a ideia de que o índio só atrapalha. As famílias invasoras são apresentadas como vítimas – e algumas até são – e os indígenas são sempre os culpados do conflito. Ninguém levanta a história, mostrando que aquele território sempre foi ocupado pelo povo guarani, muito antes de aqui pisar um português.

     

    Assim, os verdadeiros donos da terra vão tentando sobreviver. Vez ou outra encontram espaço para se expressar. Mas, eles são valentes e não se entregam. Sabem que essa  fase da desintrusão do território será dura e cheia de violência. Estão preparados. O que querem, por agora, é dividir o drama que vivem. Tem sido uma batalha árdua garantir aqueles poucos hectares, e o propósito é ir até o final. Estão dispostos a apoiar a luta das famílias que tem direitos sobre a terra – que a compraram na boa fé – mas esse é um problema que o estado tem de resolver. Não foram os guarani os que o criaram.  Apesar disso, são sempre eles os que pagam o alto preço da inoperância estatal. 

     

    Foto: Elaine Tavares

    Eunice Antunes (foto) é a primeira mulher a ocupar um cargo de cacique na comunidade Guarani do Morro dos Cavalos, em Santa Catarina. Miúda, voz baixinha e olhar desconfiado, ela só aparenta mansidão. Por trás dos gestos delicados se esconde a força atávica de um povo que luta e resiste por mais 500 anos para manter viva sua cultura, sua forma de vida, suas crenças. Além de comandar a comunidade ela é professora na escola da aldeia. Sabe muito bem o que quer e o que quer o seu povo. O desejo é simples e claro como a água do rio que haverá de existir na terra sem males: um lugar para plantar, um riacho de onde brote a água pura, um espaço para viver como gostam.

    Read More
  • 28/02/2013

    Para os Awá, trem da Vale é barulho do terror

    Por Jessica Mota,

    da Apublica

     

    Uma mulher dá de mamar a um macaco guariba. Outros dois meninos brincam com um periquito e um terceiro, deitado em uma rede, com um quati. A imagem de galhos e folhas de árvores é coberta por uma fala de som inusitado, a língua guajá.

     

    As cenas são de um vídeo produzido pela Survival International como parte de uma campanha para salvar a “tribo mais ameaçada do mundo”, segundo a organização, os Awá-Guajá. Atualmente, os índios dessa etnia ocupam três áreas no Maranhão: a Terra Indígena Alto Turiaçu, a Terra Indígena Awá e a Terra Indígena Carú.

     

    “Na verdade, [a área das terras indígenas] só tem esse formato devido ao empreendimento Carajás, que dividiu uma grande reserva florestal, a do Gurupi, para se tornar esse mosaico que é hoje”, conta Rosana Diniz, coordenadora regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) no Maranhão.

     

    Ela se refere à Estrada de Ferro Carajás (EFC), do Programa Grande Carajás, o pólo de produção e exportação de minérios da então Vale do Rio Doce – hoje Vale S/A – implantado nos anos 80. O trem que parte da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, onde ficam as minas da Vale, segue pelo Maranhão até o porto de exportação próximo a São Luís, é o maior do mundo. São quatro locomotivas e 330 vagões que atravessam com estrondo reservas florestais, terras indígenas, comunidades quilombolas e de pequenos agricultores.

     

    Ainda nos anos 80, a Vale firmou um convênio com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para demarcar o território dos Awá-Guajá no Maranhão, apoiando financeiramente o processo. Assim surgiu a Terra Indígena Awá, localizada a 35 km da Estrada de Ferro Carajás. Também estão na área de influência da ferrovia as terras indígenas Carú e Mãe Maria afetadas, no momento, pela expansão da Estrada de Ferro Carajás como parte de um projeto da Vale de duplicar a extração de minério no Pará.

     

     “O BARULHO DO TERROR”

     

    O contato com os Awá-Guajá no Maranhão é recente, poucos falam algumas palavras de português. Há mesmo notícias de Awá-Guajás não contatados. Como vivem da caça e da coleta, circulam pelo território e sentem dramaticamente qualquer impacto sobre ele.

     

    “Os Awá tem toda uma teoria sobre o barulho, sobre o som, que inclusive forma o conhecimento deles sobre a caça. O silêncio na mata é muito valorizado. Eles conseguem ouvir a chuva quando está chegando, minutos antes de ela cair. Então eles têm toda uma teoria nativa sobre o barulho e o barulho do trem é um barulho do terror”, explica Uirá Garcia, antropólogo que trabalha com os Awá-Guajá.

     

    As aldeias mais próximas da ferrovia estão na Terra Indígena Carú. São as aldeias Awá e Tiracambú, distantes cerca de 1,1 km e 1,7 km da ferrovia, respectivamente. Além do ruído que espanta a caça e causa medo às crianças, os Awá-Guajá convivem com desmatamento e a exploração ilegal de madeira no território invadido pela chegada de migrantes atraídos pelos grandes empreendimentos econômicos na região.

