• 22/08/2014

    Cacique Guarani denuncia recusa do governo em homologar TI Morro dos Cavalos

    Por Luana Luizy,

    de Brasília (DF)


    A paralisação das demarcações das terras indígenas tem sido a marca do atual governo, só no ano de 2013 apenas uma terra foi homologada, a Terra Indígena do povo Kayabi no Pará. Como reflexo desse cenário em que estão muitas terras indígenas no Brasil, está inserida a TI Morro dos Cavalos do povo Guarani, localizada em Palhoça, Santa Catarina.

    Território que ainda aguarda a homologação para que o processo demarcatório seja finalizado. “A gente tá vivendo um momento de muita pressão, um jogo político muito forte e a questão indígena virou hoje uma pedra no sapato dos políticos”, conta a cacique Eunice Antunes que esteve presente em Brasília no último dia (19), a fim de reivindicar aceleração do processo final do território de seu povo e também protocolar uma carta para a presidenta Dilma solicitando a homologação.

    A TI Morro dos Cavalos foi reconhecida como de ocupação tradicional do povo Guarani em 1993. Submetida ao Decreto 1775/96 passou por novos estudos e em 2008 o ministro da Justiça assinou a Portaria Declaratória reconhecendo os 1.988 hectares.  Em 2011, a Fundação Nacional do Índio (Funai) procedeu a demarcação física e desde então o povo Guarani aguarda a assinatura da presidenta Dilma, que tem se recusado a assinar a homologação por conta da relação política com empresários e políticos catarinenses contrários aos direitos indígenas.

    A Funai já iniciou o pagamento das benfeitorias das 74 famílias de posseiros que vivem sobre a área para que a comunidade possa ocupar toda a terra, ainda sim a presidenta tem se recusado a homologar o território.

    Sobre a TI foi criado o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, ainda na década de 1970, porém não é o Parque o principal empecilho ao processo demarcatório. Opõe-se a ele empresários do ramo de turismo e exploração de água que estão de olho no rico manancial que nasce no interior da TI. Atualmente a comunidade conta com 138 pessoas e vive em menos de dois hectares entre o morro e a rodovia BR-101, que corta a TI.

    Duplicação da BR-101 e campanha anti-indígena

    Nos últimos meses parte da imprensa catarinense tem publicizado uma série de matérias discriminatórias sobre o povo o Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos.  As matérias tentam acusar os indígenas como os principais responsáveis pelos atrasos na duplicação da BR-101, além de acusá-los como os responsáveis pelas mortes que acontecem na rodovia, omitindo os interesses econômicos sobre a terra indígena. “Não somos contra a duplicação, mas queremos o diálogo sobre como isso vai acontecer. A terra indígena é nossa casa”, afirma a cacique Eunice.

    A mais recente reportagem discriminatória sobre os indígenas, nomeada Terra Contestada, foi publicada no período de 07 a 11 de agosto de 2014, pelo jornal Diário Catarinense, pertencente ao grupo Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), afiliado da Rede Globo. “Queremos ser ouvidos e é isso que é negado para nós. Quem ta comandando o país hoje são as agroindústrias, o agronegócio e os grandes empreendimentos. Então para o índio que quer a terra só para sobreviver acaba sendo um empecilho econômico. Vim para Brasília mostrar que estamos legal no processo que a gente não tá inventando nada que não é nosso. Nosso direito é esse”, questiona a cacique Eunice.

    Acontece nesta sexta-feira (22) um ato de repúdio contra as matérias do grupo de comunicação RBS e em defesa do território tradicional do povo Guarani de Morro dos Cavalos.


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  • 22/08/2014

    Organização lança campanha “Não Vote em Ruralista”

    A organização 350.org lançou nesta semana a campanha “não vote em ruralista“, que pretende chamar a atenção o papel que parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada Bancada Ruralista, têm desempenhado no Congresso Nacional. Com uma apresentação bastante didática, mas ao mesmo tempo bem fundamentada, a organização apresenta iniciativas recentes de políticos ligados ao agronegócio, como as ofensivas contra direitos indígenas, e procura desconstruir argumentos utilizados pelos representantes do setor.  O grupo lembra, por exemplo, que apesar de latifúndios para produção industrial de produtos para exportação ocuparem a maior parte das terras brasileiras, 70% dos alimentos consumidos no Brasil são produzidos pela agricultura familiar.

