• 05/11/2013

    Sesai realiza seleção para convênios sem consulta aos indígenas e sob suspeitas de favorecimentos

    Por Renato Santana,
    de Brasília (DF)

    Sem consulta às instâncias de representação ou controle social dos povos indígenas, o Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), realizará nesta quarta, 6, em Brasília, Chamamento Público para a seleção de entidades aos convênios de atenção à saúde indígena. O edital foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) no último 21 de outubro sem a Sesai ao menos informar aos indígenas.

    O chamamento ocorre depois de gravação apresentada na Conferência Distrital Yanomami, em Roraima, em que coordenadores do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei)-Yanomami e da Missão Caiuá estão juntos ao deputado estadual Jânio Xingu  acertando detalhes sobre contratações e distribuição de cargos num até então suposto Chamamento Público, confirmado agora com a abertura dos envelopes nesta quarta. A denúncia foi feita pela Associação Hutukara Yanomami (veja aqui). 

    "Aumentaram os recursos, mas não melhorou a saúde e a qualidade de vida. Hoje existe mais remoção do que prevenção dentro da TI Yanomami. Chama a atenção o fato de que em 2012 foram gastos R$ 16.500,00 com o pagamento de funerária. E no período de janeiro a setembro de 2013 esse gasto aumentou para R$ 81.880,00", informa trecho do documento de denúncia da Associação Hutukara.  

    As atuais entidades conveniadas, Missão Caiuá, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e Instituto Materno Infantil de Pernambuco (Imip), movimentaram, entre 2011 e 2013, conforme dados da Sesai, mais de R$ 1 bilhão de verbas públicas destinadas para a saúde indígena. Porém, no Mato Grosso do Sul, conforme o Conselho Distrital de Saúde do Estado, a morte de crianças de 1 a 4 anos aumentou 43,5% no mesmo período.

    Para lideranças indígenas, a falta de consulta para este Chamamento Público é de se estranhar. Entre 1999 e 2009, sob a criação do Subsistema de Saúde Indígena, todos os convênios do governo precisavam de autorização dos Conselhos Distritais. Mesmo com o iminente vencimento do prazo de dois anos de contrato das entidades conveniadas, os indígenas questionam porque apenas agora, e num prazo curto, a Sesai decidiu fazer o processo. 

    Além disso, o atual chamamento exige o Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social (Cebas), bastante questionado por entidades que prestam serviços de saúde, porque só é concedido àquelas que disponham de hospital e laboratório. Esta exigência foi derrubada por força de lei, mas a Sesai segue exigindo o certificado – coincidentemente a Missão Caiuá, a SPDM e ao Imip possuem o Cebas.

    Caos na saúde indígena  

    O aumento orçamentário para a saúde indígena neste ano foi de 33,20%. Em 2012, os recursos chegaram ao montante de R$ 690,7 milhões. Em 2013 saltou para R$ 920 milhões – um aumento de quase R$ 230 milhões. Na ocasião, final do ano passado, o secretário da Sesai, Antônio Alves, afirmou que o orçamento era ainda maior devido aos recursos aportados à saúde indígena por outras secretarias, caso das vacinações. Não falta dinheiro, sobra ingerência e óbitos.

    “O que é revoltante é que este descaso acontece mesmo quando a Sesai duplicou o teto (…) A criança é acometida com uma gripe, por exemplo, e sem a medicação básica nos postos o quadro vai se alterando até o óbito. O médico transcreve a receita e muitas vezes o índio não tem acesso às unidades de saúde”, disse Fernando de Souza Terena, coordenador do Condise do  Mato Grosso do Sul, em 24 de outubro deste ano, ao jornal Progresso (MS).

    Em outras regiões do país a situação é a mesma. Em setembro, quatro crianças Araweté foram a óbito depois de diarreia e vômito. No Maranhão, até a metade deste ano, 12 crianças do povo Guajajara morreram com problemas também de fácil tratamento, incluindo gripes que evoluíram para broncopneumonia.  

             

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  • 05/11/2013

    XX Assembleia do Cimi: desafios e perspectivas na construção do Bem Viver

    Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    Diante de uma conjuntura profícua em desafios aos povos indígenas, que seguem lutando por seus direitos e vidas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) iniciou na manhã desta terça-feira, 5, a XX Assembleia Geral da organização, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). Com a presença de 120 missionários e missionárias, além de lideranças indígenas e convidados, o encontro tem como tema ‘40 anos do Cimi: desafios e perspectivas na construção do Bem Viver’.

     

    A XX Assembleia do Cimi busca sistematizar as contínuas avaliações e análises iniciadas em novembro do ano passado, durante o congresso que comemorou os 40 anos da organização. Lembrando do poeta lusitano Fernando Pessoa e citando o Livro de Lucas (Lc 5,4), o documento de análise emplaca: “Navegar é preciso, avancemos para águas mais profundas”.  Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e presidente do Cimi, ressaltou três aspectos fundamentais a serem observados quanto ao Cimi e sua ação missionária: alegre na esperança, forte na tribulação e perseverante na oração.         

     

    “O encontro acontece num contexto de grande ofensiva aos direitos dos povos indígenas pelo governo federal e bancada ruralista no Congresso Nacional. Este ano tem sido de grande resistência do movimento indígena e das organizações que os apoiam. Precisamos, então, olhar para o passado, agir no presente e nos preparar para o que virá em nossa decisão intransigente de se manter ao lado dos povos indígenas”, declara o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.      

     

    Este olhar “mais para dentro” do Cimi atende a dimensões filosóficas, políticas, operacionais e subjetivas, em interface com a atual quadra histórica. “Vivemos na sociedade do crédito, consumidora, uma era de extremos e de saídas individualizadas. A cidadania se expressa no ato de consumir. Tudo isso influi na ação do Cimi e precisamos reparar e refletir sobre esse mundo ao redor e como ele nos afeta”, analisa o missionário Roberto Liebgott, do Cimi Regional Sul. 

     

    Tais dimensões também interagem com os povos indígenas, seja na hora de significar a perspectiva homogênea da sociedade envolvente ante os desafios e pluralidade da convivência comunitária e social dos povos, como nos ataques do projeto desenvolvimentista do governo federal e do capital contra os territórios tradicionais, não apenas habitados pelos indígenas, mas quilombolas, pescadores, ribeirinhos, camponeses.

     

    Indigenismo

     

    “O indigenismo do Cimi é o libertador, em oposição ao indigenismo de tutela do Estado. Em âmbito nacional existem 32 conselhos e duas comissões nacionais: a de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e a de Política Indigenista (CNPI). Por que apenas estas duas não obtiveram o status de conselho?”, questiona o missionário Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi.

     

    Para o missionário, algumas razões podem ser pontuadas: o processo histórico de negação das identidades indígenas, a etnofagia estatal como lógica de integração da pluralidade numa única perspectiva, o caráter “uninacional e monocultural do Estado-nação” e o racismo epistêmico que não reconhece os povos originários como plenamente capazes para pensar e produzir conhecimentos. Não obstante, o atual projeto do governo federal acirra ainda mais os pontos apresentados.   

     

    “Com a chegada de Lula ao poder, e agora com Dilma, o desenvolvimentismo mais uma vez é adotado como forma de alçar o Brasil ao topo do capitalismo. O Estado, portanto, parte rumo ao interior do país com megaprojetos. Tal postura tem promovido a desterritorialização das populações tradicionais, sobretudo os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”, declara Feitosa.

     

    As flechas indígenas, conforme a análise, estão apontadas para os invasores dos seus territórios, mas também apontam um outro caminho que questiona a retórica de um Estado único, em detrimento das várias nações presentes no país e do próprio caráter plurinacional conferido por elas em contraponto ao Estado.

