• 28/02/2014

    “Audiências da PEC 215 podem servir para mais ataques racistas”, diz liderança indígena

    Lideranças indígenas Guarani Kaiowá e Ñandeva da Aty Guasu e do Conselho Terena, povos do Mato Grosso do Sul, além de dirigentes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), estiveram no Ministério da Justiça, no início da tarde desta sexta-feira, 28, para reforçar denúncia diante dos ataques dos deputados Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) (veja aqui) e demonstrar preocupação diante da Comissão Especial da PEC 215.

     

    “Os ataques dos deputados ruralistas ocorreram numa audiência pública da Câmara Federal. Para a PEC 215, os ruralistas já solicitaram cerca de 20 audiências. Tememos que estas audiências sirvam para mais uma vez sermos atacados de forma racista, com ódio”, destaca Lindomar Terena.

     

    O grupo foi ouvido por representantes da Secretaria Nacional de Segurança e da Assessoria Especial de Assuntos Indígenas, organismos do ministério. Demandas territoriais, além de protestos contra a Portaria 303, também foram tratadas no encontro.  

     

    Vivenciamos uma vergonhosa pactuação dos poderes do Estado e dos donos ou representantes do capital, em detrimento dos direitos constitucionais dos nossos povos. Uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos originários”, diz trecho de carta-denúncia protocolada junto ao ministério.

     

    Leia na íntegra:   

     

    AO EXCELENTISSIMO SENHOR

    JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO

    MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

     

    Estimado Senhor Ministro,

     

    Nós, lideranças indígenas abaixo assinadas, em nome

     

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, do Conselho da Grande Assembleia  Guarani Kaiowá (Aty Guassu) e do Conselho do Povo Terena, mobilizados em Brasília – DF, viemos por este meio denunciar à vossa excelência a intensificação dos ataques promovidos contra os direitos dos nossos povos, com grande preocupação neste ano eleitoral, por distintas forças econômicas e políticas da sociedade e do Estado brasileiro, que tentam perpetuar, a qualquer custo o modelo de desenvolvimento prioritariamente agroexportador que viabilize seus interesses de poder, acumulação e lucro, e de apropriação e espoliação dos nossos territórios.

     

    Vivenciamos uma vergonhosa pactuação dos poderes do Estado e dos donos ou representantes do capital, em detrimento dos direitos constitucionais dos nossos povos. Uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos originários, que busca legalizar o assalto e a usurpação dos territórios indígenas e suas diversas riquezas. Daí o empenho desses inimigos em impedir de qualquer forma a demarcação das poucas terras que nos sobraram com a invasão colonial.

     

    Fazem parte dessa campanha:

     

    1. As audiências públicas promovidas em distintas regiões do país pela Frente Parlamentar Agropecuária, com o propósito de dar legalidade à inconstitucional PEC 215, que busca inviabilizar a efetivação dos direitos territoriais indígenas, quilombolas e as unidades de conservação. Por outra parte, ditas audiências, tem se constituído em verdadeiros palcos de incitação ao crime, ao ódio, ao racismo e à violência contra os nossos povos e outros segmentos marginalizados da população, tal como aconteceu em 29 de novembro de 2013, no Munícipio de Vicente Dutra-RS. Denunciamos particularmente os discursos proferidos pelos deputados Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS), com impropérios absurdos e inaceitáveis contra homossexuais, prostitutas, quilombolas e, especialmente, contra os povos indígenas. Entregamos para seu conhecimento, apuração e punição desses parlamentares vídeo que reúne na íntegra essas falas que no nosso entendimento constituem crime, atentado aos direitos humanos e desrespeito ao estado de direito.

     

    2. A Portaria Nº 27, de 7 de fevereiro de 2014, do Advogado-geral da União-AGU,  Luís Inácio Lucena Adams, que determina à Consultoria-Geral da União – CGU e à Secretaria-Geral de Contencioso – SGCT a análise da adequação do conteúdo da Portaria AGU nº 303, de 16 de julho de 2012, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, de 17 de fevereiro de 2012, aos termos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos embargos de declaração opostos na Petição Nº. 3388.

     

    A artimanha visa evidentemente que a polêmica e impugnável Portaria 303, já em vigor de fato, se torne lei de direito, conforme reivindicam a partir de 2012 os representantes do agronegócio e a bancada ruralista aos quais o ministro Adams é um fiel subserviente

    Considerando que a mesma é uma afronta à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e responsável pelo agravamento da insegurança jurídica e social, das ações de violência, perseguições, ameaças e assassinatos cometidos contra os povos e comunidades indígenas promovidas por invasores de suas terras reivindicamos do governo Dilma a sua imediata e definitiva revogação.

     

    Da mesma forma reivindicamos a revogação de outros instrumentos publicados pelo Poder Executivo tais como a Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, a Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas, e o Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013, que institui instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

     

    3. A estas arremetidas somam-se a voraz vontade da bancada ruralista de rasgar a Constituição Federal que garante os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam. Utilizam-se para isso de distintas iniciativas legislativas dentre as quais destacam-se a PEC 215, o PLP 227, e o PL 1610 da mineração em terras indígenas.

    Diante deste quadro de ameaças e afrontas aos direitos dos nossos povos agudizadas visivelmente em regiões como Mato Grosso do Sul, Amazonas, sul da Bahia, entre outros, pedimos ao governo Dilma, especialmente ao ministério que a vossa excelência preside, o atendimento às nossas demandas aqui apresentadas, priorizando imediatamente a demarcação das nossas terras, cuja falta contribui ao incremento e agravamento do atual quadro de violência contra os nossos povos.

     

    Atenciosamente.

     

     

     

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  • 27/02/2014

    A verdade sem medo: Comissão Indígena da Verdade e Justiça avalia os trabalhos

    A memória e a verdade, mais do que resultados, produtos e relatórios, são processos coletivos e individuais de lutas por direitos históricos, por reparação e justiça. Com essa percepção e dentro de um momento conjuntural propício a iniciativas nesta perspectiva foi criada, em agosto de 2013, a Comissão Indígena da Verdade e Justiça.

    O tempo é favorável à emergência de verdades ocultadas por décadas e séculos.  É a insurgente memória perigosa que aflora e busca seu espaço nos processos de mudanças e transformações sociais, na construção de novas sociedades.

    A Comissão Nacional da Verdade, criada por pressão da sociedade civil, em 2012, ensejou a criação de inúmeras comissões país afora, à semelhança do que ocorreu em outros países da América do Sul, como Argentina e Chile. Foi nesse bojo que se constituiu a Comissão Indígena da Verdade e Justiça, criada pelo movimento indígena e aliados. São ferramentas para dar vazão à urgente necessidade de passar a história colonialista a limpo e dar a voz e a vez às vítimas, aos oprimidos, em especial os que sempre foram preteridos e relegados ao segundo plano e discriminados, como no caso dos povos indígenas.

    A Comissão Indígena da Verdade e Justiça esteve reunida em Brasília neste mês de fevereiro para avaliar o andamento dos trabalhos, traçar rumos e definir estratégias. Participaram lideranças indígenas, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coiab, Apoinme, Aty Guassu, Arpinsul e entidades aliadas, dentre as quais o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Armazém da Memória e a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), dentre outros.

