• 25/02/2014

    No Dia Mundial da Justiça Social, nada a declarar?

    Por Iara Tatiana Bonin,

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da ULBRA e Doutora em Educação pela UFRGS

    Seguindo para o trabalho, um tanto irritada com os congestionamentos decorrentes das obras da Copa, escutei, no rádio, que hoje (20 de fevereiro) era o Dia Mundial da Justiça Social, data instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2009. Conforme a reportagem, a data deveria motivar os governos para a promoção de medidas efetivas de combate à pobreza, à fome, ao desemprego, à exclusão social. Coincidentemente o sinal fechou numa movimentada avenida no centro de Porto Alegre e dois pequenos meninos, com seus corpos maltratados pela miséria, se aproximaram e pediram “um trocadinho pra comprar comida”. Perto dali, vi os primeiros movimentos no amanhecer de famílias que ocupam a parte inferior de um viaduto, seus corpos castigados pelo completo abandono e pelo sono em alerta, temendo a violência.

    Também escutei pelo rádio a notícia de que a presidente Dilma Rousseff estava no Rio Grande do Sul. Os eventos de sua agenda cheia, devido ao período pré-eleitoral, não indicavam que a presidente ao menos sabia da comemoração do Dia Mundial da Justiça Social! Não transitou pelas ruas, nem escutou a voz daquele esfomeado menino porque estava, logo cedo, numa visita inaugural ao Estádio Arena Beira-Rio, em Porto Alegre (RS). O estádio receberá cinco jogos da Copa e, para a sua reforma, contou com um investimento de R$ 330 milhões, sendo R$ 275,1 milhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

    Depois de apreciar a obra monumental, a presidente Dilma prosseguiu em sua rápida turnê pelas querências deste estado e chegou a Caxias do Sul. Almoçou em um dos mais conceituados restaurantes da região, onde se serviu polenta – comida de imigrante italiano pobre, convertida em iguaria e inserida num refinado cardápio. Depois participou da cerimônia de abertura da 30ª Festa da Uva e da 24ª Feira Agroindustrial. Em seu discurso, nenhuma palavra sobre justiça social! Sob o caloroso aplauso dos presentes, declarou: “Vocês têm uma presidente que é parceira da produção agrícola e industrial dessa região”, dando destaque também ao volume crescente de crédito concedido pelo governo para o setor agroindustrial, que chega a R$ 150 bilhões. Ironicamente, a agenda da presidente no Dia Mundial da Justiça Social parece ser a síntese das opções feitas pelo seu governo.

    A agenda da presidente entre os gaúchos me fez lembrar outra ocasião, em 11 de fevereiro de 2014, quando ela esteve na cidade de Lucas do Rio Verde (MT), participando da Cerimônia de abertura oficial da colheita da safra brasileira de grãos 2013-2014 e início do plantio da 2ª safra. Em seu discurso, antes de cumprimentar as autoridades presentes, ela dirigiu a palavra aos produtores rurais: “Quebro o protocolo e começo cumprimentando esses produtores e essas produtoras responsáveis pelo sucesso e pela vitória do nosso agronegócio. (…) É uma imensa alegria assistir aquela quantidade de soja jorrando pela colheitadeira”. Nas palavras da presidente, o espetáculo da super-safra mostra que o Brasil é viável, quando asseguradas certas condições, dentre as quais destacou a terra, o empreendedorismo dos produtores do agronegócio e o financiamento dos equipamentos e das máquinas com tecnologia de ponta. E a presidente finalizou seu discurso declarando: “Essa vitória é o que nós estamos celebrando hoje aqui também. É uma vitória do agronegócio do Brasil e é uma vitória do agronegócio do Mato Grosso”.

    Não por acaso, a agenda da presidente contemplou vários eventos ligados ao agronegócio, um dos setores considerados mais lucrativos no contexto brasileiro e também um dos segmentos que, para prosperar, tem recebido variados tipos de incentivos e linhas de financiamento (destaque feito no próprio discurso da presidente, citado anteriormente). A produtividade dos empreendimentos agroindustriais e a capacidade de gerar lucro têm sido enaltecidas como motivos de “orgulho nacional” em discursos proferidos por vários representantes do governo. O agronegócio é, assim, alçado à condição de alavanca capaz de tornar o Brasil competitivo.

    Governando numa perspectiva desenvolvimentista e para salvaguardar os setores considerados produtivos e superavitários, resta pouco espaço na agenda do governo federal para planejar medidas efetivas de promoção da justiça social. Obviamente que os recursos financeiros são canalizados para assegurar a lucratividade e a competitividade de setores que supostamente colocariam o Brasil numa condição de “primeiro mundo”, enquanto são contingenciados e pouco aplicados os recursos destinados às políticas sociais.

    A terra é destacada pela presidente como condição indispensável para que o agronegócio – menina dos olhos deste governo – prospere. A terra, então, é vista como um recurso, a ser maximizado, pensamento que posiciona como obsoletos os direitos assegurados na Constituição Federal aos índios, quilombolas, comunidades tradicionais. Uma evidência disso é o fato de que, em 2013, apenas uma área indígena, pertencente ao povo Kayabi, foi homologada pela presidente, e mesmo assim o registro desta área foi impedido pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF).

    A demarcação das terras indígenas é uma questão de justiça social

    Pode-se então “medir” o desempenho do governo nas ações de demarcação observando-se, por exemplo, os dados de execução orçamentária de 2013: na ação “Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato” os recursos disponibilizados foram da ordem de R$ 87.863.432,00, sendo liquidados somente R$ 17.402.383,22 (o equivalente a apenas 19,8% dos recursos disponíveis). Nos desdobramentos desta ação, existe o item “Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras Indígenas”, cuja dotação orçamentária em 2013 foi de R$ 21.642.811,00, mas foram liquidados apenas R$ 5.403.834,59 (ou 24,06% do montante).

    Uma questão atinente à justiça social, utilizada inclusive para incitar a população contra as demarcações, é a justa indenização das benfeitorias que resultam de ocupação de boa fé em terras indígenas. Sobre esse aspecto, embora exista uma infinidade de processos de indenização em curso (e conheço alguns agricultores do município de Chapecó (SC), por exemplo, que estão aguardando indenizações há mais de 15 anos), nenhum centavo foi pago, em 2013, da ação “- Indenização aos Atuais Possuidores de Títulos das Áreas sob Demarcação Indígena”, cuja dotação foi de R$ 20 milhões.