     

    “Considerando que é um povo caçador e coletor, que vive exclusivamente da floresta e consequentemente não tem políticas voltadas para esse modo de vida – nem por parte da Funai, nem na assistência da saúde -, esses elementos nos levam a concluir que esse é, realmente, o povo mais ameaçado no Brasil”, acredita Rosana Diniz.

     

    O FUTURO DOS AWÁ-GUAJÁ

     

    A situação de outros índios afetados pelo pólo exportador de Carajás – esses no Pará – antecipa um futuro ameaçador para os Awá-Guajá.

     

    No sudeste do Pará, onde ficam as minas da Vale, o imenso trem corta as terras da tribo indígena Mãe Maria. Ali, cerca de 700 índios Gavião se dividem em cinco aldeias nos 62 mil hectares que compõem a única área verde do município de Bom Jesus do Tocantins.

    Os Gavião enfrentam o mesmo problema de caça que os Awá-Guajá, além de atropelamentos nos trilhos do trem que não pode parar – um maquinista controla o trem de 3,5 km de extensão. O território deles está na área de influência dos megaprojetos de desenvolvimento desde a década de 1970 – dos alagamentos causados pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí – e as linhas de energia que cortam o território – à construção da BR-222 (que liga Marabá a Fortaleza).

     

    Os que ficam mais próximos às minas, porém, são os cerca de mil índios Xikrin Kayapó, da Tribo Indígena Cateté, ao sudoeste de Marabá. A área ocupa perto de 440 mil hectares do município de Parauapebas, sede da Floresta Nacional de Carajás – de onde é extraído o minério de ferro da Vale.

     

    As indenizações e programas estipulados pelo IBAMA que a Vale paga aos Xikrin e aos Gavião, por enquanto, são as únicas tentativas de compensar e mitigar os danos causados ao ambiente e  modo de vida dos índios.

     

    O que leva a conflitos e renegociações constantes. “A Vale acha que são coisas definitivas e não são. Da perspectiva dos índios, a negociação está sempre aberta. É sempre possível voltar a negociar porque é sempre insatisfatório. Tem essa figura no direito que chama hipossuficiência jurídica. A desigualdade é tamanha na negociação que, para os índios, a possibilidade de renegociação está mesmo sempre aberta”, diz Iara Ferraz, antropóloga que acompanha os índios Gavião desde a década de 70.

     

    Em 2006, quando índios Xikrin pararam a produção da Vale em Carajás, a empresa declarou não ter obrigação legal de indenizá-los pelos impactos socioambientais causados por seus empreendimentos na região. “É responsabilidade do Estado a garantia de recursos financeiros para atender às necessidades destas comunidades, atuando através da Funai e de outras entidades governamentais”, declarou a companhia.

     

    “É chegada a hora de o Estado definir e implementar políticas de apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas em todo o território brasileiro. As empresas privadas não podem mais conviver com ilegalidades promovidas por índios, que vêm lançando mão de ações que podem ser caracterizadas como crimes de cárcere privado, roubo, extorsão, dano, invasão de estabelecimento industrial, formação de quadrilha, perigo de desastre ferroviário e desobediência”, afirmava a empresa.

     

    Para Marcos Reis, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Norte 2 – que abrange o Pará e o Amapá –, “o argumento que a Vale usa de que faz caridade, que dá isso de boa vontade, é falacioso, porque ela está condicionada a fazer isso”, diz, se referindo às condições impostas à companhia – então estatal – pelo Senado Federal depois da redemocratização do país.

     

    A resolução nº 331 de 1986 do Senado concedeu à Vale o direito de uso de terras da União por tempo indeterminado mas estipulou entre os deveres da empresa o “amparo das populações indígenas existentes às proximidades da área concedida e na forma do que dispuser convênio com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI ou quem suas vezes fizer”.

     

    ÁGUA POLUÍDA

     

    Kangó, um índio de 42 anos, é representante da aldeia Djudjekô, dos índios Xikrin. Ele conta que decidiu começar a estudar para ajudar os índios, índias, curumins e anciãos de sua comunidade. “Tem gente ainda que não sabe falar português, os velhos e as crianças da nossa aldeia são assim. Nem a índia nem o menino sabem português. Eu preciso estudar para poder ajudar eles”, conta. Sua aldeia está mais próxima da área de mineração de níquel da Vale, chamada Onça-Puma, nas terras da Tribo Indígena Cateté.

     

    Ele explica que o aumento da população é um dos fatores que justificam a renegociação das indenizações pagas pela Vale. “Tem muito minério rodeando a aldeia e a aldeia ficou no meio. Esse recurso que a Vale repassa para a comunidade indígena não dá para todas pessoas, porque todo ano a população cresce nas três aldeias Xikrin”, fala.

