• 20/11/2013

    MPF recomenda anulação imediata da concessão madeireira da Flona do Crepori, no Pará

    O Ministério Público Federal (MPF) no Pará recomendou ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB) a imediata anulação ou revogação do edital de concessão da Floresta Nacional (Flona) do Crepori, em Jacareacanga, oeste do Pará. De acordo com laudos solicitados pelo MPF e relatório do Instituto Chico Mendes (ICMBio) a área tem ocupação de comunidades tradicionais. O SFB recebeu as mesmas informações, mas não as considerou e abriu, em maio passado, edital para conceder à indústria madeireira mais de 440 mil hectares dentro da Floresta.

    A legislação proíbe que áreas ocupadas por comunidades tradicionais sejam incluídas na concessão florestal. Os pesquisadores Maurício Torres e Juan Doblas percorreram a região a pedido do ICMBio e constataram a existência de populações tradicionais nas proximidades do rio das Tropas. O estudo foi entregue tanto para o ICMBio quanto para o SFB no ano passado. Os mesmos pesquisadores fizeram um novo laudo pericial para o MPF já em 2013, confirmando as constatações.

    “Há sobreposição entre as áreas licitadas e as áreas habitadas por comunidades tradicionais. A operação de um plano de manejo florestal madeireiro naquele território tradicionalmente ocupado surtiria efeitos de uma brutal expropriação”, diz o laudo do MPF. A área que o SFB quer colocar à disposição no edital nº 001/2013 é ainda vizinha à Terra Indígena Munduruku e há evidências de que a população indígena faz uso dos mesmos recursos florestais, o que pode provocar novos conflitos.

    Para o MPF, o Serviço Florestal, além de cumprir a legislação que proíbe a licitação de florestas habitadas por comunidades tradicionais, precisa cumprir os dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e garantir o direito da consulta prévia, livre e informada, todas as vezes que tomar medidas que possam afetar comunidades protegidas pela Convenção.

    A recomendação do procurador Carlos Raddatz Cruz, de Santarém, é para que o SFB “abstenha de promover a concessão florestal até que se faça estudo antropológico (censo populacional) completo acerca das populações que ocupam referida área e o seu entorno, delimitando a efetiva área de habitação bem como as áreas de coleta, caça, pesca, perambulação, roçados, garimpo artesanal e outras atividades dos povos e comunidades tradicionais e indígenas”.

    Depois de confirmada mais uma vez a presença das populações tradicionais, o SFB deve excluir do edital de concessão madeireira todas as áreas mapeadas como de ocupação e uso dessas comunidades. E, antes de novas concessões na Floresta Nacional do Crepori, o SFB deve também promover a consulta prévia, livre e informada em observância à Convenção 169. O MPF deu prazo de 10 dias para que a recomendação seja respondida.

    Íntegra da recomendação

     

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  • 20/11/2013

    Nísio vive: na alegria saltitante das crianças, na resistência resoluta dos adultos

    Na alegria saltitante das crianças, na resistência resoluta dos adultos, na dor permanente por não poderem ter feito o sepultamento ritual, pois os criminosos mantém ocultado o corpo. Nísio vive nas árvores frondosas que acolhem e envolvem a esperança e os barracos, no vento, na brisa leve que acariciam os corpos guerreiros e nas borboletas coloridas que bailam permanentemente as margens do rio. Nísio vive na continuidade da luta por sua terra tradicional, o tekoha Guaiviry.

     

    Dois anos sem o riso e reza do cacique que fazia brotar a alegria em meio à maior carestia, de seu humilde barraco emergia a força e energia da resistência.

     

    A recepção ritual conduzida pelas crianças nos enche de emoção. A alegria delas é contagiante. Por um sombreado caminho adentram à mata até um local mais limpo onde duas velas acesas, lembram os dois anos do brutal assassinato. Naquele local, às 6hs30 do dia 18 de novembro de 2011, tombava Nísio Gomes, vítima de balas assassinas de pistoleiros. Para celebrar essa data, o Conselho da Aty Guasu e representantes das comunidades que retornaram às suas terras tradicionais, se reuniram em Guaiviry para avaliar as diversas situações de luta pela terra, aprofundar a união entre as comunidades, traçar as estratégias para a garantia de seus direitos, cobrar justiça prendendo os assassinos para que a impunidade não continue reinando neste estado. Seus inimigos declararam guerra. Será necessário muita reza e a força que vem dos deuses e dos ancestrais. Precisam mais do que nunca da solidariedade e apoio dos amigos e aliados em todo o mundo.

     

    Yvy Katu e o fantasma do despejo

     

    Quando vejo o “Intimem-se, cumpra-se”, imediatamente vem à mente as imagens da violência do Estado. Batalhões de homens fortemente armados, com escudos, cães, cavalos e artefatos antimotim. Do outro lado, descalços seres humanos armados com seus instrumentos de reza e sobrevivência, mbarakás, takuaras rituais, arcos e flechas e tacapes. Helicópteros fazendo voos rasantes. As crianças choram, os guerreiros sentem-se humilhados e agredidos pela prepotência, enquanto os Nhanderu e Nhandesi seguem irredutíveis em suas rezas por justiça e respeito a seus direitos a seu pedaço de chão. Imagens revoltantes, daquela manhã do dia 15 de dezembro de 2005 na terra indígena Nhahderu Marangatu. O Conselho da Aty Guasu espera que cenas semelhantes não mais se repitam. Estão solidários com seus parentes da Yvy Katu, com os quais estarão diante de mais essa ameaça.

