• 30/07/2014

    “Atiram sobre nossas cabeças. Pá, pá, pá, pá. A gente fica com medo, mas reza e não sai”, diz Kaiowá em área retomada

    Tão logo retomaram mais um naco de terra tradicional do tekoha – lugar onde se é –  Passo Piraju, nesta última segunda-feira, 28, o acampamento de oito famílias Kaiowá erguido no local passou a ser atacado por homens armados. “Atiram sobre nossas cabeças. Pá, pá, pá, pá. A gente fica com medo, mas reza e não sai”, diz um dos indígenas presentes na área reocupada. No Mato Grosso do Sul, este é o “olá!” de fazendeiros antes do início de qualquer mesa de diálogo.

    Lideranças indígenas da Aty Guasu, a grande assembleia Guarani Kaiowá, pedem proteção aos Kaiowá de Passo Piraju. Com a retomada desta segunda, os Kaiowá ganham um pouco mais de espaço – não sabem ao certo o tamanho da terra recuperada – e inserem mais um episódio na história de uma luta emblemática pela terra Guarani Kaiowá travada numa das regiões mais violentas do estado.

    Passo Piraju fica às margens do rio Dourados, entre os municípios de Dourados e Laguna Carapã, região de Porto Kambira. Os Kaiowá ocupavam cerca de 20 hectares, retomados a partir de 2004, e mantidos com a típica resiliência do povo entre fazendas de soja e cana, tiros de pistoleiros, criminalização de lideranças, além de sucessivas tentativas de reintegração de posse – a última teve um desfecho positivo aos Kaiowá no ano passado.  

    A retomada é apenas mais um importante passo entre tantos que precisam ser dados para que os Kaiowá voltem a viver no território de onde foram expulsos na primeira metade do século 20. Fazendeiros incentivados pelo governo federal e apoiados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) chegaram em Passo Piraju, conforme o relato dos mais velhos, e disseram para os Kaiowá irem embora da fazenda. O tempo passou e a reparação do erro cometido pelo Estado está longe de se efetivar pelo cumprimento dos termos da Constituição de 1988.

    Se por um lado o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo determinou a paralisação das demarcações de terras indígenas, por outro também não cumpre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado junto ao Ministério Público Federal (MPF) em 2007, para que fossem constituídos grupos técnicos com foco na identificação e delimitação das terras indígenas Guarani e Kaiowá no cone sul.

    O Relatório Circunstanciado de Identificação do tekoha Passo Piraju foi entregue pelo antropólogo responsável à Funai em outubro de 2011. O estudo estava no escopo das ações do Grupo de Trabalho (GT) Dourados-Amambaipeguá, um dos seis GT`s criado pelo órgão indigenista do Estado em 2008 por força do TAC. Porém, nenhum foi capaz de concluir os procedimentos apesar das inúmeras promessas feitas aos indígenas.

    “Plantem meus ossos aqui” 

    Passo Piraju possui posto de saúde, escola, poço artesiano, roças e criação de animais. Em diversidade, os kaiowá produzem mais culturas do que os monocultivos de cana e soja do entorno. Se para o governo federal e agronegócio, para a Bolsa de Chicago ou para a China uma terra indígena é a representação do atraso econômico, aos Kaiowá é a certeza de não voltar para a situação de dez anos atrás quando viviam sem ter o que comer às margens da rodovia. Assim ainda vivem milhares de Guarani e Kaiowá pelo Mato Grosso do Sul afora: cercados por bilhões de dólares em soja, cana e gado sugados da terra ancestral, mas sem as famílias terem o que comer ou um pedaço de terra para plantar.

    Durante ameaça de reintegração de posse em outubro de 2012, Carlito Kaiowá (na foto ao lado), liderança de Passo Piraju, declarou: “Se a lei vai ter o poder de tirar de nós o Passo Piraju, eu quero que a lei retire só as minhas crianças. Eu quero deixar a minha carne, o meu osso em cima dessa terra aqui. Eu vou deixar. Podem vir fazer o despejo. Só que daqui eu não saio. Eu quero que a minha morte, que minha catacumba seja no rio. Quero que minhas crianças, quando elas voltarem de novo, que elas cacem o meu osso para plantar de novo na aldeia. Eu quero que me plante na aldeia Passo Piraju, porque aqui eu nasci, daqui eu fui expulso, aqui que eu vou poiá minha catacumba”.

     

     

    Read More
  • 29/07/2014

    Justiça determina reintegração de posse contra comunidade Terena de Pillad Rebuá

    Com o fim das ações do governo para maquiar as contradições do país durante a Copa do Mundo, um fantasma volta a assombrar os povos indígenas – o fantasma das reintegrações de posse. Menos de um mês depois da final do campeonato mundial de seleções, a 4a Vara Federal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, determinou a reintegração de posse de área retomada pelo povo Terena na Terra Indígena Pillad Rebuá, município de Miranda, região do Pantanal. Ainda não há um dia definido para a reintegração.

    A defesa da comunidade irá recorrer da determinação. Os indígenas, por sua vez, afirmam que não desistirão do território tradicional. “Não estamos invadindo nada que não nos pertence. O que fizemos e manteremos é a ocupação de nossas terras. Vamos lutar até o fim”, declara Inezita Terena. Pillad teve o primeiro registro de reconhecimento pelo Estado em 1904. Um processo de demarcação teve início em 1950, mas não seguiu. “Sempre estivemos aqui e daqui fomos expulsos. Jamais que queremos algo que não seja de nosso povo, de nossos ancestrais”, diz Inezita.

    Em Pillad, os terena plantam em roças espalhadas por toda a área. Os 2,2 mil indígenas de Pillad, até as últimas retomadas de outubro de 2013, viviam em 94 hectares, divididos em duas aldeias, Moreira e Passarinho. As retomadas ocorreram em duas propriedades localizadas dentro de Pillad. A ação foi também uma forma de exigir que fosse instituído o Grupo de Trabalho (GT) para finalizar o processo de identificação e demarcação da terra indígena, cuja dimensão apontada nos laudos iniciais da Fundação Nacional do Índio (Funai) é de 10.400 hectares.