     

     

     

     

     

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  • 04/11/2013

    Yvy Katu: juiz concede reintegração; acampamento é atacado por pistoleiros

    Ruy Sposati,
    de Campo Grande (MS)

    Em Yvy Katu, um grupo de homens armados invadiu e atirou contra a comunidade indígena Guarani Ñandeva acampada na fazenda São Jorge, na noite de sábado, 2 de novembro. A Justiça Federal de Naviraí concedeu, em 31 de outubro, reintegração de posse a Luiz Carlos Tormena, proprietário da fazenda Chaparral, também ocupada pelos Guarani. Ambas as fazendas – de um total de 14 propriedades – incidem sobre a Terra Indígena Yvy Katu, localizada entre os municípios de Japorã e Iguatemi (MS), declarada em 2005 mas com processo de demarcação parado.

    Ainda, em 24 de outubro, em decisão favorável ao proprietário da fazenda São Jorge, a Justiça Federal determinou que a Polícia Federal realizasse patrulhamento na região, a fim de “proteger os funcionários (ou aqueles que estiverem na propriedade) e o patrimônio da parte autora, bem como o direito de ir e vir dentro da propriedade” e “(re)assegurar a ordem violada e inibir posteriores invasões”.

    Segundo indígenas acampados na fazenda São Jorge, homens armados em caminhonetes foram até a área ocupada e cercaram o acampamento, no sábado. “Fazendeiro veio até aqui, bem pertinho das nossas barracas”, explica uma indígena. “Vimos a barraca da nossa companheira cheia de segurança armado. Comecei a ligar pro Aty Guasu, Funai”.

    Os homens foram embora, mas retornaram na noite do mesmo dia. “Ficaram rodeando aqui, lumiando com a lanterna pra tudo quanto é lado, até embaixo da chuva. Deu quatro tiros por cima de nós", relata a mulher. “Entremo tudo embaixo dessa barraca, outros se esconderam embaixo da árvore, embaixo da chuva, esperando o pistoleiro passar. A gente não dormiu, a gente amanheceu aqui, plantado, de pé”. Não houve feridos.

    Leia mais:
    Yvy Katu: comunidade Guarani Ñandeva sofre pressões diante de prazo definido por ruralistas
    Yvy Katu: famílias Guarani retomam área declarada em 2005

    Pistoleiros estão espalhados pelas áreas da fazenda. “Ali onde tamo puxando água e tirando madeira pra fazer barraca, tem dois seguranças de roupa camuflada. Outro dia as crianças desceu pra tomar banho e voltou correndo pra nossa barraca, assustado”, conta. Desde domingo, 3, a Fundação Nacional do Índio (Funai) acompanha o caso dos ataques narrados pelos Guarani.

    Lideranças Ñandeva relatam, também, o assédio de fazendeiros para “contratar” indígenas Guarani e  camponeses para trabalharem em grupos de segurança. “O fazendeiro fica querendo pagar dois mil reais pro patrício [indígena] ficar no meio da segurança, pra investigar quem é quem, dar informação. E também faz isso com os sem terra ,que são vizinhos da gente. Eles dão dinheiro pra comprar até moto”, expõe.

    No último final de semana, um grupo de fazendeiros permaneceu acampando próximo à ponte que dá acesso a Yvy Katu. Os ruralistas chegaram ao local na data prometida como limite à adoção de medidas próprias para caso o governo federal não apresentasse proposta concreta sobre o “litígio de terras” no estado. No local, circulavam panfletos e adesivos assinados por um grupo intitulado "Confisco Não!" que conclamavam "republicanos, liberais, (…), empresários, militares (…), maçons" a dar um "basta ao marxismo cultural", sob o slogan de "Pelo direito à propriedade: O Brasil que produz reage!".

    Histórico

    Em 14 de outubro, cerca de 30 famílias Guarani Ñandeva retomaram parte da Terra Indígena Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai. No mesmo local, pouco mais de uma semana antes, outras 30 famílias ocuparam outra área de 600 hectares, abandonada pelos proprietários há ao menos quatro anos, mas fora da posse dos indígenas. Com processo de demarcação praticamente finalizado – até os marcos físicos que limitam a área já foram fixados – eles aguardam há 10 anos que a presidência da República assine o decreto de homologação da terra.
     
    Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, na qual Porto Lindo está incorporada, foi interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14 diferentes fazendas na área reivindicada.

    Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou uma portaria declarando a terra como de posse permanente do grupo, com área de 9,4 mil hectares. A demarcação física já foi realizada, faltando apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Os indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área demarcada, por força de decisão judicial.

    Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a validade do processo demarcatório da área.

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  • 04/11/2013

    O decálogo da recuperação da esperança: iluminar nossa realidade com a luz da Palavra de Deus

    Texto elaborado por Frei Carlos Mesters para retiro do Cimi, realizado nos dias 2 e 3 de novembro 2013. Clique aqui e acesse na íntegra.

     

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  • 01/11/2013

    Governo brasileiro é denunciado em Comissão Internacional de Direitos Humanos

    A semana termina com graves denúncias internacionais ao governo brasileiro. Em Washington, capital estadunidense, povos indígenas e quilombolas, além de organizações de direitos humanos e indigenista, relataram as violações cometidas contra populações originárias e tradicionais durante audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OAS). Na Organização das Nações Unidas (ONU), mais denúncias e recomendações ao governo.

     

    O presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a Questão dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, Pavel Sulyandziga, entregou à Assembleia Geral da ONU o estudo Direitos Humanos e Corporações Internacionais e Outras Empresas Comerciais no qual informa que os povos indígenas estão com dificuldade de manter seu modo de vida tradicional e sofrem discriminação.

     

    “A história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar o estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica”, declarou Genito Gomes Guarani-Kaiowá durante audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na última quarta-feira.

     

    Liderança Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, Genito esteve ao lado de José Carlos Oliveira Neto, presidente da Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos, e juntos denunciaram as ameaças e intimidações de que são vítimas devido a luta em defesa do direito ao território. Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), FIAN (Nacional e Internacional) e Justiça Global também estiveram na audiência.

     

    “É cada vez mais preocupante, e evidente, que para o Estado brasileiro as demandas econômicas e os interesses de uma política desenvolvimentista agroextrativista exportadora estão, a todo custo, acima do que petreamente foi protegido pela Constituição Federal Brasileira de 1988”, disse Flávio Vicente Machado, coordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul.

     

    Na ONU, Sulyandziga alertou: “Pedimos aos governos e às empresas para aumentar seus esforços para implementar os princípios orientadores. Isso inclui o dever do Estado de proteger os povos indígenas contra negócios relacionados aos abusos de direitos humanos e a responsabilidade corporativa de respeitar esses direitos e, onde os abusos ocorreram, garantir que as pessoas recebam a ajuda necessária para se recuperar".

     

    Leia as falas de Genito Guarani-Kaiowá e Flávio Vicente Machado, durante sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na íntegra:

     

    Genito Gomes Guarani-Kaiowá

     

    Eu me chamo Genito Gomes, pertenço ao segundo maior povo indígena do Brasil, os Guarani e Kaiowá. Há séculos habitamos as terras que hoje compreendem o sul do estado brasileiro de Mato Grosso do Sul. Somos mais de 45 mil pessoas confinadas em pequenas reservas. Minha aldeia se chama Guayviry e sou membro do Conselho do Aty Guasu, nossa grande assembleia indígena. Devido ao que vou relatar, toda minha comunidade foi inclusa no programa de proteção de defensores do Governo Brasileiro.

     

    Sou sobrevivente de uma das dezenas de histórias de ataques que meu povo sofreu nestes últimos 40 anos. Meus antepassados foram expulsos de seu tekoha (território tradicional) na década de 50, por fazendeiros recém-chegados, e desde então nos refugiamos em pequenas reservas criadas com o objetivo de acabar com a nossa cultura e nos transformar em caraí (não índio).