     

    Hoje, dia 20, se esgota o prazo. Os Kaiowá Guarani esperam uma decisão da Justiça Federal, 3ª Região, que confirme o direito inquestionável dessa terra já demarcada. Esperam que não se perpetre mais essa vergonhosa violência contra esse povo.

     

    Daqui uns dias estarão celebrando os 30 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’i. Em memória dele e de todos os que tombaram na luta pela terra Guarani nessas últimas três décadas, esperam que o governo cumpra sua obrigação de demarcar e garantir as terras com a máxima urgência.

     

    Impunidade e omissão

     

    Mais uma vez cobraram energicamente ação urgente do governo federal e da justiça. Há quatro anos o professor Rolindo Vera foi assassinado e seu corpo continua desaparecido. Os familiares angustiados exigem providências. As lideranças denunciaram que um fazendeiro da região voltou a trancar o portão de acesso ao acampamento, com cadeado, descumprindo decisão da justiça.

     

    Manifestaram sua revolta pela omissão do governo na publicação dos relatórios e demarcação das terras favorecendo a guerra contra eles.

     

    Chatalin, após ocupar um pequeno espaço próximo à terra indígena Dourados e do acampamento Nhu Verá, afirmou: “Não queremos guerra, queremos apenas a nossa terra para plantar e viver. Estávamos em um acampamento pequeno e passando fome. E daqui não vamos sair mais” (Diário MS, 19/11/13).

     

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  • 19/11/2013

    Indígenas retomam fazenda em área ‘subtraída’ da Reserva de Dourados

    Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)


    Indígenas Guarani Kaiowá retomaram mais uma fazenda que incide sobre o tekoha ("o lugar onde se é") Nhu Vera, em Dourados (MS), nesta segunda-feira, 19. Reivindicado por um grupo de 180 famílias da Reserva Indígena de Dourados, a Fazenda Curral de Arame 2 é parte de uma área que, segundo os Kaiowá, ficou de fora da titulação definitiva da área da reserva, demarcada em 1917.

    A àrea, contígua à Reserva Indígena de Dourados, é ladeada por plantações de soja e eucalipto, além de ser cortada pela rodovia MS-162. Em maio de 2011, os indígenas retomaram 26 hectares de seu território tradicional, onde incidia a Fazenda Curral de Arame.

    No mesmo ano, os proprietários, Achilles e Lenita Decian, ajuizaram ação possessória na Justiça Federal. No dia 16 de outubro de 2012, o juíz José Luiz Paludetto deferiu o pedido de liminar dos dois fazendeiros e expediu mandado de desocupação e reintegração de posse da área.

    O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) conseguiram a suspensão da ordem de reintegração por 120 dias, até que fosse realizada perícia topográfica e antropológica, que determinaria se a área pertence ou não à Reserva Indígena de Dourados.

    O tekoha

    No tekoha Nhu Verá, desde 2011, as famílias vem plantando mandioca, abacaxi, banana, milho, manga, pokã. "Sem veneno. Tudo bonito. Gosto de deixar herança. Todo ano dá muita pokã. A gente não dá nem conta de comer", diz Shatalim. "Nós precisamos de espaço. Hoje já não é assim e por isso os índios brigam demais", referindo-se à vida de confinamento nas reservas indígenas.

    "Índio gosta o mato. Quando eu tenho que ir na cidade resolver alguma coisa, eu chego lá, me incomodo. Fico dez minutos e quero ir embora. Eu gosto é do mato. Fico o maior alegre quando tô no mato. Eu chamo tudo bicharada. Por isso quero ficar aqui", aponta.

    A cobra

    Shatalim e os Kaiowá tem certeza de que ficarão na terra, e conta a história da cobra para explicar o porquê. "Depois da retomada, uma cobra chegou na minha barraca. Uma jaracara amarela, grossa. De noitezinha. Eu tomando chimarrão e ela apareceu no fundo. Apontei o fogo e vi que era muito grande". Shatalim conta que matou a cobra a pancadas – e que isto significou não só eliminar a ameaça do animal peçonhento, mas também a vitória na reconquista da terra. "O sinal era muito brabo, muito feio. Depois, eu nunca mais vi cobra aqui depois, nem minhoca. A cobra representa que eu venci ele. Porque eu peguei ele. Se ela [a cobra] me pagasse, ele [o fazendeiro] ia me vencer. Se ela pegasse no meu pé, na minha mão, ele ia me vencer. Aí eu já ia saber que o fazendeiro ia me vencer. Mas como eu bati, eu matei eu venci dele". E termina: "aqui eles não entram. Minha reza é forte. Aqui quem manda é o maracá".

    A Reserva

    A Reserva Indígena de Dourados foi demarcada em 1917 com 3,6 mil hectares. Ao longo do tempo, sofreu um processo histórico de diminuição de sua área, sendo registrada em 1965 com 61 hectares a menos. O título definitivo de propriedade, expedido vinte anos depois, manteve a redução, e a área total ficou com 3,5 mil hectares – dos quais apenas 3,4 mil estão na posse efetiva dos indígenas. A Reserva abriga 13 mil indígenas Kaiowá, Guarani e Terena, e é considerada uma área de confinamento humano.