    A reforma agrária é também uma questão de justiça social, e se liga igualmente ao problema da terra e de sua destinação. Recorrendo novamente aos dados de execução orçamentária, vale observar que, no programa “Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária”, elencam-se ações voltadas à concessão de créditos às famílias assentadas, ao desenvolvimento dessas famílias e à desapropriação de imóveis rurais para a reforma agrária. Dos R$ 2,5 bilhões autorizados em orçamento, apenas R$ 975,2 milhões foram aplicados, o que representa 38,7% do total. A situação é tão grave que, no dia 13 de fevereiro, cerca de 15 mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) protestaram no centro de Brasília e exigiram mudanças nas políticas agrárias. As lideranças do movimento reclamam do baixo número de famílias assentadas por desapropriações e da burocracia para ingressarem em programas sociais básicos.

    A superação das desigualdades é uma questão de justiça social

    Para isto, é necessário que se promova uma mudança de rota, um novo “mapa do desenvolvimento” deve ser traçado, cuja orientação seja a promoção da justiça social e da dignidade humana. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Brasil é hoje o quarto país no mundo em desigualdade entre pobres e ricos. Registra-se nesta pesquisa que, no ano de 2012, 10% da população mais rica concentrava 42% da renda do país. No atual modelo de governo privilegiam-se setores lucrativos, o que acentua o fosso que separa ricos e pobres.

    As desigualdades, que nos discursos oficiais sempre aparecem atenuadas, já não podem ser vistas como efeitos colaterais do modelo desenvolvimentista – elas têm sido constituídas no jogo da concorrência. Quando a concorrência (entre empresas, entre trabalhadores, entre setores da sociedade) é o princípio de organização do mercado e do governo, não se pode vislumbrar a superação das desigualdades. A concorrência é, no atual modelo de governo, um jogo que deve ser continuamente alimentado e sustentado. Por esta razão, a agenda da presidente está lotada de compromissos vinculados aos setores que, na concorrência, se mostram fortes e produtivos. O agronegócio é, neste contexto, um setor alimentado e nutrido, que recebe atenção especial do governo.

    Não é possível vislumbrar a conquista e a garantia de direitos em um modelo concorrencial, pois neste, há sempre vencedores e perdedores. No jogo da concorrência, os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais não são tidos como “setores viáveis”, e sim como grupos residuais. Assim, o que se oferece (quando muito) a estes grupos, são ações de “gestão das desigualdades”, ou seja, ações assistenciais, paliativas, de impacto momentâneo, que não conduzem à conquista efetiva dos direitos – em especial do direito à terra.

    É necessário, portanto, retomar a pauta da justiça social, reconhecendo que um governo existe para proporcionar bem estar e segurança para toda a sua população, e para promover a esta o acesso a bens, recursos, tecnologias, resguardando direitos humanos que não podem ser subvertidos e adequados a uma lógica empresarial.

    Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2014

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  • 25/02/2014

    Em Yvy Katu, sede da Funai é invadida e três indígenas são envenenados

    Ruy Sposati (Colaboração)

    A sede da Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pelo atendimento à terra indígena Guarani Ñandeva de Yvy Katu, foi invadida na madrugada de domingo para segunda, 24, em Iguatemi (MS), fronteira com o Paraguai. Dois computadores contendo toda a documentação da entidade e dos indígenas da região foram levados. No último dia 17, três indígenas foram hospitalizados, sob suspeita de envenenamento proposital. Os casos estão sendo apurados pela Polícia Federal.

    "Arrombaram a porta, levaram dois computadores. Tentaram levar uma L200, mas não conseguiram tirar, só levaram a chave”, relata um servidor da Funai que prefere não ser identificado.

    “É muito estranha a situação”, conta. "Levaram os computadores que tinham todos os documentos da Funai. Todos os registros de projetos das aldeias, de atendimentos, todos os dados dos indígenas, agendamentos de INSS, todos os dados sobre as famílias, maternidades. Todos os dados sistematizados pela Funai estão lá dentro”.

    A mesma CTL também atende à comunidade Guarani Kaiowá de Pyelito Kue, que foi atacada a tiros recentemente durante a retomada de uma fazenda, no último dia 12. Servidores da Funai foram ameaçados por produtores rurais.

    Suspeita de envenenamento

    No último dia 17, três Guarani da terra indígena Yvy Katu, foco do maior conflito na região do último período, foram hospitalizados com diarreia aguda, após terem ingerido aguardente de carotes dados a indígenas por uma pessoa não identificada pelos membros da comunidade. A suspeita dos Guarani é de que a bebida contida dos frascos estaria envenenada.

    Para o servidor da Funai, não há dúvidas de que a intoxicação teria sido proposital. “O envenenamento foi um ataque contra a comunidadade Yvy Katu”, explica. “Aproveitaram a situação [de vulnerabilidade ao uso de álcool] pra largar vários corotes de pinga envenenados, a gente acha que com chumbinho dentro. Três beberam só um pouco e passaram mal quase na hora”, diz. “Foram direto pro hospital, ficaram dois dias internados com dor de barriga aguda e vômito”.

    Os três frascos da aguardente supostamente adulterada foram entregues à Polícia Federal. Outras garrafas que também teriam sido espalhadas por pessoas não identificadas a outros membros da aldeia também serão entregues para a PF.

    “Isso alguém mandou fazer, com certeza. Alguém mandou essas pessoas distribuírem pinga com veneno dentro. Só pode ser alguém que tem interesse em fazer isso com os índios”, conclui o agente indigenista.

    Yvy Katu

    Há cinco meses, mais de cinco mil Guarani Ñandeva estão acampados nos 7,5 mil hectares da Terra Indígena Yvy Katu que estavam na posse de fazendeiros criadores de gado. A terra estava com processo de demarcação paralizado desde 2005.

    Considerado o maior movimento indígena de retomada territorial dos Guarani Ñandeva que se tem registro, a ocupação levou a uma série de ações de reintegração de posse contra a comunidade – todas derrotadas pelos indígenas, que permanecem até hoje na área, mas vem sofrendo uma série de ataques, intimidações e ameaças.

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  • 24/02/2014

    Sul da Bahia, garantia da lei e da ordem para quem?

    “Não pode, porém, a República permanecer na imobilidade com que tem assistido, em muitos casos, ao massacre de índios e sua sujeição a um regime de trabalho, semelhante ao cativeiro, sob o fundamento de lhe ser indiferente saber até que ponto pode coadunar-se com a lei e as responsabilidades de governo…” 20/06/1910 – Dr. Rodolpho Miranda Exposição de motivos para a criação do SPI

    Passados 104 anos da criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), seguimos com o mesmo imobilismo por parte do Estado brasileiro no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos constitucionais dos índios brasileiros e à educação adequada para o entendimento de que o Brasil é multicultural e pluriétnico.

    Desde 2012, os povos Pataxó, Tumbalalá e Tupinamba da Bahia esperam a assinatura da portaria declaratória de suas terras. Segundo nossa Constituição Federal de 1988, deveria ter sido assinada por autoridade competente até 1993, mas os decretos de homologação e as portarias declaratórias repousam nas gavetas da Presidência da República e do Ministério da Justiça à espera de vontade política. Outras 18 áreas de várias partes do Brasil também estão guardadas nessas gavetas.

