• 16/01/2014

    Os Tenharim, a ditadura e seus interesses na região

    Diante das novas agressões que o povo Tenharim vem sofrendo no seu habitat ao sul do Amazonas, trago a público trechos de documentos que guardo na Casa da Cultura do Urubuí, ou seja, cartas de agentes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de 1981, onde estes já denunciavam os interesses que comandam as agressões contra esse povo. Interesses não muito diferentes dos de hoje.

     

    Veja este relato de 1981, de Exequias Heringer, vulgo Xará, e Ana Lange, ambos então agentes do Cimi atuantes naquela região do Rio Madeira: “O grupo Paranapanema tem duas minerações de cassiterita na região: Igarapé Preto e São Francisco. Estivemos na primeira, onde obtivemos informações com a equipe de engenheiros local. Lá, a mineração se estabeleceu em cima da aldeia indígena (Tenharim), que teve de se transferir para uma área anexa. Não recebem qualquer tipo de assistência e se encontravam num triste quadro de catapora. Outros Tenharim estão dentro da reserva a ser demarcada, mas estes declaram que não irão para dentro da reserva apesar dos insistentes convites da Funai. Em represália, os funcionários da Funai transferem a responsabilidade de assistência para a mineração, que declara que os assiste, mas nada faz neste sentido. Hoje são apenas 22 índios. Daqui a dois anos acabará o minério e a Paranapanema implantará um projeto agro-pecuário, aproveitando a infra-estrutura instalada. Enquanto isso os índios são aproveitados para serviços de limpeza, de carregamento, de caça. Nenhum dos engenheiros conhece a aldeia atual dos índios, e um deles chegou mesmo a declarar que trata-se de um grupo Karitiana, mostrando muito bem o que é o estilo Paranapanema em relação aos índios.”

     

    Relato de agosto do mesmo ano de 1981, assinado pelo Coordenador do Cimi Norte I, Ricardo Parente, confirma as informações acima: “…dados que pudemos recolher durante a nossa viagem na rodovia Transamazônica, trecho de Humaitá até a mineração de estanho pertencente à famosa Paranapanema, empresa nacional que conta com forte apoio dos meios militares. Quando chegamos na mineração, localizada no igarapé Preto, área usurpada dos Tenharim, o pessoal da firma nos disse que dias antes o supremo patrão da Paranapanema estivera no local com alguns generais especialmente convidados e amigos do maioral da empresa. O objetivo de tão inesperada visita era o seguinte: o chefão queria mostrar aos generais como funciona a mineração a fim de conseguir a aprovação militar para a exploração das ricas jazidas de estanho que estão em Ipitinga (Pitinga). A maior parte dessa jazida está em território dos Waimiri-Atroari. Informaram-nos que a empresa também está em contato com o Cel. Nobre da Veiga, presidente da Funai, a respeito do assunto. Sabe-se que em Ipitinga há uma das maiores concentrações de estanho que, segundo os cálculos dos engenheiros, durará cerca de 15 anos para ser esgotado. Eles pretendem construir uma pequena hidrelétrica própria para abastecer de energia o projeto e construir casas de alvenaria. Esses dados são muito preocupantes… se prenunciam muito desfavoráveis aos povos indígenas Waimiri-Atroari.”

     

    E o relatório de Xará e Ana Lange nos fornece ainda outros dados preocupantes sobre os interesses da Paranapanema: “Atualmente tem as seguintes minerações: Novo Planeta, no norte de Mato Grosso; Bacajás, no Pará; Maçanã (Massangana?), em Rondônia, além das duas citadas. No ano que vem implantará mais duas, sendo uma a chamada Ipitinga, que estará em sua maior parte dentro do território Waimiri-Atroari. Os engenheiros de minas que trabalharão em Ipitinga estão sendo treinados no Igarapé Preto e eles conhecem as dificuldades que a Paranapanema está encontrando para invadir a área indígena. Recentemente o dono da Paranapanema, Otávio Lacombe, recepcionou um grupo de generais no Igarapé Preto, para convencê-los dos bons serviços que Ipitinga poderá prestar ao Brasil. Os engenheiros estavam exultantes com a impressão que os generais tiveram.”

    E o relatório conclui: “A Paranapanema utiliza tecnologia importada dos EE.UU. e consultores americanos, canadenses e malasianos.”

     

    Como se pode ver, é preciso que se faça uma investigação da ação nefasta da Ditadura Militar sobre mais esse povo indígena do Amazonas, com a construção da Rodovia Transamazônica e a instalação de seus projetos de interesse saqueador. Num momento em que mais um crime de morte foi cometido contra um líder indígena, o cacique Tenharim e com mais ameaças em curso, se investigue e se punam os mandantes e as empresas que participaram e continuam participando desses crimes de ontem e de hoje.

     

    A questão Tenharim é uma questão de lesa humanidade que deve merecer providências do Ministério Público Federal, da Comissão Nacional da Verdade e da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. É uma questão de justiça.

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  • 16/01/2014

    MPF pede que União e Funai paguem indenização de R$ 20 milhões aos Tenharim e Jiahui

    O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, na Justiça Federal para declarar a responsabilidade da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) por violações de direitos humanos dos povos indígenas Tenharim e Jiahui, em decorrência de danos permanentes da construção da rodovia Transamazônica (BR-230) em seus territórios. Na ação, o MPF pede a condenação da União e da Funai à reparação dos danos com várias medidas, entre elas, o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 20 milhões.

     

    O procurador da República Julio José Araujo Junior, titular do ofício que trata de povos indígenas e comunidades tradicionais no MPF/AM, afirmou que a construção da estrada causou danos ambientais, danos socioculturais e dano moral coletivo, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam a região.

     

    A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerou prejuízos quanto ao uso do solo para atividades agrícolas, poluição atmosférica, acúmulo de lixo, redução da fauna – implicando novas readaptações nas atividades de caça –, desmatamento e alteração dos cursos d’água.

    No âmbito sociocultural, o período da construção da rodovia gerou um impacto de grandes dimensões, quando houve forte contato interétnico, causando mortes em decorrência de doenças levadas pelos operários. Além disso, o MPF aponta que a ‘pacificação’ promovida pela Funai e o recrutamento para o trabalho nas obras causou forte desestruturação no grupo indígena, que, acuado por conta das atividades de tratores e aviões no local, deixou de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios sagrados.