    Inezita explica que a Justiça Federal convocou os terena de Pillad para uma reunião na próxima quinta-feira com os fazendeiros que se dizem proprietários da área incidente à terra indígena. “Sempre optamos pelo diálogo. Várias vezes tentamos explicar para os fazendeiros que essa terra é do povo Terena, mas sempre responderam com violência. Pensamos que o caso é de demarcar nossas terras”, defende Inezita. O Mato Grosso do Sul, porém, é um dos estados mais afetados pela política indigenista do governo federal de paralisação dos procedimentos de demarcações. 

    Como consequência, a violência tem pautado a já dura vida de milhares de indígenas que buscam pequenas porções de terras em áreas tradicionais invadidas por fazendas. Em 10 de novembro do ano passado, cerca de 300 indígenas Terena foram atacados por homens armados em caminhonetes depois de terem ocupado a fazenda. Cápsulas de 9mm foram encontradas no local e entregues à Polícia Federal. Na sede da propriedade foram encontrados diversos buracos de bala no telhado, paredes e em um bebedouro.

    Dois dias depois, fazendeiros expulsaram à tiros indígenas que haviam retomado a área de uma outra fazenda que incide sobre a área reivindicada como terra indígena Pillad Rebuá. Um trator pertencente à comunidade também foi incendiado. Ninguém ficou ferido.

    Incêndios e atentados

    Contra o povo Terena, já são inúmeros os casos de ataques, incêndios e ameaças. O indígena Paulino Terena, liderança de Pillad Rebuá, faz parte do Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mesmo assim, acabou baleado na perna direita depois que homens não identificados atacaram a tiros, na madrugada de uma segunda-feita, dia 19 de maio deste ano, a aldeia e a casa onde ele vive. Este foi o terceiro atentado sofrido pelo indígena em menos de um ano.

    No dia 6 de dezembro do ano passado, quatro homens encapuzados atearam fogo no carro do indígena depois de emboscada. Tentaram atear fogo em Paulino, que fugiu para o mato entre os tiros dos pistoleiros. Três dias depois a casa do indígena foi arrombada.

    Paulino denunciou à Polícia, Funai e Ministério Público Federal (MPF) as sucessivas ameaças de morte que vinha recebendo. Durante a 4ª. Assembleia do Povo Terena, no final do ano passado, a comunidade de Pillad entregou uma carta ao Conselho Terena relatando que "[fazendeiros] querem a cabeça dele [Paulino] como troféu". 

    A violência contra o povo Terena, em Miranda, é reflexo da luta dos indígenas por suas terras tradicionais. Em 4 de junho de 2011, um ônibus que transportava cerca de 30 estudantes terena, a maioria entre 15 e 17 anos, foi atacado com pedras e coquetéis molotov. Seis pessoas, incluindo o motorista, sofreram queimaduras. Quatro foram internadas em estado grave.

    A estudante Lurdesvoni Pires, de 28 anos, faleceu, vítima de ferimentos causados pelas queimaduras. Na época, lideranças terena creditaram o ataque a proprietários rurais da região, no contexto da disputa pela demarcação das terras indígenas.  No dia 28 de novembro de 2012, também em Miranda, um ônibus vazio que realizava transporte de alunos terena foi incendiado. Ele fazia o trajeto pela terra indígena Cachoeirinha, também alvo de conflito.

    Read More
  • 28/07/2014

    Com ausência de juiz e promotor, indígena do povo Xukuru-Kariri segue detido sem acusação formal de crime

    Por Renato Santana,
    de Recife (PE)

    A distância em linha reta de Maceió, capital de Alagoas, para Palmeira dos Índios, um dos maiores municípios do estado, é de pouco mais de 100 quilômetros. Contando as curvas, são 135 quilômetros. Na cidade, porém, se um cidadão for preso hoje pode ficar por tempo indefinido na carceragem da delegacia sem ver o inquérito receber qualquer encaminhamento. E se for um indígena?

    Sem juiz titular e promotor de Justiça para dar encaminhamento aos trâmites processuais, José Carlos Araújo Ferreira Xukuru-Kariri (na foto) segue preso na delegacia de Palmeira dos Índios desde o último dia 11. Dessa forma, o advogado do indígena pouco pode fazer para conseguir a liberdade de Carlinhos, tal como é conhecido na terra indígena o agente de saúde. Não há, portanto, acusação formal de crime contra o indígena.

    Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) se reuniram com o promotor que atende provisoriamente a cidade pedindo o prosseguimento do inquérito, mas até a noite desta segunda-feira, 29, nada foi adiante.

    Familiares levam diariamente para o agente de saúde as refeições. Caso escapem alguns minutos ao horário determinado, os policiais não permitem mais a entrega da comida. Lideranças do povo Xukuru-Kariri estão impedidos de conversar com Carlinhos. “Quando recebemos a autorização para vê-lo de longe somos intimidados e taxados d epistoleiros pelos policiais”, relata um indígena Xukuru-Kariri, que preservamos a identidade por razões de segurança. 

    Este mesmo indígena afirma que as demais lideranças do povo deverão ser os próximos alvos da campanha de criminalização do povo, que reivindica pouco mais de 7 mil hectares de terras tradicionais na zona rural de Palmeira dos Índios. Inicialmente foram identificados pelo Estado mais de 30 mil hectares, mas em 30 anos o governo federal e as elites agrárias conseguiram reduzir drasticamente o tamanho do território.   

    O agente de saúde é uma das três lideranças do povo Xukuru-Kariri assistidas há mais um ano pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mesmo assim, para se proteger, precisa andar armado na área retomada, local onde foi preso pela Polícia Militar, para defender a própria vida.

    Histórico

    Policiais militares prenderam Carlinhos no último dia 11 em área de retomada da Terra Indígena Xukuru-Kariri, que fica ao lado da aldeia Cafurna de Baixo numa região contígua ao núcleo urbano de Palmeira dos Índios. De acordo com suposta denúncia anônima, policiais foram informados de um assalto no centro da cidade e que o suspeito, portando moto e capacete pretos, teria seguido na direção do bairro da Cafurna.