    A presidenta Dilma frente à situação de conflito em que vive, por exemplo, os Tupinambá, no sul da Bahia, em vez de assinar o processo de homologação de suas terras (47.376 ha), optou por assinar um decreto de uso da força para a  garantia da lei e ordem. 

    Quais interesses movem o Estado brasileiro a não regularizar essas terras indígenas de direito originário já reconhecidas? Qual desordem irão combater os militares enviados à região?

    Sobre os tempos da ditadura militar a Bahia é lembrada, entre outros fatos, como o lugar onde morreu Carlos Lamarca. Ele, Glauber Rocha e tantos baianos tiveram seus direitos reconhecidos pelo Estado em reparação às violências sofridas. Às suas famílias o Estado brasileiro pediu desculpas em atos solenes organizados pelo Ministério da Justiça.

    Porém, nada ainda foi feito em relação para repararação das tragédias vividas pelas populações indígenas.

    Nos anos 60, um genocídio ocorrido em Itabuna exterminou duas aldeias inteiras para a tomada de suas terras. Foi a reincidência de um massacre praticado em 1951 com o mesmo objetivo e inúmeros assassinatos aconteceram na região, mas para os descendentes dessas populações atingidas o conceito de reparação não os alcança.

    O Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader de Figueiredo Correia para o Ministro Albuquerque Lima entre 1967-68, traz informações importantes sobre a violação dos direitos indígenas na Bahia, que pedem, sim, reparação do Estado brasileiro para com as famílias dos povos indígenas atingidos. Reparação coletiva baseada no reconhecimento de seus territórios.

    Em depoimento prestado na Câmara dos Deputados para a CPI de 1963, o Sr. Cildo Meirelles, irmão do indigenista Francisco Meirelles, que prestava serviços ao SPI sobre questões de terra, aponta:

    O Deputado Azziz Maron, da Bahia, por exemplo, é um dos grandes invasores da área da reserva de Itabuna. Essa reserva dos índios da Bahia é quase toda ela em zona de cacau, terra de primeira qualidade, às vezes, a terra é boa para o café, mas não presta para cacau. O filho do Senador Juracy Magalhães, que se suicidou e era deputado, era também dono de outra grande área invadida.” [1]

    José Maria da Gama Malcher, ex-diretor do Serviço de Proteção ao Índio e ex-secretário do Conselho Nacional de Proteção aos Índios à época de seu depoimento, quando perguntado se no Posto Indígena Caramuru-Paraguaçu “a área é toda do SPI”, respondeu de pronto: NÃO. “Tenho a impressão de que os arrendamentos são de tal monta que até a casa do Posto está arrendada.” [2]

    Gama Malcher não foi a única voz que denunciou o esbulho das terras indígenas de Itabuna, registrado noRelatório Figueiredo. Armando Ribeiro da Cruz e outras duas pessoas em outubro de 1967 denunciam em carta ao Ministro General Albuquerque Lima o roubo praticado. [3]

    O depoimento contundente de Helio Jorge Bucker em 1967, quando completara 16 anos de serviço público como funcionário do SPI, tendo atuado como chefe dos Postos Indígenas La Lima, Capitão Iacri e Caramuru-Paraguaçu, este em Itabuna e chefe das 5ª e 6ª Inspetorias Regionais, exercendo também funções de inspetor itinerante, traz uma série de iirregularidades no SPI sobre “o esbulho as terras indígenas praticados por grupos políticos e econômicos.”

    Helio Bucker expõe os casos de vários estados onde os povos Kadiweu, Kaiowá, Xavante, Terena, Bororo, Nambikwara, Pareci, Tapayuna, Rikbaktsa, Avá Canoeiro, Arara, Kayabi, Cinta Larga e Pataxó perderam suas terras mediante fraude jurídica e violência. [4]

    Voltando ao sul da Bahia, região em que neste ano de 2014 as Forças Armadas, junto com outras forças de segurança, vão atuar a mando do governo federal para garantir a lei e a ordem diz:

    É preciso que a sociedade reflita sobre estes depoimentos. É preciso que as forças de segurança deslocadas para lá saibam destes fatos. Afinal, dependendo de como agirem, podemos reparar estas violências cometidas pelo Estado ou repetir as do passado recente contra essas populações.

    A portaria que autoriza o uso interno das Forças Armadas determina que “a tropa empregada numa Op GLO (operação de garantia da lei e ordem) poderá fazer face a atos ou tentativas potenciais capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou ameaçar a incolumidade das pessoas e do patrimônio.”

    Infelizmente, o texto acima corrigido para a publicação da 2ª versão da portaria do Ministério da Defesa ficou sem sentido. Ele introduz algo que as Forças Armadas poderão fazer e não explicita o quê, pois foram suprimidos os exemplos que davam um parâmetro para a sociedade compreender o objeto concreto e as situações a serem enfrentadas durante uma Op GLO.

    Os ítens abaixo foram suprimidos do texto da 1ª versão:

    a) ações contra realização de pleitos eleitorais afetando a votação e a apuração de uma votação;

    b) ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras;

    c) bloqueio de vias públicas de circulação;

    d) depredação do patrimônio público e privado;

    e) distúrbios urbanos;

    f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas;

    g) paralisação de atividades produtivas;

    h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País;

    i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e

    j) saques de estabelecimentos comerciais.

    Os itens c, f e g têm sido usados pelos povos indígenas do estado da Bahia como forma de pressionar o governo federal a tirar da gaveta as portarias que reconhecem o seu direito originário às terras em disputa no estado.

    Com as ações repressivas desencadeadas, o Estado  pretendia na 1ª versão “restabelecer o livre estado democrático de direito, a paz social e a ordem pública”.

    Porém, uma ação dura do Estado na 2ª versão passou a ser associada “à defesa da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

    Sendo que no item 4.4.3 que define as principais ações que norteariam a intervenção federal, a defesa de propriedades em litígio não consta como atribuição definida para o emprego das Forças Armadas em uma região do país. Fica elencada e escondida atrás da expressão “entre outras” acrescentada ao texto.

    Como atuarão as tropas federais frente a ocupação legítima destas terras  por parte dos indígenas? Qual o entendimento sobre o direito ao patrimônio que será objeto da ação do governo? É papel do estado brasileiro resolver no braço forte ou na mão amiga esta difícil situação histórica de roubo de terras indígenas e muita violência?

    Há consciência entre membros e instâncias das Forças Armadas que seu papel é garantir a constituição e não atuar para resolver questões de terras como que a serviço de interesses privados e políticos eleitorais.

    A esses setores, em respeito ao compromisso que expressam ter com a democracia, bem como àqueles que se preocupam com um país próspero e de todos, dirigimos as informações abaixo.