    Numa rápido olhar sobre a caminhada foram levantados os principais desafios e perspectivas. Todos manifestaram seu desejo de contribuir para que esse instrumento de luta pelos direitos indígenas se consolide e desperte a consciência nacional quanto às violências e genocídio a que foram submetidas as populações indígenas, especialmente pela ditadura militar. Mais do que um bom relatório, a Comissão Indígena alimenta a esperança de que se dê visibilidade a fatos marcantes que causaram a morte de aproximadamente 10 mil indígenas durante os 20 anos de ditadura militar. Em consequência das chacinas, transferências forçadas, epidemias, pacificações apressadas, torturas e assassinatos, milhares de indígenas e centenas de aldeias foram destruídas.

    Um dos objetivos da Comissão Indígena da Verdade e Justiça é dar visibilidade a esses fatos, através de depoimentos e revelação de documentação histórica. Dessa forma também esperam contribuir com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, previsto para ser concluído até o final deste ano. Porém, o mais importante é que a revelação desse processo de negação de direitos, violências e genocídio não se repita e não perpetue em nosso país.

    Otoniel Kaiowá observou que é importante trazer os velhos pra falar porque eles conhecem toda a história. Diz que devemos demonstrar que não existem fronteiras e essas pesquisas vão ajudar a fortalecer a dimensão territorial. Foi dada muita ênfase aos cuidados indispensáveis para a realização dos relatos e depoimentos nas aldeias, sendo isso fundamentalmente uma atividade dos próprios acadêmicos e professores indígenas. Com isso se estará respeitando o espaço, o tempo e a cultura de cada povo, a situação concreta de cada comunidade e a compreensão de cada depoente. Já existem atividades em curso, dentro desses princípios, conforme relatou o professor Neimar, da UFGD. No dia 21 foi realizada uma importante audiência, com depoimentos de representantes de cinco aldeias/tekohá, em Dourados.

    Outra dimensão importante do trabalho é que se chegue a fazer reparação coletiva aos povos indígenas, dentro das perspectivas em que está trabalhando o Ministério Público Federal (MPF). Uma das ações movidas está a do MPF do Amazonas, com relação aos Tenharim.

    Foram elencadas quase duas dezenas de povos que tiveram inúmeras mortes diretamente cometidas por agentes do Estado brasileiro ou em decorrências de suas políticas desenvolvimentistas. Esses fatos devem ser reforçados com depoimentos e documentos para serem revelados à opinião pública.

    Também foi discutida uma proposta de publicação, relatando extensamente todo esse processo de violência e mortandade sofridas pelos povos indígenas em nosso país.

    Com muita determinação e realismo, sem ilusões quanto às dificuldades a serem enfrentadas, os membros da Comissão Indígena da Verdade e Justiça estarão se empenhando cada vez mais para que mais pessoas, aliados e voluntários da causa, se empenhem na luta pela verdade sem medo e pela justiça sem subterfúgios.

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  • 27/02/2014

    Indígenas ocupam sede da AGU e exigem a revogação da Portaria 303

    Pela revogação da Portaria 303, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília (DF), foi ocupada no final da tarde desta quinta-feira (27), por 40 indígenas dos povos Terena, Guarani Kaiowá e Ñandeva. A ação ocorreu sem conflitos e conforme as lideranças do movimento uma vigília de cunho ritualístico seguirá noite adentro.

     

    “Reivindicamos a revogação da portaria porque os ministros do STF foram taxativos na posição de que as condicionantes impostas à (Terra Indígena) Raposa Serra do Sol (Petição 3388) não se estendem para as demais terras indígenas do país”, afirma Lindomar Terena.

     

    O advogado-geral da União, ministro Luiz Inácio Adams, declarou à imprensa, ainda durante o julgamento da Petição 3388, em outubro do ano passado, que independente da decisão do STF a Portaria 303 entraria em vigor. Nos meses seguintes, porém, interlocutores do governo federal afirmaram às lideranças indígenas que Adams faria ajustes à portaria.

     

    “Não se trata de ajustes, mas sim de revogação. Lá na ponta (regiões), a Portaria 303 vem sendo usada como justificativa para ataques contra nossos povos. Dizem que não, mas sabemos que ela está em vigor desde antes do julgamento da Raposa Serra do Sol pelo STF”, declara Lindomar.

     

    A revogação da Portaria 303, inclusive, vem servindo de empecilho para a efetivação da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Entre seus pontos, a portaria garante a entrada, sem consulta prévia aos povos indígenas, de empreendimentos, inclusive do agronegócio, e bases militares no interior dos territórios tradicionais.

     

    “Como pode o governo federal querer regulamentar a Convenção 169 com uma portaria que ataca o que diz a própria Convenção? Nunca nos fechamos para o diálogo, mas como dialogar nestes termos? Então, as demarcações quase não ocorrem, a Funai é deixada de lado e até mesmo o STF é desafiado”, analisa Lindomar.

     

    Ampla ofensiva

     

    Com a publicação do acórdão da Petição 3388, a Portaria 303 entrou em vigor e até o momento não foi revogada, suspensa ou sofreu qualquer alteração. Em dezembro do ano passado, todavia, a ofensiva contra o direito territorial dos povos indígenas seguiu: a instalação da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

     

    A instalação da comissão foi uma represália da bancada ruralista ao recuo do governo federal em alterar o Decreto 1775, que regulamenta a demarcação de terras indígenas. A minuta da proposta de alteração vazou para a imprensa e o ministro José Eduardo Cardozo, depois de protestos nacionais dos povos indígenas, optou por segurar as modificações.

     

    “Somos frutos e raízes desta terra, mas o governo federal judia da gente. Estamos cansados de sermos mortos, violentados. As terras indígenas no Mato Grosso do Sul e no Brasil todo deveriam ser demarcadas, mas quando o governo não faz nada ele entrega para quem nos expulsou delas”, diz Getúlio Juca Guarani Kaiowá, representante da Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.

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  • 27/02/2014

    Indígenas e quilombolas pedem inquérito criminal para investigar deputados que deram declarações racistas

    Brasília – 27 de fevereiro de 2014 – Uma comitiva de quarenta indígenas Guarani, Guarani-Kaiowá e Terena protocolam hoje, às 14h30, na sede da Procuradoria Geral da República (PGR) uma representação em que diversas organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil solicitam que os deputados federais gaúchos Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) sejam investigados por racismo e outros crimes tipificados no código penal.

    Mais tarde, por volta das 16h30, os indígenas irão até a sede da Advocacia-Geral da União (AGU) para entregar documento pedindo a revogação da Portaria 303 e realizar uma vigília contra a medida.

    A ação tem como fundamento dois vídeos divulgados pelas redes sociais nas últimas semanas em que os deputados proferem discursos que ferem a ética parlamentar, incitam os agricultores à violência e fazem declarações racistas.