     

    Por isso, nasci fora do meu tekoha, mas cresci ouvindo o sonho dos meus avós e pais de voltar um dia ao nosso território, pois é lá que estão enterrados nossos antepassados, lá estão os seus espíritos e é lá que precisamos rezar por eles.

     

    Foram várias as tentativas que fizemos de retornar para o nosso território, mas todas elas terminadas em ataques e expulsões novamente.

     

    Meus pais sempre foram unidos no sonho de viver novamente em nosso território, mas em 2009, minha mãe, Odulia Mendes, Nandesy, grande rezadora do meu povo, morreu sem ter o seu sonho.

     

    Meu Pai, confiante na solução constitucional, assinou o TAC que obrigava o governo a demarcar nossos territórios tradicionais.

     

    No entanto, em 2011, temendo que também ele morresse antes de termos o nosso território de volta, retomamos parte dele no dia 01 de novembro. Crianças, jovens e adultos começamos a construir nossos barracos, no resto de mata que ainda resiste de nosso antigo território, hoje com o nome de Fazenda Nova Aurora e Ouro Verde. Mas 17 dias depois fomos atacados covardemente por pistoleiros e fazendeiros armados. Todos corremos para a mata, era tiro para todo lado. Meu pai estava com meu irmão e suas netas, os pistoleiros foram direto no seu barraco e com tiro de grosso calibre o assassinaram. Seu corpo foi tirado do colo de meu irmão e jogado sobre uma caminhonete. Nunca mais o vimos, passados quase 2 anos ainda estamos de luto, porque não conseguimos enterrá-lo e fazer as orações necessárias em nossa cultura.

     

    Assim, decidimos que todos nós iríamos morrer em nosso tekoha de Guayviry, fizemos cartas enquanto a notícia da morte do meu pai percorria o mundo e o governo brasileiro afirmava que ele estava vivo, fazendo meu povo passar por mentiroso diante de tamanha dor que já estávamos sentindo. Meu irmão, Valmir, testemunha ocular do assassinato, foi tratado como criminoso, mentiroso. Somente depois de quase 1 ano é  que a Polícia Federal começou a descobrir que a nossa verdade era de fato o que havia ocorrido naquele triste dia. Fazendeiros, pistoleiros, advogado, empresários, presidentes de sindicatos rurais, tiveram mandado de prisões decretados por terem assassinado meu pai. Mas hoje, já estão quase todos soltos, respondendo em liberdade e a exemplo de outra grande liderança de meu povo assassinado em 1983, Marçal de Sousa, podem até ter seus crimes prescritos uma vez que a Justiça brasileira para nós índios mostrou-se parcial.

     

    Passados quase dois anos ainda não encontraram o corpo de meu Pai. Somos ameaçados por todos os lados, pois minha comunidade resiste no território que é nosso e que agora carrega também o sangue do meu pai. Igual a ele, outra quinzena de lideranças Guarani-Kaiowá foram assassinadas nestes últimos 10 anos. Todos os assassinos destas lideranças estão soltos.

     

    A demora em demarcar definitivamente nossas terras resulta anualmente em mais mortes para meu povo. E para piorar, nos últimos anos, o governo brasileiro vem negociando nossos direitos, principalmente os territoriais.

     

    Minha vida está ameaçada, assim como dos povos indígenas no Brasil, porque o Estado brasileiro vem se mostrando incapaz no que há de mais básico numa democracia, o cumprimento de sua própria constituição. Negocia nossas vidas uma vez que: não demarca nossos territórios; age em conluio com os interesses do agronegócio na tentativa de alterar a legislação indigenista vigente; permite a invasão e ilegal exploração de nossos territórios por não índios; demora décadas para julgar ações judiciais que envolvem a nossa posse dos territórios tradicionais.

     

    Por fim, a história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar este estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica.

     

    Flávio Vicente Machado, coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul

     

    Sr. Presidente, ainda que para o restante do mundo seja “evidente” os avanços econômico brasileiros, queremos afirmar que os custos agregados a isto escondem graves desigualdades, violações de direitos humanos e a omissão de um Estado que vem se mostrando incapaz de fazer cumprir sua própria Constituição Federal. Ao mesmo tempo em que o Brasil é classificado entre as sete maiores economias do mundo, vemos a amargura dos 40% mais pobres comporem a 3ª maior desigualdade social do planeta, conforme apontou relatório de Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

     

    Esta realidade é resultado de uma histórica política, onde os governantes, de maneira geral, primaram pelo benefício próprio através da corrupção, a concentração de renda em uma pequena porcentagem da população, em detrimento ao interesse coletivo, e o crescimento inclusivo da nação.

     

    Neste cenário, os povos indígenas são os mais vulneráveis, concentrando os mais diversos tipos de violações de direitos humanos, indígenas e territoriais.

     

    É cada vez mais preocupante, e evidente, que para o Estado brasileiro as demandas econômicas e os interesses de uma política desenvolvimentista agroextrativista exportadora estão, a todo custo, acima do que petreamente foi protegido pela Constituição Federal Brasileira de 1988.

     

    Confrontamo-nos, por isso, com uma violência estrutural que, tanto ontem como hoje, vem no bojo do sistemático não cumprimento da legislação indigenista decorrente, por sua vez, do entendimento de que sua efetivação inviabilizaria o desenvolvimento do país. Portanto, na atual conjuntura política brasileira, mais do que nunca os povos indígenas são considerados um entrave para o desenvolvimento do País. Ao Estado interessa apenas as suas terras.

     

    No tocante as violências contra a pessoa humana, gostaria de destacar a situação dos Kaiowá e Guarani, tido como a pior do país e provavelmente uma das mais trágicas do mundo, em se tratando de povos indígenas.

     

    Nos últimos 10 anos, os Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul registraram 317 casos de assassinatos de indígenas contra 247 no restante do País. Isto dá uma média de 56% do total de casos. Só em 2012, Mato Grosso do Sul concentrou 61% dos casos de assassinatos de indígenas no Brasil. O Ministério Público Federal (MPF) afirma que a taxa de homicídio entre os Guarani-Kaiowá é de 145 mortes por 100 mil pessoas, enquanto a média nacional é de 24,5/100mil, 5,5 vezes menor.

     

    Segundo o Distrito Sanitário de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul, órgão ligado ao Ministério da Saúde, nos últimos 13 anos cerca de 611 Kaiowá e Guarani se suicidaram em Mato Grosso do Sul, uma média de 1 caso por semana. 70% dos casos eram jovens entre 15 e 27 anos.

     

    Especialistas afirmam que ambas situações estão ligadas diretamente a situação territorial. Afinal trata-se do segundo maior povo indígena do País, 45 mil pessoas, confinadas efetivamente em reservas que não chegam a 40 mil hectares somados.

     

    Os Guarani e Kaiowá, nestes últimos 10 anos, registraram a maior quantidade de lideranças assassinadas na luta pela terra no Brasil. Foram pelo menos 15 casos cujos inquéritos policias investigativos caminham a passos lentos e seus assassinos soltos, reforçando a concepção de que matar indígenas é justificável num contexto desenvolvimentista.

     

    Por fim, é importante dizer que mesmo diante de funesta realidade, o Estado brasileiro, em seus poderes, vem negociando os direitos dos povos indígenas, consequentemente suas terras, vidas e futuro.