    Em 03/04/1968, Benevides Andrade, agente do Departamento de Polícia Federal, compareceu espontaneamente para dar seu depoimento.

    A íntegra do depoimento do agente Benevides Andrade está aqui [5]

    Em 1937, Benevides Andrade participou da Comissão do Serviço Geográfico do Exército, que demarcou as terras pertencentes ao Posto Indígena na região de Itabuna.

    O capitão Moisés Castelo Branco Filho, que em 1968 era general da reserva, foi chefe da comissão de demarcação. Em 1937, ele deixou “os índios donos da terra sem problemas com vizinhos, gozando de boa saúde e possuidores de gado, animais e etc. O Exército Brasileiro demarcou terras com cerca de 20 léguas de cada lado”, disse Benevides Andrade.

    Em 1966, hospedado em um hotel em Salvador, Benevides Andrade ouviu de um fazendeiro:

    “as terras do PI Caramuru-Paraguaçu haviam sido retalhadas criminosamente por funcionários do próprio SPI e distribuídas mediante propinas entre pessoas que não sabe nomear, mas que se trata de políticos; que por ocasião da ocupação das terras pelos falsos donos … … O fazendeiro assegurou que os índios foram assassinados e que o prédio da sede do posto não mais existia como prédio público”.

    Chama atenção no depoimento deste agente policial federal o fato de ele ter assistido “o incêndio na Secretaria de Agricultura em Salvador, prédio onde se encontravam os arquivos do Departamento de Terras do Estado e ouviu os comentários populares que teria sido criminoso, mas que os arquivos teriam sofrido poucos danos.”

    Incêndio criminoso também queimou os arquivos do SPI no Ministério da Agricultura quando da instalação da Comissão de Investigação do Ministério do Interior em 1967, levando Jader de Figueiredo Correia e equipe a percorrer o Brasil para realizar seu trabalho.

    Qual propriedade será objeto da ação por garantia da lei e da ordem que se desenvolve no sul da Bahia? A propriedade demarcada pelo Exército brasileiro em 1937, que corresponde a uma das áreas guardadas há dois anos nas gavetas do Ministério da Justiça, ou as propriedades cartoriais expropriadas dos indígenas brasileiros à custa de genocídio, assassinatos e muita propina.

    Por que estas terras comprovadas hoje pela documentação produzida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), e que aguardam somente a assinatura do Ministro da Justiça e da Presidenta da República, receberiam pagamentos de arrendamento depositados em conta do Banco do Brasil em fevereiro de 1967, se não fossem terras dos índios da região?

    Em 17 de janeiro de 1962 o diretor substituto do SPI, Lourival da Mota Cabral designou, através da Ordem de Serviço nº 3, [6] o agente público Walter Samari Prado a verificar in loco a situação dos indígenas do posto  Kirirí. Entre as informações que deveriam constar do relatório estavam listadas: “as invasões de terras e quais os invasores”, bem como “se há terras arrendadas e, se for o caso, a quem e em que condições”.

    O relatório apresentado revela:

    as terras do Kirirí, estão todas elas invadidas ou ocupadas, existindo até Vilas nas mesmas. No entanto, alvitrio (sic) relacionar os nomes dos invasores mais recentes protegidos de autoridades locais” e que “não há nenhum arrendamento autorizado nem por funcionários do SPI, nem por qualquer outra autoridade. Apenas os comerciantes estabelecidos, em diversos ramos, pagam impostos devidos à Prefeitura.

    E concluí:

    Não poderíamos encerrar as páginas deste nosso RELATÓRIO, depois da inspeção que fizemos às ALDEIAS de “MIRANDELA” e “MASSACARÁ”, no estado da Bahia, respectivamente dos índios Kirirí e Caimbés, sem salientar o problema mais SÉRIO e VITAL, de sobrevivência para aqueles pobres índios, qual seja a solução definitiva da legitimação das terras que possuem desde tempos imemoráveis, por doação que lhe fez a COROA PORTUGUESA, esbulhados, por anos afora, sem até agora terem a fortuna de um desfecho vitorioso…

    Por essas e outras histórias coletadas em documentos e depoimentos nos vários estados brasileiros visitados, que, em 1967, o procurador Jader de Figueiredo Correia – designado interventor no SPI pelo General Albuquerque Lima e agindo em defesa dos interesses do estado brasileiro – declarou suspensos todos os arrendamentos praticados em terras indígenas na região de Itabuna e no Brasil.

    Este é um momento importante para o país, pois o sul da Bahia é hoje palco do embate entre a reparação/mudança de conduta do Estado brasileiro e a repetição de violências vividas, que marcaram de forma tão brutal esses cidadãos brasileiros.

    Há dois caminhos. Colocar as Forças Armadas para atuar contra o que determina nossa Constituição e expulsar os indígenas das terras ocupadas. Ou enviá-las para garantir o legítimo direito de organização e manifestação destes povos baianos na busca de seus direitos, proporcionando tempo para que o governo federal viabilize a assinatura das portarias e decretos de homologação destas terras, acabando com a disputa. Depois, enviar as Forças Armadas para atuar, por exemplo, em Mato Grosso, nas terras dos Xavantes ou, em Roraima, na Raposa Serra do Sol, a fim de garantir e defender a Constituição, promovendo a desintrusão daqueles que por décadas se beneficiaram de um bem que não lhes pertencia.

    Composição de fotos publicadas no Jornal do Grupo Tortura Nunca Mais do RJ, ano 23, nº 68, julho 2009  [10]

    Cabe à presidenta Dilma Rousseff e ao Ministro José Eduardo Cardozo conduzir o país para a afirmação do estado democrático de direito, incluindo como parte da ação federal no sul da Bahia a presença do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana nas operações de garantia de lei e ordem [7] como observador em ações que envolvam terras em litígio judicial. Assim como  aplicar o conceito da reparação coletiva, assinando o reconhecimento das terras indígenas baianas.

    Formular saídas para este conflito apenas baseadas na repressão aos movimentos indígenas, cedendo a setores da sociedade que apostam na imposição de seus pseudodireitos mediante a violência, chantagem e ameaças contra a realização dos direitos indígenas e a pessoa do índio [8], acarretará mais violência, dor e opressão a estes povos, que reafirmam dia a dia a sua existência como diferentes, buscando a mesma tranquilidade que todos desejamos.

    O desfecho no sul da Bahia irá aproximar ou afastar o país do caminho da construção democrática do Estado de direito, bem como nossa sociedade do conceito do Nunca Mais.

    Homologar as terras indígenas no estado da Bahia é construir mecanismos de não-repetição, apesar da verdade ser libertadora, somente ela não é capaz de construir o país que índios e não-índios merecemos.