    Segundo Lindomar Terena, liderança do seu povo e coordenador nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), autoridades constituídas não podem agir de modo preconceituoso contra os indígenas e as outras minorias do povo brasileiro. “No nosso entendimento, esta atitude viola nossos direitos. Ao invés de incitar a violência dos pequenos produtores contra os indígenas, estes deputados têm a obrigação de apresentar soluções para resolver os impasses. Eles devem exigir o cumprimento da lei, que determina a demarcação de todas as terras indígenas, e não tentar mudar a lei para o benefício próprio e de alguns poucos privilegiados. Isso, nós não vamos permitir”, garantiu Lindomar.

    Em uma Audiência Pública sobre Demarcação de Terras Tradicionalmente ocupadas por Povos Tradicionais, no dia 29 de novembro de 2013, no município de Vicente Dutra (RS), Alceu Moreira afirmou: “… se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista destes dar um passo na sua propriedade, nenhum. Nenhum. Usem todo o tipo de rede, todo mundo tem telefone, liguem um para o outro imediatamente, reúnam multidões e expulsem do jeito que for necessário. Até porque, quando expulsar não vão expulsar índio daqui, vão expulsar índios que foram orientados de fora para cá”.

    Nessa mesma audiência, Heinze, referindo-se ao gabinete do Ministro-Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou: “… e ali, estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta, ali estão aninhados… Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como no Pará estão fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade, foram corridos da propriedade. Isso que aconteceu lá”. Este vídeo pode ser acessado em: http://www.youtube.com/watch?v=PjcUOQbuvXU

    Apesar do deputado Heinze ter afirmado, após a ampla repercussão negativa da sua fala, que a sua afirmação teria sido “força de expressão”, uma outra gravação (http://www.youtube.com/watch?v=gt1pENP8e8k&feature=youtu.be ) feita durante o chamado Leilão da Resistência, realizado no dia 7 de dezembro, em Campo Grande (MS), evidencia que a sua fala não foi um deslize, e sim um discurso racista e discriminatório premeditado.

    Assinam a representação as seguintes organizações indígenas: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal (Arpipan), a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), o Conselho Aty Guassu Guarani Kaiowá e o Conselho do Povo Terena. Além delas, também assinam: o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace e a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq).

    SERVIÇO:

    O quê: Indígenas Guarani, Guarani-Kaiowá e Terena protocolam representação contra os deputados federais Luiz Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS)

    Quando: Hoje (27/02), às 14h30

    Onde: Procuradoria Geral da República (PGR), SAF Sul, Quadra 4,Conjunto C, Asa Sul, Brasília (DF)

    Imprensa: Renato Santana – 61.9979.6912


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  • 27/02/2014

    Ministério Público mantém restrição de financiamento para produtores que estão em área indígena

    Por maioria, o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) arquivou o Procedimento de Controle Administrativo n. 13/2012-21, que pedia a suspensão de recomendação expedida pela Procuradoria da República em Dourados (MS) para que bancos aplicassem as regras restritivas, constantes das convenções internacionais das quais as instituições financeiras são signatárias, quanto à concessão de financiamentos a produtores rurais ocupantes de áreas indígenas ou sob litígio. O Plenário seguiu voto-vista do conselheiro Luiz Moreira, que considerou que eventuais faltas dos procuradores da República que assinaram o documento estariam prescritas.

     

    O PCA foi requerido pela Federação de Agricultura no Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul) e questionava a Recomendação n. 09/10. No documento, procuradores recomendaram ao BNDES, ao Banco do Brasil e a agentes financeiros (que operam recursos do BNDES) a observâncias dos pactos internacionais, o que implicaria no não financiamento de atividades de produtores rurais ocupantes de terras indígenas ou sob litígio no Mato Grosso do Sul.

     

    O julgamento do PCA começou em 2013, quando o então relator, conselheiro Fabiano Silveira, defendeu que não era possível anular a recomendação, por tratar-se de atividade fim do Ministério Público, não sujeita a controle pelo CNMP. No entanto, ele votou pela abertura de processo administrativo disciplinar contra os procuradores signatários do documento, para apurar eventual excesso na emissão da recomendação.

     

    Segundo o relator do voto vista, conselheiro Luiz Moreira, a atuação dos procuradores no caso foi regular e eles agiram de acordo com o previsto na Constituição. Ainda assim, mesmo que houvesse falta disciplinar, ela estaria prescrita. A recomendação foi expedida em 28 de outubro de 2010. Segundo a Lei Complementar n. 75/93, as faltas puníveis com censura prescrevem em um ano a contar do fato, enquanto as condutas puníveis com suspensão prescrevem em dois anos. Como a recomendação é de outubro de 2010, mesmo que houvesse falta punível com a pena de suspensão, ela estaria prescrita desde outubro de 2012. Foi destacado ainda que, mesmo em sendo consideradas as datas de expedição de ofícios no ano de 2011, buscando esclarecer item da recomendação, estaria o ato fulminado pela prescrição em 2013.

     

    O relator afirmou ainda que, por sua atuação na questão indígena, os procuradores do MPF/MS deveriam "receber uma congratulação do CNMP e não serem representados para abertura de Procedimento Administrativo".

     

    O processo foi arquivado.

     

    Com informações da Assessoria de Comunicação do CNMP.

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  • 26/02/2014

    STF suspende reintegrações de posse na Terra Indígena Tupinambá de Olivença (BA)

    Por Renato Santana,

    de Brasília (DF)

     

    O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, suspendeu a reintegração de posse de todas as áreas localizadas nos limites da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, sul da Bahia, cabíveis de decisão pela Suprema Corte do país. No total, são sete áreas e o conteúdo do pronunciamento do ministro visa arrefecer o conflito instalado, além de garantir a ordem pública e evitar a “movimentação involuntária” dos Tupinambá.  

     

    Para Barbosa, a autoridade judiciária não considerou os efeitos diretos e indiretos sobre a população envolvida nas remoções. “A retomada da posse pode ser vista como fator de exacerbação da disputa, em especial quando o cumprimento da ordem judicial é acompanhado por força policial, eventualmente desnecessária”, diz Barbosa em trecho da decisão.  

     

    O posicionamento de Barbosa atende ao pedido de suspensão de liminar feito pelo procurador-geral da República (PGR), Rodrigo Janot. Em janeiro, depois de cumprir reintegração de posse em uma fazenda localizada na aldeia Serra do Padeiro, a Polícia Federal e a Força Nacional montaram uma base no interior do território tradicional e promoveram ações contra os Tupinambá, culminando na retirada de uma criança indígena do seio familiar.

     

    Conforme denúncias dos Tupinambá, tais reintegrações são usadas por fazendeiros e pistoleiros para promover violências contra a comunidade indígena. Diante de tais informações, a PGR entrou com o pedido no STF de suspensão liminar de todas as reintegrações de posse de áreas situadas nos limites da terra indígena. No total, são cerca de 80 ações judiciais determinando a remoção das aldeias.

     

    Apenas sete destas ações, porém, de acordo com o presidente do STF, são admissíveis de suspensão pelo STF, sendo que as demais já foram barradas ou estão em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), além de outros litígios que ainda circulam em instâncias inferiores.