     

    Principalmente quando:

     

    1- O Poder Executivo se omite em cumprir com a Constituição Federal e demarcar todos os territórios indígenas reivindicados no país. Estima-se que apenas 1/3 das terras esteja regularizado;

     

    2- No poder judiciário impera uma morosidade criminosa no julgamento dos processos judiciais envolvendo a disputa por terras que ultrapassa décadas. Enquanto comunidades submetidas à crises humanitárias são obrigadas a sobreviver às margens de rodovias;

     

    3- O poder legislativo, hoje com ampla maioria de deputados e senadores que compõem a bancada ruralista, tentam por diversos projetos de leis alterar, enfraquecer ou mesmo extinguir direitos historicamente conquistados por estes povos.

     

    Sr. Presidente, o que vemos emergir no Brasil atual, ora por omissão, ora por participação, é um estado de exceção no tocante a proteção e efetivação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e seus modos próprios de vida. O não cumprimento dos parâmetros constitucionais, neste caso, configura-se como ato genocida.

     

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  • 01/11/2013

    Mensagem Final: Encontro dos bispos responsáveis pela Pastoral Indígena

    CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE

    Bogotá, Colômbia, de 14 a 18 de Outubro de 2013.

     

    “A vida se manifestou; nós a vimos e testemunhamos, e anunciamos a vocês”.

    (1 Jn,1,1-4)

     

    Queridos irmãos Bispos responsáveis pela Pastoral Indígena da América Latina e do Caribe e todos aqueles que prestarem seu serviço evangelizador entre os Povos Originários.

     

    1. Um grupo de bispos encarregados como vocês da Pastoral Indígena em sua Igreja particular, pudemos participar da reunião convocada pelo Departamento de Cultura e Educação do Conselho Episcopal Latino-americano, CELAM, em Santa Fé de Bogotá, Colômbia; entre os dias 14 a 18 de Outubro de 2013. Recebam todos nossas cordiais e fraternas saudações, a todos(as) recordamos e a todos(as) acompanhamos com nossa oração.

     

    Durante estes dias, de um compartilhar fraterno de intensas reflexões e da viva experiência de nos sentirmos guiados pelo Espírito do Senhor, antes de mais nada damos graças a Deus pelos muitos pastores, missionários, missionárias e agentes da pastoral que souberam caminhar ao longo destes mais de cinco séculos de evangelização, com os Povos Originários, e não poucas vezes, com verdadeiro heroísmo foram escritas páginas de nossa história de grande sabedoria e de verdadeira santidade. Agradecemos com profunda admiração a quantos hoje em dia, com igual heroísmo, seguem seus passos.

     

    2. Reconhecer o caminho percorrido nos permite evidenciar o muito que nos falta percorrer, e inclusive os riscos de nos desviarmos do caminho. Hoje em dia os povos indígenas estão ameaçados em sua existência física, cultural e espiritual; em seu modo de vida, em sua diversidade e em seus territórios e projetos. Algumas comunidades indígenas se encontram fora de suas terras, porque estas foram invadidas e destruídas, ou não possuem terras suficientes para desenvolverem suas culturas. Sofrem graves ataques em sua identidade e sobrevivência, pois a globalização econômica e cultural põe em perigo sua própria existência como “povos diferentes”. A migração forçada pela perda de suas terras e territórios está influenciando profundamente na mudança de costumes, de relações e inclusive de religião, (cf. DAp, n. 90).

     

    3. Constatamos ao mesmo tempo que está surgindo e se fortalecendo entre os Povos Indígenas uma mais clara consciência do que eles são, de seus valores e de que “são a primeira raiz da identidade latino-americana e caribenha”. Não cabe dúvida: as populações indígenas emergem agora na sociedade e, quiçá, com maior presença na Igreja. Este é um kairos, um tempo de graça que urge e apressa o encontro da Igreja com estes âmbitos humanos que reivindicam o reconhecimento pleno de seus direitos individuais e coletivos, e de serem considerados na catolicidade da própria Igreja, com sua cosmovisão e seus valores étnicos e culturais. A Igreja de Pentecostes, a de todos os Povos, necessita deles. O futuro de nossa Igreja da América Latina e do Caribe não estaria assegurado sem a determinante contribuição dos Povos Originários.

     

    A variedade e riqueza das culturas latino-americanas desde as mais originárias até aquelas que com o passo da história e com a mestiçagem de nossos povos foram sedimentadas nas nações, são chamadas a convergir em uma síntese capaz de nos orientar a um destino histórico comum (cf. DAp, n. 43). Estamos convencidos de que é o anúncio de Cristo e a esperança Nele, apesar das escuras sombras e de inegáveis causas de deterioro, o que dá fisionomia a esta nossa Pátria Grande; não devemos deixar de ser o Continente da Esperança.

     

    4. No momento de aprender da história, mestra de vida, constatamos que o limite ou o erro que acompanhou o nosso trabalho em favor dos Povos Indígenas foi o de considerá-los, quiçá exclusivamente, como destinatários de nossa ação, e muito pouco, como verdadeiros interlocutores, isto é, como autênticos sujeitos e atores responsáveis de sua história e de seu desenvolvimento integral que tão atinadamente foi descrito por Paulo VI, como “o passo para todas e cada uma das condições de vida menos humanas a condições mais humanas” (PP, n. 20).

     

    Chegou a hora para que a autêntica conversão pastoral exigida por nossos pastores em Aparecida, nos leve a nos aproximarmos dos Povos Originários com imenso respeito, como nossos interlocutores, trabalhando com eles, não tanto para eles, e não só como colaboradores, mas como primeiros responsáveis de seus projetos e de seu destino.

     

    5. Ampara-nos nesse “novo” modo de nos aproximarmos e de acompanhar os Povos Indígenas, a convicção que a ação da Igreja foi presidida, sempre e em todo âmbito humano, pela ação salvífica da graça divina. O Verbo foi sempre “a Luz que ilumina todo homem que vem a este mundo” (Jn 1,9).

     

    A Missão não deve ser vista só como a atividade da Igreja, mas principalmente como colocar a própria Igreja à disposição da ação salvífica de Deus-Trinidade. Esta envolve a humanidade desde sempre, já que Deus nunca deixou de amar a sua criatura. Isto foi expresso de modo surpreendente pelo Beato Papa Juan Paulo II, quando em 1992 chegou a Veracruz, México, que é o porto pelo qual chegaram os primeiros missionários à nossa América. Ali nos disse: “antes de chegarem os missionários, Deus já amava infinitamente os ameríndios”.

     

    Ter esta verdade presente, dá a todas as nossas atividades de discípulos-missioneiros um “estado de espírito” humilde, de serviço amoroso, e nunca de conquista; trata-se de se colocar à disposição da ação salvífica, humanizadora de Deus, que sempre nos precede.

     

    6. Iluminados por estas reflexões e convicções, percebemos necessário formular e oferecer umas indicações concretas com a esperança de que possam orientar os diferentes organismos eclesiais que em nosso Continente estão assumindo a Pastoral Indígena.

     

    a) Urge reflexionar sobre o futuro que corresponde aos Povos Originários. Pedimos particularmente ao CELAM que nos ajude a visualizar este desafio e nos mostre os caminhos que assegurem a identidade, o reconhecimento e a autonomia de nossos povos indígenas.

     

    b) Vemos a necessidade de uma maior estima e acolhida para o fato da pluriculturalidade de nosso Continente e da tão necessária interculturalidade.

     

    c) Corresponde-nos estimular e promover a etno-estima dos Povos Originários.

     

    d) Manter com renovado esforço nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres e marginalizados como consequência, acrescentar e aprofundar a presença missionária e pastoral entre as populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento predatório, apoiando-as em seus esforços para se chegar a uma justa distribuição da terra e da água.

     

    e) Colocar o documento de Aparecida ao alcance de todos, que tanta amorosa atenção concede aos povos originários e que nossos Pastores, em sintonia com o espírito de Aparecida, assumam com mais valentia a necessária dimensão profética da própria fé, denunciando as injustiças e ataques à dignidade dos indígenas.