    Pelo respeito e integridade dos territórios, culturas, crenças e desejos dos cidadãos índios brasileiros e por um Brasil: Nunca Mais sem Povos Indígenas.

    Marcelo Zelic é  vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do projeto Armazém Memória.

    [1] Acessar citação em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=297

    [2]  Acessar citação em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=445

    [3]  Acessar carta em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=1391

    [4] Acessar íntegra do depoimento: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=3729

    [5] A FUNAI hoje sofre um ataque do executivo e legislativo para efetuar um desmonte de suas funções constitucionais.

    [6] Acesso ao Relatório da visita ao Posto Kirirí: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=7536

    [7] Tanto para esta ação como para as demais que forem acionadas por esta portaria do Ministério da Defesa.

    [8]  Como o recente leilão de gado realizado no Mato Grosso do Sul para arrecadar recursos para o pagamento de “milícias privadas”

    [9] Endereço de acesso: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=5210

    [10] Para ler a íntegra das denúncias da tortura sofrida pelos indígenas Tupinambás em 2009, acesse: http://www.torturanuncamais-rj.org.br/jornal/gtnm_68/temacapa.html

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  • 20/02/2014

    Vigência da Portaria 303/2012 desrespeita decisão do STF e agride direitos dos povos indígenas

    A Portaria 303/12 da Advocacia Geral da União (AGU) está em vigor, de fato e de direito, desde o dia 05 de fevereiro de 2014. Isso ocorre uma vez que a Portaria 415, de 17 de setembro de 2012, havia suspendido os efeitos da mesma até o “dia seguinte ao da publicação do acórdão nos embargos declaratórios a ser proferido na PET 3388-RR que tramita no Supremo Tribunal Federal". O referido acórdão foi publicado no dia 04 de fevereiro.

    Como é de conhecimento público, ao julgar os embargos declaratórios da Petição 3388-RR, a mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, o STF, decidiu que as “Condicionantes” valem para o caso julgado e não têm efeito vinculante às demais terras indígenas. O Poder Executivo, por meio da AGU, ao dar vigência à Portaria 303/2012, estabelece esta vinculação das ditas “Condicionantes” a todas as terras indígenas do Brasil.

    Em vez de revogar a Portaria 303/2012, o AGU publicou, no último dia 07 de fevereiro, a Portaria número 27/2014, por meio da qual determina “à Consultoria-Geral da União e à Secretaria-Geral de Contencioso (SGCT) a análise da ‘adequação’ do conteúdo da Portaria AGU nº 303”, aos termos do acórdão proferido pelo STF no julgamento dos embargos de declaração opostos na Petição nº 3388. Qual o sentido de “adequar” a Portaria 303/2012 ao conteúdo da decisão do STF?

    A vigência da Portaria 303/2012 é incompreensível e injustificável. Trata-se de uma decisão política do Poder Executivo Federal que desrespeita e atenta contra decisão do STF, determinando práticas na atuação dos Advogados da União, inclusive em processos judiciais que envolvem disputas fundiárias relativas ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais.

    A Portaria 303/2012 é altamente prejudicial aos povos indígenas. Em respeito à decisão do STF e aos direitos destes povos, é fundamental que a mesma seja imediata e definitivamente revogada pelo governo federal.

    Brasília – DF, 20 de fevereiro de 2014.

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

     

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  • 19/02/2014

    Em favor dos povos indígenas

    O Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestam total solidariedade aos povos indígenas do Brasil, em especial, às comunidades indígenas do Rio Grande do Sul, diante do desrespeito, preconceito e violência dos quais têm sido alvos nos últimos tempos. Durante o ano de 2013, o Comin e o Cimi se manifestaram diante de várias situações violentas sofridas pelas comunidades Kaingang e Guarani, por vezes junto a outros grupos minoritários. Contudo, a lentidão ou omissão das autoridades competentes para atender as demandas reivindicadas e de direito (demarcação de terra; políticas públicas condizentes; investigação e julgamento dos atentados a tiros, ameaças de morte, coerção e do abuso de poder de servidores público; e outras violências) criou possibilidades para que as declarações e incitações violentas ocorressem no dia 29 de dezembro de 2013, em Vicente Dutra (RS).

    As declarações ocorreram durante a realização da Audiência Pública da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), da Câmara dos Deputados Federais. A audiência foi conduzida e coordenada pelo deputado Vilson Covatti (PP/RS), com participação dos deputados federais Alceu Moreira (PMDB/RS) e Luiz Carlos Heinze (PP/RS). O tema da audiência era os conflitos oriundos do processo de demarcação das terras de ocupação tradicional kaingang, a Terra Indígena (TI)Rio dos Índios, de 715 hectares. Contudo, durante a audiência, que não teve a participação da comunidade kaingang ou de entidades de defesa dos direitos humanos ou dos povos indígenas, somente os setores políticos, sindicais e dos agricultores se manifestaram. Todos contrários à homologação da TI Rio dos Índios. Os discursos incitavam a comunidade não indígena de Vicente Dutra e região a resistir e desconhecer a presença histórica e legitimidade da reivindicação da comunidade indígena.

    A publicação do vídeo, com cerca de três minutos, na última semana, é uma amostra dos discursos e falácias proferidas durante duas horas. Os três deputados federais ocuparam maior tempo, porém representantes de prefeituras, sindicatos e das famílias agricultoras também se manifestaram. A íntegra da audiência pode ser visualizada no sítio eletrônico do youtube, sob o título “Audiência Pública em Vicente Dutra (RS)” – [Parte 1 até Parte 6]. Além das barbaridades já divulgadas, ocorreram outras. Inclusive, propaganda eleitoral ao governo estadual do Rio Grande do Sul, em que se afirma que as pré-candidaturas de Ana Amélia Lemos (PP/RS) e José Ivo Sartori (PMDB/RS) orientariam a Brigada Militar a defender a propriedade privada e não permitiriam a continuidade dos processos e manifestações das comunidades indígenas. Desrespeitam, assim, a legislação brasileira e as prerrogativas do direito fundamental de acesso e permanência na terra dos povos indígenas, como estipulado pela Constituição Federal do Brasil, a declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

    Ressalta-se que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas define no artigo 2o: “Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena”. Da mesma forma a Constituição Federal do Brasil, constituído como Estado Democrático de Direito, estabelece como um dos objetivos fundamentais, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV da CF 88). Assim, a discriminação e o preconceito se constituem em crime, como tipificado pelo artigo 20 da lei nº 7.7716/89 (Lei do Crime Racial): “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