    Coincidentemente o capacete e a moto de Carlinhos atendiam à descrição dos equipamentos usados pelo suposto assaltante e relatada na denúncia. Abordado, o indígena foi revistado e com ele os policiais encontraram um revólver calibre 38. “Mesmo protegido pelo Estado, Carlinhos era muito ameaçado. Há tempos que queriam pegá-lo porque sabem da importância de Carlinhos para o povo Xukuru-Kariri na luta pela terra”, afirma indígena da região de Palmeira dos Índios.

    “Carlinhos estava armado porque recebe ameaças contra a própria vida. Além disso a prisão ocorreu dentro de área indígena e a jurisdição é federal”, defende o advogado da liderança, Isloany Nogueira Brotas.

    Read More
  • 28/07/2014

    Xukuru-Kariri solicita presença da Comissão de Direitos Humanos da OAB em Palmeira dos Índios (AL) para acompanhar caso de indígena preso

    Por Renato Santana,
    de Recife (PE)

    Lideranças indígenas do povo Xukuru-Kariri solicitaram nesta segunda-feira, 28, a presença da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Palmeira dos Índios (AL) para acompanhar e monitorar a situação da prisão do agente de saúde José Carlos Araújo Ferreira Xukuru-Kariri, que desde o último dia 11 está detido de forma temporária na delegacia de polícia do município e aguarda acusação formal à Justiça. Policias passaram a intimidar e apontar os indígenas como pistoleiros. 

    Conforme um indígena, o qual preservamos o nome por motivos de segurança, policiais da delegacia onde Carlinhos, como é mais conhecido, se encontra detido impedem o agente de saúde de falar com lideranças do povo Xukuru-Kariri e integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Esses policiais falam diretamente que somos pistoleiros, que a arma encontrada com o Carlinhos é ‘pinada’, ou seja, de pistoleiro, diz para tomarmos cuidado. Nos intimidam e criminalizam. Isso preocupa”, diz.

    Esta programada para esta terça, 29, um encontro entre indígenas xukuru-kariri e integrantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República em Palmeira dos Índios. Carlinhos é uma das três lideranças do povo Xukuru-Kariri assistidas há um ano pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da secretaria. São inúmeras as ameaças sofridas pelas lideranças, além de intimidações da polícia alagoana. 

    “Com as novas retomadas de terras tradicionais, as ameaças e perseguições aumentaram. O trabalho de demarcação da Funai melhorou a situação porque muitos posseiros aceitam a indenização. Até que o Ministério da Justiça mandou paralisar, no primeiro semestre deste ano, o procedimento demarcatório. Fez isso por pressão dos senadores Fernando Collor e Renan Calheiros, da base aliada do governo, e tudo ficou ruim novamente”, explica o xukuru-kariri. 

    A mãe de Carlinhos fala constantemente em suicídio e o filho acredita que o pai está em atividade política em Brasília, conta um familiar do indígena preso. Como desempenha a função de agente de saúde, o povo Xukuru-Kariri está sem o profissional que ministra medicamentos, agenda e encaminha consultas, monitora os doentes e as mulheres grávidas. “Tem um rapaz que precisa tomar remédios psiquiátricos e só deixa Carlinhos aplicar a medicação. Não era só na luta pela terra, mas nesse aspecto da saúde a comunidade sente muito a falta dele”, diz um indígena.

    Histórico      

    Policiais militares prenderam Carlinhos em área de retomada da Terra Indígena Xukuru-Kariri, que fica ao lado da aldeia Cafurna de Baixo numa região contígua ao núcleo urbano de Palmeira dos Índios. De acordo com suposta denúncia anônima, policiais foram informados de um assalto no centro da cidade e que o suspeito, portando moto e capacete pretos, teria seguido na direção do bairro da Cafurna.

    Coincidentemente o capacete e a moto de Carlinhos atendiam à descrição dos equipamentos usados pelo suposto assaltante e relatada na denúncia. Abordado, o indígena foi revistado e com ele os policiais encontraram um revólver calibre 38. “Mesmo protegido pelo Estado, Carlinhos era muito ameaçado. Há tempos que queriam pegá-lo porque sabem da importância de Carlinhos para o povo Xukuru-Kariri na luta pela terra”, afirma outra liderança do povo.   

    “Carlinhos estava armado porque recebe ameaças contra sua vida. Além disso a prisão ocorreu dentro de área indígena e a jurisdição é federal”, defende o advogado da liderança, Isloany Nogueira Brotas.

    Read More
  • 28/07/2014

    Cimi Regional Mato Grosso divulga documento final de Assembleia

    Nós, membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), participantes da 40ª Assembleia do Regional Mato Grosso, realizada na Diocese de Rondonópolis, de 21 a 25 de julho de 2014, vimos a público externar as preocupações que permearam esses dias de reflexão sobre a conjuntura nacional e regional em que estão envolvidos os povos indígenas.

    Foram dias de convívio, oração e estudo em que fortalecemos e reafirmamos nosso compromisso incondicional com a luta dos povos indígenas que habitam o Mato Grosso, na defesa de seus territórios e de seus direitos constitucionais.

    Ao longo desses três últimos governos, vivemos progressivamente uma imensa frustração de sonhos e esperanças, pois a realidade atual se nos apresenta sempre mais ameaçadora a partir de uma política governamental claramente anti-indígena, aliada ao agronegócio, instigando sempre maior violência contra a demarcação das terras indígenas. A situação do povo Chiquitano e a negação de sua identidade étnica-cultural, assim como a ameaça da continuidade da dizimação de diversos povos isolados torna-se crucial, confirmando o colonialismo e o genocídio impetrados ao longo da história.

    Em sua sanha capitalista pela apropriação e exploração das terras, os grandes invasores de territórios indígenas, ao mesmo tempo em que ameaçam, violam direitos e assassinam lideranças, articulam-se no sentido de, retrocedendo processos, restringir os direitos duramente conquistados na Constituição Federal de 1988.

    Diante desse quadro bastante sombrio, os indígenas têm se organizado em sucessivas manifestações contra a PEC 215, PEC 237, PL 227, PL 1610, Portaria 303 e em favor do cumprimento dos direitos constitucionais e da efetivação da Convenção 169, constantemente desrespeitada.