     

    Juliano Almeida, indigenista da Funai em Marabá, diz que os recursos são destinados  a atividades de interesse da comunidade. “Tem um conselho [na comunidade] que define a forma como esse dinheiro vai ser aplicado”.

     

    As extração de níquel polui bem mais do que mineração de ferro. Na aldeia Djudjekô, próxima às minas de Onça-Puma, os índios temem a contaminação do rio da comunidade, o Cateté. “Nós estamos preocupados com pó que cai na água. As crianças se banham e bebem da água do rio. E com a nossa alimentação, com o peixe. O pó também cai na castanheira, onde nós buscamos a castanha pra se alimentar. Algumas já morreram por causa de pó”, diz Kangó.

     

    O índio conta que as crianças apresentam sintomas de intoxicação como diarreia, coceira e vermelhidão nos olhos. Seu neto de três anos, Pepnhuika, agora está fazendo um tratamento para os olhos. Os gastos com saúde e projetos para sobrevivência das aldeias – como os de cultivo e extração de castanha – são realizados com as indenizações que os índios recebem da Vale. E eles sabem que com esses mesmos recursos têm de se preparar para o futuro, quando as minas se exaurirem.

     

    “Nós temos uma preocupação, uma tristeza, um sentimento. Mas também temos um projeto de plantação de cacau, estamos começando a produzir, a fazenda também já está começando a produzir”, fala Kangó. “Nós temos que trabalhar, para sobreviver os nossos netos, os nossos filhos, para não esquecer o nosso futuro. E assim, se a Vale deixar nós, nós temos o nosso trabalho”.

     

    LUTA JUDICIAL

     

    Em julho do ano passado, o juiz federal Ricardo Macieira da 8ª Vara de São Luís, no Maranhão, determinou a suspensão da expansão da Estrada de Ferro Carajás até que fosse realizado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). A duplicação da ferrovia e expansão dos pátios havia sido considerada “uma reforma” pelo IBAMA – apesar de cortar reservas naturais e comunidades protegidas ao longo dos quase 700 km da obra – e a Vale foi dispensada do EIA-Rima, apresentando apenas uma modalidade mais simples de pesquisas, o Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA).

     

    A decisão do juiz federal atendia às reivindicações da ação civil pública movida por órgãos de direitos humanos, como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), contra o IBAMA – que dispensou o EIA-Rima – e a Vale – que não realizou a consulta prévia a comunidades indígenas e quilombolas – como determina a Convenção 169 da OIT. A ação civil também citava a falta de publicidade na convocação das audiências públicas por parte do IBAMA e da Vale.

     

    Em setembro de 2012, porém, o desembargador federal Mário César Ribeiro, presidente do TRF da 1ª Região revogou a liminar do juiz federal e liberou a execução das obras nos trechos que não ferem as terras indígenas. A questão jurídica, porém, ainda não foi decidida, como explica Rosana Diniz, do CIMI: “A ação judicial continua correndo. A Vale entrou com um recurso alegando prejuízo e nós também entramos com um recurso, um agravo regimental, que será julgado pelo colegiado da segunda instância do TRF. A gente, então, está aguardando o julgamento dessa ação”.

     

    Além disso, segundo a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, a Licença de Instalação do IBAMA de novembro de 2012, autorizando a duplicação da ferrovia, incluiu as ressalvas do órgão de proteção aos índios pedindo a  interrupção da obra nos trechos que atingem as Terras Indígenas Carú e Mãe Maria até que a Vale entregue os Estudos de Impacto Ambiental do Componente Indígena para a análise e manifestação técnica da Funai.

     

    E COMO FICA A “TRIBO MAIS AMEAÇADA DO MUNDO”?

     

    Em 2007, a Vale renovou o Acordo de Cooperação firmado com a Funai para atender as necessidades e demandas das Terras Indígenas Carú, Awá e Alto Turiaçu. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, o acordo – que tem vigência até 2016 – tem o objetivo de atender a especificidade cultural dos índios Awá.

     

    Não será fácil, a julgar pela opinião do antropólogo Uirá Garcia, que explica: há uma série de impactos ambientais e sociais que fazem com que os Awá-Guajá se sintam historicamente prejudicados pelos empreendimentos da Vale, além de um abismo cultural na relação entre companhia e índios.

     

    “O sentimento geral da população Awá-Guajá, que está na Terra Indígena Carú, na aldeia Awá e na aldeia Tiracambú, é que eles não querem essa duplicação [da ferrovia de Carajás]. Os Awá são um povo que conhece muito pouco do nosso universo, do que é o Brasil, do que é o presidente, do que é a Vale. Como você vai negociar com um povo que não sabe o que é dinheiro?”, questiona o antropólogo.

     

    – Veja mais: http://www.apublica.org/2013/02/awa-guaja-trem-vale-carajas/#sthash.c6AypPAq.dpuf

     

    Read More
Page 587 of 1205