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  • 19/11/2013

    Fazendeiros invadem Funai e bloqueiam saída de funcionários e indígenas

    Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)


    Um grupo de 150 pessoas invadiu a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e bloqueou a saída de funcionários e indígenas na manhã desta terça-feira, 19, em Campo Grande (MS). Em nome de proprietários de fazendas que incidem sobre territórios indígenas, os manifestantes se posicionaram “contra" o órgão indigenista e contra a “invasão” de terras no estado do Mato Grosso do Sul. Algumas pessoas vestiam camisetas da Federação da Agricultura e Pecuária do MS (Famasul). Um Terena foi agredido durante a manifestação.

    Entre os participantes, os indígenas identificaram a presença dos fazendeiros Ricardo Bacha, ex-deputado e proprietário da fazenda onde Oziel Terena foi assassinado pela Polícia Federal, e Chico Maia, presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul). Pio Silva, dono de fazendas que incidem sobre a terra indígena Nhanderu Marangatu, também foi reconhecido pelos indígenas.

    “Os outros eram funcionários de fazenda, capatazes, arrendatários”, explica Dionedison Terena, que estava no local e filmou a invasão. "Agrediram a gente, queriam tomar nossos equipamentos de filmagem”, ele relata. “Foi muito tenso e estranho. A maioria nem sabia direito o que significavam as faixas que estavam segurando”.

    Agressão

    O protesto começou com o fechamento da rua Maracaju, no centro de Campo Grande, local da sede da Funai. Em seguida, os manifestantes invadiram a sede do órgão. “Uma mulher gritou: ‘vocês [Funai e indígenas] invadem as nossas terras, por que não podemos invadir a Funai também?’, e começou o empurra-empurra. Eles forçaram a entrada, me empurraram com força. Fiquei com um machucado na barriga”, expõe.

    “Eles gritavam e ameaçam os servidores da Funai e a gente, principalmente quem estava com câmera”, conta o indígena, que quase teve seu equipamento tomado pelos manifestantes. “Depois me ameaçaram de novo, quando eu estava dando uma entrevista para o SBT. Eu falava com o repórter, um homem ficou nervoso, me chamou de mentiroso e veio pra me acertar com uma garrafa. Os funcionários da Funai seguraram ele e o repórter teve que interromper a entrevista”, explica.

    Durante a invasão, trabalhadores da Funai e indígenas presentes não podiam sair da sede do órgão indigenista. “Eu não me atreveria a sair de lá”, conta um funcionário da Funai. Cerca de seis homens da Polícia Militar e um delegado da Polícia Federal estiveram no local, mas, segundo o relato, não se envolveram no conflito. Por volta de meio, os manifestantes deixaram o local.

    “Nova Suiá Missu”

    Diversas faixas do protesto comparavam o contexto fundiário do estado com o da fazenda Suiá Missu, que incidiam sobre o território dos Xavante de Maraiwatséde. Questionados por jornalistas, os manifestantes que empunhavam faixas como “Não queremos em MS uma nova Suiá Missu” não sabiam explicar o significado da frase.

    No início do mês, o vice-presidente da Acrissul, Jonatan Pereira Barbosa, anunciou publicamente durante uma audiência com senadores: "se no dia 30 de novembro nada for feito para dar segurança e paz à região, haverá derramamento de sangue”. Na sequência, fazendeiros declararam que realizarão o “Leilão da Resistência”, evento onde serão vendidos animais e cujos recursos serão destinados a ações de combate às ocupações de terras por indígenas no estado.


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  • 19/11/2013

    Movimentos ocupam área explorada pela Veracel em Mascote (BA)

    A partir da opção do governo estadual de apoiar o agronegócio em detrimento da luta dos camponeses e dos povos tradicionais do sul, extremo sul e sudoeste da Bahia e cansados da falta de ação das autoridades para reverter o atual quadro de violência e perseguição que vêm sofrendo as lideranças e pelo processo de judicialização das lutas, os movimentos sociais do campo em conjunto com os povos indígenas realizaram no último dia 17 de novembro, a ocupação da Fazenda Conjunto Santa Helena, com cerca de 1.300 hectares, no distrito de Teixeira do Progresso, município de Mascote.

     

    Cerca de 200 famílias ocuparam a área, que a empresa Veracel vem explorando com o plantio extensivo de eucalipto. O plantio tem causado a destruição das nascentes e da biodiversidade desta região, mortes de animais e, o pior de tudo, a expulsão de famílias camponesas, o que, consequentemente, causa o desabastecimento de alimentos saudáveis para as cidades. Apesar de todos estes crimes a empresa Veracel conta com todo o apoio do governo do estado. Não é à toa que a mesma foi uma das maiores financiadoras da campanha eleitoral do atual governo.

     

    Os movimentos sociais do campo e as entidades que apoiam a legitima ação de ocupação apresentam suas reivindicações pautadas no Manifesto “Terra para quem vive, trabalha e cuida dela!”.

     

    Leia o manifesto na íntegra abaixo:

     

    TERRA PARA QUEM VIVE, TRABALHA E CUIDA DELA!

     

    Nós, movimentos de luta pela terra, povos e comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas) do sul e sudoeste baiano, sociedade civil organizada do campo e da cidade, juntamente com diversas entidades de apoio, denunciamos:

     

    – A entrega das terras para os fazendeiros e o agronegócio (plantação de eucalipto, soja, pecuária, mineradoras, etc), que expulsa as famílias e destrói a natureza;

     

    – A apropriação ilegal das terras públicas (grilagem) pelas empresas do agronegócio, que invadem estas terras com o aval do Estado;

     

    – A paralisação da reforma agrária e da demarcação dos territórios tradicionais;

     

    – O sucateamento dos órgãos responsáveis por estes processos (Incra, Funai e CDA);

     

    – A lentidão do poder Judiciário para as emissões de posse em favor dos povos do campo e tradicionais;

     

    – A criminalização dos que lutam por terra, território e igualdade social.