    O Comin e o Cimi referendam o documento elaborado pelas lideranças indígenas entregue ao Ministério Público Federal/Passo Fundo, durante o Encontro de Lideranças Indígenas, realizado na Comunidade Kaingang RêKuju, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2014. Reafirmamos e também “exigimos punição severa a esses deputados contra os crimes de preconceito racial, étnico, apologia ao crime e a violência, discriminação social, econômica, de gênero, religiosa e formação de milícias. A incitação preconceituosa e violenta, aliada a interesses eleitorais, representa uma ameaça aos direitos humanos dos povos indígenas e promove uma opinião contrária e irreal sobre as comunidades e os povos indígenas”, como expresso no documento das lideranças indígenas. ‘O que não presta’ é o preconceito e a incitação à violência. A luta por uma sociedade plural, cidadã e com justiça social é o que se quer para a sociedade brasileira. Fevereiro de 2014 Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin) Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

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  • 18/02/2014

    Nota em Solidariedade aos Tupinambá e aos Pequenos Agricultores no sul da Bahia

    As entidades, movimentos e pessoas que assinam esta nota, entendem que o clima ora estabelecido no sul da Bahia, de intensa gravidade e descontrole, culminando com a morte de Juraci Santana, liderança do assentamento Ipiranga, em Una/BA, se deve à inoperância e irresponsabilidade dos Governos Federal, e Estadual.

    Esta postura do governo tem sido o principal elemento para aumentar o clima de tensão e violência no sul da Bahia, vitimando em especial os Tupinambá, e os pequenos agricultores. Após a conclusão dos estudos oficiais exigidos pela Constituição, e que comprovaram a ocupação tradicional do território pelos indígenas, cabe agora ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assinar a Portaria Declaratória. O documento está nas mãos do Ministro há quase dois anos, apesar de a legislação determinar o prazo máximo de 30 dias. Com esta postura, o governo brasileiro viola os direitos originários do Povo Tupinambá, garantidos na Constituição Federal de 1988, e assegurados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil em 2002.

    A demora na assinatura da Portaria emperra que outros encaminhamentos relativos à regularização do território avancem. Os pequenos agricultores não conseguem receber as indenizações previstas na legislação, e se sentem inseguros quanto ao futuro. Cabe ressaltar que a legislação brasileira estabelece que os ocupantes não indígenas que de boa fé se encontram dentro da área, devem ser reassentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em outras áreas, e receber indenizações pelas benfeitorias, a serem pagas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com recursos públicos. Dessa forma, os direitos de todas as pessoas, indígenas e não indígenas, são assegurados na lei, como forma de realizar a justiça e promover a paz.

    Aproveitando-se desta inércia governamental, latifundiários que sempre foram contra a Reforma Agrária, e que nunca se preocuparam com a qualidade de vida de famílias agricultoras, organizam ações violentas contra o cumprimento da legislação em vigor. Vários interesses políticos eleitoreiros também se manifestam, exacerbando a violação de direitos na região.

    A CNBB Regional Nordeste 3, ainda no mês de novembro de 2013, manifestou intensa preocupação ao ponto de lançar uma nota com o título “nota sobre conflito no sul da Bahia”, os Bispos reunidos em Assembleia com agentes de pastoral e forças vivas do Regional, destacam: “A omissão do Governo brasileiro é a causa do enorme prejuízo da população atingida, tanto os pequenos produtores rurais como os índios Tupinambás. É urgente a pacificação no sul da Bahia garantindo os direitos dos indígenas e dos pequenos produtores. Isso só acontecerá quando o Governo cumprir com seus deveres constitucionais. Apelamos para a sensibilidade do Ministério da Justiça a fim de que reverta esse quadro dramático e tome as providências devidas para a regularização das terras no sul da Bahia, com a urgência que o caso requer”. No mês seguinte à publicação desta nota, três índios Tupinambá são assassinados no município de Una.

    Nós que apoiamos os direitos e as reivindicações dos povos indígenas, e dos pequenos agricultores que precisam de terras e de boas políticas públicas para se viabilizarem, alertamos as autoridades constituídas, especialmente o ministro da Justiça, para a necessidade urgente de cumprimento da lei, para que esse caso não seja mais um daqueles em que violências são perpetradas, e a impunidade se torna a marca mais visível e duradoura.

    Por tudo isto, As entidades que subscrevem esta nota, vêm a público se solidarizar com a luta da comunidade Tupinambá de Olivença e trabalhadores rurais do sul da Bahia, e em nome da verdade, denunciar toda esta “orquestração” com elementos de campanha eleitoral, montada para prejudicar o povo Tupinambá e os pequenos agricultores; e para repudiar a continuação de práticas coloniais e discriminatórias contra as populações tradicionais. Apoiamos incondicionalmente a demarcação das terras indígenas e a realização de uma autêntica Reforma Agrária.

    Rebatemos publicações sensacionalistas divulgadas na região contra os Povos Indígenas, em especial neste momento, contra os Tupinambá de Olivença, retratando-os como selvagens, bandidos, empecilhos ao desenvolvimento, ameaçadores; entre outras expressões racistas. Acreditamos que esta estratégia faça parte de uma articulação nacional demonstrada em vídeo onde se registram discursos de deputados da bancada ruralista estimulando que agricultores usem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram ser suas terras, e afirmam que quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta”, e incitam a violência contra os povos indígenas. (https://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7365&action=read). Toda esta ação tem o claro objetivo de fortalecer uma opinião publica anti-indígena , o que, consequentemente, incentiva a eliminação gradual e contínua dos Povos Indígenas Brasileiros.

    Denunciamos as perseguições e violações que sofrem o Povo Tupinambá, por defenderem a sua integridade, e a devolução do seu território, que são os poucos espaços que lhes restam, depois de 513 anos de roubo, expulsões e etnocídio. As terras indígenas são terras da União, não podem ser compradas e nem vendidas. Exigimos o respeito aos direitos constitucionais, em especial aos Artigos 231, 232. Que o ministro da Justiça cumpra com suas obrigações e que a presidenta Dilma Rousself, o governador Jacques Wagner e seus aliados (agro negócio) respeitem a Constituição e os direitos dos povos indígenas.

    Assinam a nota:

    Articulação em Políticas Públicas da Bahia (APP), Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ), Associação para o Resgate Social (ARES), Associação de Docentes da UECS/ADUSC, Caritas NE 3, Centro de Agroecologia e Educação da Mata Atlântica (OCA), Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES), Coletivo de Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira (Caporec), Coletivo Retomada (ANEL/UESC)Comissão Pastoral da Terra (CPT), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Conselho de Cidadania Permanente (CCP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Nacional dos Cines Clubes (CNC), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves (EACMA), Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Frente dos Trabalhadores Livres (FTL), Fórum Estadual de Educação no Campo, Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM- BA), Grupo de pesquisa Memória, Territorialidades e Processos Identitários no Recôncavo da Bahia(mito/UFRB), Levante Popular da Juventude, Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento Mulheres em Luta (MML/BA), Movimento Estadual de Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas (CETA), Movimento de Luta pela Terra (MLT), Movimento Negro Unificado (MNU), Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Programa de Pesquisa sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (Pineb/UFBA), Teia Agroecológica dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Luzia, União Geral dos Trabalhadores (UGT), União dos Conselhos de Cines Clubes da Bahia (UCCBA)

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  • 18/02/2014

    Comissão Nacional da Verdade ouve indígenas de MS sobre expulsão de terras tradicionais

    Evento inédito vai apurar violações de direitos humanos relacionadas à luta pela terra ou cometidas contra os povos indígenas no período de 1946 a 1988

     

    A Audiência da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em Dourados será realizada nesta sexta (21), a partir das 7:30, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Estarão presentes a psicanalista e membro da CNV Maria Rita Kehl, o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida e os pesquisadores Marcelo Zelic, Spensy Pimentel e Jorge Eremites de Oliveira. O evento é coordenador pelo professor Neimar Machado (UFGD).

