• 09/08/2013

    Na II Marcha dos Povos Indígenas de Roraima, organizações divulgam Carta à População

    A II Marcha dos Povos Indígenas de Roraima, realizada neste dia 09 de agosto, reconhecido pela ONU como o Dia Internacional dos Povos Indígenas, reuniu aproximadamente 500 participantes indígenas dos povos Macuxi, Wapichana, Patamona, Taurepang, Ingaricó, Yekuana, Yanomami, Wai-Wai, organizações e parceiros da causa indígena.

     

    A concentração da Marcha ocorreu a partir das seis horas na Praça do Centro Cívico, em Boa Vista, Roraima, onde após abertura seguiu para o Palácio do Governo. O movimento reivindicou melhorias e repudiou o descaso em que se encontra a educação indígena no Estado. Em seguida, o movimento seguiu para a Assembleia Legislativa, pedindo mais atenção e cumprimento das políticas públicas pelos parlamentares. Nos dois setores públicos foi entregue a Carta da II Marcha.

     

    No período da tarde, a Marcha seguiu pelas principais vias da capital até o Ministério Público Federal (MPF), Advocacia Geral da União (AGU), Controladoria Geral da União (CGU), Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), onde também o documento foi entregue.

     

    O encerramento da Marcha deu-se com um ato simbólico demonstrando que os povos indígenas não só se manifestam, mas que também comemoram as conquistas ao longo dos 500 anos do Brasil. O movimento indígena pede respeito e cumprimento dos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, considerando que até o momento o Estado Brasileiro se mostra ainda omisso com essa conquista.

     

    2013: 25 anos de conquista dos Direitos Indígenas na Constituição Federal!

     

    Pela vida e dignidade, salve os Povos Indígenas de Roraima e do Brasil!

     

    A luta continua, unidos venceremos!

     

    Carta Aberta à População

     

    Nós, Povos Indígenas do Estado de Roraima, apoiados por nossas organizações indígenas, e com solidariedade do movimento social, instituições públicas e privadas, em reafirmação dos direitos dos Povos Indígenas e considerando a situação de vulnerabilidade e instabilidade dos direitos humanos dos povos indígenas amparados pela Constituição Federal Brasileira, vimos nesta data de 09 de Agosto, considerado Dia Internacional dos Povos Indígenas, expressar a nossa indignação dada aos povos indígenas, e cobrar a atenção e medidas necessárias das autoridades públicas para as seguintes situações:

     

    1. No Legislativo, as Propostas de Emendas Constitucionais, tais como PEC 215, PEC 033 e PEC 419 colocam em risco a garantia de nossos direitos e ameaçam nossa sobrevivência física e cultural. Essas PECs são inconstitucionais e visam o interesse individual, econômico e politiqueiro, por isso devem ser rejeitadas;

     

    2. Da mesma forma exigimos a anulação do PDL 2540/2006 que trata da implantação de uma hidrelétrica na Cachoeira de Tamanduá, no Rio Cotingo, interior da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O projeto de mineração PL 1610/96 traz abusos visíveis aos direitos indígenas. A temática da mineração deve ter sua tramitação concomitante com o PL 2057/91 do Estatuto dos Povos Indígenas, por abranger direitos indígenas a serem protegidos e especificados. Pela imediata paralisação do PL 1610/95, priorizando a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas;

     

    3. Os direitos de posse permanente e usufruto exclusivo sobre as terras indígenas são direitos constitucionais e devem ser protegidos. Infelizmente, as terras indígenas são vistas somente com olhar de cobiça e exploração devastadora. O exemplo disso são as contínuas invasões as terras indígenas, como caso na TI Anaro, na região Amajari e TI Yanomami. Queremos que haja celeridade para a retirada dos fazendeiros e demais invasões da TI Yanomami e demais terras indígenas, ações sistemáticas para coibir o garimpo ilegal e a adoção de ações efetivas e concretas para a proteção à posse indígena;

     

    4. A Portaria 303/12 de iniciativa do poder executivo através da AGU, a qual interpreta como uma questão concluída e transitada em julgado tais condicionantes, pressionando o Poder Judiciário sobre todos os embargos declaratórios em trâmite no STF.  Pela revogação da Portaria 303-AGU.

     

    5. Pacaraima e Uiramutã foram municípios criados para desestabilizar a demarcação das Terras Indígenas São Marcos e Raposa Serra do Sol. A sede de Pacaraima tem crescido e se alastrando para dentro das comunidades indígenas, provocando impactos negativos socioculturais, ambientais, econômicos. Queremos providencias para sanar tal ilegalidade e a reintegração de posse para as comunidades indígenas.

     

    6. A crise sobre a Saúde Indígena ameaça a organização social e a cultura indígena. O governo deve planejar e garantir serviços de assistência a saúde adequados e com qualidade, com equipamentos, postos, medicamentos e profissionais devidamente capacitados, com prioridade para os profissionais indígenas das próprias comunidades, como agentes de saúde, microscopistas, técnicos de enfermagem, laboratório, e profissionais de nível superior.

     

    7. O governo deve criar linhas específicas de apoio às atividades econômicas sustentáveis dos povos indígenas, apoio à implementação dos planos de gestão territorial e ambiental das terras indígenas já construídos pelas comunidades indígenas, e o reconhecimento, regularização e apoio à atuação dos Agentes Territoriais e Ambientais Indígenas;

     

    8. A situação da Educação Escolar Indígena é precária, apesar de receber verbas públicas federais em nome dos indígenas. Não tem construções de escolas e nem reformas, ou melhorias. A maioria das escolas indígenas são estruturas construídas pelas próprias comunidades e com recursos delas próprias. No mesmo sentido é preciso, apoiar os alunos indígenas que ingressam nas universidades com programas específicos no ingresso, na permanência e pós-graduação;

     

    9. O Instituto Insikiran da UFRR foi criado atendendo a demanda indígena em parceria com as organizações indígenas. Somos contrários a exclusão das organizações indígenas nos processos decisórios. Queremos que a UFRR, no uso de sua autonomia mantenha o atual sistema de eleições para o Insikiran, no sentido de respeitar um sistema diferenciado e participativo da comunidade indígena.

     

    O Estado de Roraima deve aprender a trabalhar com a realidade local e adequar o plano de desenvolvimento a partir dos direitos indígenas.

     

    Com nossa Marcha no Dia Internacional dos Povos Indígenas, chamamos atenção das nossas autoridades públicas para a grave situação dos direitos dos povos indígenas em Roraima para reverter esse quadro negativo pela Justiça e Dignidade.

     

    Conselho Indígena de Roraima – CIR, Conselho do Povo Indígena Ingarikó – COPING, Hutukara Associação Yanomami – HAY Associação dos Povos Indigenas Wai Wai – APIW, Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos – APITSM, Associação dos Povos Indígenas de Roraima – APIRR, Associação dos Povos Indígenas Wai-Wai – APIW, Associação do Povo Ye’kuana do Brasil – APYB, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR, Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIR, Organização dos Índios na Cidade – ODIC.

     

    Boa Vista, RR, 09 de agosto de 2014.

     

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  • 09/08/2013

    Caciques e lideranças Munduruku denunciam intervenção do governo federal para forçar construção de usina

    Por Renato Santana,

    de Brasília (DF)

     

    Foto: Ruy Sposati/CimiDepois de intervenção protagonizada pelo Poder Público de Jacareacanga, município ao sul do estado do Pará, caciques e lideranças afirmam, em nota pública, que o povo Munduruku seguirá contrário à construção de usinas hidrelétricas no rio Tapajós, cujas águas cortam o território indígena e se barradas inundarão aldeias, áreas de subsistência e locais sagrados do povo.

     

    Para as lideranças Munduruku, o governo federal e demais grupos interessados, que usam a prefeitura e os vereadores para dividir o povo e facilitar a entrada do projeto de usina hidrelétrica no Tapajós. “Querem colocar pessoas que são a favor (da usina) para ter o controle. Fizeram reunião para enviar relatório ao governo”, denuncia Jairo Saw, porta-voz do cacique geral Munduruku.  