     

    Os Tenharim não abandonaram a região, tendo se deslocado do rio Marmelos para as margens da rodovia justamente para estarem próximos de seus territórios sagrados. Ainda assim, a promoção do desmatamento e elaboração do traçado da rodovia sobre locais sagrados para os indígenas representou nova violação de seus direitos. Já o povo Jiahui sofreu grande diminuição, chegando a contar, às vésperas da demarcação da terra indígena, com apenas 17 pessoas.

     

    A terra indígena Tenharim Marmelos teve o seu processo de demarcação concluído em 1996 e a Terra Indígena Jiahui teve a demarcação homologada em 2004. Em termos populacionais, os Tenharim abrangem, atualmente, 962 indígenas (737 na TI Tenharim Marmelos, 137 na TI Tenharim do Igarapé Preto e 88 na TI Sepoti). Os Jiahui totalizam 98 indígenas.

     

    Dano moral coletivo – O procurador da República Julio José Araujo Junior destacou que os fatos ocorridos por ocasião da construção da estrada representaram ofensa aos direitos fundamentais dos povos Tenharim e Jiahui, ensejando a reparação por dano moral coletivo. “O MPF sustenta que houve violação grave aos direitos fundamentais destes povos indígenas por conta da construção e dos danos permanentes que ocorrem até hoje, sobretudo em razão da omissão da União e da Funai”, declarou o procurador.

     

    Em razão disso, o MPF pede, na ação, a condenação da União e da Funai ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 milhões cada, totalizando R$ 20 milhões, em conta específica em favor dos povos Tenharim e Jiahui, a serem aplicados em políticas públicas em favor deles, sob a coordenação da Funai, a partir de definição pelas próprias comunidades.

     

    O MPF pede também que União e Funai sejam obrigadas a adotar medidas permanentes de proteção a locais sagrados e espaços imprescindíveis ao sentimento de pertencimento dos povos Tenharim e Jiahui, conforme indicação dos indígenas; reformar escolas nas aldeias Coiari, Taboca e Mafuí, além de construir novas escolas com professores contratados e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem; instalar polo-base da saúde indígena específico para as terras indígenas dos Tenharim e dos Jiahui; e criar um centro de memória e publicar material didático sobre os impactos da construção da rodovia sobre os povos Tenharim e Jiahui, ressaltando as características desses povos e os direitos sobre suas terras, com ampla distribuição, principalmente nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí.

     

    Como pedidos liminares, o MPF requer que a Justiça determine a adoção das medidas de preservação dos locais sagrados em até 60 dias; a garantia de segurança para os índios frequentarem escolas e faculdades, evitando assim prejuízos ao ano letivo; a instalação do polo-base de saúde indígena no prazo máximo de seis meses; e a realização de campanha de conscientização quanto aos direitos indígenas em Humaitá, Manicoré e Apuí, com início em até 30 dias.

     

    A ação tramita sob o nº 0000243-88.2014.4.01.3200, na 3ª Vara Federal no Amazonas, onde será analisada.

     

    Apuração iniciada no ano passado – Em abril de 2013, após reunião com lideranças das etnias Tenharim e Jiahui, o MPF instaurou inquérito civil público para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro por possíveis violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas durante a construção da Transamazônica, no período da ditadura militar.

     

    Durante a segunda edição do projeto MPF na Comunidade, em junho do ano passado, representantes do MPF estiveram na terra indígena Tenharim Marmelos, quando constataram “in loco” os prejuízos e danos sofridos pelos povos Tenharim e Jiahui em decorrência da existência da rodovia em seus territórios e colheram relatos dos índios sobre o caso. Na ocasião, foi elaborado um laudo antropológico com o fim de subsidiar as ações a serem tomadas pela instituição.

     

    Conflitos na região – Desde o último dia 25 de dezembro do ano passado, a cidade de Humaitá vive dias de instabilidade por conta de protestos violentos que já resultaram na depredação de prédios e bens públicos de órgãos e autarquias federais relacionados a políticas públicas voltadas aos povos indígenas, além de ameaças a um grupo de indígenas que estava na cidade para tratamento de saúde. Os manifestos estariam relacionados ao suposto desaparecimento de três pessoas na área da terra indígena Tenharim Marmelos, cortada pela rodovia Transamazônica (BR-230).

     

    Ainda em dezembro, o MPF/AM expediu recomendação para cessar incitação à violência e discurso de preconceito contra indígenas, indicando a retirada de conteúdos de portais, blogs e redes sociais na internet que continham informações com caráter discriminatório, preconceituoso ou que incitassem a violência, o ódio e o racismo contra os povos indígenas da região.

     

    O MPF/AM também entrou com uma ação judicial para garantir a segurança dos indígenas da região diante da ameaça de invasões à terra indígena Tenharim Marmelos por não indígenas. O pedido foi atendido pela Justiça Federal, por meio de decisão liminar.

     

    Em janeiro deste ano, diante da situação de calamidade que os índios enfrentavam em razão dos conflitos, o MPF/AM recomendou aos órgãos públicos e autoridades locais e nacionais que adotassem medidas para garantir assistência material, com envio de alimentos e medicamentos e a garantia de assistência médica.

     

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  • 14/01/2014

    TI Alto Turiaçu, do povo Ka’apor, é invadida por madeireiros, no Maranhão

    As cenas de violência continuam fazendo parte da vida do povo Ka’apor e sendo um pesadelo constante, fato agravado a partir do ano de 2013. Mesmo a despeito de dificuldades, este ano foi marcado pela união das várias aldeias do território em defesa da floresta, da identidade e da vida. Em decorrência dessa tomada de consciência e atitude por parte dos Ka’apor, houve uma série de ameaças, agressões e mortes impetradas por forças contrárias à autogestão dos indígenas.

    Ainda no primeiro semestre aconteceram duas operações com participação do Exército, Ibama e Funai que expuseram ainda mais os indígenas à insegurança e à violência, pois, após a saída da área do efetivo dessas instituições, em julho de 2013, o povo indígena assistiu, no final de agosto, à invasão violenta da antiga aldeia Gurupiúna, com a entrada de 50 pessoas armadas e incitadas por grandes madeireiros e donos de serrarias dos municípios de Centro Novo do Maranhão, Centro do Guilherme e Maranhãozinho.