     

    Somos responsáveis pela produção de 70% dos alimentos consumidos no Brasil.

     

    A cada 180 hectares de eucalipto apenas uma pessoa é empregada. Em 20 hectares da agricultura familiar trabalham cinco pessoas.

     

    Estamos mobilizados e convocamos a sociedade a nos apoiar para exigirmos:

     

    – Discriminação das terras públicas no estado da Bahia;

     

     – Desapropriação das terras improdutivas;

     

     – Regularização dos territórios indígenas e reforma agrária já.

     

    MLT, Ceta, FTL, Povo Tupinambá, Jupará, MST, Resex Canavieiras, Quilombolas, Efa-Ilhéus

     

    Apóiam: CEPEDES , CPT, OCA, CIMI, AATR, ARES, FÓRUM DE ARTICULAÇÃO

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  • 18/11/2013

    “Querem a cabeça dele como troféu”

    Ruy Sposati, de Nioaque (MS)
    Da Assembleia Terena
     

    Entre os casos de ameaças e ataques relatados por lideranças durante a 4a. Assembleia Terena, o mais sério, hoje, é o da retomada da terra indígena Pillad Rebuá, no município de Miranda. Em Pillad, 2,2 mil indígenas vivem confinados em 94 hectares, divididos em duas aldeias: Moreira e Passarinho. O território teve o primeiro registro de reconhecimento pelo Estado em 1904. Um processo de demarcação teve início em 1950, mas não seguiu.


    Em 9 de outubro, a comunidade da aldeia Moreira retomou uma das propriedades que incidem sobre o território reivindicado – a fazenda Trator Mil. Acampados no local desde então, os indígenas sofreram quase uma dezena de ataques a tiros e invasões atribuídos a fazendeiros da região.

    Durante a assembleia, representantes da retomada relataram ameaças de morte que uma das lideranças da comunidade, Paulino Terena, tem sofrido. Em depoimento entregue por escrito ao Conselho, os indígenas relatam que "[fazendeiros] querem a cabeça dele como troféu".

    Segundo o documento, um ex-empregado de uma fazenda que incide sobre o território reivindicado pagaria dinheiro a dois jovens indígenas "para passarem informação de tudo que está sendo articulado naquele lugar", e que estes jovens teriam levado um "recado" de fazendeiros para Paulino: "ele quer tirar a sua cabeça fora".

    Os indígenas desconfiam que possa haver armamento ilegal, drogas ou dinheiro ilícito em algum lugar da fazenda, o que explicaria os ataques e ameaças. "Em uma dessas casas [dentro da fazenda], cogita-se que há existência de armas poderosas e de um cofre. Neste mesmo local há um depósito de óleo diesel clandestino", escreveram os Terena no depoimento. A casa não foi aberta e os indígenas convocam a Polícia Federal e o MPF a averiguarem o local.

    Paulino confirma as ameaças, e afirma ter receio de ir ao perímetro urbano de Miranda. "Eles querem um pedaço de mim", expõe. "Já ouvi que querem cortar meu cabelo, cortar minha orelha. Eu ouvi de um proprietário de um supermercado local: ‘se [a liderança] pisar dentro de Miranda, tem bala contada pra ele’. Já recebi duas vezes ligação no meu celular dizendo: ‘Paulino, vai chegar o dia D’".

    Trator incendiado

    No último dia 12, fazendeiros expulsaram a tiros um grupo de famílias que havia retomado outra fazenda que também incide sobre a área reivindicada como terra indígena Pillad Rebuá. Um trator pertencente à comunidade também foi incendiado pelos ruralistas, acusam os indígenas.

    Uma liderança que estava próxima ao local do conflito expõe a tensão. "Eu ouvi o grito do fazendeiro, dizendo: ‘vou colocar fogo nessa merda aqui!’ Eu não sabia onde ele ia colocar fogo. Quando olhei, era a fumaça no trator", explica. "Eles também dispararam as armas. Eles atiraram na gente. A gente não quer confronto, então a gente recuou, a gente voltou [para a aldeia Passarinho]".

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  • 18/11/2013

    Vivência nas retomadas combate cultura de assimilação imposta pelo Estado

    Ruy Sposati, de Nioaque (MS)

    Da Assembleia Terena

    “Para uma criança, um dia numa retomada vale mais do que um ano de aula”. A frase é do indígena Lindomar Terena, liderança da retomada Charqueado, em Miranda (MS), onde vive com sua esposa e seus três filhos de 2, 3 e 5 anos de idade.

    Por falta de espaço, as reservas indígenas tornaram-se grandes bairros semi-urbanizados periféricos às cidades. Muitas vezes sem acesso a florestas, rios e áreas de cultivo, as novas gerações Terena vem perdendo o elo com a natureza e suas tradições. “Tem criança que já não sabe nadar, não sabe andar no mato, não sabe plantar”, explica Pedro Lulu, liderança da retomada Esperança, na terra indígena Taunay/Ipegue, no municíoio de Aquidauana (MS). “A retomada muda isso. Na retomada a gente reencontra nossa tradição".

    Veja a galeria de fotos da Assembleia Terena

    A escola da Terra Indígena Buruti foi transferida para dentro da área da retomada. “Era bonito ver as crianças lá batendo a taquara, botando a palha pra fazer a escola”, conta o professor Alberto Terena, da retomada Buriti, onde foi assassinado Oziel Terena. "Lá, as crianças vêem os guerreiros pintados, vêem o lado do índio que nas reservas muitas vezes desparece".