     

    Moradia digna

     

    Ministro Barbosa apresentou ainda outras preocupações que o levaram a atender ao pedido da PGR de suspensão das reintegrações. “Na maioria das vezes, a expulsão dos ocupantes não vem acompanhada de perspectivas de moradia digna”, pontua o presidente do STF na decisão.

     

    Na decisão, Barbosa salienta a linha de raciocínio da PGR no que se refere às formas de resistência dos Tupinambá diante das operações policiais de reintegração, razão de intensificação da violência. “De acordo com a inicial, o cumprimento das reintegrações contribui para o aumento da tensão, tendo em vista que os índios resistem às remoções determinadas pela justiça”, diz Barbosa.

     

    As formas como são cumpridas as remoções, sem levar em conta negociações prévias, sem a presença de observadores externos e com policiais fortemente armados, receberam destaque no pronunciamento diante da análise de Barbosa dos relatórios elaborados pela Comissão Especial Tupinambá do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).

     

    “Neste contexto, considero presentes os requisitos autorizadores da medida de suspensão de liminar, em especial o risco à ordem pública e à segurança, tal como alegado pelo procurador-geral da República”, determina Barbosa em sua decisão – alento para o povo Tupinambá, pressionados pela presença do Exército, em determinação de Estado de Exceção decretado pela presidente Dilma Rousseff, nos municípios de Buerarema e Una.

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  • 25/02/2014

    Vereadores decidem mudar nome de Unidade de Saúde Indígena Pankará (PE)

    Rede SocialPor Renato Santana,

    de Brasília (DF)

     

    Carnaubeira da Penha, no sertão pernambucano, está entre os mais baixos perfis no Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) do país, ocupando a 4786ª posição no ranking de 5.565 cidades. Com população pouco acima de 11 mil habitantes, de acordo com o censo do IBGE de 2010, a cidade está aquém de 85,98% dos municípios brasileiros.

     

    Porém, os vereadores de Carnaubeira parecem mais preocupados com questões federais, longe da competência delegada pela Constituição ao legislativo municipal, e à revelia de necessidades básicas da população por saneamento, educação e saúde, cujos indicadores estão abaixo da média nacional.

     

    No último dia 17 de fevereiro, um projeto de mudança do nome da Unidade de Saúde Indígena Velho Anjucá, que atende ao povo Pankará da Serra do Arapuá, foi posto em votação pelo presidente da casa, Jotanilton Cícero Bezerra (PSC), e aprovado por cinco votos a favor e quatro contra. Pela decisão dos vereadores, a unidade passa a se chamar Nossa Senhora da Conceição. Para os Pankará todo procedimento legislativo é ilegal.

     

    “A atitude da câmara de vereadores de querer influir ou alterar o nome do posto da Sesai é inconstitucional, pois não dispõe de competência para fazer qualquer interferência em uma secretaria ligada ao Ministério da Saúde. Trata-se de desinformação ou motivação política, ou as duas coisas”, afirma o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski. O presidente da Câmara de Vereadores de Carnaubeira não foi localizado pela reportagem para comentar o teor do projeto.

     

    “Quando o projeto de alteração do nome da unidade de saúde surgiu, eu conversei com o presidente da casa sobre a inconstitucionalidade da proposta. No dia da votação eu me pronunciei contra, contando a história do meu povo e mais uma vez alertando que aquilo não era atribuição da câmara de vereadores”, afirma cacique Maria das Dores Limeira, conhecida como Dorinha Pankará, também vereadora desde 2012 – na foto, a primeira da esquerda para a direita.  

     

    Não é a primeira vez que por alguns vereadores surgem propostas de interferência do legislativo na questão indígena dos Pankará e Atikum, povo que vive na Serra do Umã, sobretudo quanto ao nome da unidade de saúde Pankará. Durante o ano passado, alguns vereadores tentaram alcunhar o posto com o nome de um posseiro que detém propriedade dentro dos limites de identificação da terra indígena.  

     

    “O nome da unidade foi decidido pela comunidade porque faz referência ao mito de criação do povo Pankará. Acredito que por trás de tal decisão esteja quem não quer os Pankará organizados em busca do território tradicional”, analisa cacique Dorinha. A intenção do grupo de vereadores, conforme cacique Dorinha, é enfraquecer a organização interna Pankará e demonstrar que a existência do povo está submetida às vontades das elites política e agrária sertanejas.

     

    Por outro lado, de acordo com fonte do meio político de Carnaubeira, que aqui não identificamos por razões de segurança, o projeto pautado da câmara visa deslegitimar a liderança da cacique e esvaziar sua atuação parlamentar, entendida como símbolo da violação de um espaço ocupado pela elite agrária sertaneja. “O espaço (câmara) não é para índio que quer terra, mas para quem quer a terra dos índios e no máximo para os índios vendidos. Dorinha está fora disso e é atacada naquilo pela qual ela luta”, explica.      

     

    Espaço colonial

     

    A Câmara de Vereadores de Carnaubeira da Penha nasce com a emancipação política da cidade, em 1991, até então um distrito do município de Floresta. Carrega em si a marca da elite agrária, que no decorrer dos séculos expulsou os indígenas da região, roubou as terras tradicionais e os submeteu ao anonimato à custa de ameaças de morte e exílio.

     

    Se a Câmara de Vereadores de Floresta tornou-se um espaço colonial, o parlamento fundado com a criação de Carnaubeira não foi diferente. Portanto, quando em outubro de 2012 cacique Dorinha Pankará se elege vereadora, sendo a primeira mulher a ocupar tal posto na cidade, este espaço colonial é violado por quem havia sido condenado ao silêncio, à morte e a trabalhar para as famílias que herdaram o saque das terras indígenas.

     

    Além disso, as terras Pankará estão em processo de identificação, os indígenas tecem, a cada dia, a teia da organização social do povo e as tradições são restabelecidas. O próprio IDHM de Carnaubeira da Penha, mesmo que baixo, passa por melhoras sucessivas desde o início da última década, coincidentemente o mesmo período em que os Pankará iniciam, na Serra do Arapuá, o último ciclo pela recuperação do território tradicional.  

     

    “Desde 2003 estamos na luta para não mais ter de nos esconder. Então quando conseguimos algo na educação ou saúde, eles (vereadores e elite agrária sertaneja) tentam nos boicotar ou controlar. Até a água da Serra do Arapuá que dividimos com os não-índios eles querem pegar. Tudo isso é parte da estratégia para acuar nosso povo”, analisa cacique Dorinha. Todavia, tal estratégia não é nova.

     

    Há registros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), da década de 1940, que revelam a reivindicação, por parte dos Pankará, do território tradicional de onde foram expulsos, bem como registros de violências. O antropólogo Hohenthal Jr., em estadia na Serra do Arapuá, assim escreveu ao SPI: “Existiam como 225 homens, mulheres e crianças (31 famílias biológicas) da  tribu Pacará, cujos membros vivem esparramados em duas serras, da Cacaría  e do Arapuá. Não há posto indígena e os índios são muito perseguidos pelos  Neo-brasileiros do Riacho do Navio (“navieiros”) e da cidade de Floresta, antigo centro do Cangaceirismo. […] Instigado por essa gente malvada,  ultrajes e violências foram cometidas contra os índios”(1).  