    A página traz informações bastante úteis para eleitores, como a lista organizada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) nominando quem são os ruralistas no Congresso Nacional, a relação dos políticos que votaram pela diminuição da proteção de florestas com a flexibilização do Código Florestal, e a  ferramenta de consultas sobre a “lista suja” da escravidão desenvolvida pela Repórter Brasil, que ajuda quem quer conferir se um candidato está envolvido com exploração de pessoas.

    Assista o vídeo divulgado:


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  • 21/08/2014

    Cimi manifesta perplexidade diante de denúncias envolvendo deputado relator da PEC 215, ruralistas e CNA

     

    Nota do Conselho Indigenista Missionário sobre o Estado de Direito e a falta de limites do latifúndio no Brasil

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifesta perplexidade diante das graves denúncias divulgadas pelo Ministério Público Federal do Mato Grosso (MPF/MT), nesta quinta-feira, 21, envolvendo ruralistas, Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e parlamentar relator da Comissão Especial da Câmara Federal que trata da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00.

    De acordo com a denúncia “Conversa telefônica legalmente interceptada, revela que o líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de R$ 30 mil a advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que seria o responsável pelo relatório da PEC 215, na Comissão Especial que aprecia a matéria na Câmara dos Deputados”.

    Sebastião, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), está preso, acusado de aliciar pessoas para resistir à desocupação da Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, no nordeste de Mato Grosso. Cumpre salientar ainda que, segundo a denúncia, “o grupo recebia recursos de apoiadores de outros estados para financiar suas atividades, inviabilizando a efetiva ocupação do território pelos índios.

    A influência do movimento de resistência extrapolava os limites de Mato Grosso e influenciava, também, conflitos na Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul”.

    São fortes as evidências da existência de uma verdadeira organização criminosa atuando, de maneira articulada e deliberada, em flagrante desrespeito ao Estado de Direito em nosso país. Além da afronta direta à decisão da mais alta instância do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu o direito do povo Xavante à Terra Indígena Marãiwatsédé e determinou a sua desintrusão, é demonstrada a interferência indevida da organização no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, “mediante pagamento ao advogado (ou assessor) responsável pela elaboração do parecer (da PEC 215/00), envolvendo inclusive a Confederação Nacional da Agricultura – CNA” e a participação do grupo no fomento a conflitos envolvendo o direito e a posse de terras indígenas em diversas regiões do país.

    Por meio da PEC 215/00, latifundiários e conglomerados empresariais, ligados ao agronegócio, especialmente multinacionais, visam revisar e impedir demarcações de terras indígenas, titulação de terras quilombolas e a criação de novas unidades de conservação ambiental no Brasil. Para além da inconstitucionalidade em si da PEC 215/00, as denúncias evidenciam o vício e a manifesta ilegalidade no processo de tramitação da mesma junto ao Poder Legislativo nacional.

    É fundamental e urgente que sejam tomadas todas as medidas cabíveis, inclusive pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo Conselho de ética da Câmara dos Deputados, para que seja amplamente apurada a participação e desvirtuamento da conduta de parlamentares federais e demais envolvidos nas graves denúncias, a fim de que o Estado de Direito seja devidamente resguardado e respeitado em nosso país.

     

    Brasília, DF, 21 de agosto de 2014
    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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  • 21/08/2014

    Advogado da CNA receberia R$ 30 mil por relatório da PEC 215, denuncia MPF

    Conversa telefônica legalmente interceptada, revela que o líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de R$ 30 mil a advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que seria o responsável pelo relatório da PEC 215, na Comissão Especial que aprecia a matéria na Câmara dos Deputados. No diálogo interceptado, Sebastião afirma que “o cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e companheiro nosso”. 