    A ação violenta foi marcada por agressão, espancamento de idosos e crianças, roubo de criações, roupas e documentos dos indígenas, o que ocasionou um clima de insegurança e medo nas aldeias vizinhas, com perseguições e ameaças de morte às lideranças. Em setembro, os indígenas da aldeia Ximborenda detiveram seis invasores durante três dias, flagrados derrubando árvores seculares no interior do território, nas proximidades da aldeia, posteriormente liberados por servidores da Funai.

    No início de outubro de 2013, depois de iniciadas as atividades de vigilância e monitoramento territorial com a identificação e reavivamento dos limites, lideranças indígenas foram surpreendidas por um grupo de madeireiros armados dentro do território, à margem direita do Rio Gurupiúna. Os indígenas tiveram que se refugiar na mata após ameaças de tiros e agressões. Com a chegada de indígenas de outras regiões, os madeireiros foram desarmados e expulsos da área. Com isso, intensificaram a fiscalização em seu território no mês de novembro, o que culminou na apreensão de armas e motocicletas, na apreensão de tratores e caminhões utilizados na destruição da floresta e na expulsão de madeireiros que realizavam corte de árvores, transporte e comercialização de madeira em serrarias da região noroeste do Maranhão.

    Antes do Natal, um grupo de indígenas que realizava a identificação e reavivamento dos limites, prendeu por três dias um madeireiro influente da região que realizava corte ilegal de madeira que, posteriormente, foi solto pelo delegado e pelos servidores da Funai no município de Santa Luzia do Paruá. Também apreenderam armas, tratores e caminhões no limite noroeste de seu território próximo ao Rio Gurupi, perto da divisa com o Pará. Essas sucessivas agressões têm interferido diretamente na dinâmica cultural do povo.

    Em 2014, o ano se inicia com a desintrusão da TI Awá do povo indígena Awá-Guajá, em região limítrofe à TI Alto Turiaçu. A boa notícia para o povo indígena parente não teve a mesma correspondência para os Ka’apor. No dia 7 de janeiro, um grupo de 10 Ka’apor, que realizava abertura de trilhas nos limites de seu território, para a autovigilância, foi surpreendido com tiros que atingiram as costas e pernas de dois jovens Ka’apor e a cabeça do cacique da aldeia. Os jovens foram hospitalizados às pressas no município de Zé Doca (MA) e o cacique permaneceu na aldeia. Por sorte, não correram risco de morte, pois receberam a devida atenção de profissionais de saúde que atuam junto aos indígenas.

    O madeireiro “Maradona”, que comandou a ação violenta, encontra-se foragido. Diante das ameaças de fazendeiros e madeireiros, e o envolvimento de policiais militares com a “segurança privada” ligada aos agressores, os indígenas ficam receosos de registrar boletins de ocorrência em delegacias da região, além de ficarem temerosos de circular em vilas, povoados e cidades da região em razão das contínuas agressões à sua integridade física e à sua identidade, pois são povos da floresta. Lideranças são permanentemente seguidas e monitoradas por madeireiros na região. A conivência e envolvimento de prefeitos, vereadores, servidores e demais agentes públicos com a exploração madeireira tornam esses agressores reincidentes, imperando o descaso e a impunidade, o que somente confirma a falta de lei e rei no território maranhense, fato lamentável em razão da sofrida luta dos povos indígenas e das populações empobrecidas desse Estado.

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  • 13/01/2014

    Terras indígenas: ameaça ministerial

    Dalmo de Abreu Dallari, jurista

    Vem sendo divulgado por vários meios, sem identificação da fonte responsável, um texto referido como projeto de portaria em vias de publicação pelo Ministério da Justiça. Esse texto reproduz, com maior amplitude, evidentes e graves inconstitucionalidades que figuravam em outro texto, divulgado em 2013, que seria minuta de portaria a ser editada pela ministra da Casa Civil. Foram tantas e tão bem fundamentadas as manifestações contrárias àquele projeto, apontando, inclusive, inconstitucionalidades e ilegalidades nele constantes, que tal ameaça foi abandonada, sem que, no entanto, seus autores abandonassem a má ideia.

    Com efeito, agora vem sendo renovada a ameaça, com a divulgação de um texto que, obviamente, foi elaborado pelos mesmos autores daquele anteriormente atribuído ao Ministério das Cidades. Tentando superar uma das objeções, que era a falta de competência daquele ministério, o que se anuncia agora é que as gravíssimas agressões aos direitos constitucionais dos índios e das comunidades indígenas serão impostas por meio de uma portaria do Ministério da Justiça. O novo texto, agora divulgado, contém vários absurdos jurídicos, afrontando a Constituição e a legislação vigente, o que, obviamente, não tem qualquer valor jurídico quando figurando numa portaria. Nesse novo texto foram usados vários artifícios para simular o enquadramento jurídico de supostas interferências nos procedimentos de demarcação das terras indígenas, querendo dar a aparência de legalidade de tais interferências. A par disso, esse novo texto gera um emaranhado burocrático, prevendo tantas e tais interferências nos procedimentos de demarcação que cada um deles levará muitos anos para ser concluído, consumindo grande parte dos recursos disponíveis para as demarcações, já muito atrasadas por falta de recursos e de boa vontade.

     

    Um dos absurdos jurídicos contidos no texto de suposta portaria, agora atribuída ao Ministério da Justiça, é um dispositivo segundo o qual o processo de demarcação poderá ser iniciado atendendo a pedido de interessados. Isso deixa mais do que evidente a intenção de dar aparência de legitimidade aos invasores de terras indígenas. Eles poderão formalizar um pedido de demarcação, simulando a vontade de garantir a proteção da ocupação indígena, mas tendo por real objetivo legitimar a ocupação da parte da área indígena por eles ocupada ilegalmente. Dirão ter interesse legítimo na demarcação, alegando serem proprietários ou ocupantes legítimos da área pretendida pelos índios ou de parte dela. Na realidade, esse pedido não tem cabimento, pois, além de estabelecer que são nulos e não produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação de áreas indígenas, a Constituição é clara e expressa quando, no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que «a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição», o que, como se sabe, ocorreu em 5 de outubro de 1988. A União tem a obrigação constitucional de dar início às demarcações, sem necessidade de qualquer pedido, sendo oportuno observar que, com base nos dados constantes dos registros da Funai e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), verificou-se que no ano de 2013, ou seja, vinte e cinco anos depois de promulgada a Constituição, tinham sido identificadas 1.046 terras indígenas, das quais apenas 363 estavam demarcadas.