     

     

    1- MI/SEDOC – Inspetorias Regionais, IR 4 Nordeste. Microfilme 379, fotogramas 814-817. RELATÓRIO, California, 14 jul. 1952.

        

     

     

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  • 25/02/2014

    No Dia Mundial da Justiça Social, nada a declarar?

    Por Iara Tatiana Bonin,

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da ULBRA e Doutora em Educação pela UFRGS

    Seguindo para o trabalho, um tanto irritada com os congestionamentos decorrentes das obras da Copa, escutei, no rádio, que hoje (20 de fevereiro) era o Dia Mundial da Justiça Social, data instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2009. Conforme a reportagem, a data deveria motivar os governos para a promoção de medidas efetivas de combate à pobreza, à fome, ao desemprego, à exclusão social. Coincidentemente o sinal fechou numa movimentada avenida no centro de Porto Alegre e dois pequenos meninos, com seus corpos maltratados pela miséria, se aproximaram e pediram “um trocadinho pra comprar comida”. Perto dali, vi os primeiros movimentos no amanhecer de famílias que ocupam a parte inferior de um viaduto, seus corpos castigados pelo completo abandono e pelo sono em alerta, temendo a violência.

    Também escutei pelo rádio a notícia de que a presidente Dilma Rousseff estava no Rio Grande do Sul. Os eventos de sua agenda cheia, devido ao período pré-eleitoral, não indicavam que a presidente ao menos sabia da comemoração do Dia Mundial da Justiça Social! Não transitou pelas ruas, nem escutou a voz daquele esfomeado menino porque estava, logo cedo, numa visita inaugural ao Estádio Arena Beira-Rio, em Porto Alegre (RS). O estádio receberá cinco jogos da Copa e, para a sua reforma, contou com um investimento de R$ 330 milhões, sendo R$ 275,1 milhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

    Depois de apreciar a obra monumental, a presidente Dilma prosseguiu em sua rápida turnê pelas querências deste estado e chegou a Caxias do Sul. Almoçou em um dos mais conceituados restaurantes da região, onde se serviu polenta – comida de imigrante italiano pobre, convertida em iguaria e inserida num refinado cardápio. Depois participou da cerimônia de abertura da 30ª Festa da Uva e da 24ª Feira Agroindustrial. Em seu discurso, nenhuma palavra sobre justiça social! Sob o caloroso aplauso dos presentes, declarou: “Vocês têm uma presidente que é parceira da produção agrícola e industrial dessa região”, dando destaque também ao volume crescente de crédito concedido pelo governo para o setor agroindustrial, que chega a R$ 150 bilhões. Ironicamente, a agenda da presidente no Dia Mundial da Justiça Social parece ser a síntese das opções feitas pelo seu governo.

    A agenda da presidente entre os gaúchos me fez lembrar outra ocasião, em 11 de fevereiro de 2014, quando ela esteve na cidade de Lucas do Rio Verde (MT), participando da Cerimônia de abertura oficial da colheita da safra brasileira de grãos 2013-2014 e início do plantio da 2ª safra. Em seu discurso, antes de cumprimentar as autoridades presentes, ela dirigiu a palavra aos produtores rurais: “Quebro o protocolo e começo cumprimentando esses produtores e essas produtoras responsáveis pelo sucesso e pela vitória do nosso agronegócio. (…) É uma imensa alegria assistir aquela quantidade de soja jorrando pela colheitadeira”. Nas palavras da presidente, o espetáculo da super-safra mostra que o Brasil é viável, quando asseguradas certas condições, dentre as quais destacou a terra, o empreendedorismo dos produtores do agronegócio e o financiamento dos equipamentos e das máquinas com tecnologia de ponta. E a presidente finalizou seu discurso declarando: “Essa vitória é o que nós estamos celebrando hoje aqui também. É uma vitória do agronegócio do Brasil e é uma vitória do agronegócio do Mato Grosso”.

    Não por acaso, a agenda da presidente contemplou vários eventos ligados ao agronegócio, um dos setores considerados mais lucrativos no contexto brasileiro e também um dos segmentos que, para prosperar, tem recebido variados tipos de incentivos e linhas de financiamento (destaque feito no próprio discurso da presidente, citado anteriormente). A produtividade dos empreendimentos agroindustriais e a capacidade de gerar lucro têm sido enaltecidas como motivos de “orgulho nacional” em discursos proferidos por vários representantes do governo. O agronegócio é, assim, alçado à condição de alavanca capaz de tornar o Brasil competitivo.

    Governando numa perspectiva desenvolvimentista e para salvaguardar os setores considerados produtivos e superavitários, resta pouco espaço na agenda do governo federal para planejar medidas efetivas de promoção da justiça social. Obviamente que os recursos financeiros são canalizados para assegurar a lucratividade e a competitividade de setores que supostamente colocariam o Brasil numa condição de “primeiro mundo”, enquanto são contingenciados e pouco aplicados os recursos destinados às políticas sociais.

    A terra é destacada pela presidente como condição indispensável para que o agronegócio – menina dos olhos deste governo – prospere. A terra, então, é vista como um recurso, a ser maximizado, pensamento que posiciona como obsoletos os direitos assegurados na Constituição Federal aos índios, quilombolas, comunidades tradicionais. Uma evidência disso é o fato de que, em 2013, apenas uma área indígena, pertencente ao povo Kayabi, foi homologada pela presidente, e mesmo assim o registro desta área foi impedido pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF).

    A demarcação das terras indígenas é uma questão de justiça social

    Pode-se então “medir” o desempenho do governo nas ações de demarcação observando-se, por exemplo, os dados de execução orçamentária de 2013: na ação “Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato” os recursos disponibilizados foram da ordem de R$ 87.863.432,00, sendo liquidados somente R$ 17.402.383,22 (o equivalente a apenas 19,8% dos recursos disponíveis). Nos desdobramentos desta ação, existe o item “Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras Indígenas”, cuja dotação orçamentária em 2013 foi de R$ 21.642.811,00, mas foram liquidados apenas R$ 5.403.834,59 (ou 24,06% do montante).

    Uma questão atinente à justiça social, utilizada inclusive para incitar a população contra as demarcações, é a justa indenização das benfeitorias que resultam de ocupação de boa fé em terras indígenas. Sobre esse aspecto, embora exista uma infinidade de processos de indenização em curso (e conheço alguns agricultores do município de Chapecó (SC), por exemplo, que estão aguardando indenizações há mais de 15 anos), nenhum centavo foi pago, em 2013, da ação “- Indenização aos Atuais Possuidores de Títulos das Áreas sob Demarcação Indígena”, cuja dotação foi de R$ 20 milhões.

    A reforma agrária é também uma questão de justiça social, e se liga igualmente ao problema da terra e de sua destinação. Recorrendo novamente aos dados de execução orçamentária, vale observar que, no programa “Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária”, elencam-se ações voltadas à concessão de créditos às famílias assentadas, ao desenvolvimento dessas famílias e à desapropriação de imóveis rurais para a reforma agrária. Dos R$ 2,5 bilhões autorizados em orçamento, apenas R$ 975,2 milhões foram aplicados, o que representa 38,7% do total. A situação é tão grave que, no dia 13 de fevereiro, cerca de 15 mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) protestaram no centro de Brasília e exigiram mudanças nas políticas agrárias. As lideranças do movimento reclamam do baixo número de famílias assentadas por desapropriações e da burocracia para ingressarem em programas sociais básicos.