    O Conselho Indigenista Missionário acaba de lançar o Relatório de Violência contra os povos indígenas, referente ao ano de 2013 e entre os temas mais pertinentes a situação da saúde ocupa um espaço significativo.  Analisando o contexto nacional, constatamos que o atendimento à saúde indígena através da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), está hoje equiparado ao caos em que é sujeito todo cidadão brasileiro em no país. Reiteramos, no entanto, que o Sistema Único de Saúde foi uma conquista popular e como projeto, responderia às necessidades da população, embora a sua péssima gestão e manipulação política sirvam apenas aos interesses daqueles que fazem da saúde um negócio lucrativo.

    Exatamente devido a essa realidade, o tema “Agrotóxicos e Povos Indígenas” foi escolhido para essa assembleia, com a assessoria da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e Instituto de Saúde Coletiva da UFMT. A tônica da reflexão incidiu sobre a soberania alimentar dos povos, a partir da valorização e resgate das sementes crioulas em contraposição ao modelo predatório de desenvolvimento implantado pela hegemonia do agronegócio, que atinge sempre mais drasticamente as populações indígenas.

    Ao definir ações concretas decorrentes dessa assembleia, optamos por intensificar o projeto regional de intercâmbio de sementes e saberes entre os diferentes povos. Acreditamos que a agroecologia nos abre perspectivas de vida e Bem Viver.

    Comprometidos/as com as lutas dos Povos indígenas, ao encerrar essa assembleia, reafirmamos nossa decisão de empenhar esforços e ações conjuntas para construir uma outra economia, uma outra sociedade – o Projeto do Deus da Vida, o Reino de Paz, Justiça e Integridade da Criação.

     

     

     

    Read More
  • 28/07/2014

    Lideranças indígenas divulgam documento final de Aty Guasu realizada em Minas Gerais

    De 21 a 23 de julho de 2014, no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no âmbito do 46º Festival de Inverno da UFMG, foi realizada a Grande Assembleia Aty Guasu, com a presença das lideranças, acadêmicos e professores indígenas dos seguintes povos: Terena (Mato Grosso do Sul), Tupinambá (Bahia), Guarani (Mato Grosso do Sul), Kaiowá (Mato Grosso do Sul), Mbya (São Paulo), Kaingang (Rio Grande do Sul), Pataxó (Minas Gerais), Maxakali (Minas Gerais), Guajajara (Maranhão). Nesta Assembleia, relatamos nossa situação atual vivida nas terras tradicionais em litígio histórico em cinco regiões do Brasil.

    Quando os europeus entraram aqui, nos mataram com doenças, nos mataram com bala. Hoje continuam nos matando com isso tudo e também com a Justiça, que decreta os despejos, aquilo que chamam de reintegração de posse, mas que na verdade são apenas áreas recuperadas que pertenciam a nossos pais e avós. Eles -não-indígenas- são os verdadeiros invasores. São 514 anos de invasão. Nós somos povos resistentes. A ciência, a história dos brancos, por exemplo, ainda diz que os Tupinambá da Costa brasileira foram extintos, acabaram, mas eles ainda estão aqui hoje. Os não-indígenas se esquecem que, quando queimaram o tronco, ainda havia as raízes e elas estão brotando. São nossas retomadas. Não vamos desistir. Vamos lutar. Não temos arma, só temos maracá e reza, no caso dos Guarani, temos Ñanderu, e, além disso, estamos estudando, formando nossos jovens na graduação e na pós graduação. Vamos lutar, não vamos desistir, nunca!

    Sempre estamos ouvindo que não vamos conseguir, que não vamos resistir. Que existe a PEC 215 e outras leis que vão ser aprovadas contra nós, que existe decisão do STF contra nossas ocupações, que existe a mídia, a bala e a segurança dos fazendeiros contra nós. Mas queremos aqui dizer, nossa luta vai continuar, não vamos sair do lugar onde nossos pais e avós nasceram e viveram, só vamos sair daqui mortos, nossa decisão é ficar na nossa terra. Não tem outra Lei, não tem arma, não tem nada que vai fazer estes povos desistirem, não vamos recuar, ninguém vai sair da nossa terra, vivo ninguém vai sair. Os juízes, os advogados dos fazendeiros, o governo brasileiro deveriam levar isso em conta. Essa já é a vida dos jovens indígenas, eles já nasceram nessa luta. Isso já virou um ritual, não vão descansar, já enfrentaram bala, já enfrentaram vários despejos, vão continuar enfrentando tudo isso.

    O que estamos querendo não é toda terra do Brasil, não. É um pequeno pedaço de terra aqui, outro acolá. Estamos pedindo por uma vida digna, viver na nossa terra em harmonia com a mãe natureza, preservar nossas tradições e que estas sejam respeitadas. Queremos que nossas crianças possam correr livres na comunidade e se banhar nos rios sem risco de contaminação, resguardando, assim, um futuro para aqueles que resistem. Líderes de diversas comunidades estão sendo ameaçados, perseguidos e aprisionados injustamente, de forma a desmobilizar a nossa luta.  Chega de morte! Já não temos mais lágrimas para chorar tanta violência e abandono que estamos sofrendo.

    O documento recente produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre conflitos no campo no Brasil em 2013, confirma as narrativas de nossa Assembleia: contou-se 829 vítimas de violência neste ano, entre elas assassinatos, ameaças de morte, prisões, intimidações, tentativas de assassinato e outras. Destas, 238 vítimas são indígenas. Das 34 mortes por assassinato, 15 são de indígenas. São também indígenas 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato, e 33 das 241 pessoas ameaçadas de morte. Não se tem registro de situação semelhante em outro momento dos 29 anos que a CPT publica o relatório Conflitos no Campo Brasil.