     

    Ainda como sinal evidente da má-fé que esteve presente na elaboração da suposta portaria do Ministério da Justiça, no texto divulgado está dito que quando a Funai tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de terra tradicionalmente ocupada por povos indígenas, seu presidente constituirá um grupo técnico para elaboração de estudos de identificação e delimitação da terra indígena. E mais adiante a má-fé se torna gritante quando se diz, textualmente, que do grupo técnico fará parte, obrigatoriamente, «um profissional com formação superior ou técnica de nível médio na área agronômica ou fundiária». Aí está, escancarada, a porta para a participação obrigatória do agronegócio nos procedimentos de demarcação, pois, evidentemente, a Funai não tem em seus quadros, por não haver necessidade, profissionais com tal qualificação. E o texto da suposta portaria diz que, se isso ocorrer, ou seja, a inexistência de funcionários com tal qualificação, poderão ser contratados profissionais especializados.

     

    Não é preciso dizer mais. A denúncia do absurdo jurídico de atribuir ao Ministério da Casa Civil a competência para expedir portaria regulamentando o procedimento de demarcação de terras indígenas levou à reelaboração do texto pretendido, transferindo para o Ministério da Justiça a responsabilidade pela expedição de uma absurda portaria, que, entre outras coisas, terá como pressuposto o desconhecimento dos registros minuciosos, da Funai, do Cimi e de outras entidades, das terras tradicionalmente ocupadas por grupos indígenas existentes no território brasileiro. É necessário e urgente denunciar e divulgar amplamente essa nova tentativa, inclusive e sobretudo para alertar o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, que tem uma história de procedimento rigorosamente ético e de real compromisso com o direito e a justiça. Uma portaria como a que vem sendo apregoada transformaria o Ministério da Justiça em verdadeiro e desprezível Ministério da Injustiça, afrontando gravemente o dispositivo constitucional que define o Brasil como Estado Democrático de Direito.

     

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  • 13/01/2014

    Carta Final do 13º Intereclesial de Comunidades Eclesiais de Base do Brasil ao Povo de Deus

    Irmãs e irmãos da caminhada,

    “Maria pôs-se a caminho … entrou na casa e saudou Isabel … bem aventurada tu que acreditaste … as crianças estremeceram de alegria no ventre …” (cf. Lc 1,39-45)

    Em atitude romeira, o povo das Comunidades Eclesiais de Base de todos os cantos do Brasil colocou-se a caminho respondendo ao chamado da grande fogueira acesa pela Diocese de Crato-CE, convocando para o 13º Intereclesial. A luz da fogueira alumiou tão alto que fez acorrer representantes de Igrejas irmãs evangélicas e de outras religiões. Até foi avistada em toda a América Latina e Caribe, Europa, África e Ásia.

    O Cariri, “coração alegre e forte do Nordeste”, se tornou a “casa” onde se encontraram a fé profunda do povo romeiro, nascida do testemunho do padre Ibiapina e do padre Cicero, da beata Maria Madalena do Espírito Santo Araújo e do beato Zé Lourenço, com a fé encarnada do povo das CEBs nascida do grito profético por justiça e da utopia do Reino.

    Houve um encontro entre a Religiosidade popular e a Espiritualidade libertadora das CEBs. As duas reafirmaram seu seguimento de Jesus de Nazaré, vivido na fé e no compromisso com a justiça a serviço da vida.

    Bem aventurado o povo que acreditou!

    A moda da viola e da sanfona cantou este acreditar. As palavras de dom Fernando Panico, bispo de Crato, na celebração de abertura confirmaram este acreditar, proclamando: as CEBs são o jeito da Igreja ser. As CEBs são o jeito “normal” da Igreja ser. Jeito normal de o povo de Deus responder no hoje à proposta de Jesus: ser comunidade a serviço da vida.

    Ao ouvir a proclamação desta boa noticia, o ventre do povo que veio em romaria para Juazeiro do Norte ficou de novo grávido deste sonho, desta utopia. A esperança foi fortalecida. A perseverança e a resistência na luta foram confirmadas. O compromisso com a justiça a serviço do bem-viver foi assumido.

    E a alegria estourou como fogos a vista e do meio da alegria escutamos a memória da voz querida de dom Helder Câmara, a se fazer ouvir: Não deixem a profecia cair! Não deixem a profecia cair!

    A profecia não caiu. Ecoou nas palavras do índio Anastácio: “Roubaram nossos frutos, arrancaram nossas folhas, cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas não deixamos arrancar nossas raízes.” Raízes indígenas e quilombolas que afundam na memória dos ancestrais, no sonho de viver em terras demarcadas, livres para dançar, celebrar e festejar a terra que é mãe.

    Emergiu a memória do padre Ibiapina, que já incentivava a construção de cisternas de pedra e cal e o plantio de árvores frutíferas, para conviver com a realidade do semiárido. Reanimava assim a esperança e a dignidade do povo sertanejo. O protagonismo da beata Maria Araújo canalizou os desejos mais profundos de vida e vida em abundância, o que incomodou os grandes e a hierarquia eclesiástica. O padre Cícero e o beato Zé Lourenço continuaram acolhendo os excluídos no mesmo espirito de Ibiapina. Organizaram a comunidade do Caldeirão movida pela fé, trabalho, fartura e liberdade. Esta forma de convivência com o semiárido tem continuidade nas CEBs, nas pastorais e entidades comprometidas com os pobres,

    A profecia ecoou na análise de conjuntura, que levou a constatar que o Brasil ainda precisa reconhecer que no campo e na cidade, não basta realizar grandes projetos. O grande capital prioriza o agro e hidronegócio e as mineradoras, continuando a expulsar do campo para concentrar as pessoas nas cidades, tornando-as objeto de manipulação e exploração, de concepções dominadoras e produtoras de profundas injustiças. O povo continua sendo despojado de sua dignidade: seus filhos e filhas definham no mercado das drogas e no tráfico de pessoas; é destituído de seus direitos à saúde, educação, moradia, lazer; a juventude é exterminada, obscurecendo a possibilidade de se projetar no futuro por falta de oportunidades; ainda existem preconceitos e outras violências marcam as relações de etnia, cor, idade, gênero, religião. Percebemos que transformar os cidadãos e cidadãs em consumidores é ameaça para o “Bem Viver”.