    O diálogo que revelou a interferência indevida de ruralistas na tramitação do Projeto de Emenda Constitucional 215 (PEC 215) foi interceptado, com autorização judicial, durante as investigações da organização criminosa envolvida com as reiteradas invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé, da etnia Xavante, no nordeste de Mato Grosso.

    Sebastião Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), está preso desde o dia 7 de agosto quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram a operação para desarticular a atuação do grupo que coordenava e aliciava pessoas para resistirem à desocupação do território indígena. O grupo recebia recursos de apoiadores de outros estados para financiar suas atividades, inviabilizando a efetiva ocupação do território pelos índios.

    A influência do movimento de resistência extrapolava os limites de Mato Grosso e influenciava, também, conflitos na Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul.

    Inicialmente, Sebastião Prado foi preso temporariamente, mas em requerimento apresentado à Justiça Federal no dia 11 de agosto, o MPF sustentou que a manutenção da prisão de Sebastião Prado tutela o “direito fundamental a um ordenamento jurídico constitucional estabelecido de modo legítimo, livre de interferências indevidas, segundo os princípios democráticos e republicanos que devem fundamentar a conformação ética, política e jurídica da sociedade brasileira”. O MPF acrescentou que o fato de a conduta da liderança ruralista direcionar-­se a corromper a edição de ato normativo destinado a transformar a própria ordem constitucional é circunstância sobremaneira gravosa, a exigir do Poder Judiciário medida capaz de obstar tal situação, ameaçadora do próprio estado de direito e da ordem republicana e democrática.

    Ao apreciar o requerimento do MPF, a Justiça Federal entendeu que o lobby no âmbito do Congresso Nacional é um aspecto inerente ao próprio processo político, sendo que, a princípio, nada há de mais em se tentar influenciar o relator da PEC 215. Todavia, o juiz afirma que “o problema reside exatamente no meio utilizado para se efetuar o lobby, no caso mediante pagamento ao advogado (ou assessor) responsável pela elaboração do parecer, envolvendo inclusive a Confederação Nacional da Agricultura – CNA”.

    Acrescentou o magistrado federal que “o fato de o relatório da PEC 215/2000 ter sido, supostamente, ‘terceirizado’ para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”.

     Ao final da decisão que decretou a prisão preventiva de Sebastião Prado, a Justiça Federal ressaltou que “o objeto da PEC é exatamente poder rever a demarcação de terras indígenas já consumadas como é o caso de Marãiwatsédé, o que justifica a atitude do investigado e demais pessoas, ao tentarem a todo custo – segundo informações do MPF –, permanecer na área da reserva indígena, em total afronta a decisão judicial, transitada em julgado, na mais alta Corte deste País, no caso o Supremo Tribunal Federal”.

    Diversas diligências investigatórias ainda estão em curso, sendo que os documentos relacionados à possível participação de parlamentares federais no caso foram remetidos à Procuradoria Geral da República para que sejam adotadas as medidas cabíveis. 

     

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  • 20/08/2014

    Comunidades resistentes se autodeclaram Gamela e lutam por terras entregues ao povo ainda no Império

    As comunidades de Taquaritiua e Centro do Antero, localizadas no município de Viana, Maranhão, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), retomaram em 2013 a luta que atravessa décadas pelo reconhecimento de sua identidade enquanto povo indígena. No último dia 2 de agosto, realizaram uma Assembleia de Autodeclaração de pertencimento ao povo Gamela.

    Todavia, a luta por tal reconhecimento abre espaços para uma outra. Desde a década de 1970, as terras tradicionais deste povo, entregues aos gamela pelo Império português, começaram a ser invadidas e tomadas. A violência colonial os obrigou a resistir, e uma forma encontrada foi silenciar quanto a tal pertencimento. Do contrário, as comunidades poderiam ter sido extintas.  