     

    Serão ouvidos indígenas de 5 diferentes comunidades guarani e guarani-kaiowá de Mato Grosso do Sul, que irão falar sobre episódios de violência durante a ocupação do estado por colonos, como assassinatos, expulsão de territórios tradicionais e confinamento em pequenas reservas. Especialistas irão conduzir os depoimentos, dada a dificuldade dos indígenas em se expressar em português.

     

    A coleta de depoimentos oficiais pela Comissão Nacional da Verdade pode subsidiar futuras ações de indenização coletiva em favor das comunidades indígenas ou outras ações compensatórias.

     

    Violência

     

    A população indígena de Mato Grosso do Sul é a 2ª maior do país, com mais de 70 mil pessoas. A maior etnia é a dos guarani, que habitam territórios ao sul do estado. A taxa de mortalidade infantil entre a etnia guarani-kaiowá é de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 25 mortes por mil nascimentos. Já a taxa de assassinatos – cem por cem mil habitantes 3 é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem mil pessoas.

     

    Confira aqui a programação do evento.

     

    Serviço:

     

    Audiência Comissão Nacional da Verdade

    21/02/2014 – 7:30 às 17:30

    Violações de Direitos Indígenas (1946-1988)

    Universidade Federal da Grande Dourados –

    Rodovia Dourados – Itahum, Km 12 – Cidade Universitária.

    Dourados (MS)

     

    Assessoria de Comunicação Social

    Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

    (67) 3312-7265 / 9297-1903

    (67) 3312-7283 / 9142-3976

    www.prms.mpf.gov.br

    ascom@prms.mpf.gov.br

    www.twitter.com/mpf_ms

     

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  • 18/02/2014

    Carta de repúdio aos discursos contra os direitos indígenas e direitos humanos

    As lideranças Kaingang das Terras Indígenas (TIs) de Ketyjug Tegtu (Santa Maria, Três Soitas), Rio dos Índios, Xingú, Lajeado do Bugre, Mato Castelhano, Morro do Osso, Re kuju (Campo do Meio), Forquilha, Cacique Doble, Kandóia, Faxinal e Ventarra, localizadas ao norte do Rio Grande do Sul, vem de público repudiar a postura de deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária Luis Carlos Heinze, Alceu Moreira e Vilson Covatti, que em discurso proferido em audiência publica no dia 29 de novembro de 2013 no município de Vicente Dutra. – Luiz Carlos Heinze disse que “quilombolas, índios, gays e lésbicas” são “tudo o que não presta”, promovendo o racismo e discriminação étnico, cultural da opinião pública contra as minorias brasileiras.

     

    É inaceitável que um homem público, referindo-se a demarcações de terra e direitos fundiários, afirma que para enfrentar agentes e representantes públicos: “Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário. […] A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça” atentando contra o Estado Democrático e de Direito que ele representa.

     

    Repudiamos esse tipo de atitude e exigimos providencia quando a propaganda eleitoral explícita promovida em favor dos partidos PP e PMDB, afirmando que as candidaturas destes impediriam as demarcações de terra indígenas, e desqualificando os mandatos executivos federal e estadual. Para que haja justiça, tais candidaturas não podem ser confirmadas, pois não cumprem com os preceitos de defesa dos direitos e cidadania plena de todos habitantes do Brasil, inclusive nós, povos indígenas. Exigimos punição severa a esses deputados contra os crimes de preconceito racial, étnico, apologia ao crime e a violência, discriminação social, econômica, de gênero, religiosa e formação de milícias.

     

    A incitação preconceituosa e violenta, aliada a interesses eleitorais, representam uma ameaça aos direitos humanos dos povos indígenas e promovem uma opinião contrária e irreal sobre as comunidades e povos indígenas. A proposta de cidadania plena, assegurada na CF 88, artigo 05, OIT 169 e Declaração sobre os Povos Indígenas da ONU, promovem uma sociedade pluri-étnica e multi-cultural, com dignidade e justiça social.

     

    Repudiamos também a forma com que esses políticos, contrários aos nossos direitos, se aproveitam da situação precária em que vivemos em nossos acampamentos, tentando cooptar nossas lideranças como propostas de redução de nossos direitos e territórios. Também responsabilizamos esses deputados caso algum incidente de violência contra as comunidades indígenas venha acontecer. Exigimos a punição exemplar na defesa dos direitos humanos.

     

    Veja a audiência na integra: http://www.youtube.com/playlist?list=PLVBhYCk5oDAqbaKYqGD–cHO_pYFMel4R, sob o titulo: Audiência Pública em Vicente Dutra.

     

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  • 18/02/2014

    Documento do I Encontro de Lideranças Kaingang em retomada de suas terras tradicionais

    Nós lideranças indígenas realizamos o I Encontro de Lideranças kaingang em Retomadas de suas terras tradicionais, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2014 na terra Indígena (TI) de Re kuju (Campo do Meio). Estavam presentes as TIs de Ketyjug Tegtu (Santa Maria, Três Soitas), Rio dos Índios, Xingú, Lajeado do Bugre, Mato Castelhano, Morro do Osso, Re kuju (Campo do Meio), Cacique Doble, Passo Grande da Forquilha, Kandóia, Faxinal e Ventarra, reunidos analisamos a política anti-indígena que esta em curso no Brasil e avaliamos que isso repercute na paralisação dos processos demarcatórios em nossa região. Enquanto isso, nós, povo kaingang, e o povo irmão guarani continuamos em situação de acampados e sofrendo ameaças, atitudes de racismo e discriminação e a conseqüência da falta de atendimento básico que levam a situação de miseráveis. Tal situação é agravada pela ação de deputados, prefeitos, organizações representativas de agricultores e outros políticos interesseiros que estimulam atitudes preconceituosas e incitam a violência contra os kaingang. Exemplo claro é o vídeo que esta circulando nas redes sociais da internet, com ampla repercussão em outros meios de comunicação.