     

    No último dia 3, uma reunião para avaliar o movimento de resistência aos projetos da usina foi convocada. Cerca de 83 caciques desceram das aldeias para Jacareacanga. “A pauta dizia que era para avaliar os últimos acontecimentos do movimento. Era para fortalecer a luta contra os grandes projetos e a organização dos Munduruku de uma forma geral”, explica Saw.  

     

    Porém, o prefeito da cidade, Raulien Queiroz, filiado ao PT, policiais fortemente armados, vereadores e assessores políticos garantiram a inversão da pauta: o encontro passou a ser para mudar a direção da Associação Pusuru. Capangas proibiam registros fotográficos, quem chegasse era revistado e faixas contra o projeto hidrelétrico foram proibidas de serem abertas.

     

    Leia mais: Desmandos e autoritarismo marcam encontro indígena em Jacareacanga, sul do Pará

     

    A Associação Pusuru se tornou um dos principais instrumentos do povo Munduruku de mobilização contra empreendimentos hidrelétricos nos rios da Amazônia. Entre abril e maio, os Munduruku ocuparam por duas vezes o principal canteiro da UHE Belo Monte, no rio Xingu, e em junho realizaram manifestações em Brasília e detiveram a ação de técnicos que trabalhavam no interior do território indígena para preparar relatório ambiental em prol da construção da usina. Protestaram também na Câmara dos Vereadores de Jacareacanga, reivindicando um posicionamento contrário dos edis ante o projeto hidrelétrico do governo federal.  

     

    Todas as ações foram criticadas pelo prefeito durante a reunião, sem possibilidade de defesa por parte dos Munduruku. “Os caciques e lideranças não foram permitidos de falar e o tempo estava restrito em poucos minutos. Não existe isso em nossas reuniões. A maioria não entendeu o que estava sendo discutido, porque era para se discutir outra coisa”, destaca Jairo Saw. Na nota, o movimento aponta que o golpe foi dado por políticos da cidade que visam acabar com a resistência ao projeto hidrelétrico, mas que “não conseguiram acabar porque somos maioria”.

     

    Foto: Ruy Sposati/CimiMaria Leusa Munduruku acabou retirada da Associação Pusuru, da qual era vice-presidente. Passou cerca de dois meses fora da aldeia, entre as ocupações ao canteiro de Belo Monte e as mobilizações de Brasília. Sempre foi contra a usina e presenciou o secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga ameaçando de que não garantiria o combustível dos barcos para a volta das lideranças às comunidades se as faixas contra a usina não fossem retiradas. “O cacique com quem ele falava se intimidou. Eram muitos policiais, capangas. Fomos todos pegos de surpresa”, afirma.

     

    Estratégia que vem de cima   

     

    Não é a primeira vez que o Poder Público de Jacareacanga é usado como via de acesso para a imposição de projetos nas terras Munduruku, aquém às vontades e opiniões do povo. Em agosto de 2011, representantes da empresa Celestial Green, ligada ao mercado de carbono e REDD, se reuniram com vereadores para assinar um contrato que concedia direitos de uso absoluto das terras indígenas à empresa durante 30 anos. Os Munduruku não aceitaram, denunciaram às autoridades e negaram qualquer trato.  

     

    Leia mais: Cacique Munduruku esclarece farsa sobre contrato de REDD

     

    Para Jairo Saw, a situação presente não é diferente: o governo federal age pelo Poder Público local para impor o projeto de usina nas terras do povo. “A ideia do governo é acabar com a nossa cultura, dividir o povo e fazer a integração social do índio na sociedade que o governo controla. Se o Munduruku está reagindo é para manter a cultura; se o povo se aquietar é porque desapareceram as tradições e a língua”, explica o assessor do cacique geral.   

     

    Outro ponto destacado por Saw é o local da reunião. Para ele, a armação começa quando foi decidida a cidade para o encontro. “Eles (prefeito e vereadores) tinham medo de que acontecesse nas aldeias e as lideranças se revoltassem com a atitude dos vereadores. Em Jacareacanga eles podiam chamar a polícia a qualquer momento, intimidando os caciques e lideranças”, analisa Saw. O encontro foi arcado, segundo a liderança, pelos próprios gestores municipais. Dos 83 caciques presentes, apenas seis tiveram direito a fala.

     

    Renato Santana/CimiNum outro sentido, as lideranças Munduruku apontam a ingerência dos vereadores indígenas. Saw explica que mesmo que eleitos com votos Munduruku, os parlamentares indígenas não representam o povo e tampouco podem falar e decidir pelo povo, tal como aconteceu na questão do contrato com a Celestial Green e agora no caso da construção da usina. A decisão dos Munduruku é uma só: contra qualquer usina nos rios da Amazônia, sobretudo no Tapajós.

     

    “Então eles precisam respeitar isso. Governo federal tem que discutir com a gente, nossa opinião é que vale. Da outra vez foi a mesma coisa: Paulo Maldos (da Secretaria Geral da Presidência da República) se reuniu com os vereadores, enquanto os caciques ficaram esperando por ele na aldeia Sai Cinza”, frisa Saw.

    Os vereadores indígenas alegaram que o movimento Munduruku, em suas ações, sobretudo na retirada dos técnicos do interior da terra indígena, “passa por cima” do cacique geral. Saw rechaça a acusação: “Assessoro o cacique geral e ele acompanha o movimento de resistência, assim como os outros caciques. Inclusive ele esteve presente aqui em Jacareacanga para que os guerreiros mantivessem o controle e ele ter como orientar”.

    Nota pública do movimento Munduruku:

     

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  • 09/08/2013

    Regional Norte III da CNBB: “Queremos ser uma Igreja missionária, corajosa e samaritana”

    A eucaristia celebrada na Igreja de Maria no último dia 07, na cidade de Palmas, TO, foi um gesto simbólico de comunhão e compromisso, para tornar pública a instalação do novo Regional Norte III da CNBB, criado durante a 51ª Assembleia Geral Ordinária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que aconteceu em Aparecida, SP, no mês de abril deste ano.

     

    A missa foi presidida por Dom Philip Dickmans, presidente do Regional Norte III e bispo da Diocese de Miracema do Tocantins e concelebrada por todos os bispos do regional. Como sinal de colegialidade e comunhão esteve presente Dom José Luiz Majella, presidente do Regional Centro-Oeste da CNBB, Dom Washington Cruz, arcebispo de Goiânia, e Dom Sergio da Rocha, arcebispo de Brasília.

     

    Na sua mensagem, Dom José Luiz Majella destacou que se sentia feliz por este novo regional e que sua criação não era para dividir, mas para fortalecer a ação evangelizadora da Igreja. Dom Sergio da Rocha trouxe a mensagem de parabéns e apoio da presidência da CNBB. 

     

    O Regional Norte III da CNBB abrange os 139 municípios do estado de Tocantins e sete do estado de Goiás, pertencentes à Arquidiocese de Palmas, dioceses de Porto Nacional, Miracema do Tocantins, Tocantinópolis e a Prelazia de Cristalândia. Todas estas jurisdições eclesiásticas faziam parte do Regional Centro-Oeste da CNBB.

     

    Para chegar até aqui, foi um longo processo, de trabalho, partilha e solidariedade do povo de Deus desta região em comunhão com seus bispos.

     

    As motivações para a criação do regional foram as particularidades da região na questão social, religiosa, cultural, econômica e política, e a distância geográfica que separava o Tocantins com a sede do Regional Centro-Oeste, na cidade de Goiânia. Mas, a principal motivação foi toda a urgência de responder aos desafios pastorais e ao imperativo do evangelho de ser uma Igreja solidária e comprometida com os pobres. De ser a Igreja de Jesus, serva, discípula e missionária, a serviço da vida junto aos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, camponeses, migrantes, do povo do sertão e das cidades.