    Para a resolução do conflito fundiário, foram oferecidos muitos caminhos: a reforma agrária tradicional, o programa de crédito fundiário, regularização fundiária como quilombo, mas as alternativas foram rejeitadas porque apenas um caminho era aceitável: a memória das comunidades de pertencimento a determinado povo indígena. Já eram reconhecimentos pelos “de fora” como “os moradores de Taquaritiua são índios”. É assim que nas cidades da região são olhados desde tempos imemoriais.

    Passados tantos anos, é possível compreender que a luta, na verdade, sempre foi e continua sendo contra a homogeneidade fabricada e imposta pelo Estado, que nunca tolerou a pluralidade de nações, as diferentes culturas e formas de organização no interior de suas fronteiras montadas a ferro e fogo. O resultado foi o genocídio físico e cultural de centenas de povos originários. Nesse contexto é compressível que a negação, ou melhor, o ‘escondimento’ da identidade do grupo foi uma estratégia de sobrevivência em razão de massacres e do preconceito contra os povos originários.

    A situação e o contexto, sobretudo, quando marcados pela violência – seja ela física ou simbólica – demanda um cuidado maior para que sinais e signos elaborados pelos grupos sejam percebidos como referências de si e do mundo que os rodeia.

    No caso específico de Taquaritiua, segundo os idosos, desde a década de 1970, foi iniciado o loteamento e o registro cartorial em nome de particulares das terras antes de uso comum das comunidades. Ouvimos dona Lili se referir a este tempo como sendo “o tempo da guerra contra os grileiros, que contratavam os serviços de pistoleiros e policiais”.

    O conflito trouxe como consequências: (1) a fragmentação das relações entre as comunidades espalhadas dentro do território. Segundo Epitácio, antes do início do conflito “desde a Ricoa até aqui (Taquaritiua) era tudo só uma irmandade; agora algumas comunidades se autodefinem como quilombolas, outras foram transformadas em assentamento da reforma agrária”; (2) a perda das terras. A terra dos índios era maior que 10 mil hectares, mas atualmente nada sobrou, ou melhor, sobraram 552 hectares que há décadas estão em processo de regularização, tramitando no ITERMA. Porém, recentemente, descobriram uma certidão do cartório de Viana em nome de um grileiro conhecido na região. Diante dessa situação, questionou Marcelino: “a terra dos índios era mais de 10 mil hectares e nós vamos lutar apenas por esses 552 hectares? Não pode”.

    Segundo Pedro, “antigamente, nos dias de domingo, as famílias se reuniam para conversar, visitavam-se… hoje está tudo mudado”. Há ainda no território da comunidade dois Terreiros de Culto de Pajelança em funcionamento; só recentemente foi introduzido o Tambor de Mina. Antes, segundo moradores, “os pajés curavam apenas com Maracá”, mas ainda há “brinquedo cura” no qual os brincantes usam trajes indígenas.

    Estamos diante do fenômeno de redefinições de identidades, que devem ser encaradas como estratégias de sobrevivência diante da pressão do latifúndio, da omissão do Estado em garantir os direitos das minorias e da dificuldade de movimentos sociais lidarem com a diversidade étnica.

    Taquaritiua, segundo muitos moradores dessas terras, é apenas parte de um grande povo que, segundo as memórias do major Francisco de Paula Ribeiro[1], escritas em 1819 e publicadas em 1841, estava presente desde Caxias até as matas das vilas de Monção, Penalva, Viana e até o rio Gurupi. Em 1930, o pesquisador alemão Curt Nimuendajú, em sua passagem pelo Maranhão, mais precisamente no municío de Penalva, encontrou alguns Gamellas “puros”. Da conversa com esses indígenas coletou palavras e classificou a língua do povo como isolada[2]. Em 1983, o antropólogo Mércio Pereira Gomes visitou duas das aldeias que formavam a comunidade de Itaquaritiua[3].

    O que ouvimos desde 2013 foi uma repetição de que eles (os moradores de Taquaritiua) são índios e assim são reconhecidos pelos de fora. Na memória da comunidade, até os anos 1960 recebiam visitas dos índios. Essas visitas eram fundamentais para a coesão das comunidades, para a preservação dos recursos naturais e a integridade das fronteiras da terra. No último dia 2 de agosto, dois depoimentos foram fundamentais para o entendimento do pertencimento étnico e das visitas dos índios àquelas terras.