    Ranchos (miniplenários) e chapéus (grupos) tornaram-se espaços de partilha das experiências de busca para compreender a sociedade que é o chão onde as CEBs labutam e vivem.

    E nos passos de padre Cicero, as CEBs se tornaram romeiras nas veredas do Cariri, conhecendo realidades e comunidades; vivenciando a firmeza dos mártires e profetas; experimentando a partilha e a festa do jeito que o povo nordestino sabe fazer.

    A sabedoria dos patriarcas e das matriarcas nos acompanhou resgatando a memória e orando: “Só Deus é grande”, “Amai-vos uns aos outros”.

    A grandeza de Deus se revela nos romeiros, povo sofrido que ao assumir a organização da romaria, na prática da solidariedade, na reza e no canto dos benditos se torna protagonista e ressignifica o espaço da vida diária.

    O amor é manifestado na profecia da mulher que no acariciar, no amassar o pão, na liderança e revolução carrega em seu ventre nossa libertação; na profecia que por amor à justiça se torna ecumênica; em Jesus de Nazaré que por primeiro viveu a justiça e a profecia a serviço da vida e nos desafia a sermos CEBs Romeiras do Reino no campo e na cidade.

    A vivência comunitária no terreiro do semiárido renovou nosso acreditar. Exultamos de alegria como as crianças que saltaram de alegria no ventre das mães vislumbrando o novo. O Reino se fez presente no meio de nós. Seus sinais estão presentes na irmandade: oramos e refletimos, reavivamos à nossa frente rostos de mártires e profetas da caminhada, refletimos e debatemos, formamos a mesma fila para comer juntos a gostosa comida do Cariri, à mesma pia lavamos nossos pratos. Na circularidade do serviço, do canto, do testemunho reafirmamos o compromisso de ser CEBs: Romeiras do Reino, profetas da justiça que lutam pela vida, a serviço do bem-viver, sementes do Reino e da sua Justiça, comunidades profetas de esperança e da alegria do Evangelho.

    Romeiros e romeiras sempre voltam para seu chão, repletos de fé e esperança. Nós também voltamos como romeiros e romeiras grávidos da utopia do Reino que é das CEBs. Voltamos para nosso chão, com uma mensagem do papa Francisco, bispo de Roma e Primaz na Unidade. Dele recebemos reconhecimento, encorajamento, convite a continuarmos com pisada firme a caminhada de sermos Igreja Romeira da justiça e profecia a serviço da vida.

    Juntamo-nos à voz de Maria que louvou ao Deus da vida que realiza suas maravilhas nos humilhados. Unamos nossas vozes à sua para com ela derrubar os poderosos de seus tronos e elevar os humildes, despedir os ricos de mãos vazias e encher de fartura a mesa dos empobrecidos.

    Irmãs e irmãos, vos abraçamos com amorosidade. Amém, Axê, Auerê, Aleluia!

     

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  • 10/01/2014

    Sitiados, os Tenharim querem viver em paz

    Os familiares do cacique da Aldeia Kampinhu’hu Ivan Tenharim, morto no último dia 03 de dezembro em Porto Velho (RO), afirmam que não desejam vingança e querem realizar o luto em paz. ”Eles estão deixando muito claro que não há revanchismo e dizem que se a morte do cacique foi causada ou não por um ato criminoso, eles não querem saber: eles querem viver em paz“, diz o advogado, Ricardo Tavares de Albuquerque, que presta assistência jurídica aos Tenharim e Djahoi.

     

    Ricardo Tavares esteve na aldeia onde morava o cacique Ivan no dia 1o janeiro, depois da explosão dos conflitos motivados pelo desaparecimento de três pessoas supostamente na estrada que corta a Terra Indígena Tenharim Marmelos, localizada nos municípios de Manicoré e Humaitá. Até o momento, os corpos não foram localizados. “Nada foi elucidado. A Polícia Federal está investigando e, por enquanto, só há indícios de que foi na estrada que corta a reserva que os três homens chegaram ao fim da vida”, disse o bispo da Diocese de Humaitá, Dom Francisco Merkel.

     

    Mais de 500 agentes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança e Exército mantém a situação sob controle na região, com parte do efetivo posicionado na estrada que corta a terra indígena. Porém, na vila de Santo Antônio do Matupi e na cidade de Humaitá o clima é tenso. “Os indígenas estão, nesse momento, cerceados. Eles estão seguros na reserva, mas o clima de tensão é muito grande fora dela e há um perigo concreto contra eles”, diz o advogado Ricardo Tavares.

     

    Membros da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que atuam em Rondônia e no sul do Amazonas, dizem que há indígenas estudando em Santo Antônio do Matupi, vila localizada há cerca de 30 quilômetros da terra indígena, que poderão perder o ano devido às hostilidades. A impossibilidade de se deslocarem para a cidade, para vender seus produtos e comprar gêneros de primeira necessidade, pode criar outras dificuldades brevemente.

     

    Em vista da gravidade da situação na região, o Ministério Público Federal atuou para garantir atendimento médico e proteção aos indígenas. No dia 29 de dezembro a Justiça Federal acatou pedido do MPF/AM e determinou à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) que adotassem medidas de segurança para proteger a Terra Indígena Tenharim Marmelos diante de ameaças de novos ataques contra os indígenas.

     

    Por força da decisão da Justiça Federal, os órgãos citados deveriam elaborar um plano com a participação dos indígenas e o apoio das forças de segurança para instalação de postos de fiscalização nos extremos da reserva bem como o monitoramento do trânsito de não indígenas no trecho da rodovia Transamazônica (BR-230) que corta a terra indígena.