     

    f) Que o Departamento do CELAM responsável pela Pastoral Indígena, contacte e coordene os diferentes organismos, grupos apostólicos e equipes que nas várias igrejas locais de América Latina e do Caribe assumem a atenção pastoral e missioneira dos Povos Originários, para um trabalho de informação, de estímulo e de coordenação.

     

    g) Urge orientar os esforços da Missão Continental visando a um estado permanente de missão, dirigida às “periferias” de nossas sociedades onde se encontram os povos indígenas. A fidelidade da Igreja ao Cristo que veio evangelizar os pobres (cfr. Lc 4,16) encontra sua garantia na medida em que ela opte valente e generosamente por estas periferias dos últimos de nosso Continente.

     

    h) É necessário que se infunda o amor preferencial aos povos indígenas a partir dos anos de formação dos futuros presbíteros assim como dos agentes da pastoral dedicados a eles.

     

    i) É de grande utilidade conhecer os diferentes organismos extra-eclesiais que trabalham em favor dos povos indígenas com o fim de alcançar uma possível cooperação e um trabalho conjunto.

     

    j) Buscar caminhos de cooperação e de integração com as pastorais afins como, por exemplo a Pastoral Afro.

     

    k) Seguir apoiando o estudo e o conhecimento da espiritualidade, da sabedoria e cosmovisão dos Povos Originários. A esse respeito, informamos que durante nosso encontro foi feito o lançamento do livro O sonho de Deus na criação humana e no cosmos, que é uma produção do IV Simpósio Latino-Americano de Teologia Índia (2011).

     

    Pedimos à Maria, a Mãe do Senhor, Maria dos muitos títulos da América Latina e do Caribe, todos os esforços que nossa Igreja está levando adiante com nossos irmãos e irmãs Indígenas. Foi Maria quem pôde unir as diferentes histórias latino-americanas numa história compartilhada: aquela que conduz ao Cristo, Senhor da Vida, em quem se realiza a mais alta dignidade de nossa comum vocação humana.

     

    Com nossa renovada e fraternal saudação, nos encomendamos a sua oração.

     

    Desde Santa Fe de Bogotá – seus irmãos e Pastores:

     

    Dom Pablo Varela Server – Panamá

    Presidente do Departamento de Cultura e Educação – CELAM

    Dom Walter Pérez – Bolívia

    Dom Victorino Girardi – Costa Rica

    Dom Guillermo Francisco Escobar – México

    Dom Carlos Enrique Herrera – Nicarágua

    Dom Lucio Alfert – Paraguai

     

    * Tradução: Luciana Gaffrée

     

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  • 01/11/2013

    Carta do I Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal

    “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho,

    quando nos explicava as Escrituras!” (Lc 24,32)

    CARTA DO PRIMEIRO ENCONTRO DA IGREJA CATÓLICA NA AMAZÔNIA LEGAL 

    Irmãs e irmãos,

    Reunidos no Primeiro Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, em Manaus, entre os dias 28 e 31 de outubro de 2013, nós, bispos, presbíteros, religiosas e religiosos, agentes de pastoral leigas e leigos, queremos partilhar com vocês as reflexões e análises sobre a situação atual da nossa região e as respostas que, como pastores, pretendemos dar aos desafios de nossos tempos. Agradecemos a Deus pelas maravilhas que operou entre nós e nossos irmãos e irmãs que, por um compromisso profético, testemunharam sua fé, muitas vezes até as últimas consequências (cf. Jo 13,1), dispostos a “dar não somente o Evangelho, mas até a própria vida” (1 Tes 2,8). Ao nos prepararmos para celebrar os 400 anos do início da evangelização na Amazônia, assumimos a missão que o Senhor nos propõe, de sermos suas testemunhas, discípulas/os, missionárias/os de sua Palavra, pois a Igreja é “enviada por Cristo a manifestar e a comunicar o amor de Deus a todos os homens e mulheres e a todos os povos” (AG 10). 

    “CRISTO APONTA PARA A AMAZÔNIA” (Papa Paulo VI): memória da caminhada.

    Mesmo antes da criação da Amazônia Legal em 1953, a Igreja católica na Amazônia se reunia através dos seus bispos para posicionar-se pastoralmente diante dos problemas sofridos pelos povos desta região e enfrentar os grandes desafios que se anunciavam, pelas intervenções políticas e econômicas.

    “Se o governo vai tentar o soerguimento econômico destas regiões,

    é urgente que um largo surto espiritual se antecipe aos progressos materiais,

     e os acompanhe, e os envolva, dando-lhes rumo seguro e feliz

    (1º Encontro inter-regional dos Bispos da Amazônia, Manaus 2 a 6 de julho de 1952, Documento final).

    Apesar de não ter todas as condições necessárias, seja pela precariedade de instalações e meios, seja pela falta de pessoal qualificado para enfrentar os novos problemas, a Igreja amazônica nunca desanimou de sua missão. Sempre contou com missionárias e missionários vindos de outras regiões do Brasil e do mundo que, vivendo a mística do amor e do serviço, deram tudo de si para que povos da Amazônia não só recebessem uma orientação adequada para sua vivência de fé, mas tivessem respeitados seus direitos, sua dignidade e plena cidadania, suas tradições e culturas.

    “…em nossas prelazias e dioceses existem sinais de alegria e esperança,

    próprias de uma Igreja que, mesmo tendo muitas dificuldades,

    está viva e responde com coragem aos desafios que se lhe apresentam”

    (Discípulos missionários na Amazônia, Manaus, 11 a 13 de setembro de 2007).

    Ao longo de seis décadas, desde o primeiro encontro dos bispos em Manaus, a Igreja tem demonstrado sua vitalidade e posicionamento profético e solidário. Em Santarém 1972, decidiu basear sua ação pastoral e evangelizadora em duas diretrizes: (1) a Encarnação na realidade, pelo conhecimento e pela convivência, na simplicidade, e (2) a Evangelização Libertadora. Armou sua tenda no meio do povo de tal modo que apareceu um rosto eclesial bem amazônico na diversidade sociocultural, na defesa do lar que Deus criou para toda a humanidade e na promoção da Vida em todas as suas dimensões, sobretudo quando é ameaçada pelos impactos causados por um equivocado conceito de progresso que confunde desenvolvimento com crescimento meramente econômico, multiplicação de riqueza material, incremento do PIB, expansão do agronegócio, aumento de produção de biocombustíveis, descuidando-se, porém de políticas públicas e deixando de promover a justiça e o bem-estar de todos e para todos.

    A Igreja na Amazônia adotou e incorporou as novas orientações eclesiológicas e pastorais vindas do Concílio Vaticano II, de Medellín e Puebla, Santo Domingo e Aparecida e buscou evangelizar a partir de uma visão mais ampla e profunda da vida e da realidade amazônicas. Assumiu a mística e espiritualidade do seguimento de Jesus Cristo, uma pastoral e uma missionariedade dentro da realidade local. Centenas de milhares de irmãs e irmãos leigos e religiosos, presbíteros e bispos embrenharam-se nas matas, navegaram rio abaixo, rio acima, viajaram pelas estradas desse mundo desigual, levando a Palavra de Deus, fundando e organizando as comunidades eclesiais, vivas e participativas, proféticas e missionárias, numa grande rede de solidariedade que as fez enfrentar as precariedades existenciais, manter viva a chama de sua fé e sua esperança, e valorizar sobretudo sua religiosidade popular expressada nas festas religiosas, em novenas e procissões.

    “E porque progredimos na compreensão de sermos uma Igreja no mundo,

    amando o mundo amazônico, temos a certeza que estamos dando à sociedade amazônica nossa contribuição histórica de alta qualidade para o resgate das dívidas sociais tão pesadas neste Norte do Brasil”

    (A Igreja arma sua tenda na Amazônia, Manaus, 9 a 18 de setembro de 1997).