    Ao longo da primeira metade do século vinte, milhares de indígenas foram expulsos de seus territórios originários para dar lugar ao loteamento e colonização da região através de uma política do Estado, que abria a região para o capital privado. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antigo órgão indigenista do governo, criou então as reservas indígenas – territórios demarcados pelo Estado ao longo da primeira metade do século vinte para acolher os indígenas expropriados. Com o crescimento populacional, as reservas tendem a se tornar espaços de confinamento, onde os indígenas são impelidos a trabalhar fora de seus territórios, e a produção e reprodução da vida torna-se quase impossível.

    "A retomada traz muito ânimo pra luta. Com a retomada voltamos às nossas origens, ao ‘índio natural’,  vivenciando o que nossos antepassados passaram”, conta Estevinho, também de Taunay/Ipegue. "A retomada é uma aprendizagem, ensina a resgatar a cultura".


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  • 18/11/2013

    Assembleia Terena: “a tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul”

    Ruy Sposati, de Nioaque (MS)

    Da Assembleia Terena

    Cerca de 300 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul se reuniram na na terra indígena Nioaque (MS), região do Pantanal, para participar da 4a. Grande Assembleia do Povo Terena – Hánaiti Ho’Únevo Têrenoe. O encontro aconteceu na aldeia Brejão, entre os dias 13 e 16 de novembro, e contou com a participação de lideranças, caciques, professores, jovens e mulheres Terena, Kinikinau, Guarani, Kaiowá e Atikum de todo o estado. Este foi o primeiro encontro dos indígenas desde o assassinato de Oziel Terena pela Polícia Federal na tentativa de reintegração de posse terra indígena Buriti, em junho deste ano.

    Veja a galeria de fotos da Assembleia Terena

    A assembleia criticou severamente a ineficácia do Estado em demarcar terras indígenas. Após a morte de Oziel, foi criada pelo governo federal uma mesa de negociações entre indígenas, fazendeiros e governo estadual, na tentativa de encontrar soluções para a demarcação dos territórios. No entanto, após diversos prazos estipulados pelo próprio governo, "não há nada de concreto a ser apresentado aos povos indígenas do MS", afirma o documento final do Assembleia.


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    Jogo duplo

    Os indígenas também denunciaram o jogo duplo dos fazendeiros nas mesas de discussão propostas pelo governo. "É público e notório a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado", afirma a carta final, que denunciou a realização dos “leilões da resistência", anunciados pelos produtores rurais, "que tem por objetivo financiar milícias armadas", segundo os indígenas. Diversos casos de ataques, intimidações e ameaças que os Terena vem sofrendo foram relatados ao longo do encontro.



    "Os mesmos ruralistas que sentam à mesa conosco estão articulando no congresso nacional e governo federal manobras para arrancar nossos direitos conquistados", pontuaram. Nesse sentido, os indígenas defenderam a revogação definitiva da Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), e posicionaram-se contra as rodadas de discussão com governo sobre a regulamentação da Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho (OIT). "Não discutiremos com o governo federal a regulamentação da Convenção 169 enquanto a Portaria 303 da AGU não for revogada", declararam os indígenas.


    Leia a íntegra do documento final da 4a. Assembleia Terena:



    HÁNAITI HO’ÚNEVO TÊRENOE

    GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA

    Conselho Terena

    Aldeia Brejão

    Terra Indígena Nioaque/MS

    13 a 16 de novembro de 2013


    O povo Terena se reúne pela primeira vez após a tragédia ocorrida em Buriti e presta sua homenagem ao guerreiro Oziel Gabriel, vítima da omissão do Estado brasileiro e morto pela bala da polícia federal, a quem cabia a segurança de nossas comunidades.

    Nós povo Terena, reunidos na Aldeia Brejão, Terra Indígena Nioaque, município de Nioaque, entre os dias 13 a 16 de novembro de 2013, juntamente com representantes do Povo Kinikinau, Povo Atikum e Povo Guarani Kaiowá e demais lideranças presentes, decidimos:

    Política Geral

    A tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul!

    É público e notório a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado. Repudiamos os chamados “leilões da resistência” anunciados pelos produtores rurais que tem por objetivo financiar milícias armadas. Denunciamos esse projeto criminoso que sempre existiu neste estado!

    O governo federal instalou em Mato Grosso do Sul uma mesa de diálogo na tentativa de resolver a demarcação de nossos territórios. No entanto, após vários prazos estipulados pelo próprio ministro não há nada de concreto a ser apresentado aos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul. Os mesmos ruralistas que sentam à mesa conosco estão articulando no Congresso Nacional e Governo Federal manobras para arrancar nossos direitos conquistados.

    Não iremos mais sentar à mesa enquanto não houver proposta concreta! Não negociaremos nossos direitos!

    • Exigimos a revogação da Portaria n. 303 da AGU! O Supremo Tribunal Federal já decidiu que as condicionantes impostas no julgamento de Raposa Serra do Sol não são vinculantes, portanto, não devem ser aplicadas em MS.

    • Não discutiremos com o governo federal a regulamentação da Convenção 169 da OIT enquanto a Portaria 303 da AGU não for revogada.

    • Repudiamos a atitude da bancada federal de Mato Grosso do Sul diante da indicação política para ocupar cargo do DSEI/MS, sem consultar as lideranças indígenas.  