     

    Na homilia, Dom Philip Dickmans, bispo da Diocese de Miracema do Tocantins e presidente do Regional Norte III, enfatizou que a Igreja do Regional Norte III quer ser:

     

    Uma Igreja Missionária, que não fica acomodada, mas que sai às ruas, para o povo, que anuncia a Boa Nova do Senhor, mas também que quer vida digna para o povo; uma Igreja corajosa que não tem medo, que se compromete e defende a vida dos mais fracos; uma Igreja de fé e compromisso; uma Igreja do encontro com o Outro, do acolhimento; uma Igreja da Cruz e da Ressurreição; uma Igreja samaritana, que se preocupa por todos, mas que, não fica tranquila em quanto há um irmão com fome.

     

    Fez também menção ao Papa Francisco, que chama ao compromisso e a simplicidade. Exortou os presentes a fazer da Igreja do Regional Norte III, não só Igreja de confissão, mas também de conversão e compromisso, que levará a ser uma IGREJA SERVIDORA.

     

    Estiveram presentes na solenidade presbitérios e fiéis do povo de Deus de todas as dioceses, assim como representantes das pastorais, movimentos e organismos, dentre eles CPT, Pastoral da Criança, COMIRE, CRB, Cimi, RCC, Pastoral da Pessoa Idosa, das Novas Comunidades, Comissão dos Leigos entre outros.

     

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  • 09/08/2013

    Desmandos e autoritarismo marcam encontro indígena em Jacareacanga, sul do Pará

    Por Claudemir Monteiro,

    de Belém (PA)

    Parecia Estado de Sítio. Policiais militares e da força tática fortemente armados, agentes da Prefeitura espalhados por todo lugar, políticos e o próprio prefeito monitorando e esbravejando pelos cantos, proibindo e deixando de proibir. Acreditem, era uma reunião de caciques e lideranças indígenas que aconteceu no último 3 de agosto. A cidade: Jacareacanga, povo Munduruku, sul do Pará.

    Era perto de 8 horas da manhã quando uma ordem, estabelecida entre indígenas da mesa coordenadora e autoridades locais, autorizava apenas caciques a entrar na reunião. Demais lideranças estavam dispensadas, o que não foi aceito e um novo acordo garantiu a participação de todos.

    Acomodados no ginásio poliesportivo da cidade, foi anunciado por uma liderança indígena (que coordenou quase todo o evento) que não seria permitido o uso de faixas, e apenas a TV Buré, afiliada ao SBT, pertencente ao prefeito da Cidade, e o Conselho Indigenista Missionário (cimi) podiam fazer registros fotográficos do evento.

    Um pouco surpreso e sem entender a razão do Cimi ter essa exclusividade, busquei uma máquina fotográfica para cobrir o evento. Dirigi-me a uma militante do Comitê Metropolitano Xingu Vivo, que se encontrava na arquibancada, para emprestar a máquina, mas percebi que pelo menos oito pessoas me observavam (quatro policiais, o prefeito e três capangas). Me apresentei como membro do Cimi. O próprio prefeito, que atende pelo nome de Rauliend, do PT, me disse: “Você tem autorização, mas esta máquina não. Pois pertence àquela moça que há algumas semanas esteve fazendo baderna na cidade”. Tentei explicar que aquela moça teria vindo pela primeira vez, mas num tom neurótico o prefeito gritou: ”Se esta máquina for usada eu mando quebrar”.

    Disse isso sob o auspício dos policiais, cujo comandante Anderson me alertou que o papel da polícia estava em proteger a vida dos ‘baderneiros’, pois da ultima vez que estiveram na cidade tinham causado muitos tumultos e o povo queria linchá-los, então seria bom controlar os ânimos. Voltei com a máquina e devolvi para a dona e disse para que tomasse cuidado, pois poderiam cumprir a ameaça de quebrar. E de fato quase o fizeram. Pois o capanga do prefeito que atende por nome de “Perito” tentou de forma violenta arrancar a máquina do braço da militante, sob olhares da polícia, cuja função, segundo eles, era de proteger. Só não o fez porque um grupo de guerreiros levantou e foi em cima do agressor, que se sentindo pressionado saiu e sumiu do ginásio.

    Na mesa de abertura do evento estavam presentes o cacique geral dos Munduruku, o presidente da Associação Pusuru, Cândido Munduruku, o comandante da Polícia Militar, comandante da Polícia Tática, o prefeito, um representante da Funai e , por fim, um representante da Sesai.

    Patrocínio da prefeitura

    Na fala do prefeito já mostrava quem era o patrocinador do evento. A reunião tinha apoio da Prefeitura, porque ele acreditava na unidade entre não índios e os Munduruku. Disse que esperava que na reunião os indígenas definissem pelo desenvolvimento do município, o que seria bom para todos. E disse que todos eram bem vindos, menos aqueles que vieram com intenção de tumultuar, num recado velado às ONGs que observavam o evento.

    O discurso era intimidador e voltado exclusivamente para os indígenas: os ‘atos de vandalismo’ acontecidos no último mês de junho, o tumulto criado na cidade, a depredação de prédios públicos, eram crimes e que poderiam levar os índios à prisão, pois a lei dos brancos serve para os índios. Notava-se que se tratava de um discurso reproduzido, adequadamente, como professa o governo petista.

    Aliás, após desfeita a mesa das autoridades, se compôs a mesa indígena que avaliaria os últimos acontecimentos e buscaria ‘outro rumo’ para a PUSURU. Porém o mais intrigante foi a presença de meia em meia hora do sr. Ivanio (assessor do prefeito e secretário de assuntos indígenas da prefeitura) na mesa coordenadora. Como um fiscal, um monitor, mostrando e dizendo que ele estava ali, bem junto, quase colado na mesa.

    Do discurso para a prática

    Lideranças indígenas, que tinham pedido faixas para expressar indignação contra o processo do projeto hidrelétrico de Tapajós, foram aos poucos colocando as mesmas no intervalo da manhã para o almoço. Mais ou menos próximo das duas da tarde, o Sr. Ivanio e quatro policiais da Rota arrancaram as faixas. Alguns indígenas presentes se queixaram, mas o Sr. Ivanio falava alto “quem não se adequar às condições, que assuma as despesas do evento”. Estava se referindo às quase duzentas cadeiras e serviço de som que pertencem ao próprio. Só não se sabe se foi gasto dinheiro público da prefeitura o material.

    Nesse mesmo momento um casal de estudiosos, ele antropólogo americano e ela uma estudante italiana, que acompanhavam o grupo do Tapajós Vivo, chegaram ao momento em que arrancavam as faixas. Perceberam que havia algo incomum e decidiram sair, mas foram parados pelos policias que pediram para olhar suas máquinas. Não bastou dizer que não registraram nada. Sem dó apagaram (os policias) todos os registros fotográficos do casal. Dois membros do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) foram parados por pessoas não identificadas que perguntavam sobre a identidade e origem do grupo. O membro do FAOR se apresentou dizendo seu nome e a origem, de Belém. Assim mesmo foram indagados sobre se não tinham o que fazer para estar naquele evento. Foi quando o militante do FAOR apresentou a carta convite da PUSURU justificando sua presença.

    Se formos elencar as várias outras atitudes de estranhos, policiais, de agentes da prefeitura vamos fazer uma dissertação de autoritarismos. Mas o certo é que toda coerção fez efeito sobre os indígenas. Os Munduruku saíram do ginásio, depois de quase 20 horas, com uma “nova PUSURU”. Mantendo o atual presidente e incluindo três novos membros. Uma PUSURU adequada ao jeito “Rauliend de ser”. Que não brigue com o governo do PT e mais aberta para dialogar com o governo sobre a hidrelétrica. O sempre coordenador indígena do evento chamou a atenção dos observadores dizendo: “Somente esses quatro tem o papel de representar a PUSURU e fazer documentos com papel timbrado”.