    Esta ação evangelizadora favoreceu o crescimento de uma Igreja mais local, ministerial, laical e missionária. Ao celebrar os 40 anos desde o Documento de Santarém, a Igreja na Amazônia manifesta a continuidade de sua caminhada como discípula missionária do Reino e enfrenta corajosamente velhos e novos desafios:

    “Diante dos desafios sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos e eclesiais

    da realidade amazônica, decidimos fortalecer o compromisso profético de transformação e reafirmar o projeto de formação inspirado na espiritualidade do seguimento de Jesus, que convoca a Igreja para uma profunda conversão pastoral”

    (DAp, 170-175; 360-365, citado em “Conclusões de Santarém: memória e compromisso, 2012”).

    As palavras do Papa Francisco aos Bispos do Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude dão-nos novo impulso para refletirmos sobre a realidade política e religiosa da Amazônia Legal e promover e defender a vida dos habitantes dessa região e de sua rica biodiversidade. Cala fundo em nosso coração a expressão do Papa Francisco de que a Amazônia é “teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras” (Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013). Essas palavras incentivam-nos a retomar as intuições de Santarém 1972 e Manaus 1974 e dar-nos conta da atualidade das prioridades de então: formação de agentes de pastoral – comunidades cristãs de base – pastoral indígena – grandes projetos – juventude.

    PRIMEIRO ENCONTRO DA IGREJA CATÓLICA NA AMAZÔNIA

    “A Igreja que está na Amazônia não como aqueles que têm as malas na mão,

    para partir depois de terem explorado tudo o que perderam. Desde o início a Igreja está presente na Amazônia com missionários, congregações religiosas, sacerdotes, leigos e bispos e lá continua presente e determinante no futuro daquela área”

    (Papa Francisco aos Bispos do Brasil, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013).

    Conscientes de que falta muito a ser realizado em nossa missão evangelizadora, conforme nos pede o Senhor da História (cf. Col 1,13 – 20), novamente nos encontramos em Manaus, desta vez com a participação de todos os regionais da CNBB que integram a Amazônia Legal (Norte I, II e III, Noroeste, Nordeste 5 e Oeste II). Sabemos que temos um mesmo caminho a palmilhar. Lembramo-nos de que Jesus mesmo é o Caminho (Jo 14,6). Jesus caminha conosco como o fez com os discípulos de Emaús que exclamaram: “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras!” (Lc 24,32). E não foi adiante, mas “entrou para ficar” (Lc 24,29). Jesus está na Amazônia para ficar. E o reconhecemos ao partir o pão.

    Neste caminho comum damo-nos conta de que são comuns os problemas e desafios que nos interpelam. Confiando em Jesus, presente no meio de nós, queremos formar uma ampla rede integradora de nossas ações pastorais e evangelizadoras e convocar os irmãos e as irmãs a empenharem-se em favor de um mundo justo, fraterno e solidário. Queremos convocar também mulheres, e homens que não professam a nossa fé ou se afastaram de nossa Igreja a irmanarem-se conosco na defesa da dignidade e dos direitos dos povos da Amazônia e da criação que Deus em sua bondade e imenso amor confiou ao seu zelo e seus cuidados (cf. Gn 1,18).

    Refletimos nestes dias sobre problemas que continuam a atingir e causar danos e ameaças à vida e à existência de pessoas e povos e ao meio ambiente na Amazônia. Ajudados por estudiosos e especialistas e ouvindo pessoas que sentem na pele os dramas causados por políticas de dominação em total desrespeito aos legítimos anseios e necessidades dos povos desta região:

    – analisamos e discutimos a realidade urbana e a mobilidade humana que tantos sofrimentos têm causado aos povos amazônidas como o desenraizamento da terra e a perda do patrimônio cultural e religioso próprio e comum aos povos tradicionais e dos que vêm de outras regiões;

    – verificamos um acentuado crescimento das igrejas evangélicas e dos sem-religião também na Amazônia, como consequência da precária presença de nossa Igreja nos movimentos migratórios;

    – fomos informados a respeito dos grandes projetos implementados na região, de modo especial as hidrelétricas, que representam uma nova invasão do capital visando explorar as nossas riquezas naturais e aproveitar o potencial energético de nossos rios, sem olhar para os prejuízos que causam ao meio-ambiente com sua imensa biodiversidade e a destruição da vida e da história de muitos povos tradicionais;

    – o desmatamento contínuo e novamente crescente das florestas amazônicas nos assusta pelos prejuízos incomensuráveis e pela ameaça ao equilíbrio ecológico do planeta;

    – frente ao desmatamento, à concentração da terra e às monoculturas percebemos a urgência da realização da Reforma Agrária e Agrícola;

    – constatamos o crime impune da prática do trabalho escravo que ocorre nas empresas do agronegócio e nas áreas de mineração;

    – ficamos horrorizados ante o criminoso tráfico de pessoas e drogas, sustentado pela ganância, miséria e impunidade, e o assassinato de jovens;

    – ouvimos ainda os relatos de um representante dos povos indígenas e de um quilombola que nos falaram de suas organizações, lutas e conquistas e nos alertaram para os graves riscos de perderem, através da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), direitos conquistados em relação à demarcação e garantia de seus territórios, asseguradas nos Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988; lembramos ainda que o Art. 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal reconhece aos remanescentes dos quilombos a propriedade definitiva de suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

    Enfim, constatamos que o domínio de um sistema único de mercado, o individualismo típico da cultura/sociedade de hoje e a violência urbana destroem os laços e as relações tradicionais: a família, a natureza, o mundo dos povos indígenas, dos caboclos, seringueiros, agricultores, ribeirinhos. Tudo é desagregado e desestruturado e essa realidade provoca a crise da esperança, pois rouba os sonhos, as aspirações, desorganiza as lutas, abre espaços para messianismos políticos e religiosos ou para um milenarismo alienante e vazio de sentido.

    Esses problemas atingem também os fiéis em suas necessidades subjetivas: sua busca de Deus e sua noção de vinculação com a Igreja. Está na hora de valorizarmos a religiosidade do povo e ampliarmos o diálogo ecumênico e inter-religioso.

    COMPROMISSOS

    Os enormes desafios apresentados nos relatos e testemunhos nos interpelam como Igreja na Amazônia Legal a assumir compromissos pastorais que devem nortear a caminhada de nossa Igreja no presente e no futuro:

    Reafirmamos nossa identidade de ser Igreja discípula da Palavra, testemunha do dialogo, servidora e defensora da vida, irmã da criação, missionária e ministerial, que assume a vida do povo, que se articula na paróquia como rede de comunidades e nas comunidades eclesiais de base (cf. Conclusões de Santarém: memória e compromisso, 2012, p. 19).

    Causa-nos uma profunda dor ver milhares de nossas comunidades excluídas da eucaristia dominical. A maioria delas só tem a graça de celebrar o Memorial da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor uma, duas ou três vezes ao ano. O Senhor, na véspera de sua morte, não deu um bom conselho, mas um mandato explícito: “Fazei isto em minha memória” (1 Cor 11,24; Lc 22,19). O Decreto “Presbyterorum Ordinis” do Concílio Vaticano II declara que a Eucaristia é fonte e, ao mesmo tempo, ápice de toda a Evangelização (cf. PO 5). “Nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da santíssima Eucaristia, a partir da qual, portanto, deve começar toda a educação do espírito comunitário” (PO 6). Também a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” fala da Eucaristia como “fonte” e “ponto culminante de todas a vida cristã” (LG 11). Torna-se urgentemente necessário criar estruturas em nossa Igreja para que os 70% de comunidades, que hoje estão excluídos da celebração eucarística dominical, possam participar da “fração do pão” (At 1,42), do “sacramento da piedade, sinal de unidade, vínculo da caridade, banquete pascal” (SC 47).  