    Durante a grande Assembleia Aty Guasu do Festival de Inverno da UFMG, relatamos várias ofensivas históricas e atuais contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, violações de direitos Indígenas e Humanos, no contexto atual em que há paralisação da demarcação das terras indígenas no âmbito da esfera federal e em que há criminalização, prisões ilegais das lideranças indígenas. Identificamos que há política de amplificação de ódio, violência, racismo e a discriminação institucional permanente contra os povos indígenas, conduzidas por grandes fazendeiros ruralistas anti-indígenas, permitida e promovida pelos poderes judiciários, legislativos e executivos do Brasil da República, isto é. pelo Estado brasileiro. Por exemplo, nas terras em litígio, nós povos indígenas sofremos o cerco e ameaça de jagunços armados e de forças policiais; no caso de povo Tupinambá é cercado e ameaçado permanentemente pelos jagunços, pelas polícias federais, Força Nacional e Exército brasileiro.

    Ao mesmo tempo em que está em vigor a criminalização dos movimentos indígenas e prisões ilegais das lideranças indígenas (a exemplo dos caciques Tupinambá Babau, Gildo e Valdelice, além de vários outros), constatamos que os mandantes e os assassinos recentes de lideranças indígenas não são investigados seriamente, nem julgados e condenados pela justiça brasileira, a exemplo do assassinato de Oziel Gabriel Terena e Nízio Gomes Guarani-Kaiowá.

    Em geral, não há assistência justa à saúde indígena, e nem existe implementação da educação escolar indígena nas terras em litígio, onde os povos são forçados a consumir a água poluída, os indígenas não recebem assistência social (como exemplo, citamos que só no ano de 2014 já morreram por falta de assistência à saúde e água potável cerca de 25 crianças Maxakali). Assim, de forma similar, os povos indígenas das terras em litígio são abandonados pelo órgão indigenista, pelos municípios e Estado.

    A maioria das universidades públicas do Brasil se fecha e ignora a história real, culturas, línguas e os saberes dos povos indígenas, reproduzindo os conhecimentos distorcidos, ultrapassados e senso comum sobre os povos indígenas. Assim, as universidades têm dificuldade em promover diálogos simétricos e promover processos interculturais entre os indígenas e não indígenas acadêmicos.

    Avaliamos ainda que na Câmara e no Congresso Nacional tramitam diversas PECs (PEC 215, entre outros) para alterar os nossos Direitos Constitucionais de 1988, ignorando a Convenção 169 da OIT.

    Nos vídeos produzidos pelos indígenas, exibidos durante esta Aty Guasu, assistimos a um genocídio no século XXI, fomentado pela própria justiça do Brasil. Constatamos que a decisão da justiça federal estimula e permite a violência hedionda, as ameaças de morte das lideranças, os assassinatos de intelectuais, rezadores e, sobretudo, alimenta o genocídio contemporâneo.

    Enfim, aqui em Belo Horizonte, durante o Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, após três dias de análise das políticas e ações nocivas do Estado brasileiro, concluímos que, em todas as terras indígenas, sobretudo aquelas em litígio, de formas idênticas fomos submetidos ao processo de etnocídio e genocídio no Brasil, promovido tanto pelos políticos anti-indígenas quanto pelo Estado brasileiro.

    Diante desta realidade relatada e evidenciada, nós, lideranças indígenas reunidas na Grande Assembleia Aty Guasu, repudiamos as violências promovidas contra os povos indígenas mencionados, ao mesmo tempo manifestamos nossa solidariedade às legítimas reivindicações dos povos indígenas das terras em litígio, já expressas pelo movimento regional e nacional dos povos indígenas. Além disso, através deste documento, reivindicamos:

    – a IMEDIATA regularização de todas as terras indígenas em litígio pelo governo do Brasil;

    – o IMEDIATO julgamento do processo das terras indígenas em litígio pela justiça;

    – a GARANTIA da presença permanente dos agentes do órgão indigenista (FUNAI) em terras em litígio para prestar a segurança e assistência aos povos indígenas ameaçados;

    – a promoção de formas representativas de participação por indígenas nas esferas judicial, executiva e legislativa e nos órgãos públicos municipais, estaduais e federais;

    – a INVESTIGAÇÃO e PUNIÇÃO dos autores dos homicídios de indígenas;  

    – o IMEDIATO arquivamento da PEC 215, PL 227, PEC 038, e PL 1610, bem como a manutenção na íntegra dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988;

    – a GARANTIA do direito diferenciado à saúde e educação em todas as terras em litígio;

    – a IMEDIATA criação e implementação dos projetos e programas de diálogos interculturais indígenas permanentes nas universidades públicas nos diversos cursos de graduação e pós-graduação, com participação indígena, para reconhecimento e valorização dos mestres tradicionais e intelectuais indígenas de diversos povos;

    – Que onde houver concursos públicos nas universidades para docentes vinculados à temática indígena como, por exemplo, nos cursos do FIEIs, sejam garantidas vagas específicas para indígenas ou que sejam ouvidas as lideranças para participar da elaboração de editais ou mesmo participar da Comissão de Seleção;

    – a IMEDIATA implementação total da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário;

     

    Belo Horizonte/MG, 23 de julho de 2014

     

    Read More
  • 28/07/2014

    Ka’apor criam nova área de proteção e expulsam madeireiros da TI Alto Turiaçu

    Enquanto o Estado de Roseana Sarney e o governo de Dilma estão com as atenções nas eleições, deixando os povos indígenas no Brasil a mercê de sua própria sorte, o povo indígena Ka’apor, do noroeste do Maranhão, intensifica a proteção ao seu território.

    Os guerreiros, que têm enfrentado uma longa batalha com os madeireiros durante esses anos, se revezam desde o dia 6 de junho de 2014 na região norte do território indígena, realizando ações de autovigilância, autofiscalização e expulsando madeireiros, haja vista a Fundação Nacional do Índio (Funai) nunca ter se manifestado sobre a criação de postos de vigilância e proteção.

    O órgão se ausentou a mais de três meses da área, sem oferecer nenhum apoio. Os indígenas afirmam que desde que solicitaram o afastamento de chefes de postos e de alguns motoristas do órgão tutelar por envolvimento com a venda ilegal de madeira juntamente com servidores do IBAMA, a Funai diminuiu sua presença na área.