    O primeiro testemunho foi dado por Pedro, 84 anos, que ao descrever as visitas assim se referiu: “Eles vinham ver as terras, durante as visitas a gente pescava para eles, fazia farinha para eles, era assim; eles andavam nos variantes da terra… eles vinham visitar porque eram da mesma nação dos (índios) daqui… eram gamela”.  Em outro depoimento, Epitácio se referindo a Domingos, conhecido como Domingos Manceta, chefe de caçada, assim recorda: “Domingos organizava os grupos para irem caçar – essas caçadas duravam dias – quando estavam por lá, ele ouvia barulho na mata e dizia ‘os gamelas tão por perto’, ele chamava e eles vinham, falavam com ele na língua, dava fumo pra eles… depois eles iam embora”.

    Durante as últimas conversas, um elemento muito importante nas falas foi a explicitação dos vínculos de parentesco, de trabalho, entre a comunidade de Taquaritiua e a comunidade de Capivarí, município de Penalva, também aldeia do povo Gamela.

    O fundamental desses depoimentos é a explicitação da consciência da identidade do grupo – “aqui em Taquaritiua, Centro do Antero, tem pouca gente que não seja parente aqui… meu desejo é que aparecessem aqui uma, duas ou três pessoas dizendo que são índios… porque aqui é indígena”, diz Pedro Gamela (foto).

    Epitácio Gamela, falando sobre a ocupação destas terras, assim se referiu: “Sempre tem aqueles que querem ficar mais longe das cidades. Os índios sempre procuram fazer suas moradas perto das matas. Pelos caminhos foram ficando os índios domesticados os outros entram pra matas fechadas”.

    Assim, é provável que os índios que visitavam Taquaritiua fossem parte dos gamelas que não foram dominados e continuaram fugindo do contato com os agentes da colonização branca. Nesse aspecto, podemos pensar que o povo Gamela em fuga possa ter se encontrado com o povo Ka’apor[4] que, em fuga do sul do Pará, havia chegado à fronteira oeste do Maranhão e logo após a dominação, em 1928[5], puderam retornar aos seus antigos territórios nos municípios de Viana, Cajari, Penalva, Matinha. Segundo o mesmo Epitácio, “os caçadores de Taquaritiua conheciam os sinais e sons deixados pelos índios na mata e com isso sabiam quando eles tavam perto de vir fazer a visita”.

    Seguindo os passos de F. Barth, “o conceito de etnicidade está relacionado com o sentido organizacional dos grupos étnicos, esses são entendidos como categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores e que além de perpetuarem-se biologicamente, compartilham valores culturais fundamentais. O grupo se organiza para interagir e categorizar-se a si mesmo e aos outros”[6].

    Essas histórias foram interpretadas por Durval: “uma árvore pode ser cortada muitas vezes, mas sempre que brotar será a mesma árvore; assim: se a gente cortar uma bananeira quando ela brotar será uma bananeira; o broto não será uma laranjeira; o que está acontecendo com os povos indígenas é igual: eles tentaram acabar com a gente, mas agora nós estamos nos levantando como povo indígena”.

    Somente assim pode ser interpretada a forma como se dá a apresentação: “Eu sou de descendência indígena, nasci e me criei aqui, minha mãe é daqui, minha avó, meu avô, tudo índio daqui”.  Esse testemunho dos moradores de Taquaritiua desautoriza a afirmação de que o caso da comunidade de Taquaritiua se constitui como “um dos exemplos mais singulares da lenta passagem assimilativa de povos indígenas a camponeses brasileiros”, ou que se trate de caboclos e não de indígenas. Aliás, os substantivos caboclo e índio se equivalem. Como dizem: “os cabocos foram pra mata ou tão chegando da mata”.