    A cultura urbana transforma profundamente a compreensão do papel dos leigos e da mulher na Igreja. Na sociedade civil, eles vivenciam processos de empoderamento social quando se exercitam na construção de uma sociedade que preserve os direitos sociais e coletivos. Práticas  e relações cotidianas exigem hoje, no interior das pastorais, modelos eclesiais assentados em relações recíprocas, mais do que no complemento, no diálogo horizontal em lugar de imposições verticais, na profunda experiência de serviço em lugar das lutas pelo poder.

    O protagonismo dos leigos é insubstituível e imprescindível, na ação transformadora da realidade em que vivem, marcada pela exclusão e pela violência. O campo específico da missão dos leigos/as é o das realidades em que vivem e trabalham. É o mundo da família, do trabalho, da cultura, da política, do lazer, da arte, da comunicação, da universidade. É nos diversos níveis e instituições, nos Conselhos de Direitos, em campanhas e outras iniciativas que busquem efetivar a convivência pacífica, no fortalecimento da sociedade civil e do controle social. É na formação de pensadores e pessoas que estejam, nos níveis de decisão, evangelizando com especial atenção e empenho (cf. EN 70).

    A corresponsabilidade e participação de leigas e leigos, como sujeitos com vez e voz, deve acontecer na elaboração e execução dos planejamentos pastorais, nos centros de discussão e decisão das Igrejas Particulares.

    “Urge formar ministérios adequados às necessidades das comunidades, especialmente do Ministério do Pastoreio de comunidades, exercido por leigas e leigos que sejam servas e servos do povo, abertos ao diálogo e ao trabalho em equipe, e que, devidamente preparados, assumam em nome da Igreja a direção pastoral de uma comunidade” (A Igreja arma sua tenda na Amazônia, Manaus, 9 a 18 de setembro de 1997, n. 47).

    Almejamos investir na formação de presbíteros e de irmãos e irmãs de vida consagrada – autóctones e os que chegam de fora – para que sejam despojados, simples, não busquem a autopromoção, que sejam missionários e vivam em maior sintonia e contato com as comunidades e saibam trabalhar em equipe com os/as leigos/as, evitando centralismo, clericalização e autoritarismo.

    Comprometemo-nos em a dar visibilidade ao tráfico de pessoas para enfrentar esses crimes hediondos contra a liberdade e dignidade da pessoa humana. Apostamos na Campanha da Fraternidade de 2014 que tem como tema “Fraternidade e Tráfico Humano”.

    Precisamos dar mais ênfase aos meios de comunicação, pois sabemos da sua importância para a Evangelização.

    Conscientes de que a problemática da Amazônia é global, queremos abrir-nos a uma visão panamazônica que nos convoca a buscar caminhos de colaboração e compromisso entre as Igrejas na América Latina.

    Queremos dar atenção especial aos jovens, através do apoio e incentivo à Pastoral da Juventude, estimulando as dioceses e congregações religiosas a liberarem presbíteros e religiosas para acompanhar os jovens, para que sejam oferecidos cursos de formação de assessores, preparando-os para este serviço à juventude na Amazônia.

    UMA IGREJA COM ROSTO AMAZÔNICO

    A Igreja Católica na Amazônia Legal vive e cresce com características próprias, enraizadas na sabedoria tradicional e na religiosidade popular que durante séculos alimentou e continua a manter viva a espiritualidade dos povos da floresta e das águas, e agora, do mundo urbano. Enfrenta com alegria as dificuldades das distâncias e da falta de comunicação para encontrar e oferecer ao rebanho, confiado a nós pelo Senhor da messe, a luz da Palavra de Deus e a Eucaristia como alimentos que revigoram e animam as forças para viver a comunhão com Deus e cuidar da Amazônia como chão da partilha, pátria solidária, “morada de povos irmãos e casa dos pobres” (DAp 8).

    A carinhosa devoção a Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazônia, nos leve a cumprir o que ela nos pede: “Fazei o que Ele vos disser!” (Jo 2,5).

     

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  • 30/10/2013

    Yvy Katu: comunidade Guarani Ñandeva sofre pressões diante de prazo definido por ruralistas

    Sob a justificativa de protesto pacífico, desde ontem, terça-feira, 29, cerca de 120 ruralistas estão acampados próximos à ponte que dá acesso ao tekoha – lugar onde se é – Yvy Katu, municípios de Japorã e Iguatemi, Mato Grosso do Sul, do povo Guarani Ñandeva. Os ruralistas chegaram ao local na data prometida como limite à adoção de medidas próprias para caso o governo federal não apresentasse proposta concreta (leia aqui) sobre o “litígio de terras” no estado.  

     

    Tal proposta parece não ter chego. Todavia, as comunidades indígenas também aguardam medidas do Poder Público: “Há dez anos que aguardamos a homologação de Yvy Katu. Todo o procedimento demarcatório está completo”, declara Valdemar Guarani Ñandeva. A liderança lembra que este ano o Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) negou pedido de reintegração de posse de uma das áreas do tekoha. “Não estamos invadindo nada. A terra é de nosso povo”, afirma Valdemar. A presença dos ruralistas, porém, preocupa a comunidade.

     

    A liderança resgata na memória episódio similar ocorrido em 2005, retratado no filme Sementes de Sonhos (assista aqui). Na ocasião, ruralistas e fazendeiros alegaram protesto pacífico na mesma ponte para uma tentativa de expulsão dos Guarani Ñandeva do território. Desarmados, os indígenas tentaram impedir a passagem se posicionando na frente dos fazendeiros, que atiraram ferindo alguns indígenas. Os Guarani Ñandeva iniciaram uma reza e logo após ela ter início uma tempestade de vento e trovões afastou os invasores.

     

    Passados oito anos, a história se repete. Representantes do Ministério Público Federal (MPF) estiveram no local para averiguar a situação. Por enquanto não foram registrados conflitos, mas conforme as lideranças alguns fazendeiros ameaçam adotar medidas para retirar os Guarani Ñandeva de áreas retomadas, localizadas na terra indígena pronta a ser homologada. "Estamos preparados para defender nosso povo e nossa terra", pontua Valdemar.

     

    O governo federal, por intermédio do Ministério da Justiça e da Secretaria Geral da Presidência da República, tenta intermediar esta e outras situações de conflitos no estado através de uma mesa de diálogo, iniciada depois da morte de Oziel Gabriel Terena, pelas mãos da polícia, na Terra Indígena Buriti, em junho deste ano. Por enquanto, não há resultados objetivos, tanto no sentido de indenizar ocupantes de boa-fé de terras indígenas, quanto de garantir tais terras tradicionais aos povos indígenas.       

     

    Histórico

     

    Cerca de 30 famílias Guarani Ñandeva retomaram no último dia 14 de outubro parte da Terra Indígena Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai. No mesmo local, pouco mais de uma semana antes cerca de 30 famílias ocuparam outra área de 600 hectares, abandonada pelos proprietários há ao menos quatro anos, mas fora da posse dos indígenas. Com processo de demarcação praticamente finalizado – os marcos físicos que limitam a área já foram fixados – eles aguardam há 10 anos que a presidência da República assine o decreto de homologação da terra.

     

    Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, na qual Porto Lindo está incorporada, foi interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14 diferentes fazendas na área reivindicada.

    Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou uma portaria declarando a terra como de posse permanente do grupo, com área de 9,4 mil hectares. A demarcação física já foi realizada, faltando apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Os indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área demarcada, por força de decisão judicial.

    Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a validade do processo demarcatório da área.