    Por outro lado, os indígenas conseguiram ter o controle e puderam realizar inúmeras incursões no território e garantir a saída imediata de muitos agressores. Continuam vigilantes nos limites, realizando limpeza dos mesmos e criando áreas de proteção, que chamam de Ka’a usak ha, para evitar que circulem e permaneçam na área. Ainda temem reações desses agressores tendo em vista as ações realizadas.

    Lideranças de diferentes aldeias realizaram assembleia de 20 a 23 de julho com a presença dos guerreiros, que reafirmaram o compromisso de se manterem vigilantes nos limites e criando novas áreas de proteção para impedir que a floresta e as famílias que vivem em aldeias próximas aos limites territoriais venham sofrer com a escassez de alimento nessas áreas.

    Uma entre as inúmeras reclamações das lideranças indígenas é de que a Funai, além de se ausentar da área, não tem garantido apoio e estrutura para que os próprios indígenas continuem vivendo e protegendo o que é seu. Sobretudo, que exerçam sua autonomia como povo indígena. A Funai não reconhece ações de proteção, monitoramento territorial e etnomapeamento, com apoio do Ministério de Meio Ambiente e realizado pelos próprios indígenas. Não reconhece e nem garante estrutura e apoio para o indígena que desde o ano passado foi indicado pelo povo para assumir a Coordenação Técnica Local.

    Os Ka’apor reclamam que muitos servidores não confiam nos indígenas e nem os apoiam, por verem eles como ameaças a seus cargos e esquemas estabelecidos para privilegiar pessoas e grupos. Diante de tudo isso, os Ka’apor continuam demonstrando seriedade, maturidade e compromisso em defender seu território.

    Conselho de Gestão da Terra Indígena Alto Turiaçu e Kaaportarupi

    Read More
  • 25/07/2014

    Carta aberta do Povo Krikati sobre suspensão dos atos de desocupação de sua Terra indígena

    O retrocesso continua predominando. Fomos surpreendidos recentemente com a liminar judicial da Dra. Diana Maria Wanderley da Silva que suspende os atos de desintrusão da TI Krikati, que está em processo de desocupação desde 2002. Domingo dia 20 de julho, a APIB, COAPIMA, Wyty Caté, Pep Cahac Cimi, caciques e lideranças do povo Krikati reunimos na Aldeia São José, para definirmos estratégias de ação referente a mais esse caso de violação de direitos. Segue abaixo a Carta Aberta.


    Aldeia São José – Terra Indígena Krikati, 20 de julho de 2014.

    Às Organizações Indígenas: Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira); Coapima (Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão); Wyty-Cateh; Pep’cahyc Krikati

    Às Organizações Indigenistas: Cimi (Conselho Indigenista Missionário);  CTI (Centro de Trabalho Indigenista); ISA (Instituto Socioambiental)

    Aos Órgãos Públicos: Funai; Ministério Público Federal; Tribunal Regional Federal

    Nós, do Povo Krikati viemos através desta Carta Aberta contestar e pedir providências às instituições acima mencionadas quanto a decisão da Juíza Federal da 2ª Vara de Imperatriz, que respondeu pela 1ª Vara Drª Diana Maria Wanderlei da Silva, que decide pela suspensão dos atos de desocupação da Terra indígena Krikati (Processo nº 5370-56.2014.4.01.3701).

    Diante dessa decisão, solicitamos a revogação imediata da referida liminar com base nos seguintes argumentos:

    1 – São reconhecidos aos índios (…) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

    2 – Nulidade dos títulos de propriedade em terras indígenas (C.F 1969 § 1º Art. 198) Constituição Federal de 1988 (Art. 231 § 6)

    3 – A inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade das terras indígenas (Art. 231 § 4).

    4 – Da perícia antropológica solicitada pelo Juiz Federal Dionizio Nunes Rodrigues solicitada em 1989 (realizada pela antropóloga Maria Elisa Ladeira), que define como de posse permanente a área correspondente a 144.675 ha, ocupada tradicionalmente pelo Povo Krikati;

    5 – Do Parecer do Juiz da 2ª Vara no Maranhão, em 1991, Candido Artur Medeiros Filho que julgou improcedente a ação de demarcação movida por Leon Delix Milhomem em 1980;

    6 – Esclarecemos que somos de acordo que os moradores de boa fé sejam assentados de forma justa como consta no decreto 1775/1996. Ação que é de competência exclusiva da Fundação Nacional do Indio (Funai), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao Emater e que devido a morosidade desses órgãos no processo de regularização da desintrusão, contribuiu para a entrada de pessoas de má fé, queimadas, extração ilegal dos recursos naturais, situação a qual estamos expostos hoje referente a decisão da Juíza e a insegurança física e cultural do povo Krikati.

    7 – Solicitamos aos órgãos e entidades que receberem esta carta, enviar uma comissão para visualizar a realidade de invasão da Terra Indígena Krikati, principalmente na região da Arraia, visto a decisão da Juíza de suspensão dos atos de desocupação; visto a sensibilização da mídia local de colocar o povo Krikati como insensível a causa dos pequenos agricultores, quando somos sabedores que as causas dos pequenos agricultores são de competência do Incra e Emater.

    8 – O desdobramento da aldeia São José em várias outras aldeias é decorrente do plano de gestão de ocupação do território pelo povo. Ressaltamos que várias famílias estão no processo de reocupação de espaços de origem de suas famílias.

    9 – A região da arraia tem uma importância para o modo de vida tradicional do povo Krikati, onde realiza-se a caça e a pesca coletiva e a retirada de matérias primas (imbé, coleta de frutas, azeite de coco, batin, medicina tradicional).

    Ressaltamos que a referência da região da Arraia, é por ser o último bloco de desintrusão da terra indígena Krikati, portanto ainda, a mais intrusada, necessitando por parte da FUNAI que realize, com a urgência que o caso requer, o pagamento dos moradores de boa fé e a retirada dos ocupantes de má fé. A suspensão da desocupação, conforme decisão da Juíza,vai acarretar uma série de conflitos entre indígenas e fazendeiros, já que convivem numa área separada apenas por uma estrada vicinal e comungam de modos de vida e culturas diferentes o que dificulta uma relação harmoniosa.