    A superação das desigualdades é uma questão de justiça social

    Para isto, é necessário que se promova uma mudança de rota, um novo “mapa do desenvolvimento” deve ser traçado, cuja orientação seja a promoção da justiça social e da dignidade humana. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Brasil é hoje o quarto país no mundo em desigualdade entre pobres e ricos. Registra-se nesta pesquisa que, no ano de 2012, 10% da população mais rica concentrava 42% da renda do país. No atual modelo de governo privilegiam-se setores lucrativos, o que acentua o fosso que separa ricos e pobres.

    As desigualdades, que nos discursos oficiais sempre aparecem atenuadas, já não podem ser vistas como efeitos colaterais do modelo desenvolvimentista – elas têm sido constituídas no jogo da concorrência. Quando a concorrência (entre empresas, entre trabalhadores, entre setores da sociedade) é o princípio de organização do mercado e do governo, não se pode vislumbrar a superação das desigualdades. A concorrência é, no atual modelo de governo, um jogo que deve ser continuamente alimentado e sustentado. Por esta razão, a agenda da presidente está lotada de compromissos vinculados aos setores que, na concorrência, se mostram fortes e produtivos. O agronegócio é, neste contexto, um setor alimentado e nutrido, que recebe atenção especial do governo.

    Não é possível vislumbrar a conquista e a garantia de direitos em um modelo concorrencial, pois neste, há sempre vencedores e perdedores. No jogo da concorrência, os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais não são tidos como “setores viáveis”, e sim como grupos residuais. Assim, o que se oferece (quando muito) a estes grupos, são ações de “gestão das desigualdades”, ou seja, ações assistenciais, paliativas, de impacto momentâneo, que não conduzem à conquista efetiva dos direitos – em especial do direito à terra.

    É necessário, portanto, retomar a pauta da justiça social, reconhecendo que um governo existe para proporcionar bem estar e segurança para toda a sua população, e para promover a esta o acesso a bens, recursos, tecnologias, resguardando direitos humanos que não podem ser subvertidos e adequados a uma lógica empresarial.

    Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2014

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  • 25/02/2014

    Em Yvy Katu, sede da Funai é invadida e três indígenas são envenenados

    Ruy Sposati (Colaboração)

    A sede da Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pelo atendimento à terra indígena Guarani Ñandeva de Yvy Katu, foi invadida na madrugada de domingo para segunda, 24, em Iguatemi (MS), fronteira com o Paraguai. Dois computadores contendo toda a documentação da entidade e dos indígenas da região foram levados. No último dia 17, três indígenas foram hospitalizados, sob suspeita de envenenamento proposital. Os casos estão sendo apurados pela Polícia Federal.

    "Arrombaram a porta, levaram dois computadores. Tentaram levar uma L200, mas não conseguiram tirar, só levaram a chave”, relata um servidor da Funai que prefere não ser identificado.

    “É muito estranha a situação”, conta. "Levaram os computadores que tinham todos os documentos da Funai. Todos os registros de projetos das aldeias, de atendimentos, todos os dados dos indígenas, agendamentos de INSS, todos os dados sobre as famílias, maternidades. Todos os dados sistematizados pela Funai estão lá dentro”.

    A mesma CTL também atende à comunidade Guarani Kaiowá de Pyelito Kue, que foi atacada a tiros recentemente durante a retomada de uma fazenda, no último dia 12. Servidores da Funai foram ameaçados por produtores rurais.

    Suspeita de envenenamento

    No último dia 17, três Guarani da terra indígena Yvy Katu, foco do maior conflito na região do último período, foram hospitalizados com diarreia aguda, após terem ingerido aguardente de carotes dados a indígenas por uma pessoa não identificada pelos membros da comunidade. A suspeita dos Guarani é de que a bebida contida dos frascos estaria envenenada.

    Para o servidor da Funai, não há dúvidas de que a intoxicação teria sido proposital. “O envenenamento foi um ataque contra a comunidadade Yvy Katu”, explica. “Aproveitaram a situação [de vulnerabilidade ao uso de álcool] pra largar vários corotes de pinga envenenados, a gente acha que com chumbinho dentro. Três beberam só um pouco e passaram mal quase na hora”, diz. “Foram direto pro hospital, ficaram dois dias internados com dor de barriga aguda e vômito”.

    Os três frascos da aguardente supostamente adulterada foram entregues à Polícia Federal. Outras garrafas que também teriam sido espalhadas por pessoas não identificadas a outros membros da aldeia também serão entregues para a PF.

    “Isso alguém mandou fazer, com certeza. Alguém mandou essas pessoas distribuírem pinga com veneno dentro. Só pode ser alguém que tem interesse em fazer isso com os índios”, conclui o agente indigenista.

    Yvy Katu

    Há cinco meses, mais de cinco mil Guarani Ñandeva estão acampados nos 7,5 mil hectares da Terra Indígena Yvy Katu que estavam na posse de fazendeiros criadores de gado. A terra estava com processo de demarcação paralizado desde 2005.

    Considerado o maior movimento indígena de retomada territorial dos Guarani Ñandeva que se tem registro, a ocupação levou a uma série de ações de reintegração de posse contra a comunidade – todas derrotadas pelos indígenas, que permanecem até hoje na área, mas vem sofrendo uma série de ataques, intimidações e ameaças.

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  • 24/02/2014

    Sul da Bahia, garantia da lei e da ordem para quem?

    “Não pode, porém, a República permanecer na imobilidade com que tem assistido, em muitos casos, ao massacre de índios e sua sujeição a um regime de trabalho, semelhante ao cativeiro, sob o fundamento de lhe ser indiferente saber até que ponto pode coadunar-se com a lei e as responsabilidades de governo…” 20/06/1910 – Dr. Rodolpho Miranda Exposição de motivos para a criação do SPI

    Passados 104 anos da criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), seguimos com o mesmo imobilismo por parte do Estado brasileiro no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos constitucionais dos índios brasileiros e à educação adequada para o entendimento de que o Brasil é multicultural e pluriétnico.

    Desde 2012, os povos Pataxó, Tumbalalá e Tupinamba da Bahia esperam a assinatura da portaria declaratória de suas terras. Segundo nossa Constituição Federal de 1988, deveria ter sido assinada por autoridade competente até 1993, mas os decretos de homologação e as portarias declaratórias repousam nas gavetas da Presidência da República e do Ministério da Justiça à espera de vontade política. Outras 18 áreas de várias partes do Brasil também estão guardadas nessas gavetas.

    A presidenta Dilma frente à situação de conflito em que vive, por exemplo, os Tupinambá, no sul da Bahia, em vez de assinar o processo de homologação de suas terras (47.376 ha), optou por assinar um decreto de uso da força para a  garantia da lei e ordem. 