    Território

    • A terra é nossa mãe, por isso não negociaremos. Repudiamos a mesa de diálogo imposto pelo governo federal! Exigimos que o Estado brasileiro cumpra a Constituição Federal e demarque os nossos territórios tradicionais.

    • A Terra Indígena Buriti pertence ao povo terena! Exigimos a demarcação definitiva e a resolução imediata do conflito fundiário.

    • Exigimos a pu portaria declaratória da Terra Indígena Taunay/Ipegue.

    • Repudiamos a manobra do estado de Mato Grosso do Sul que tem sistematicamente ingressado nas ações possessórias de demarcação, travando os processos no STF.

    • Exigimos a conclusão da demarcação da Terra Indígena Cachoeirinha e Limão Verde.

    • Exigimos conclusão dos estudos complementares da Terra Indígena Lalima e Pilad Rebuá.

    • Exigimos que a FUNAI inclua a Terra Indígena Nioaque no cronograma de prioridades e inicie o estudo de identificação e delimitação.

    Educação

    • Assim como temos feito a respeito de nosso território, também retomaremos nossa educação própria, específica, diferenciada e multilíngüe. Nossas escolas não podem ser cabides de emprego. Nossas escolas, professores e alunos estarão juntos com nossas lideranças nas retomadas, pois acreditamos que sem nossos territórios não há que se falar em educação escolar indígena.

    • Nós iremos tomar frente das normas em nossas escolas. Não aceitaremos mais as imposições das secretarias municipais. Que as prefeituras municipais respeitem as decisões tomadas pelas lideranças quanto as lotação de professores e dos gestores da educação escolar indígena.

    • Queremos a eleição direta dos diretores da escola municipais e estaduais das escolas indígenas. Exigimos que concursos para professores indígenas sejam de fato diferenciado e especifico. Também exigimos que todas as medidas tomadas pelas lideranças no campo da educação escolar indígena sejam respeitadas pelos órgãos públicos.

    Encaminhamentos

    • Exigimos que a FUNAI publique portaria constituindo grupo de trabalho para fins a identificação e delimitação da Terra Indígena Nioaque, Município de Nioaque, Mato Grosso do Sul;

    • Exigimos que a FUNAI publique portaria constituindo grupo de trabalho para fins a identificação e delimitação do território do Povo Kinikinau, Mato Grosso do Sul;

    • Exigimos que a Presidência da FUNAI publique portaria regulamentando emissão documentos administrativo para indígenas;

    • Exigimos que o Ministério Público Federal e o Ministério dos Direitos Humanos incluam nossas lideranças que estão na luta pela terra no programa de segurança de direitos humanos;

    • Exigimos que a SESAI preste atendimento de qualidade às comunidades que estão acampadas em área de litígio, em especial saneamento básico;

    • Foram escolhidos os membros para APIB;

    • Foram escolhidos os membros da Comissão da Juventude Terena;

    • Foram escolhidos os membros da Comissão das Mulheres Terena;

    • Foram escolhidos os membros da Comissão da Saúde indígena;

    • O conselho Terena se propõe a dialogar com a FUNAI, no sentido de apoiar o povo Kinikinau a lutarem por seu território;   

    • O Conselho Terena indica Fernando de Souza para ocupar o Cargo de Coordenador do DSEI – MS.

    • O Conselho do Povo Terena em conjunto com o Conselho Aty Guasu indicou nome de liderança indígena para serem lançados ao pleito de deputado estadual e federal em 2014;

    • Fica encaminhado para criação do conselho da assembléia Terena, nos dias 08 a 10 de dezembro em Campo Grande – MS.

    • Fica encaminhando que o III Encontro da Juventude Terena (Hánaiti Ho’únevo Inámati Xanéhiko Têrenoe) será realizado na Comunidade Esperança em setembro de 2014;

    • Fica encaminhado que o I Encontro das Mulheres Terena (Hánaiti Ho’únevo Senóhiko Têrenoe) será realizado na Comunidade Esperança nos dias 28 e 29 de novembro de 2013.

    • Fica encaminhado que a 5º Assembleia do Povo Terena (Hánaiti Ho’únevo Têrenoe) será realizada na Aldeia Babaçu, Terra Indígena Cachoeirinha, em maio de 2014.

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  • 17/11/2013

    Conjuntura: ataques aos direitos indígenas seguem, mas não sem resistência

    Cleber César Buzatto
    Secretário Executivo do Cimi

    Setores político-econômicos anti-indígenas continuam buscando, a todo o momento e a todo o custo, desconstruir os direitos historicamente conquistados pelos povos originários. Os indígenas, por sua vez, intensificaram a reação frente ao ataque sofrido e vêm construindo um processo de luta em defesa e pela efetivação de seus direitos e projetos de vida de maneira altiva, permanente e radical.

    Em todas as regiões do Brasil e no chamado “centro do poder”, em Brasília, muitas têm sido as manifestações protagonizadas pelos povos. Por meio de retomadas, auto-demarcações, bloqueios de rodovias e ferrovias, ocupações de espaços públicos, inclusive do Plenário da Câmara Federal e do Palácio do Planalto, presença assídua em gabinetes de parlamentares, órgãos públicos, visitas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras iniciativas, os indígenas chamam a atenção e denunciam, às autoridades e à sociedade em geral, o ataque que estão sofrendo por forças econômicas, especialmente vinculadas ao velho latifúndio brasileiro.