     

    No dia 03 de janeiro o MPF expediu recomendação encaminhada aos municípios de Humaitá e Manicoré, ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Porto Velho e à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para que, em conjunto com Funai, garantissem atendimento médico e fornecimento de medicamentos aos indígenas. A recomendação previa, ainda, a permanência de equipe multidisciplinar no local e o apoio necessário em caso de remoção para atendimento especializado a unidades do Sistema Único de Saúde (SUS).

     

    As ações do Ministério Público e da Justiça Federal foram motivadas pela destruição dos veículos que transportavam alimentos e medicamentos adquiridos pelos indígenas quando estavam na cidade, momentos antes da ação violenta dos moradores.

     

    Ataque aos indígenas

    Revoltados com a falta de informações oficiais sobre o desaparecimento do professor Steff Pinheiro de Souza, do comerciante Luciano Ferreira Freire e de Aldeney Ribeiro Salvador, funcionário da Eletrobras Amazonas Energia, mais de dois mil moradores de Humaitá – cidade localizada no sul do Amazonas, a 675 quilômetros de Manaus, no dia 25 de dezembro praticaram vários atos de vandalismo. Os revoltosos incendiaram a sede da Funai, a Casa de Saúde do Índio, veículos e um grande barco usado pelos indígenas que transportava pessoas, alimentos e medicamentos para as aldeias.

     

    Um posto de pedágio utilizado pelos indígenas também foi destruído. O pedágio, cobrado desde 2006 como forma de compensação pelos prejuízos causados aos indígenas, teria sido também uma das causas dos incidentes. Políticos, madeireiros e empresários da cidade há tempos vinham jogando a população contra os indígenas por causa da cobrança.

     

    Para os indígenas, o pedágio é uma das formas de conseguir recursos para suprir as necessidades das aldeias uma vez que eles não obtêm recursos por parte do governo federal.

     

    Além disso, boatos espalhados pela cidade davam conta de que os três cidadãos desaparecidos teriam sido vítimas dos indígenas como vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim. No dia 02 de dezembro ele foi encontrado por um sobrinho ainda com vida às margens da BR 230, Rodovia Transamazônica, entre o Distrito de Santo Antônio do Matupi e a aldeia onde morava. Ele estava desmaiado e apresentava muitos hematomas e ferimentos na cabeça. Ele foi levado para Porto Velho, onde faleceu.

     

    De acordo com dados do censo realizado pelo IBGE em 2010 a população Tenharim é de 883 indígenas. A Terra Indígena Tenharim Marmelos é cortada pela BR-230 (Transamazônica) num trecho de aproximadamente 80 quilômetros.

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  • 09/01/2014

    Nota Pública: Apoio à extrusão da Terra Indígena Awá-Guajá, no Maranhão

    Conforme informações divulgadas na grande imprensa, o Executivo Federal, cumprindo ordem judicial, iniciou o processo de desintrusão ou extrusão, ou seja, de retirada de todas as pessoas não índias que invadiram a Terra Indígena Awá-Guajá, localizada no norte do Estado do Maranhão. Essas ações se devem, apenas e tão somente, ao cumprimento do mandado constitucional do Art. 231 da Constituição que reconhece e garante aos índios “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Consequentemente, a defesa dos direitos do povo Awá-Guajá e da extrusão não se deve apenas ao fato de ser um povo ameaçado de extinção pela ação de invasores, especialmente madeireiros, mas porque é um direito garantido pela Constituição do Brasil.

    O direito dos Awá-Guajá às terras que ocupam foi reafirmado por recente decisão da Justiça Federal do Maranhão, em processo que se arrasta há mais de doze anos. É obrigação do Estado, através da Fundação Nacional do Índio (Funai), retirar todos os não indígenas da TI Awá-Guajá.

    Não se trata de um “expurgo” de pequenos agricultores de suas terras, abandonando-os à própria sorte, como vem afirmando a Senadora Katia Abreu e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Apesar de ocupar ilegalmente terras indígenas, no processo de extrusão está previsto que as famílias retiradas, elegíveis para programas de reforma agrária do Governo Federal, serão reassentadas pelo INCRA.

    Também, muito diferente do que afirmou a presidente da CNA, usando de má fé para incitar pequenos agricultores contra os índios, as ações de retirada dos invasores da TI Marãiwatsédé, no Mato Grosso, em 2012, não jogou “1.800 famílias de pequenos agricultores familiares ao vento, ou melhor, à maior das intempéries”. Além de serem menos de mil famílias e apesar de terem invadido a área, influenciados por políticos e grandes fazendeiros, depois de decisão que a estabeleceu como Terra Indígena, no início dos anos 1990 (detalhes em http://maraiwatsede.wordpress.com), às famílias elegíveis para os programas de reforma agrária foram oferecidos lotes em assentamento no município de Alto da Boa Vista. No processo de retirada, muitas não aceitaram a oferta, influenciadas por lideranças políticas que incitaram a população contra os direitos constitucionais dos índios Xavante.

    Este mesmo tipo de incitamento vem ocorrendo por ocasião da retirada de invasores não índios da TI Awá-Guará, inclusive por meio da organização de acampamento em frente à base de operações no município de São João do Caru para dificultar o cumprimento da ordem judicial de extrusão. Manifestações de opiniões são um direito constitucional, mas desinformar e incitar pessoas à desobediência é ilegal e ilegítimo.

    Reafirmamos a luta em defesa dos direitos humanos, especialmente dos direitos indígenas, que só serão garantidos a partir do acesso e permanência em suas terras. Consequentemente, reafirmamos nosso compromisso e apoio incondicionais à desintrusão da Terra Indígena Awá-Guajá, obrigação do Estado brasileiro e fundamental para a autodeterminação e manutenção do modo de vida de “um dos últimos povos nômades da América”.

    – Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

    – Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin)

    – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic)

    – Greenpeace

    – Instituto Socioambiental (ISA)

    – Operação Amazônia Nativa (OPAN)

    – Plataforma Dhesca Brasil

    – Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação

    – Terra de Direitos

    – Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)

     

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  • 08/01/2014

    Governo oferece 78,5 milhões por Buriti. Fazendeiros acham pouco e respondem: “vamos pro pau”

    Ruy Sposati,
    de Campo Grande (MS)

    O Ministério da Justiça (MJ) finalmente apresentou os valores das indenizações das 30 propriedades que incidem sobre 15 mil hectares da Terra Indígena Buriti, no município de Sidrolândia, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Totalizando 78,5 milhões de reais, a avaliação de benfeitorias e terra nua foi exposta a proprietários de terra e indígenas na primeira reunião da mesa de negociação sobre terras indígenas do MS, em Brasília, na última terça-feira, 7.