    Quais interesses movem o Estado brasileiro a não regularizar essas terras indígenas de direito originário já reconhecidas? Qual desordem irão combater os militares enviados à região?

    Sobre os tempos da ditadura militar a Bahia é lembrada, entre outros fatos, como o lugar onde morreu Carlos Lamarca. Ele, Glauber Rocha e tantos baianos tiveram seus direitos reconhecidos pelo Estado em reparação às violências sofridas. Às suas famílias o Estado brasileiro pediu desculpas em atos solenes organizados pelo Ministério da Justiça.

    Porém, nada ainda foi feito em relação para repararação das tragédias vividas pelas populações indígenas.

    Nos anos 60, um genocídio ocorrido em Itabuna exterminou duas aldeias inteiras para a tomada de suas terras. Foi a reincidência de um massacre praticado em 1951 com o mesmo objetivo e inúmeros assassinatos aconteceram na região, mas para os descendentes dessas populações atingidas o conceito de reparação não os alcança.

    O Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader de Figueiredo Correia para o Ministro Albuquerque Lima entre 1967-68, traz informações importantes sobre a violação dos direitos indígenas na Bahia, que pedem, sim, reparação do Estado brasileiro para com as famílias dos povos indígenas atingidos. Reparação coletiva baseada no reconhecimento de seus territórios.

    Em depoimento prestado na Câmara dos Deputados para a CPI de 1963, o Sr. Cildo Meirelles, irmão do indigenista Francisco Meirelles, que prestava serviços ao SPI sobre questões de terra, aponta:

    O Deputado Azziz Maron, da Bahia, por exemplo, é um dos grandes invasores da área da reserva de Itabuna. Essa reserva dos índios da Bahia é quase toda ela em zona de cacau, terra de primeira qualidade, às vezes, a terra é boa para o café, mas não presta para cacau. O filho do Senador Juracy Magalhães, que se suicidou e era deputado, era também dono de outra grande área invadida.” [1]

    José Maria da Gama Malcher, ex-diretor do Serviço de Proteção ao Índio e ex-secretário do Conselho Nacional de Proteção aos Índios à época de seu depoimento, quando perguntado se no Posto Indígena Caramuru-Paraguaçu “a área é toda do SPI”, respondeu de pronto: NÃO. “Tenho a impressão de que os arrendamentos são de tal monta que até a casa do Posto está arrendada.” [2]

    Gama Malcher não foi a única voz que denunciou o esbulho das terras indígenas de Itabuna, registrado noRelatório Figueiredo. Armando Ribeiro da Cruz e outras duas pessoas em outubro de 1967 denunciam em carta ao Ministro General Albuquerque Lima o roubo praticado. [3]

    O depoimento contundente de Helio Jorge Bucker em 1967, quando completara 16 anos de serviço público como funcionário do SPI, tendo atuado como chefe dos Postos Indígenas La Lima, Capitão Iacri e Caramuru-Paraguaçu, este em Itabuna e chefe das 5ª e 6ª Inspetorias Regionais, exercendo também funções de inspetor itinerante, traz uma série de iirregularidades no SPI sobre “o esbulho as terras indígenas praticados por grupos políticos e econômicos.”

    Helio Bucker expõe os casos de vários estados onde os povos Kadiweu, Kaiowá, Xavante, Terena, Bororo, Nambikwara, Pareci, Tapayuna, Rikbaktsa, Avá Canoeiro, Arara, Kayabi, Cinta Larga e Pataxó perderam suas terras mediante fraude jurídica e violência. [4]

    Voltando ao sul da Bahia, região em que neste ano de 2014 as Forças Armadas, junto com outras forças de segurança, vão atuar a mando do governo federal para garantir a lei e a ordem diz:

    É preciso que a sociedade reflita sobre estes depoimentos. É preciso que as forças de segurança deslocadas para lá saibam destes fatos. Afinal, dependendo de como agirem, podemos reparar estas violências cometidas pelo Estado ou repetir as do passado recente contra essas populações.

    A portaria que autoriza o uso interno das Forças Armadas determina que “a tropa empregada numa Op GLO (operação de garantia da lei e ordem) poderá fazer face a atos ou tentativas potenciais capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou ameaçar a incolumidade das pessoas e do patrimônio.”

    Infelizmente, o texto acima corrigido para a publicação da 2ª versão da portaria do Ministério da Defesa ficou sem sentido. Ele introduz algo que as Forças Armadas poderão fazer e não explicita o quê, pois foram suprimidos os exemplos que davam um parâmetro para a sociedade compreender o objeto concreto e as situações a serem enfrentadas durante uma Op GLO.

    Os ítens abaixo foram suprimidos do texto da 1ª versão:

    a) ações contra realização de pleitos eleitorais afetando a votação e a apuração de uma votação;

    b) ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras;

    c) bloqueio de vias públicas de circulação;

    d) depredação do patrimônio público e privado;

    e) distúrbios urbanos;

    f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas;

    g) paralisação de atividades produtivas;

    h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País;

    i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e

    j) saques de estabelecimentos comerciais.

    Os itens c, f e g têm sido usados pelos povos indígenas do estado da Bahia como forma de pressionar o governo federal a tirar da gaveta as portarias que reconhecem o seu direito originário às terras em disputa no estado.

    Com as ações repressivas desencadeadas, o Estado  pretendia na 1ª versão “restabelecer o livre estado democrático de direito, a paz social e a ordem pública”.

    Porém, uma ação dura do Estado na 2ª versão passou a ser associada “à defesa da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

    Sendo que no item 4.4.3 que define as principais ações que norteariam a intervenção federal, a defesa de propriedades em litígio não consta como atribuição definida para o emprego das Forças Armadas em uma região do país. Fica elencada e escondida atrás da expressão “entre outras” acrescentada ao texto.

    Como atuarão as tropas federais frente a ocupação legítima destas terras  por parte dos indígenas? Qual o entendimento sobre o direito ao patrimônio que será objeto da ação do governo? É papel do estado brasileiro resolver no braço forte ou na mão amiga esta difícil situação histórica de roubo de terras indígenas e muita violência?

    Há consciência entre membros e instâncias das Forças Armadas que seu papel é garantir a constituição e não atuar para resolver questões de terras como que a serviço de interesses privados e políticos eleitorais.

    A esses setores, em respeito ao compromisso que expressam ter com a democracia, bem como àqueles que se preocupam com um país próspero e de todos, dirigimos as informações abaixo.

    Em 03/04/1968, Benevides Andrade, agente do Departamento de Polícia Federal, compareceu espontaneamente para dar seu depoimento.

    A íntegra do depoimento do agente Benevides Andrade está aqui [5]

    Em 1937, Benevides Andrade participou da Comissão do Serviço Geográfico do Exército, que demarcou as terras pertencentes ao Posto Indígena na região de Itabuna.

    O capitão Moisés Castelo Branco Filho, que em 1968 era general da reserva, foi chefe da comissão de demarcação. Em 1937, ele deixou “os índios donos da terra sem problemas com vizinhos, gozando de boa saúde e possuidores de gado, animais e etc. O Exército Brasileiro demarcou terras com cerca de 20 léguas de cada lado”, disse Benevides Andrade.