    Todo este movimento elevou a questão indígena ao patamar de uma das pautas políticas centrais em debate no Brasil. O tema é tratado cotidianamente, de maneira intensa, apaixonada podemos dizer, em diferentes instâncias dos três poderes do Estado brasileiro.

    A temática indígena ganhou repercussão e visibilidade nacional e internacional. Jornais, televisões, rádios, sítios eletrônicos, blogs e redes sociais têm dado cobertura aos conflitos e às situações diversas envolvendo os povos indígenas em âmbito nacional e regional.

    Caso baseássemos nossas análises em “aparências”, poderíamos dizer que a situação política relativa aos direitos indígenas já passou por momento mais desfavorável daquele que se vive atualmente. No entanto, conhecendo o inimigo comum e o potencial político e financeiro que o mesmo detém, entendemos que os povos indígenas não podem cair no equívoco de imaginar que a disputa está ganha ou mesmo facilitada.

    Ao contrário, tudo indica que os enfrentamentos apenas começaram. Nessas primeiras batalhas, ao longo destes dois últimos anos, temos o sentimento de que os povos ganharam terreno. Embora possam continuar insistindo com a tramitação da PEC 215/00 no congresso Nacional, os próprios ruralistas estão cientes de que dificilmente encontrarão terreno para sua aprovação e aplicabilidade. As chances do texto ser considerado ‘inconstitucional’ pelo STF são bem significativas.

    Na nossa avaliação, no entanto, os povos não afastaram os riscos de reveses e retrocessos contra seus direitos. Neste contexto, ganha espaço e aumentam as possibilidades do ataque aos direitos indígenas, no próximo período, ser efetivado, de forma especial, por meio da regulamentação do parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição. Ao menos quatro Projetos de Lei Complementar (PLP) tramitam nessa direção, sendo o PLP 227/12 um deles.

    Com alto potencial de imposição de limites ao direito de posse e usufruto exclusivo das terras por parte dos povos indígenas, esta iniciativa parlamentar articula interesses econômicos que vão muito além daqueles almejados estritamente pela bancada ruralista, envolvendo setores ligados à indústria da mineração, às empreiteiras, às empresas de energia, às Forças Armadas e o próprio governo, interessado em acelerar o seu modelo de “crescimento” econômico, consignado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A regulamentação da mineração em terras indígenas, por meio do PL 1610/96, ganha musculatura nessa mesma toada.

    O resultado do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou válidas as 19 condicionantes para o caso julgado, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas que descartou a existência de “efeito vinculante” das mesmas em relação às demais terras indígenas do país, oferece forte argumento político e jurídico para o movimento indígena exigir, do Poder Executivo, a revogação da Portaria 303/12, da Advocacia Geral da União (AGU).

    Concomitante, as declarações e iniciativas açodadas do ministro Luiz Inácio Adams (da AGU), durante e logo após o referido julgamento, na perspectiva de validar a portaria, impõe ao movimento indígena a urgente tarefa de promover mobilizações e lutas contra a medida. Do contrário, corre-se grande e iminente risco do Poder Executivo estabelecer, de fato, o efeito vinculante negado, de direito, pelo Poder Judiciário em relação às ditas condicionantes.

    Este embate, ao mesmo tempo, deve dar-se na perspectiva de afastar os riscos em torno da repetidamente anunciada mudança no rito de demarcação de terras indígenas, bem como, a fim de que o Poder Executivo retome as demarcações paralisadas em âmbito nacional.

    O governo federal, por meio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem apostado todas as fichas nas denominadas “mesas de negociações”, onde busca aplacar os conflitos e ganhar tempo sem tomar as decisões que lhe são cobradas pelos povos indígenas. Como é evidente, esta é mais uma decisão politicamente equivocada do governo brasileiro, que não resolve os problemas e, ao empurrá-los “com a barriga”, fortalece as possibilidades de ocorrência e agravamento dos ataques e das violências contra os povos.

    Na esteira disso tudo, o governo, especialmente por meio de agentes da Secretaria Especial da Presidência da República, continua atuando na perspectiva de dividir povos e lideranças indígenas a fim de facilitar a implementação das obras de infraestrutura e geração de energia de interesse do capital sobre terras indígenas. O caso das hidrelétricas de Belo Monte e do Complexo do Tapajós seguem sendo emblemáticos neste sentido.

    O abandono na área da atenção à saúde indígena segue vitimando inúmeros indígenas país afora, especialmente crianças menores de cinco anos, cujo número de óbitos mostra-se assustador e revoltante.

    O contexto político no Brasil continua extremamente adverso aos povos indígenas. As mobilizações dos povos seguem como um imperativo na defesa de suas vidas e pela efetivação de seus direitos constitucionalmente previstos.

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  • 16/11/2013

    Comunidade Guarani Mbya reocupa terra tradicional no RS

    O dia de quinta-feira, 14 de novembro, nasceu diferente para grande parte dos Guarani Mbya, que há décadas estão acampados em uma pequena faixa de domínio da BR-290, km 299, no território do Irapuá, localizado entre os municípios de Caçapava do Sul e Cachoeira do Sul no Estado do RS.

     

    O som incessante da “cachoeira de carros”, que cruza dia e noite a BR-290 em uma das extremidades do acampamento e que impossibilita os Guarani de terem noção do que significa a palavra “silêncio”, foi substituído pelo belo barulho das águas correntes do rio Irapuá e pelos cantos e revoadas dos pássaros que partiam e chegavam de cima das árvores. Em sequência a este despertar, o som que pode se ouvir nestas novas manhãs foi o das crianças que, não mais presos entre a rodovia e a cerca de uma propriedade privada, correram livres pelo campo e pelos vales sendo acompanhados e educados pelos velhos e velhas da comunidade. Segundo o cacique Silvino Benites, que caminha por esta área específica desde o ano de 1970, “dava até para ouvir o som de um sorriso”. 