    “Isso não serve. Acabou a mesa de negociação. Vamos pro pau!”, respondeu ao grupo de trabalho o fazendeiro e ex-deputado estadual Ricardo Bacha, proprietário da fazenda Buriti, onde foi assassinado Oziel Terena em maio de 2013. A Bacha e sua família – donos de quatro propriedades incidindo sobre a terra indígena – foram oferecidos mais de 10 milhões de reais como indenização pela demarcação da área.

    O advogado Luiz Henrique Eloy, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), é indígena Terena e compõe o grupo de trabalho jurídico da mesa de negociação do MJ, instituída após a morte de Oziel. Ele explica que os valores avaliados estão acima do valor comum praticado nos processos de demarcação de terras indígenas. “Se os fazendeiros fossem tentar vender essas terras, jamais conseguiriam alcançar o valor oferecido pelo governo”.

    “Quando o Incra faz avaliação da terra nua de uma propriedade, há dois critérios aplicados no processo”, explica o advogado, “chamados de depreciação por ocupação e depreciação por conflito. Esses dois critérios costumeiramente acabam por reduzir o valor de uma propriedade. Só que esses dois critérios não foram aplicados no caso de Buriti. Para estas indenizações, estão sendo aplicados os valor de mercado, justamente para tentar agilizar o processo”.

    Durante a reunião, os fazendeiros questionaram a metodologia utilizada pelos órgãos oficiais do governo responsáveis pela avaliação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ambos expuseram que seguem um procedimento legal e pré-estabelecido, cujas metodologias são públicas e podem ser acessadas pelos sítios eletrônicos dos organismos.

    Para a avaliação da terra nua, foi utilizada a metodologia comparativa e pesquisa de preço baseada em índices do IBGE fornecidos pela Caixa Econômica Federal. O Incra então elegeu 18 propriedades da mesma região (entre Sidrolândia, Aquidauana, Nioaque e Dois Irmãos do Buriti). Das propriedades escolhidas, 12 estavam em oferta, e 6 já haviam sido vendidas. O grupo técnico, então, comparou o preço de todas essas propriedades e chegaram ao valor de mercado real dessas propriedades.

    “A reação dos fazendeiros foi exagerada, tendenciosa”, conclui Eloy. “Eles chegaram a exigir que fossem indenizados pelo dinheiro que gastaram desmatando as terras indígenas Terena”.

    No próximo dia 17, o governo irá disponibilizar o detalhamento de cada item das áreas avaliadas. Os fazendeiros terão prazo de 10 dias para apresentar eventuais questionamentos sobre a demarcação.

    Confira a tabela apresentada pelo Ministério da Justiça, com os valores da avaliação de benfeitorias e terra nua da Terra Indígena Buriti. Nas três fazendas onde se lê “vistoria não realizada”, os proprietários não permitiram a entrada dos grupos técnicos de avaliação:

     

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  • 08/01/2014

    Acendendo a chama da Justiça no chão sagrado dos Kariri

    Saulo Feitosa,

    Cimi Regional Nordeste

    É noite do dia 6 de janeiro, data na qual se evoca a memória dos reis magos que foram em busca do menino nascido em Belém, e o povo Xukuru festeja o Rei do Orubá. Alguns homens da comunidade de Palmeirinha trazem para o centro do terreiro pedaços de lenha caprichosamente cortados em partes iguais. Valeriano Xavante se aproxima e, fazendo uso da habilidade adquirida com seu povo, acende a fogueira em “um piscar de olhos”. Rapidamente as chamas sobem, aumentando a sensação térmica do ambiente naturalmente quente nessa época do ano. Crianças, jovens, adultos, anciãos, todas as expressões geracionais da bonita gente de Palmeirinha vão se achegando e formando o grande círculo em volta da fogueira onde acontecerá a roda de conversas, cantos e danças. Um misto de memória e utopia toma conta do ambiente, nos rostos de todos e todas se vê a tradução do sentimento interior: prazer, curiosidade, alegria…

     

    Palmeirinha está localizada na região do Kariri, há cerca de 8 km da cidade de Juazeiro do Norte. Lugar de peregrinação desde o final do século XIX, quando o padre Cícero começou a atrair os sertanejos de várias partes do Nordeste que para lá se deslocavam, inicialmente a pé. Muitos chegando a percorrer distâncias superiores a mil km. Haroldo, missionário do Cimi que atua no sul da Bahia, fez uma fala inicial e passou a palavra para Valeriano Xavante e para o pajé Antonio Celestino, do povo Xukuru-Karri que, de forma breve, saudaram os participantes daquele momento celebrativo. Como aquela região, território originalmente ocupado pelos povos indígenas da família Kariri, transformou-se em lugar sagrado para os nordestinos, que liderados por beatos e beatas protagonizaram bonitos episódios de fé e resistência popular, os indígenas inicialmente ouviram as histórias locais, contando com a contribuição da professora Maria do Carmo, do professor Océlio e do padre Machado.

     

    Alguns deles, principalmente os pertencentes aos povos de Alagoas e Pernambuco, já tinham certa familiaridade com os assuntos abordados, mesmo porque o Juazeiro também é uma referência religiosa para seus povos. Mas outros ali presentes sequer tinham ouvido falar naquelas experiências de fé. Contudo, a forma como as conversas ocorreram favoreceram a compreensão por parte de todos e lhes possibilitou fazer uma interface com as lutas de seus povos, desde a Confederação Kariri, grande expressão da resistência indígena no final do século XVII, até as lutas indígenas atuais que acontecem em todo o país. As conversas foram intercaladas por cantos e danças dos povos Potiguara, Pataxó-Hã-Hã-Hãe, Pankararu e Xerente, que envolveram todas as pessoas, levando-as a participar conjuntamente. Ali, observando a fogueira e sendo aquecidos por seu calor, era possível sentir a força espiritual do lugar, o KARIRI, hoje território sagrado para indígenas, negros e sertanejos pobres; povos que lutam por justiça, testemunhos proféticos que nunca se calam, vozes-saberes da periferia do mundo que carregam consigo a esperança na LIBERTAÇÃO.