    Em conversas com pelo menos 30 caciques após o evento, ficou nítida a confirmação do que acabo de escrever. Diziam que não sabiam o que vinham fazer nessa reunião. Outros diziam: “Fiquei calado por medo de não ter combustível para voltar para casa”; ou: “Tinham muitos policias por lá”; ou ainda: “O pessoal do prefeito tava olhando”. Mas o certo é que há insatisfações. Não sei bem certo se a PUSURU vai conseguir dominar e representar essas insatisfações, cujas vozes reclamam e não aceitam nenhum diálogo com o governo em relação às hidrelétricas.

    Conclusão

    Na condição de observador, a conclusão que apresento foi de uma armação entre prefeito, vereadores ligados à base, incluindo alguns vereadores indígenas, e militantes para anular a ação dos guerreiros Munduruku contra o processo hidrelétrico no rio Tapajós, imposto pelo governo Dilma, assim como foi feito com Belo Monte, no rio Xingu.

    Primeiro era necessário trazer os caciques para Jacareacanga, mudar a associação e enquadrar os indígenas revoltosos. Conseguiram puxar essa reunião indígena para Jacareacanga. É bem sabido que Jacareacanga é uma cidade caracteristicamente indígena. Porém, no meu entender indigenista, uma reunião de assuntos internos se faz numa aldeia, longe e sem interferências de terceiros. E não foi isso que aconteceu nesta reunião do dia 3 de agosto. A interferência na reunião foi descaradamente imoral, baseada em coerções com polícia fortemente armada, com funcionários e até capangas do prefeito espalhados por todo o ginásio, com um secretario de assuntos indígenas, inspetor das decisões, e com indígenas com discursos afinados com o governo local. Não poderia sair outra coisa a não ser uma conformação adequada para reatar um diálogo com o governo do PT, que tinha na PUSURU uma resistência sem igual e vista nos últimos meses. Agora só nos resta saber se vão conseguir enquadrar os indígenas revoltosos.

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  • 09/08/2013

    Deputados entram com mandado de segurança no STF contra PEC 215

    Um grupo de deputados que integra a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas entrou ontem (8) com um mandado de segurança, assinado por 22 parlamentares, no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a extinção da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar as terras indígenas.

    O recurso sustenta que a PEC é inconstitucional porque altera “cláusula pétrea”, dispositivo da Constituição que não pode ser modificado. Além disso, argumenta que a transferência da prerrogativa de demarcar terras cria atrito entre os poderes Executivo e Legislativo. “O artigo 231 da Constituição Federal está imune a quaisquer alterações constitucionais que visem restringir ou mitigar, em verdadeiro retrocesso social e risco da própria extinção dos índios, direitos fundamentais afetos a essa população, notadamente no que se refere ao reconhecimento à titularidade das terras que originalmente e secularmente ocupam”, diz trecho do mandado de segurança.

    O repúdio à PEC 215/2000 foi o motivo que levou cerca de 700 indígenas a fazer a histórica ocupação do plenário da Câmara no dia 16 de abril. Eles só deixaram o local após um acordo costurado pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que criou um grupo de trabalho para esta e outras propostas que tramitam no Congresso e impactam a vida dos povos indígenas. O grupo deve concluir seus trabalhos no final deste mês de agosto.

    No entanto, os deputados ligados à defesa dos indígenas acreditam que a intervenção no STF é o único caminho para derrubar a proposição, devido à força em plenário dos parlamentares vinculados aos setores do agronegócio. “Queremos cortar o mal pela raiz. É um remédio radical, mas a gente não tem condição de apagar fogo toda semana. Não há como os índios ficarem mobilizados aqui o tempo todo”, afirmou o deputado Padre Ton (PT-RO), coordenador da Frente Parlamentar que apóia os indígenas e um dos autores do mandado de segurança.

    Para ele, o assunto merece ser analisado com urgência pelos ministros do Supremo porque afeta a dignidade dos índios. “Essa transferência quebra o pacto federativo e agride interesses dos povos indígenas e do Estado brasileiro”, alega.

    O mandado de segurança foi protocolado pelos deputados Padre Ton, Alessandro Molon (PT-RJ), Érika Kokay (PT-DF) e Cláudio Puty (PT-PA). Participaram do ato as lideranças indígenas Marcos Xukuru, Pierangela Guapixana e Rosa Pitaguary e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

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  • 09/08/2013

    A Igreja de Francisco. ”Voltar para as fontes, e caminhar devagar no ritmo do povo”

    “Missão, participação, proximidade aos pobres, diálogo, estruturas a serviço do povo de Deus – eis as inspirações pastorais novamente lançadas pelo Papa Francisco", afirma o teólogo.

     

    Confira a entrevista.

     

    “A teologia do Papa Francisco é missionária, pastoral e espiritual, orientada para a proximidade com os pobres nas diferentes periferias do mundo, periferias geográficas, sociais, culturais e existenciais”, afirma Paulo Suess (foto abaixo) em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Para ele, os discursos mais importantes de Francisco “são seus gestos”, de tal modo que “sua ida para Lampedusa foi mais importante do que sua Encíclica Lumen Fidei (…) Sua metodologia de ver e discernir a realidade antes de pronunciar discursos e agir, agora pode ser retomado pelas Conferências Episcopais de todo o continente”.

     

    Na entrevista a seguir, Suess avalia os discursos proferidos pelo Papa em visita ao Brasil e enfatiza que a mensagem aos bispos brasileiros é “uma releitura do Documento de Aparecida. (…). A partir do episódio dos dois discípulos de Emaús, que fogem de Jerusalém e da ‘nudez’ de Deus, Francisco faz uma leitura do Êxodo da Igreja, analisa suas razões para depois dar o recado aos pastores. ‘Somos uma Igreja capaz de reconduzir o povo, que está em fuga, a Jerusalém, onde estão nossas fontes? Somos capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua beleza? Haverá algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do que o abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do amor!’”

     

    Paulo Suess nasceu na Alemanha. É doutor em Teologia Fundamental com um trabalho sobre Catolicismo popular no Brasil. Em 1987 fundou o curso de Pós-Graduação em Missiologia, na Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, onde foi coordenador até o fim de 2001. Recebeu o título de Doutor honoris causa, das Universidades de Bamberg (Alemanha, 1993) e Frankfurt (2004). É assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimie professor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológico de São Paulo – ITESP. Entre suas publicações, citamos Dicionário de Aparecida. 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida (São Paulo: Paulus, 2007).

     

    Confira a entrevista.

     

    IHU On-Line – Há muitos comentários acerca do jeito de ser do Papa Francisco, contudo, teologicamente, quais devem ser as linhas mestres de seu pontificado? Já é possível vislumbrar algo nesse sentido?

     

    Paulo Suess – A teologia do Papa Francisco é missionária, pastoral e espiritual, orientada para a proximidade com os pobres nas diferentes periferias do mundo, periferias geográficas, sociais, culturais e existenciais. Nessa proximidade está enraizada a sua teologia. Sua Teologia emerge de uma Mariologia biograficamente assentada e de uma Cristologia formada pela Companhia de Jesus.

    Mário Bergoglio perdeu cedo a sua mãe, o que tornou a Mãe de Deus muito importante em sua vida. Na Igreja, que nasce em Jerusalém, Maria, diz Francisco, é mais importante que os apóstolos. Nesta perspectiva ele vai incentivar a dignidade da mulher na Igreja que considera mais importante do que a hierarquia.

    Quando os superiores mandaram Mário Bergoglio para fazer estudos de pós-graduação em Frankfurt, logo interrompidos por outra responsabilidade na Companhia, na volta para a sua terra não trouxe escritos acadêmicos em sua mala, mas uma devoção mariana no coração: “Maria a Desatadora dos Nós” que ele encontrou emAugsburg. Essa devoção, que responde às aflições do povo simples, hoje a encontramos espalhada em toda a América Latina. É a devoção da Imaculada que Bergoglio reencontrou em Aparecida. Eventos importantes em sua vida, o Papa Francisco sempre vai iniciar aos pés da Imaculada Desatadora dos Nós, aos pés da cruz.