    Solicitamos aos órgãos competentes que dêem continuidade ao processo de desintrusão da Terra indígena Krikati que foi demarcada em 1997 e homologada em 2004 e que agora ao invés de avançar no sentido de concluir esse processo, nos deparamos com o maior retrocesso de nossa história na efetivação de nossos direitos.

    Chega de espera! Não suportamos mais conviver com essa situação de insegurança dentro da nossa própria terra e ainda sermos tratados como invasores. Reafirmamos que o nosso território é um bem sagrado e dele dependemos para a nossa reprodução física e cultural, sem a terra livre e protegida não é possível reproduzir o nosso modo de vida.

    Read More
  • 25/07/2014

    Avante caminhantes

    Ao iniciar o mês de julho adentramos as terras, águas, flores e animais da ilha, com a benção dos índios Jawaé.  Seguimos nos caminhos de muita vida, em partilha, reciprocidade e troca de saberes com os povos indígenas. Nos despedimos, depois de 20 dias,  na aldeia Karajá de Santa Izabel do Morro. Atravessamos o Araguaia para um encontro muito especial, em São Felix do Araguaia, com D. Pedro Casaldáliga. Com sua ternura radical e testemunho profético nos conclamou para a causa indígena e nos abençoou como ancião, poeta e irmão maior na fé.  No momento da foto, sorridente comentou “é proibido usar em campanha eleitoral”.

    Vinte dias de travessia e partilha. Quase 100 km de troca de passos, espaços e saberes. Uma caminhada memorável atravessando os medos e as belezas da maior ilha fluvial do planeta. Fomos os primeiros a fazer a travessia a pé. Muitas recomendações e temores: cuidado com as onças, os jacarés, as piranhas. Atravessamos ilesos todos esses medos e apreensões.

    Os Jawaé, Karajá e Avá Canoeiro, povos guerreiros e resistentes, nos acolhem com alegria e sabedoria. Tudo no seu tempo e significado. As redes atadas na beira do rio ou da estrada, as barracas embaixo de frondosas mangueiras ou vegetação do cerrado. Tudo acontecendo a contento e a seu tempo.

    Quarenta e quatro caminhantes, pé na estrada, mochila nas costas e o coração aberto para o diferente.  Fomos sendo surpreendidos pelos bandos de biguá, garças, socó boi e uma infinidade de pássaros.  Até os enormes Tuiuiu, em seus ninhos no alto das árvores, vigilantes com seus filhotes, deram os ares de sua graça.

    Quando as bolhas, calos começaram aparecer, era a hora da solidariedade e as paradas para refazer as energias e tratar as feridas no corpo e na alma com os óleos naturais e os cuidados necessários.

    A ilha do Bananal: belezas, impactos e ameaças

    A ilha do Bananal é berço natural de povos indígenas como os Jawaé e Karajá. Há mais de dois séculos se iniciou um processo de contatos e invasões por parte dos interesses nos recursos naturais e belezas da ilha. Porém, a invasão maior se deu a partir de meados do século vinte, com a marcha para o Brasil Central. A partir de então interesses turísticos e da expansão pecuária se estabeleceram na ilha. Apesar de ser declarada Parque Nacional e a partir da década de 80 dois terços serem declarados Terra Indígena, as invasões estimuladas por políticos e o latifúndio, fizeram com que mais de 20 mil pessoas ocupassem a ilha, chegando a ter mais de 100 mil cabeças de gado.

    No governo de Juscelino Kubitschek, foi construído um grande hotel, próximo à aldeia Kararjá  de Santa Izabel, com o intuito de desenvolver ali um pólo turístico.  Serviu como local de férias e safári para os militares durante a ditadura. Foi repassado para o governo de Goiás no início da década de 80, para exploração do turismo na ilha. Felizmente o projeto não se consolidou. Os índios se livraram do pesadelo ateando fogo no lendário Hotel JK. Hoje restam apenas as ruínas entre árvores e as casas de palha de babaçu.

    Outra grande ameaça foi o início da construção da estrada Transaraguaia, em 1983. Houve uma grande reação nacional, pois se considerava essa como “estrada da morte”, da insensatez, da ignomínia. Um absurdo. Teriam que ser feitos mais de 80 km de aterro de 3 a 6 metros. O impacto sobre o ecossistema da ilha seria fatal. Depois de iniciadas as obras os índios Jawaé interromperam os trabalhos e obrigaram a retirada das máquinas. Porém até hoje continuam as pressões dos políticos e do agronegócio para a construção dessa estrada. Ainda no ano passado o governador do Tocantins, Siqueira Campos esteve com os Karajá tentando mostrar as vantagens da estrada, fazendo promessas e doando objetos agrícolas. Uma liderança Jawaé solicitou aos caminhantes que os apoiássemos na luta contra a construção dessa estrada. Nos comprometemos com essa luta pelo bem da vida e da mãe terra. Vimos, sentimos e nos sintonizamos com o direito amplo de todas as formas de vida existentes na ilha do Bananal.

    D. Pedro comentou que há mais de quatro décadas, quando aí chegou a ilha era um espetáculo pela exuberância de vida. Infelizmente já foi bastante impactada pelas sucessivas e variadas formas de invasão, principalmente pela pecuária e turismo.

    Nos unimos, no caminho da resistência, afirmação de direitos e da vida, a todos os que lutam para que a ilha do Bananal  continue sendo não apenas a maior ilha fluvial do mundo, mas também um exemplo de preservação sócio-ambiental.

    Caminhantes da vida na “troca de saberes”, não apenas vivenciamos uma experiência admirável desse grande Brasil desconhecido, mas construímos e assumimos um compromisso com os povos indígenas e a ameaçada biodiversidade dessa região.

    Avante caminhantes, o caminho se faz caminhando, com lutas concretas, sonhos e utopias.

     

    Egon Heck e Laila Menezes

    Cimi-Secretariado

    Brasilia, 24 de julho de 2014

    Read More
  • 24/07/2014

    Boletim Mundo: Morosidade, paralisação, redução de Terras Indígenas… Está na hora de um ponto final

    O achincalhamento à Constituição Federal ganha matizes cada vez mais perversas e assustadoras no que diz respeito ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Não bastasse o ataque violento e sistemático interposto pelo latifúndio, de matiz multinacional, nas figuras de seus conglomerados empresariais, bancada ruralista e entidades de classe, o capítulo “Dos Índios” da nossa Carta Magna vem sendo violado pela práxis do atual governo brasileiro.