     

    Exigimos da Funai e do Ministério Público Federal a punição exemplar a esses deputados federais, enquadrando-os nos crimes de preconceito racial, étnico, apologia ao crime e a violência, discriminação social, econômica, de gênero, religiosa e formação de milícias.

     

    Constantemente nossos direitos sofrem ataques. Nossas terras, nossos territórios, já degradados pelo capitalismo (monoculturas e o uso de agrotóxicos), não estão sendo demarcados conforme manda a Constituição Federal nos artigos 231 e 232, reiterada pela Convenção 169 da OIT e a declaração sobre os Povos Indígenas da ONU. Projetos de leis tramitam no congresso contra nosso direito a terra, a exemplo a PEC 215, portaria 303 e PLP 227, exigimos da Presidente Dilma e sua base de governo uma posição contrária a esses projetos genocidas.

     

    Reivindicamos o cumprimento da lei que defende o direito de acesso a nossa terra. Exigimos da Presidência da República, Ministério da Justiça e Funai que realize a desintrusão da TI Rio dos Índios, faça o levantamento fundiário da TI Passo Grande da Forquilha, publique a portaria declaratória da TI Kandóia e da TI Irapuá, conclua os laudos antropológicos e publique os relatórios das TIs de Lajeado do Bugre, Xingú, Morro do Osso, Mato Castelhano e Carazinho, crie Grupo Técnico de Trabalho (GT) para a identificação de delimitação das TIs Campo do Meio,  Faxinal e Ketyjug Tegtu (Santa Maria, Três Soitas) e GT para revisão de divisas da TI de Ventarra e Cacique Doble e outras, que já estão sendo solicitados há anos.

     

    Nós lideranças indígenas kaingang também exigimos do presidente da FUNAI explicações do porque o cronograma de ação da FUNAI construído em Passo Fundo em dezembro de 2011 não foi concretizado, assim como justificativas de o porque que nenhuma informação clara se materializou para as TIs após a elaboração deste. Queremos ver passos concretos e ações claras em nossas reivindicações até 07 de Março de 2014, caso isso não aconteça, o povo kaingang está organizado e articulado para concretizarmos nossos direitos. Estamos prontos para parar o Brasil e ocuparmos os nossos territórios.

     

    Por fim nos lideranças não aceitamos sob hipótese nenhuma negociar nossos direitos a terra e nem aceitamos propostas de redução dos nossos territórios tradicionais.

     

    Campo do Meio, 14 de fevereiro de 2014.

     

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  • 18/02/2014

    Iasi: a missão cumprida de um guerreiro

    Amanhece em Belo Horizonte. Para Iasi já não é como os demais. Normalmente, o dia nem dava os ares de sua graça e o incansável guerreiro se punha de pé, fazia sua reza e dava início a mais uma jornada. Agora, acamado, quando comentei sobre seus 94 anos a serem completados no próximo dia 05 de abril, ele brinca: “Se vivo estiver”.

     

    Com a mesma lucidez e perspicácia, sente a vida passar como um filme. “Quando a gente chega com lucidez nessa idade, a vida vai passando na memória da gente como um filme. Me lembro desde os 4 anos”. Brinquei com ele: “Imagina que longa metragem de 90 anos!”. Ele sorri. Começou a falar da família, da revolução na década de trinta, da casa de comércio de seu pai, da falência, em função da crise financeira, e de sua primeira matricula num colégio público em São Paulo, aos sete anos de idade.

     

    Passo mais de hora e meia com o sereno lutador, que mesmo com algumas dores não se furta a puxar do fundo do baú de sua existência, fatos e retratos marcantes de quem enfrentou, com ousadia destemida, os inimigos dos povos indígenas, especialmente durante a ditadura militar. Como primeiro secretário executivo do Cimi, eleito em Assembleia (1975), fez, com Egydio Schwade, uma dupla temida pelos militares e poderosos da ditadura.

     

    Por ocasião dos assassinatos dos missionários do Cimi, Pe. Rodolfo e Simão Bororo (1976), e Pe. João Bosco Burnier (outubro de 1976), ele fez duras críticas aos mandantes de tais crimes, “dando nome aos bois” – senadores, deputados, prefeitos, vereadores e fazendeiros. Inclusive o governador do Mato Grosso, classificando Garcia Neto de “o governador do faroeste brasileiro”. Pe. Antonio Iasi Junior, afirmou que ‘quando um xerife acusa, sem escrúpulo e levianamente o clero, como sendo uma corporação infiltrada de comunistas e subversivos, não é de se estranhar que policiais a seus serviço, matem o comunista e subversivo…” (Folha de S. Paulo, 21/10/1976). Diante desse quadro de insanidade e violência Iasi insiste em atitudes enérgicas e decisivas: “Volto a insistir que somente uma intervenção federal pode resolver o estado de violência no Mato Grosso… Só assim poderemos ver prestando contas à Justiça aqueles que matam, mandam matar e ainda permanecem em liberdade” (FSP 21/10/76).

     

    No final do texto “Y Juca Pirama – o índio aquele que deve morrer”, do qual foi um dos principais redatores, consta: “O missionário jesuíta Antonio Iasi Junior comentava: ‘Os índios estão sempre levando a pior nessa luta em defesa de seus interesses. Chega assumir características de quando em quando de tarefa insuportável. Sinceramente não sei por que existe tanta insensibilidade, tanto egoísmo e tanta podridão entre os que se dizem, em alto e bom som, defensores dos índios” (Voz do Paraná 14/01/1974).

     

    Iasi se deslocou de Norte a Sul do país identificando e denunciando as graves violações dos direitos dos povos indígenas, especialmente na década de 70, “do milagre brasileiro” e genocídio indígena. Seus relatórios são referências importantes e contundentes até hoje.

     

    Despedida e gratidão

     

    “Leve meu abraço de gratidão a todos os companheiros do Cimi e a todos os amigos”, disse-me ele, na despedida. Dito de coração e com serenidade, deixa a gente emocionado e comprometido com o belo gesto.

     

    “Sente dores, vislumbra a morte e com ela brinca. Está sereno. Celebra. Reza. Entrega-se por inteiro nas mãos d’Aquele que foi a razão de seu viver e lutar. Na solidão de um quarto, escondido dos holofotes, vive um dos grandes responsáveis pelo Cimi, pela CPT e pelo sucesso na demarcação de muitas áreas indígenas. As coisas de Deus apreciam o silêncio. Falam por si! Que a paixão do Iasi contribua para a ressurreição dos povos indígenas!” Assim se refere ao Iasi um de seus grandes amigos, Waldemar Bettio, ao compartilhar no meio indigenista, notícias sobre esse baluarte da causa indígena.

     

    Nós, do Cimi, somos muito gratos a esse missionário indigenista, testemunha e batalhador destemido pela vida e direitos dos povos indígenas do Brasil.

     

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