    Com Maria, o Papa Francisco se encontra em Jerusalém. Em Jerusalém foi revelado o amor despojado de Deus. Em Jerusalém, diz Francisco, se encontram as fontes da Igreja: Escritura, Catequese, Sacramentos, Comunidade, amizade do Senhor. Em Jerusalém também se encontram suas fontes de autenticidade, humildade e proximidade. A proximidade atinge o ponto máximo na encarnação. As fontes acompanham o rio. Ninguém tem visto de permanência, nem em Aparecida nem em Jerusalém; são ícones que acompanham a caminhada que é ação na contemplação. São pontos de partida de uma cristologia encarnada, de uma mística vivida na ação em qualquer lugar, sempre “a maior Glória de Deus” (Santo Inácio). O nome é Francisco, mas teologia e espiritualidade de Francisco são inacianas.

     

    IHU On-Line – Entre os discursos do Papa, qual aponta como o mais importante desde seu pontificado? Por quê? O que ele diz em termos de identificação com a Igreja?

     

    Paulo Suess – Os discursos mais importantes do Papa Francisco são seus gestos. Sua ida para Lampedusa foi mais importante do que sua Encíclica Lumen Fidei. O gesto de visitar a comunidade de Varginha foi mais importante do que seu discurso “padronizado” que lá proferiu. Sua metodologia de ver e discernir a realidade antes de pronunciar discursos e agir, agora pode ser retomado pelas Conferências Episcopais de todo o continente. Mário Bergoglio se diz “filho da Igreja”. Não confunde radicalidade cristológica com aventura pastoral. “Sentir com a Igreja” faz parte da espiritualidade inaciana. Mas, faz parte dessa espiritualidade também o “discernimento”.  

     

    IHU On-Line – Que avaliação faz do discurso que o papa fez para os Bispos do Brasil, no sábado e, posteriormente, para os Bispos do Celam? O que é possível entender por reforçar e reformar as estruturas da Igreja?

     

    Paulo Suess – O discurso para os Bispos do Brasil é uma releitura do Documento de Aparecida. Depois de uma interpretação espiritual do encontro da imagem da Imaculada Conceição como entrada de Deus nas vestes da pequenez da vida do povo, o papa se volta para a mensagem de Aparecida 2007. A partir do episódio dos dois discípulos de Emaús, que fogem de Jerusalém e da “nudez” de Deus, Francisco faz uma leitura do Êxodo da Igreja, analisa suas razões para depois dar o recado aos pastores. “Somos uma Igreja capaz de reconduzir o povo, que está em fuga, a Jerusalém, onde estão nossas fontes? Somos capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua beleza? Haverá algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do que o abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do amor!”

    Voltar com o povo para Jerusalém, voltar para as fontes, e caminhar devagar no ritmo do povo! “A Igreja sabe ainda ser lenta: no tempo para ouvir, na paciência para costurar novamente e reconstruir? Ou a própria Igreja já se deixa arrastar pelo frenesi da eficiência?”, pergunta o Papa. Depois retoma desafios doDocumento de Aparecida, como a formação, colegialidade e solidariedade, o estado permanente de missão e Amazônia.

    Também em seu discurso aos bispos do Celam, Francisco segue, novamente, o Documento de Aparecida e cobra uma Igreja que coloca “em chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares”. Em consequência disso, evidentemente, verifica-se toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais. A “mudança de estruturas” (de caducas a novas) é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade. Não só a Cúria Romana, cada diocese, cada paróquia tem estruturas que precisam ser ajustadas.

    Em função dessa missionariedade, o papa vislumbra uma Igreja voltada ao povo, proativa, participação dos leigos e o funcionamento das estruturas participativas: “Acho que estamos muito atrasados nisso”. Não podemos simplesmente continuar com os parâmetros da “cultura de sempre”, fundamentalmente uma cultura de base rural. Uma pastoral descontextualizada “acabará anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente”.

    Missão, participação, proximidade aos pobres, diálogo, estruturas a serviço do povo de Deus – eis as inspirações pastorais novamente lançadas pelo Papa Francisco.

     

    IHU On-Line – Qual é o impacto dos bispos do Celam no pontificado de Francisco?

     

    Paulo Suess – O Papa Francisco já mostrou que procura fortalecer na Igreja a colegialidade e a sinodalidade. Já no primeiro dia de seu papado procurou ajustar a relação entre Bispo de Roma e Papa de toda a Igreja católica: “O Papa é bispo, Bispo de Roma; e porque é Bispo de Roma é sucessor de Pedro, Vigário de Cristo. São outros títulos, mas o primeiro título é ‘Bispo de Roma’, e daí deriva tudo”, disse aos jornalistas no avião que o levou de volta para Roma, e acrescentou: “Há sempre o perigo de considerar-se um pouco superior aos outros, e não como os outros; considerar-se um pouco príncipe. […] O bispo à frente dos fiéis, para assinalar o caminho; o bispo no meio dos fiéis, para ajudar a comunhão; e o bispo atrás dos fiéis, porque muitas vezes os fiéis têm o faro do caminho. O bispo deve ser assim”.

    Depois o Papa falou das tentações da autorreferencialidade, do funcionalismo e do clericalismo, criticou pastorais “distantes”, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais… obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho. Ignora-se a "revolução da ternura", que provocou a encarnação do Verbo. Eis os alvos da “conversão pastoral” apontados no Documento de Aparecida. Terminou seu discurso, se incluindo, na afirmação do atraso: “Estamos um pouco atrasados no que se refere à conversão pastoral”.

    Certamente precisamos uma reorientação dos canonistas, dos núncios e de uma nova geração de bispos que acompanham a proposta de despojamento e que abrem mão de suas orientações disciplinares e organizacionais, sem nexo pastoral.

     

    IHU On-Line – Qual a teologia de Bergoglio e como ela se diferencia da Teologia da Libertação, praticada na América Latina?

     

    Paulo Suess – A Teologia da Libertação não é uma escola, mas uma prática teológico-pastoral articulada com diferentes contextos culturais e realidades sociais. Por conseguinte, existe um grande leque de Teologias da Libertação. Mário Bergoglio, vindo do contexto argentino, faz parte desse leque, que une a opção pelos pobres à metodologia do ver-julgar-agir que constrói o pensamento teológico articulado com a realidade sócio-histórica e cultural do povo simples. A trajetória de Bergoglio mostra que ele faz questão de testar a sua reflexão teológica e espiritual na proximidade física com “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” (GS 1) dos que sofrem discriminação e fome. Bergoglio é um praticante da Teologia da Libertação.

     

    IHU On-Line – Em seus discursos, Bergoglio tocou em outro ponto: o atraso da igreja latino-americana. Como compreende essa crítica? O que ficou subentendido nas palavras do Papa?

     

    Paulo Suess – Ao falar da igreja latino-americana e caribenha precisamos distinguir entre diferentes setores dessa igreja. Atrasados são aqueles setores que acreditam ser possível melhorar a vida do povo através de alianças com as elites, com suas teologias pelagianas e gnósticas. Atrasados são aqueles que sentem os problemas e têm medo de atitudes proféticas. O Papa Francisco, em seu diálogo com a junta diretiva da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR), no dia 6 de junho, pediu ter coragem, e de levar sua missão aos limites e às fronteiras: “Nessas andanças arriscadas podem cometer erros. Podem até receber uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé recriminando suas atitudes. Não se preocupem! Expliquem e sigam adiante!Abram portas e façam algo, onde a vida clama! Prefiro uma Igreja que comete erros à uma Igreja que adoece por ficar fechada”. O jesuíta Bergoglio, com seus 76 anos de vida, aprendeu que a primeira virtude da colegialidade episcopal e da comunhão eclesial não é a obediência, mas o diálogo. Por isso pede das Igrejas locais a solidariedade radical com os pobres e uma lealdade crítica e dialogal com Roma: “Não tens medo da denúncia… Vão passar mal, vão ter problemas, mas não tens medo! Essa é a profecia da vida religiosa!”