    Em 1966, hospedado em um hotel em Salvador, Benevides Andrade ouviu de um fazendeiro:

    “as terras do PI Caramuru-Paraguaçu haviam sido retalhadas criminosamente por funcionários do próprio SPI e distribuídas mediante propinas entre pessoas que não sabe nomear, mas que se trata de políticos; que por ocasião da ocupação das terras pelos falsos donos … … O fazendeiro assegurou que os índios foram assassinados e que o prédio da sede do posto não mais existia como prédio público”.

    Chama atenção no depoimento deste agente policial federal o fato de ele ter assistido “o incêndio na Secretaria de Agricultura em Salvador, prédio onde se encontravam os arquivos do Departamento de Terras do Estado e ouviu os comentários populares que teria sido criminoso, mas que os arquivos teriam sofrido poucos danos.”

    Incêndio criminoso também queimou os arquivos do SPI no Ministério da Agricultura quando da instalação da Comissão de Investigação do Ministério do Interior em 1967, levando Jader de Figueiredo Correia e equipe a percorrer o Brasil para realizar seu trabalho.

    Qual propriedade será objeto da ação por garantia da lei e da ordem que se desenvolve no sul da Bahia? A propriedade demarcada pelo Exército brasileiro em 1937, que corresponde a uma das áreas guardadas há dois anos nas gavetas do Ministério da Justiça, ou as propriedades cartoriais expropriadas dos indígenas brasileiros à custa de genocídio, assassinatos e muita propina.

    Por que estas terras comprovadas hoje pela documentação produzida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), e que aguardam somente a assinatura do Ministro da Justiça e da Presidenta da República, receberiam pagamentos de arrendamento depositados em conta do Banco do Brasil em fevereiro de 1967, se não fossem terras dos índios da região?

    Em 17 de janeiro de 1962 o diretor substituto do SPI, Lourival da Mota Cabral designou, através da Ordem de Serviço nº 3, [6] o agente público Walter Samari Prado a verificar in loco a situação dos indígenas do posto  Kirirí. Entre as informações que deveriam constar do relatório estavam listadas: “as invasões de terras e quais os invasores”, bem como “se há terras arrendadas e, se for o caso, a quem e em que condições”.

    O relatório apresentado revela:

    as terras do Kirirí, estão todas elas invadidas ou ocupadas, existindo até Vilas nas mesmas. No entanto, alvitrio (sic) relacionar os nomes dos invasores mais recentes protegidos de autoridades locais” e que “não há nenhum arrendamento autorizado nem por funcionários do SPI, nem por qualquer outra autoridade. Apenas os comerciantes estabelecidos, em diversos ramos, pagam impostos devidos à Prefeitura.

    E concluí:

    Não poderíamos encerrar as páginas deste nosso RELATÓRIO, depois da inspeção que fizemos às ALDEIAS de “MIRANDELA” e “MASSACARÁ”, no estado da Bahia, respectivamente dos índios Kirirí e Caimbés, sem salientar o problema mais SÉRIO e VITAL, de sobrevivência para aqueles pobres índios, qual seja a solução definitiva da legitimação das terras que possuem desde tempos imemoráveis, por doação que lhe fez a COROA PORTUGUESA, esbulhados, por anos afora, sem até agora terem a fortuna de um desfecho vitorioso…

    Por essas e outras histórias coletadas em documentos e depoimentos nos vários estados brasileiros visitados, que, em 1967, o procurador Jader de Figueiredo Correia – designado interventor no SPI pelo General Albuquerque Lima e agindo em defesa dos interesses do estado brasileiro – declarou suspensos todos os arrendamentos praticados em terras indígenas na região de Itabuna e no Brasil.

    Este é um momento importante para o país, pois o sul da Bahia é hoje palco do embate entre a reparação/mudança de conduta do Estado brasileiro e a repetição de violências vividas, que marcaram de forma tão brutal esses cidadãos brasileiros.

    Há dois caminhos. Colocar as Forças Armadas para atuar contra o que determina nossa Constituição e expulsar os indígenas das terras ocupadas. Ou enviá-las para garantir o legítimo direito de organização e manifestação destes povos baianos na busca de seus direitos, proporcionando tempo para que o governo federal viabilize a assinatura das portarias e decretos de homologação destas terras, acabando com a disputa. Depois, enviar as Forças Armadas para atuar, por exemplo, em Mato Grosso, nas terras dos Xavantes ou, em Roraima, na Raposa Serra do Sol, a fim de garantir e defender a Constituição, promovendo a desintrusão daqueles que por décadas se beneficiaram de um bem que não lhes pertencia.

    Composição de fotos publicadas no Jornal do Grupo Tortura Nunca Mais do RJ, ano 23, nº 68, julho 2009  [10]

    Cabe à presidenta Dilma Rousseff e ao Ministro José Eduardo Cardozo conduzir o país para a afirmação do estado democrático de direito, incluindo como parte da ação federal no sul da Bahia a presença do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana nas operações de garantia de lei e ordem [7] como observador em ações que envolvam terras em litígio judicial. Assim como  aplicar o conceito da reparação coletiva, assinando o reconhecimento das terras indígenas baianas.

    Formular saídas para este conflito apenas baseadas na repressão aos movimentos indígenas, cedendo a setores da sociedade que apostam na imposição de seus pseudodireitos mediante a violência, chantagem e ameaças contra a realização dos direitos indígenas e a pessoa do índio [8], acarretará mais violência, dor e opressão a estes povos, que reafirmam dia a dia a sua existência como diferentes, buscando a mesma tranquilidade que todos desejamos.

    O desfecho no sul da Bahia irá aproximar ou afastar o país do caminho da construção democrática do Estado de direito, bem como nossa sociedade do conceito do Nunca Mais.

    Homologar as terras indígenas no estado da Bahia é construir mecanismos de não-repetição, apesar da verdade ser libertadora, somente ela não é capaz de construir o país que índios e não-índios merecemos.

    Pelo respeito e integridade dos territórios, culturas, crenças e desejos dos cidadãos índios brasileiros e por um Brasil: Nunca Mais sem Povos Indígenas.

    Marcelo Zelic é  vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do projeto Armazém Memória.

    [1] Acessar citação em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=297

    [2]  Acessar citação em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=445

    [3]  Acessar carta em http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=1391

    [4] Acessar íntegra do depoimento: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=3729

    [5] A FUNAI hoje sofre um ataque do executivo e legislativo para efetuar um desmonte de suas funções constitucionais.

    [6] Acesso ao Relatório da visita ao Posto Kirirí: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=7536

    [7] Tanto para esta ação como para as demais que forem acionadas por esta portaria do Ministério da Defesa.

    [8]  Como o recente leilão de gado realizado no Mato Grosso do Sul para arrecadar recursos para o pagamento de “milícias privadas”

    [9] Endereço de acesso: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocIndio&PagFis=5210

    [10] Para ler a íntegra das denúncias da tortura sofrida pelos indígenas Tupinambás em 2009, acesse: http://www.torturanuncamais-rj.org.br/jornal/gtnm_68/temacapa.html

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