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  • 29/10/2013

    Organizações visitam a Serra do Padeiro em solidariedade aos Tupinambá

    Cerca de 50 pessoas, representantes de diversas organizações regionais, estaduais e nacionais estiveram em visita, no último sábado, 26, na aldeia Serra do Padeiro, do povo Tupinambá de Olivença, na Bahia. A visita teve o caráter de prestar solidariedade e tomar conhecimento da luta deste povo por suas terras tradicionais. Entre as organizações, ao menos seis são ligadas aos pequenos agricultores, além da Associação dos Juízes Pela Democracia (AJD).   

    As entidades presentes se solidarizaram com a comunidade e externaram suas preocupações diante do quadro de perseguição e calunias que vem ocorrendo na região, em especial nas cidades de Buerarema e São José da Vitória. As entidades ligadas aos trabalhadores rurais presentes na visita (CETA, MLT, CPT, AATR, Polo Sindical, Central de Cooperativas do Litoral Sul) colocaram a necessidade de esclarecer aos pequenos produtores todo este processo de demarcação para que eles percebam que o inimigo deles não são os Tupinambá, mas sim os governos Federal e Estadual, que se omitem de cumprirem seus papeis. Sendo assim, que juntos, indígenas e trabalhadores rurais, possam lutar pela garantia de seus direitos sem que se deixem ser usados.

    Na oportunidade, o cacique Rosivaldo Ferreira relatou a luta de seu povo para os presentes e todo o processo de criminalização que vem sofrendo a comunidade Tupinambá. Desde os ataques psicológicos até os mais cruéis e silenciosos, potencializados por meios de comunicação ligados ao latifúndio regional.

    Cacique Babau, como é chamado pelos Tupinambá, colocou que este processo vem se repetindo ao longo da história, citou como exemplo a luta do seu parente Marcelino José Alves, conhecido por Caboclo Marcelino, que na década de 1920 foi perseguido de forma violenta por defender o direito de seu povo. Ambos, Marcelino e Babau, foram chamados de “Lampião do sul da Bahia”. Babau finalizou afirmando que esta luta não começou agora e ele não é o primeiro a ser perseguidor e criminalizado.

    O cacique Babau foi categórico ao afirmar que a culpa de toda esta situação de violência e insegurança estabelecida na região é do governo federal, em especial do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que não cumpre o seu papel e tenta enganar a todos com “conversa mole”. “O que todos nós precisamos é que ele assine a Portaria Declaratória e dê continuidade ao processo de demarcação devolvendo a nossa terra e garantindo os direitos dos pequenos agricultores”, falou o cacique.

     Os visitantes ainda tiveram a oportunidade de conhecer um pouco da aldeia Serra do Padeiro, sua organização, desfrutar de um delicioso almoço e no período da tarde conhecer mais uma obra inacabada do governo dentro da aldeia, uma ponte que em muito facilitará o escoamento da produção dos Tupinambá. A ponte está pronta faltando apenas as cabeceiras.

    As lideranças Tupinambá da aldeia Tucum entregaram à comitiva um extenso dossiê sobre a situação do povo Tupinambá. As reuniões tiveram como objetivo perceber “in-loco” a real situação estabelecida no sul da Bahia, e, a partir deste olhar e conversas, definir ações da AJD que possam vim a contribuir para a resolução deste grave problema. Estavam presentes, inclusive em relatos sobre o que viram em três dias de visitas, a juíza Drª Kenarik Boujikian, presidenta da AJD, Drº Reno Viana, coordenador da AJD na Bahia, Drº André Bezerra, conselheiro da AJD, Drº Naum Leite, advogado da comissão de Direitos humanos da OAB da Bahia e representando o Conselho Federal da OAB. Além de Isaac e Marcos Rocha, ambos da Articulação dos Conselhos da Comunidade da Bahia e D’Almeida, repórter fotográfico, o Ministério Público Federal, Dom Mauro Montagnoli, bispo de Ilhéus, Dom Ceslau Stanula, bispo de Itabuna, Drº Victor Cretella e Drª Maysa Pomponet, juízes federais de Itabuna, Polícia Federal, Força Nacional e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).  

    Fizeram-se presente na visita: Associação Juízes para a Democracia (AJD), Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Associação para o Resgate Social (ARES), Associação de Docentes da Universidade de Santa Cruz (Adusc), Centro de Estudo, Pesquisa e Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Central de Cooperativas do Litoral Sul, Pastoral da Juventude (PJ), Pastoral da Criança, Articulação de Políticas Públicas da Bahia (APP), Missionárias Agostinianas Recoletas (MAR), Federação de Órgãos para assistência social e educacional (FASE), Levante Popular da Juventude, Movimento de Mulheres em Luta (MML), Movimento de Luta pela Terra (MLT), Coordenação Estadual dos Trabalhadores Acampados, Assentados e Quilombolas (CETA), Centro de Agroecologia e Educação da Mata Atlântica (OCA), Coletivo dos Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira (Caporec), Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves (EACMA), Movimento Negro Unificado (MNU), Polo Sindical de Itabuna,  Conselho da Comunidade Para Assuntos Penais da Comarca de Vitória da Conquista, Conselho de Cidadania Permanente, Ordem dos Advogados do Brasil (Conselho Federal), Fórum de Educação no Campo, Assessoria do Deputado Yulo Oiticica,  Estudantes e religiosos.

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  • 29/10/2013

    TRF1 suspende licença de Belo Monte e pagamentos do BNDES e manda parar a obra

    Na última sexta, 25, o desembargador Antonio de Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), deferiu nova liminar para uma das Ações Civis Publicas (ACP) do Ministério Público Federal (MPF) contra Belo Monte. A decisão volta a paralisar as obras da usina, bem como desautoriza o BNDES a fazer repasses financeiros à hidrelétrica antes do cumprimento de condicionantes sociais e ambientais.

    Em decisão monocrática, Souza Prudente acatou a nona ACP do MPF, que denuncia que condicionantes da Licença Prévia não haviam sido cumpridas antes da emissão da Licença de Instalação, que autorizou o início das obras ilegalmente.

    Na notificação enviada ao Ibama, responsável pelo licenciamento irregular, o desembargador defere, liminarmente, o pedido de antecipação de tutela recursal formulado pelo MPF, “para determinar a imediata suspensão do licenciamento ambiental e das obras de execução do empreendimento hidrelétrico UHE Belo Monte, no Estado do Pará, até o efetivo e integral cumprimento de todas as condicionantes estabelecidas na Licencia Previa 342/2010, restando sem eficácia as Licenças de Instalação e as Autorizações de Supressão Vegetal – ASV já emitidas ou que venham a ser emitidas antes do cumprimento de tais condicionantes, e ordenar ao BNDES que se abstenha de repassar qualquer tipo de recurso (ou celebrar qualquer pacto nesse sentido) enquanto não cumpridas as aludidas condicionantes”.

    O desembargador também estabeleceu uma multa ao Ibama de R$ 500 mil por dia de atraso no cumprimento desta decisão.

    Descumprimento

    Apesar da ordem judicial, de acordo com trabalhadores de usina e moradores de Altamira, a Norte Energia, responsável por Belo Monte, não paralisou os trabalhos nos canteiros nesta segunda, 28. A vários jornalistas que procuraram a empresa pela manhã, a assessoria da Norte Energia afirmou que esta não teria recebido a notificação do TRF1.

    Já o Tribunal garante que a notificação foi expedida às 9:00h da manhã. As 11:14h, a secretária executiva da empresa enviou ao TRF1 fax acusando o recebimento do documento, fato deliberadamente omitido à imprensa. Deliberada também foi a decisão de descumprir a ordem da Justiça e dar continuidade aos trabalhos em Belo Monte.

    Clique aqui para ler a íntegra da decisão do TRF1

     

     

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