     

    IHU On-Line – Por que, na sua avaliação, o Papa não deu ênfase a questões morais em seu discurso, especialmente no que se refere ao aborto, considerando que o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que legaliza o aborto no Brasil?

     

    Paulo Suess – Numa entrevista relâmpago, Francisco responderia provavelmente assim: 

    1. “Quem sou eu para julgar as pessoas que fizeram aborto? Quem sou eu para julgar os gays? Quem sou eu para julgar a mãe solteira?”

    2. “A minha posição é a da Igreja. Sou filho da Igreja. O aborto é ruim”.

    3. “Precisamos ir às causas, às raízes. Atrás da lei de ampliar as possibilidades de aborto existem interesses, dinheiro… Não podemos ficar somente com os sintomas”.

    4. “No trato pastoral dessas questões, não sejam uma espécie de “alfândega pastoral” nem legalistas, mas seguidores do Bom Pastor! A Igreja não deve fechar as portas a ninguém. Batizem o filho da mãe solteira, acolhem o gay como Nossa Senhora de Aparecida o acolheria! Reservem um tempo para visitar a casa da mulher, que cometeu aborto, e escutem a sua história! Não atirem a primeira nem a última pedra contra essa gente!”

    Essas foram as respostas que o papa Francisco deu aos participantes da Missa na Casa Santa Marta, no fim de maio, em Roma, ao pessoal da CLAR e a jornalista brasileira Patrícia Zorzan, no voo de volta a Roma, dia 28 de junto.

     

    IHU On-Line – Qual é o significado do discurso do Papa no Teatro Municipal, no qual propõe recuperar a política como caridade?

     

    Paulo Suess – No Teatro Municipal acompanhamos um papa que nos dá um exemplo de aproximação a ambientes não eclesiais. Francisco não se aproxima às pessoas com dedo em riste (se lembram de uma visita papal na Nicarágua?). Ele está acostumado de conviver com santos e pecadores, nos quais se inclui, pedindo orações. Francisco é um papa que pede licença para poder entrar na casa dos pobres e na assembléia das elites. No Teatro Municipal, o Papa deu uma aula concisa em torno dos seguintes apontamentos:

    – O cristianismo une transcendência e encarnação. Por conseguinte procura unir e revitalizar o pensamento e a vida, e dar à racionalidade científica e técnica um “vínculo moral”.

    – A vida nos cobra responsabilidade social que assumimos pela política. Por conseguinte precisamos “reabilitar a política, que é uma das formas mais altas da caridade”.

    – A política deve evitar o elitismo da democracia representativa, muitas vezes fechada no mero equilíbrio de representação de interesses; deve incentivar “cada vez mais e melhor a participação das pessoas” com a finalidade de assegurar a todos “dignidade, fraternidade e solidariedade”.

    – Participação e diálogo entre as diversas riquezas culturais fazem crescer o país. A única maneira para fazer avançar a vida dos povos é o diálogo e a cultura do encontro. Nesse diálogo, “todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom”. Esse diálogo exige “humildade social” que abre mão de exigências hegemônicas culturais e sociais.

    – As “grandes tradições religiosas” podem desempenhar um papel fundamental para a convivência harmoniosa de uma nação, já que a laicidade do Estado garante sua convivência pacífica.

    O discurso do Papa Francisco tinha três recados para a própria Igreja:

     Quando estais percorrendo o mundo, não espantem as pessoas com um discurso identitário sobre sua catolicidade. Francisco não falou nenhuma vez em toda a sua passagem por Brasil da superioridade católica.

     Não se orgulhem de viver fora da política! Precisamos reabilitar, na Igreja, a política – nem politicagem nem política partidária – como uma das formas mais altas da caridade. Não basta ser bom e pobre. Precisamos ser politicamente instruídos, destemidos, proféticos, bons e pobres.

    – A Igreja é grata ao Estado por sua laicidade que é um pressuposto da convivência pacífica entre as religiões.

    Lacunas no discurso do Papa Francisco? Sempre haverá lacunas. Quero lembrar apenas uma. Porque o Papa argentino só falou das “grandes tradições religiosas”. A religião dos Guaraní e Mapuche, dos Quéchua e dos Astecas não teriam também um papel fundamental para a convivência harmoniosa de uma nação? Temos que pedir a Francisco para completar a obra de Anchieta que poderia ser o milagre que até hoje falta para a sua canonização. O sumak kawsay, o bem viver do mundo andino, não representa um papel fundamental para repensar as democracias elitistas e o desenvolvimento destrutivo do nosso continente?

     

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  • 08/08/2013

    Povo Ka’apor retém invasores madeireiros dias depois de operação do Exército ser finalizada

    Dez dias depois da saída do Exército e Ibama da região noroeste do estado do Maranhão, especificamente da região de Zé Doca, o povo Ka’apor ficou mais vulnerável a ação dos agressores (madeireiros, fazendeiros, posseiros e caçadores). Os órgãos chegaram à região afirmando que vieram para “proteger” a floresta, a terra dos índios e retirar os agressores.

    Durante os dias que permaneceram na região fecharam serrarias, impuseram multas aos agressores que não conseguiram retirar seus maquinários e sair a tempo do interior do território. Porém, com a saída desses órgãos o que vem se constatando é que os indígenas ficaram mais expostos aos agressores; estão impossibilitados de sair de suas aldeias para cidade, passar por povoados e, até estão sofrendo discriminação na cidade por pessoas comuns e servidores públicos municipais quando procuram por serviços nestes órgãos. Segundo comerciantes, donos de serrarias, fazendeiros, prefeitos e outras pessoas, com a operação da “polícia”, caiu muito o movimento nos comércios e mais pessoas estão desempregadas.

    Tal realidade mostra o (dês) governo federal, estadual e municipal com a ausência de políticas sociais sérias que respondam as necessidades da população local sem que venham ser aliciados para o trabalho com a exploração ilegal de madeira, cipós, aves, caças e, até de apropriação indevida de benefícios sociais (bolsa família, salário maternidade, aposentadoria) de indígenas na região. Com o descaso dos órgãos públicos, indígenas resolveram por conta própria realizar a proteção de sua terra em defesa da principal fonte de vida que é a floresta. No último final de semana, além de reterem invasores de serrarias também apreenderam motosserras e pequenos maquinários que estavam sendo utilizados para derrubar e transportar a madeira das duas terras indígenas da região (TI Awá e TI Alto Turiaçu) para serrarias em um povoado do município de Zé Doca.

    Após o retorno dos madeireiros para retirada ilegal de madeira, mais grupos de indígenas resolveram adentrar o interior do território para impedir que a floresta continue sendo destruída. Na madrugada do dia 07 para o dia 08/08/2013, mais um grupo de indígenas de uma aldeia localizada no município de Araguanã detiveram quatro invasores de serrarias que derrubavam árvores que serviriam de estacas para cercas de fazendas. Os indígenas já comunicaram os órgãos fiscalizadores do meio ambiente que se encontram na região, mas até o presente momento não tiveram retorno. Segundo liderança indígena que coordenou a ação onde seguraram equipamentos e pessoas, estão temendo uma reação dos madeireiros. A situação está tensa, outros grupos de indígenas estão se direcionando para o interior território e os invasores retidos continuam sob o poder dos indígenas na aldeia.