     

    Os Guarani do Irapuá, mais uma vez cansados da esperar a decisão dos órgãos responsáveis, voltaram a erguer algumas casas improvisadas constituindo um novo núcleo de aldeia no coração desta área que jamais deixaram de ocupar. Desta forma decidiram reocupar em caráter permanente a sua terra, inclusive demarcada pela FUNAI, com mais de 30 anos de estudo e que indiscutivelmente é de ocupação imemorial. Em julho deste ano, os indígenas construíram pequenos barracos de lona em partes da terra demarcada que foram criminosamente incendiados.

     

    Não se trata de uma grande extensão de terra, mas sim de um pequeno recorte de 222 hectares que se estende ao longo de uma faixa de mata nativa próxima do rio Irapuá. Sobre a área não existem propriedades nem benfeitorias, e até o episódio da queima dos barracos não havia sequer lavouras ou áreas de agricultura no espaço delimitado aos indígenas. Hoje, cientes da discussão acerca de possíveis indenizações em caso de ocupação indígena, lamentavelmente os proprietários do entorno passaram a avançar com plantações sobre a já pequena área Guarani.  

     

    Neste contexto, os Guarani receberam o procurador Pedro Sacco, do Ministério Público Federal de Cachoeira do Sul, em seu precário acampamento, não para tratarem de conflitos envolvendo terras indígenas ocupadas por agricultores ou fazendeiros, como desenhado em outras regiões do estado, mas para cobrarem empenho do procurador no sentido de ajudar a combater as propostas desviantes do estado do Rio Grande do Sul e das prefeituras locais e sobretudo a negligência da FUNAI e as práticas inconstitucionais do Ministério da Justiça que vem se negando a concluir o procedimento de demarcação e regularização de uma área  desocupada e já demarcada. A postura omissa da Funai e a negligência do ministro da Justiça acabam por manter os Guarani sob condições desumanas de vida e a incitar o preconceito e outras formas de violência dos moradores do entorno contra a comunidade indígena.

     

    Nas palavras do representante do MPF, ficou clara a preocupação com a não demarcação do território por motivos advindos do cenário político atual, onde existe grande pressão pela paralisação dos processos demarcatórios, e que essa realidade tende a se intensificar com a proximidade do período eleitoral. Porém, o procurador garantiu aos indígenas que não se omitirá de suas atribuições e buscará de todas as maneiras possíveis medidas que visem o cumprimento dos direitos constitucionais do povo Guarani.

     

    O procurador Pedro Sacco, ao ser questionado pela comunidade indígena sobre o resultado e ou respostas ao documento enviado por ele, no dia 04 de julho, ao Ministério da Justiça, oportunidade em que descreveu ao ministro José Eduardo Cardozo a situação do território em questão e cobrou do mesmo a continuidade do processo demarcatório, o procurador referiu que até agora a resposta foi o silêncio. Coube aos representantes Guarani lamentarem o fato de tudo depender de uma assinatura de Cardozo e do fato de que esta assinatura poderia dar fim a um processo de décadas de sofrimento.

     

    Os Guarani foram firmes em sua decisão de continuar a reocupar a área que denominam de Taquaí ty e anunciaram ao procurador que irão de forma definitiva constituir sobre este território sua nova aldeia. Rechaçaram tentativas de ofertas de pequenas área por parte do estado, que segundo a comunidade serve apenas para tirar o foco dos indígenas da terra que de fato os pertence imemorialmente.

     

    Sobre as políticas de moradia ofertadas pela FUNAI, e em relação à saúde e educação que têm sido improvisadas pelo Estado e município, os Guarani agradeceram o empenho do Ministério Público lembraram: “Podemos ter tudo aqui em cima (na beira da estrada) que não teremos ainda assim quase nada, nossa saúde está naquela terra, nossa educação está naquela terra, queremos nossa moradia lá, queremos que nos crianças cresçam e morem lá”.

     

    Os líderes indígenas manifestaram, ao final da conversa com o procurador da República, preocupação com a segurança, em especial das crianças e dos mais velhos uma vez que já sofreram muita pressão e ameaças dos moradores na última vez que construíram seus barracos sobre a área. Solicitaram ao MPF que acione a FUNAI e as instâncias necessárias para que garantam proteção e fiscalização na área e que responsabilize o Ministro da Justiça por qualquer dano pela vida ou integridade dos membros da comunidade.    

     

    Sobre a terra de Irapuá não há edificações, moradores e nem moradias, portanto a terra é nua, por isso não se justifica a demora na conclusão da demarcação. Não dá para entender o porquê que um procedimento demarcatório, de uma pequena porção de terras de apenas 222 hectares, esteja há décadas paralisado no Ministério da Justiça.

     

    Os Guarani sugerem que o Procurador da República interpele judicialmente o ministro José Eduardo Cardozo por omissão, negligência e por submeter a comunidade a situação de vulnerabilidade.

     

    Lamentavelmente este é mais um dos casos, em nosso país, em que um povo e suas comunidades tenham que ficar à margem e submetidos a todo tipo de violências e desrespeito as seus direitos humanos em função de interesses políticos e econômicos.

     

    Santa Maria, RS, 17 de novembro de 2013.

     

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