     

    A celebração terminou com gosto de “queremos mais”. Ninguém demonstrava cansaço, mas Haroldo lembrou que precisávamos dormir e recompor as energias para o dia seguinte, quando na manhã, ainda cedo, nos deslocamos para a cidade de Nova Olinda, distante 50 km de Palmeirinha, passando pela Floresta Nacional do Araripe, um verdadeiro oásis em meio ao semiárido nordestino. Em Nova Olinda, um dos 11 municípios que integram a microrregião do Kariri cearense, visitamos a Casa Grande, um ponto de cultura que além de ofertar cursos e atividades artístico-culturais envolvendo a população local, abriga um pequeno museu sobre a presença indígena na região. A viagem foi muito prazerosa e informativa. Após o retorno para Palmeirinha, iniciou-se a preparação para a abertura do 13º Encontro Intereclesial de Cebs, que ocorreu na noite do dia 7, com a presença de cerca de 4 mil pessoas, vindas de todos os estados brasileiros, países da América Latina, Europa, África e Ásia. A celebração aconteceu na Praça do Santuário de São Francisco das Chagas, em Juazeiro do Norte. Mais um grande momento de emoção e celebração dos projetos de vida dos povos lutadores da Terra, que dão legitimidade ao “mote” inspirador do grande encontro: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida”.

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  • 08/01/2014

    Carta do Encontro Preparatório dos Povos Indígenas ao 13º Intereclesial de CEBs

    Os povos indígenas do Brasil representados pelas etnias Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe (Bahia), Xukuru-Kariri e Jeripancó (Alagoas), Potiguara (Paraíba), Xavante (Mato Grosso), Pankararú (Pernambuco), Kassupá e Wajoro (Rondônia), Xerente (Tocantins), Nukini e Nawa (Acre), Munduruku e Tembé (Pará), Tremembé e Pitaguari (Ceará) e seus aliados reunidos na comunidade da Palmerinha na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, na cidade do Juazeiro do Norte – Ceará, se preparando para participarem do 13º Intereclesial das CEBs no período de 05 a 07 de janeiro de 2013. Refletimos a partir do tema: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida e dos Povos Indígenas”, sobre a realidade que cerca a caminhada dos povos indígenas, seus sonhos, desafios e suas expectativas sobre o 13º intereclesial das CEBs.

     

    Ao realizarmos o encontro nesta região tão mística e com tantos significados, relembramos a resistência dos povos indígenas através da Confederação Cariri que ocorreu no século XVII quando vários povos se juntaram para resistir contra a escravização indígena. Foi feita uma ponte histórica entre as lutas do passado e as lutas dos povos indígenas nos dias de hoje, destacando a estratégia do governo brasileiro em retirar direitos dos povos indígenas, fazendo leis que aparentemente defendem os indígenas e ao mesmo tempo criando outros mecanismos que retiram e violam estes direitos.

     

    Refletindo o tema: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida e dos Povos Indígenas”, não poderíamos deixar de dar nosso grito profético repudiando a postura de submissão do governo brasileiro ao agronegócio, confirmando a decisão do governo da presidenta Dilma Rousseff de um viés antiindígena: sendo aquele que menos demarcou terras indígenas e o que mais avançou na restrição ou supressão dos direitos indígenas, por meio de decretos e portarias inconstitucionais: Portaria 419/2011, Portaria 303/2012, Decreto 7957/2013; PECs 215/2000, PEC 237/2013 e PEC 038/1999; PL 1610/1996 e PLP 227/2012. Todos esses instrumentos buscam inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas, reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; e facilitar a invasão, exploração e mercantilização dos territórios indígenas e suas riquezas.

     

    A insistência deste governo neoliberal em implementar e apoiar projetos grandiosos que agridem  as comunidades indígenas, a exemplo da hidrelétricas de Belo Monte e do Rio Madeira,  Transposição do Rio São Francisco, Ferrovia Trasnordestina, Usina de Teles Pires, usinas nucleares em terras indígenas, monocultivos de eucaliptos, sojas, canas, entre outros, demonstram a real posição adotada por este governo assassino e destruidor das populações tradicionais.

     

    Denunciamos as perseguições e as violentas manifestações de agressão, racismo e preconceitos contra as comunidades indígenas, como as recentes ações contra o povo Tenharim no município de Humaitá no Amazonas e que se repetem e se multiplicam junto a outros povos, diante da impunidade e da conivência do governo brasileiro. Estas ações de violência e preconceito acontecem por conta das comunidades indígenas lutarem na defesa da sua integridade, e pela devolução do seu território, que são os poucos espaços que lhes restam, depois de 514 anos de roubo, expulsões e etnocídio. 

     

    Aproveitamos este momento histórico da realização deste 13º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, neste chão sagrado do povo Cearense para pedir o apoio e solidariedade de todas e todos aqueles que acreditam em uma nova sociedade possível baseada na justiça e para que os nossos povos tenham vida plena. Solicitamos que as CEBs denunciem o governo brasileiro por omissão e não cumprimento das obrigações constitucionais. Exigindo a demarcação e regularização de todas as terras indígenas como reza a Constituição Federal de 1988 e que o governo respeite os nossos direitos, pare de invadir nossos territórios com seus projetos “desenvolvimentistas” que mata e destroem a nossa mãe terra e seus filhos, os povos indígenas.

     

    Solicitamos encarecidamente que as CEBs possam nos ajudar cumprindo sua função profética a partir da leitura do Evangelho e da prática de Jesus: proteger os fracos, combater as injustiças, ajudar o próximo, e que assim como São Bento, Pe. Ibiapina, Pe. Cícero e muitos outros beatos e beatas que seguiram esta prática possamos contar hoje com o apoio solidário as nossas lutas e sofrimento. Que os nossos Encantados e Seres de Luzes protejam a todos os membros das CEBs e os presentes neste grandioso encontro de Fé e luta.

     

    Juazeiro do Norte (CE), 07 de janeiro de 2014.

     

    Lideranças Indígenas e Aliados

     

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