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  • 08/08/2013

    Povo Tupinambá retoma quatro fazendas na Serra do Padeiro e governo baiano manda PM para efetuar reintegrações de posse

    Por Haroldo Heleno,

    de Itabuna (BA)

    Fazenda retomada na Serra do Padeiro (BA). Foto: Haroldo Heleno/CimiO povo Tupinambá de Olivença da comunidade da Serra do Padeiro, município de Buerarema, Bahia, retomou mais quatro fazendas localizadas dentro do território reivindicado. Cerca de 50 famílias, totalizando mais de 200 pessoas, participaram das retomadas no final da última semana. O movimento ocorreu sem conflitos com os invasores da terra indígena. Porém, os indígenas denunciaram decisão do governo Jacques Wagner em usar a Polícia Militar para efetuar reintegrações de posse.  

    Cansados de esperar pela publicação da Portaria Declaratória do seu território, sob responsabilidade da Funai e do Ministério da Justiça, e como forma de se contrapor aos ataques desferidos pelas bancadas ruralistas no Congresso Nacional e Assembleia Legislativa baiana, a comunidade definiu retomar mais uma parte das terras tradicionais, degradadas e comercializadas pelos fazendeiros.

    A Fazenda Sempre Viva, de 33 hectares, do invasor Bento Rocha, estava completamente abandonada, com barcaças aos pedaços, casas com ferragens expostas e com a mata em avançado processo de desmatamento. Outra propriedade, a Fazenda Boa Sorte, com cerca de 13 hectares, localizada nos fundo da Fazenda Sempre Viva, foi  adquirida há poucas semanas por uma pessoa de prenome Eduardo, mesmo sabendo que a mesma se encontrava em área em disputa. Eduardo, o comprador, é primo de Alfredo Falcão, declarado inimigo dos Tupinambá.

    A outra fazenda retomada é a Ouro Verde, de 30 hectares, do invasor Luís Américo. A quarta fazenda retomada é a Santa Rita, com cerca de 18 hectares, e é contígua às fazendas Sempre viva e Ouro Verde. Todos os latifúndios estavam tomados por plantações de cacau, mas completamente abandonados, tanto que os indígenas não encontraram resistência. Em apenas uma delas se encontrava um meeiro, que retirou seus pertences e desocupou o imóvel.

    Conforme as lideranças, enquanto a justiça e o governo federal não levarem a sério as reivindicações do povo e continuarem a perseguir, os Tupinambá vão continuar fazendo as retomadas, que segundo eles é o único jeito de reaver as terras tradicionais do povo.

    A comunidade ocupante das áreas retomadas iniciou o processo de limpeza do cacau e de recuperação das casas. Todos e todas demonstraram muita esperança em finalmente iniciar a produção do sustento necessário para as suas famílias nas terras que sempre pertenceram ao povo.

    PM nas reintegrações e ameaças

    A situação ficou ainda pior depois que o governo Jacques Wagner decidiu a passar a usar a Polícia Militar para fazer reintegrações de posse, o que é inconstitucional: apenas a Polícia Federal pode agir em situações como essa.  

    “A polícia tirou os parentes das retomadas lá da praia. Tentaram até derrubar o colégio e o posto médico. O governo já devia ter publicado a Portaria Declaratória de nossa terra. Era para ser em abril, mas o governo do estado mandou suspender, depois eles prometeram que logo seria publicada e nada”, disse uma das lideranças da retomada, que omitiremos o nome por razões de segurança.  

    Os indígenas afirmam que enquanto o governo não garante as terras Tupinambá, os fazendeiros fazem manifestações os acusando de invasores, dizendo a comunidade é culpada pela situação de violência na região, colocando a população contra os indígenas. “Não vamos aceitar estas acusações e também não vamos esperar a boa vontade do governo para resolver o problema de nossa terra”, afirmou a liderança.

    Para as lideranças, o governo federal desmantelou a Funai para não resolver e proteger os direitos indígenas. “Todo dia sai uma ameaça contra as nossa comunidade, primeiro foi a tal da Peste (PEC) 215, depois a portaria 303, agora o PLp 227, quando será que eles vão parar? Daqui a pouco se a gente não reagir eles vão fazer o que quiserem com nossos direitos. A nossa comunidade vai continuar reagindo a este ataques, não vamos permitir mais que sejamos enganados e enrolados pelo governo, ou ele resolve a nossa questão ou não vamos resolver do nosso jeito”, encerrou.

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  • 07/08/2013

    Salil Shetty: “Me sinto em um lugar onde direitos humanos não existem”

    Por Ruy Sposati,

    de Dourados (MS)

     

    Foto: Ruy Sposati/Cimi 

    Uma comitiva da Anistia Internacional visitou nesta quarta-feira, 7, comunidades indígenas Guarani Kaiowá da região de Dourados (MS). Durante o encontro, lideranças Kaiowá, Guarani, Terena, Kinikinau e Ofayé se encontraram com o secretário geral da entidade, o indiano Salil Shetty, para denunciar a demora na demarcação de terras e as violências sofridas por estarem fora de seus territórios tradicionais ou confinados em pequenas reservas.

     

    Pela manhã, Salil visitou um dos tekoha mais vulneráveis do estado, o acampamento Apika’y. Às margens da rodovia BR-163, no trecho que liga os municípios de Dourados e Ponta Porã, dezesseis famílias Kaiowá permanecem em barracos, há mais de dez anos, ladeados pelo tráfego de caminhões e pelas plantações de soja e cana. Cinco indígenas foram mortos em casos de atropelamento, e uma foi envenenada pelos agrotóxicos usados na plantação.

     

    “Em pleno 2013, não se pode simplesmente fazer o que se quer nas terras indígenas, como se não houvessem direitos a serem respeitados”, afirmou Salil aos indígenas. “Aqui, conheci mães que perderam seus filhos pequenos, velhos que perderam seus filhos. Essas coisas acontecem aqui à luz do dia, e não há investigação. As pessoas que cometem esses crimes simplesmente continuam livres. isso é uma verdadeira vergonha para o Brasil”, disse.

     

    Na sequência, Shetty foi à casa de reza de Getúlio Juca, na aldeia Jaguapiru, onde acontecerá uma assembleia indígena extraordinária para avaliar os resultados da reunião em Brasília com o governo federal. Lá, ele se reuniu com uma centena de lideranças de todo o Mato Grosso do Sul, onde colheu depoimentos sobre a vida dos indígenas que estão na luta pela terra. “Visitando essa região, me sinto em um lugar onde direitos humanos não existem”, enfatizou Salil. “O Brasil tem se tornado cada vez mais poderoso, mas não consegue garantir o direito de seus cidadãos mais antigos”.

     

    “Milhares de indígenas ainda não tiveram suas terras demarcadas. Isso gera violência e intimidação. Eles estão sendo expulsos da terra, e também estão perdendo suas vidas”. A questão chave para entender o emaranhado de conflitos da região, para Salil, é a demora na demarcação dos territórios indígenas. “Uma justiça que demora é uma justiça que é negada”, afirmou às lideranças.

     

    “Vocês colocam suas vidas em risco para garantir os seus direitos, a sua terra”, pontuou Salil. “Mas essa é uma luta desigual. Um lado tem armas e governo por trás. O outro não tem nada. Mas vocês tem a verdade. Vocês tem história”. Para o indiano, os relatos correspondem a uma realidade comum às demais populações indígenas brasileiras. “É muito doloroso ouvir sobre tantas dificuldades que as comunidades locais estão passando, sabendo que essa não é só a história daqui, mas das comunidades indígenas de todo o país”.

     

    A comitiva se reunirá em Brasília na quinta-feira, 7, com o Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Secretaria Geral da

     Presidência da República. “A presidente do Brasil se recusou a nos receber. Talvez ela não queira ouvir sobre a realidade que encontramos aqui hoje”, concluiu.

     

    Brasília

    Na manhã desta quarta, 7, em Brasília, governo federal, povos indígenas e ruralistas decidiram pela indenização de fazendeiros com títulos de propriedade em terras indígenas no Mato Grosso do Sul. A medida vem para garantir às populações tradicionais o direito a posse definitiva de suas terras. O governo estadual disponibilizará terras para reassentar pequenos agricultores, enquanto a União se comprometerá com os recursos indenizatórios. As lideranças indígenas presentes, porém, reivindicaram definições mais precisas sobre a promessa do governo.