    Temos insistido que a ‘não demarcação’ potencializa e eterniza os conflitos e faz aumentar o nível de violações de direitos e violências, inclusive físicas, contra os povos indígenas. Tudo isso vem sendo ‘devidamente’ provado pela conjuntura político-indigenista em nosso país.


    Há muito vimos falando da morosidade governamental na condução de procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Em si desrespeitosa, a morosidade “evoluiu”, recentemente, para uma situação mais gravosa de total paralisação dos procedimentos de demarcação. Temos observado, com tristeza e indignação, que ambas estratégias, no entanto, são apenas parte de uma “decisão de governo” muito mais ampla e mais agressiva aos povos indígenas.


    A morosidade e a paralisação dos procedimentos de demarcação mostram-se como etapas ‘preparatórias’ da práxis, que já está em curso, da “redução das terras indígenas”. Nossa constatação é que as maiores vítimas dessa “decisão de governo” são os povos e comunidades que se encontram em situação de maior fragilidade sócio-política. Vejamos.


    A morosidade nos procedimentos deixou dezenas de comunidades indígenas, durante anos a fio, em situação de extrema vulnerabilidade, muitas em acampamentos improvisados nas beiras de rodovias, em diferentes regiões do país. O governo visava, com isso, associar o conceito de demarcação, de acordo com o direito dos povos, à eternização de condições degradantes de existência dos mesmos.


    Ao mesmo tempo em que agia com lentidão relativamente à implementação do direito dos povos às suas terras, o governo inflacionou os financiamentos subsidiados e incentivos aos setores político econômicos antiindígenas. Para se ter uma idéia disso, enquanto o orçamento da União para a ação ‘demarcação de terras indígenas’ manteve-se estagnado, girando em torno de 20 milhões de reais mal executados ao ano, os planos safra para o agronegócio saltaram de aproximadamente 20 bilhões, no início da década de 2000, para extraordinários 156 bilhões nesta última edição.


    Assim, a paralisação nos procedimentos de demarcação anunciada pelo próprio governo em 2013 e reafirmada neste primeiro semestre de 2014, dá-se num contexto de marcante vulnerabilidade de muitos povos indígenas, por um lado, e de inconfundível fortalecimento de seus inimigos, por outro.


    Como temos visto, a força política e econômica destes grupos tem sido cotidianamente sentida pelos povos indígenas, na forma de força bélica, por meio de discursos de incitação ao ódio, de leilões para contratação de milícias armadas, de despejos extrajudiciais, de ameaças a mão armada, de assassinatos, de invasão para exploração de recursos naturais das terras indígenas.


    É neste contexto caótico e violento contra os povos que o governo brasileiro, por meio de agentes públicos, tem assediado lideranças e comunidades indígenas na perspectiva de que estas dêem seu “aceite” para propostas de redução de suas terras tradicionais. Como fica evidente, ao denominar essa prática de “mesas de diálogo”, o governo demonstra estar agindo desprovido de qualquer tipo de escrúpulo. Como pode haver diálogo ao redor de uma mesa onde uma das partes está com a “faca no pescoço”? Por meio de seu ministro da Justiça, o governo chegou ao ponto vexatório de denominar como “ajuste de direitos” o que efetivamente trata-se de explícita violação de direitos.


    Vários são os casos de terras indígenas que se enquadram nessa fase de redução. Podemos citar, a título de exemplo, a Terra Indígena Mato Preto, do povo Guarani, no Rio Grande do Sul, com portaria declaratória assinada pelo ministro José Eduardo Cardozo em 2012, atestando a tradicionalidade de 4.230 hectares, cuja proposta é de redução para 600 hectares, e a Terra Indígena Herarekã Xetá, do Povo Xetá, no estado do Paraná, cujo relatório circunstanciado de identificação e delimitação inicialmente comprovava a tradicionalidade de aproximadamente 12 mil hectares e que foi publicado, no último dia 30 de junho, pela presidência da Funai, com 2.686 hectares


    Caso também emblemático nesse contexto é o da Terra Indígena Cachoeira Seca, no estado do Pará. Declarada em 1993 como terra tradicional do povo Arara, de recente contato, pelo então ministro da Justiça Maurício Corrêa, com 760 mil hectares, foi reduzida durante o segundo mandato do govermundo@cimi.org.brno Lula, pelo então ministro da Justiça Tarso Genro, que assinou, em 2008, nova Portaria Declaratória para a mesma terra. Está situada na região de abrangência da UHE Belo Monte, cuja desintrusão, além de direito constitucional, é uma das condicionantes estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a concessão da Licença Prévia da hidrelétrica. No entanto, nem uma, nem outra determinação legal têm sido suficientes para que os Arara tenham o seu direito, líquido e certo, respeitado. Ao contrário, além de continuar intrusada, a terra indígena está sofrendo intenso processo de esbulho por parte de madeireiros instalados na região. Neste contexto extremamente adverso, chegou-nos a informação acerca de reunião realizada nessa quarta-feira, 23, envolvendo autoridades, invasores e indígenas para tratar acerca de proposta de mais uma redução da terra.


    Os inimigos dos povos indígenas não estão em ‘recesso’ para a eleição que se avizinha. Eles estão ‘em campo’. Não é hora de baixar a guarda. No período eleitoral, a luta dos povos em defesa de seus direitos territoriais deve ser intensificada.


    Morosidade, paralisação, redução de terras indígenas. Está na hora de um ponto final e somente os povos poderão sinalizá-lo.



    Brasília, DF, 24 de julho de 2014

    Cleber César Buzatto

    Licenciado em Filosofia
    Secretário Executivo do Cimi

    Esta nota compõe o boletim semanal O Mundo Que Nos Rodeia. Para recebê-lo ou enviar sugestões de pauta escreva para mundo@cimi.org.br

    Read More
Page 498 of 1201