     

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    Sem cronograma, governo federal adotará indenização como medida para garantir terras no MS; indígenas esperam por definições

     

     

    Foto: Ruy Sposati/Cimi

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  • 07/08/2013

    Sem cronograma, governo federal adotará indenização como medida para garantir terras no MS; indígenas esperam por definições

    Por Renato Santana,

    de Brasília (DF)

     

    Ataque ao acampamento Arroio KoráIndenizar fazendeiros com títulos de propriedade em terras indígenas no Mato Grosso do Sul era uma saída defendida pelos dois lados da cerca no conflito agrário do estado. O que já era consenso se tornou política de Estado. Na manhã desta quarta, 7, em Brasília, governo federal, povos indígenas e ruralistas decidiram pelo mecanismo para garantir às populações tradicionais o direito a posse definitiva de suas terras. O governo estadual disponibilizará terras para reassentar pequenos agricultores, enquanto a União os recursos indenizatórios. As lideranças indígenas presentes, porém, reivindicaram definições mais precisas de como tudo ocorrerá.

     

    Nesta quarta o secretário geral da Anistia Internacional, o indiano Salil Shetty, esteve no estado para ver e ouvir a situação dos indígenas. Leia matéria na íntegra aqui.

      

    Conforme o Banco de Terras do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) são 123 terras indígenas reivindicadas no Mato Grosso do Sul. Desse total, 71 ainda estão sem nenhuma providência demarcatória. Para as lideranças indígenas, portanto, trata-se de um passo importante a decisão pelas indenizações, mas é preciso cautela e a manutenção das mobilizações. “Nós estamos achando que vai diminuir a tensão, no sentido de que tem esse instrumento agora. Mas se na terça-feira o governo não apresentar nada mais concreto, com prazos, nosso povo vai seguir nas retomadas”, declara Lindomar Terena.

     

    Nenhum cronograma foi apresentado, mas a medida terá início na Terra Indígena Buriti, dos Terena, localizada no município de Sidrolândia, a única por hora definida, e seguirá tendo como critério de prioridade os territórios mais avançados no processo demarcatório. De acordo com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o governo anunciará a decisão na próxima semana, provavelmente terça-feira, em Campo Grande, capital do estado. As lideranças indígenas afirmaram que os ministros não detalharam como ocorrerá e qual será a conta dessas indenizações.

     

    Tonico Benites Guarani Kaiowá analisa: “Pelo menos algumas áreas vão ser resolvidas ainda este ano. Nas demais a luta continuará como sempre esteve até hoje: à espera de definição judicial e portaria”. A Aty Guasu, grande reunião Guarani e Kaiowá, definirá quais serão as áreas do povo a serem priorizadas nesse primeiro momento. A data estipulada para o anúncio das indenizações para elas ficou para o próximo dia 27. Para Tonico, não é uma decisão fácil definir quais serão, na medida em que existe uma quantidade significativa de tekoha – lugar onde se é – com portarias declaratórias e conflitos instalados, além de pendências judiciais.

     

    “O governo me parece que quer fazer isso até o final do ano. Será que vão dar conta de tudo? Eu acho que não, então teremos de priorizar. Me preocupa as terras com processos na Justiça”, pondera Tonico.

     

    Indenização VS. Arrendamento  

     

    Indígena de Potrero GuasuFora os ministros e as lideranças indígenas, entre elas Léia Guarani Kaiowá e Alberto Terena, estavam presentes um representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o deputado federal Reinaldo Azambuja (PSDB/MS), ligado à bancada ruralista e aos fazendeiros sul-mato-grossenses. Os ministros iniciaram a reunião oferecendo duas propostas: a indenização ou o arrendamento de terras. “Arrendamento não garante a posse permanente, então já era decisão nossa não aceitar. Seria muito ruim. Também já tinha essa opinião pela indenização entre a gente e os fazendeiros. Eles recebem pelos títulos e saem da terra”, pontua Tonico.    

     

    Títulos de propriedade não são, necessariamente, de boa-fé, aqueles fornecidos pelo Estado sem os detentores terem conhecimento se a área é ou não indígena. Em muitos casos, o dito proprietário consegue o título em cartório, mas a terra foi vítima de grilagem ou invasão. Desse modo, cada caso será analisado pela comissão formada por indígenas, ruralistas, governos federal e estadual, além do CNJ, tendo como base os estudos em processo da Funai.

     

    “O governo falou que tem o dinheiro para fazer as indenizações. União entra com dinheiro e o governo estadual para reassentar os pequenos. Isso será para todas as terras indígenas do estado. Não aceitamos que seja para uma ou outra”, afirma Lindomar Terena. As terras que ainda não estão com processo demarcatório em curso, entrarão na medida das indenizações conforme os estudos e portaria forem publicados.

     

    “Então agora o governo tem que também agilizar esses processos. Os Grupos de Trabalho da Funai precisam sair. A gente não pode esquecer que em muitas áreas existem interditos proibitórios contra os antropólogos da Funai”, ressalta a liderança Terena. Tanto Lindomar quanto Tonico atentam para o fato de que reintegrações de posse, com consequências sempre violentas, precisam cessar.

     

    “Foram quatro reuniões para mostrar as posições, visões. Passamos a nossa posição. Aos poucos surgiu essa opinião de todos sobre a indenização, o que deu a possibilidade do encaminhamento sem conflitos, violências. Esperamos que seja assim daqui por diante. Tem uma decisão, não precisa de pistoleiro e nem de reintegração de posse”, encerra Tonico.

     

    Olhar sobre as terras

     

    Retomada Terena na Terra Indígena BuritiA preocupação das lideranças indígenas quanto à medida indenizatória, apesar de considerarem um avanço, reside numa simples análise das terras indígenas do estado. A esmagadora maioria das terras, para ir de uma vez para a posse indígena, demanda decisões da Justiça Federal, detentora de dezenas de processos de suspensão de portarias, interditos e afins, da Funai, que tem 71 reivindicações para analisar e os demais procedimentos para terminar, e se o governo federal terá recursos para empenhar nas indenizações, a depender do levantamento de benfeitorias.  

     

    Das seis terras indígenas homologadas no Mato Grosso do Sul, todas registram conflitos com fazendeiros, que insistem em permanecer na área. O caso mais recente envolve o tekoha Arroio Korá, em Paranhos. No ano passado, os indígenas, cansados de esperar decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) – o ministro Gilmar Mendes embargou parte da terra, em favor dos fazendeiros, dias depois da homologação, em 2009 – retomaram uma parte da terra ainda em posse dos invasores. Foram atacados de forma violenta por um bando de pistoleiros, que durante horas atirou contra os indígenas. Uma criança morreu vítima da correria.  

     

    No caso da terra indígena dos Kadiwéu, homologada há 100 anos e registrada nos anos 1990, cerca de 110 fazendas de criação de gado seguem sem extrusão garantida. Este ano, os Kadiwéu retomaram grandes lotes da área destinada ao pasto dos fazendeiros, mas a Justiça concedeu reintegração de posse aos invasores – mesmo com a terra indígena homologada há um século. São mais 14 terras registradas no estado, que ainda têm suas populações acossadas por invasores e registrando altos índices de violência e suicídios.

     

    Em outros casos, a Portaria Declaratória foi publicada há anos, mas o procedimento não continuou. Caso do tekoha Porto Lindo/Yvy Katu, que teve os limites revistos, pois são 11 mil Guarani Nhandeva para área inicialmente definida em pouco mais de 9 mil hectares. Já na Terra Indígena Cachoeirinha, do povo Terena, o STF também suspendeu o processo administrativo que declara pouco mais de 36 mil hectares como tradicionais. Com isso, a área ocupada por 3.500 indígenas não chega a 10 hectares.

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