    A Assembleia de AUTO DECLARAÇÃO de sua identidade étnica e de pertencimento ao povo Gamela pelas comunidades Taquaratiua e Centro do Antero, se insere na grande marcha do ressurgimento das identidades historicamente negadas e, mais do que isso, esmagadas pelo Estado brasileiro. Passo necessário para que seja assegurada a efetivação do preceito constitucional:

    Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

    § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

    § 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

     

    Se por longos anos os povos originários silenciaram para sobreviver, agora têm consciência de que é preciso gritar alto para terem o direito à existência. “Era como se uma pedra grande estivesse em cima da plantinha. Essa pedra foi tirada e estamos aqui para contar e celebrar a nossa história”, afirma Cal Gamela.

     

     



    [2] NIMUENDAJU, Curt. the Gamella Indians. Primitive Man. vol. X, nº 3 e 4 . jul nd october. 1937

    [3] GOMES, Mércio Pereira. O Índio na história: o povo Tenetehara em busca da liberdade . – Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. Capítulo V. Liberdade ainda que Recôndita . Página 183-208. In: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012003000100007. Acesso em 11/08/2014

    [5]  Darcy Ribeiro. A Pacificação dos Índios Urubu-Kaapor. In: http://www-01.sil.org/americas/BRASIL/publcns/stories/PortUKDc.pdf. Acesso em /08/2014.

    [6]Francine Nunes da Silva. Fichamento de BARTH, F. Grupos Étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P. Teorias da etnicidade. In:      http://necon-ufsm.blogspot.com.br/2010/07/fichamento-de-barth-f-grupos-etnicos-e.html. Acesso em 07/08/2014.

  • 20/08/2014

    Você sabe o que é REDD?

    O que é REDD?

    REDD é a sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal*.

     

    Quando foi lançada a ideia do REDD?

    A proposta foi lançada com esse nome pela primeira vez em 2005, durante uma das conferências anuais da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a questão do clima. Nessas conferências, governos discutem o problema das mudanças climáticas e do aquecimento global, e a expectativa é que delas pudessem sair medidas para solucionar esses graves problemas.


    O que causa as mudanças climáticas e o aquecimento global?

    A partir do início da Revolução Industrial, há cerca de 200 anos, ocorreu um aumento drástico do uso dos combustíveis fósseis, como petróleo, carvão mineral e gás natural para se obter energia. Isso possibilitou a produção capitalista industrial e o consumo em massa. O resultado dessa escalada de consumo de petróleo, carvão mineral e gás tem sido a emissão de um grande volume de gases na atmosfera, principalmente o CO2 (dióxido de carbono, que é o carbono na forma de gás), o que tem levado ao chamado ”efeito estufa”, gerando o aquecimento global, que está mudando o clima do planeta muito rapidamente. Para frear o aquecimento global, é fundamental parar de queimar combustíveis fósseis, o que só será possível com a mudança do modelo de produção, comercialização e consumo.

     

    Quem são os responsáveis e o que eles fizeram para frear o processo?

    Apesar de se tratar de um processo global, as causas do aquecimento não têm sido “globais” e nem todos os seres humanos têm culpa por essa situação. Historicamente, os maiores responsáveis pelas emissões dos gases de efeito estufa são um conjunto de atores, incluindo grandes empresas transnacionais e instituições do capital financeiro, que se beneficiam muito desse modelo de produção e consumo em massa dependente dos combustíveis fósseis, e têm interesse em mantê-lo. Em sua maioria, esse conjunto de atores se concentra nos países industrializados do Norte, incluindo América do Norte, Europa e Japão. Os governos desses países ainda não quiseram tomar as medidas necessárias para reduzir as emissões de gases porque isso afetaria profundamente os interesses de suas grandes empresas e instituições financeiras.

     

    E o que o REDD tem a ver com tudo isso?

    O REDD foi uma das falsas soluções apresentadas e apoiadas por governos e empresas que buscam evitar a redução real de emissões em seus países. Os promotores do REDD argumentam que, na medida em que o desmatamento, sobretudo em países tropicais, contribui com algo em torno de 15% para todas as emissões de CO2 no mundo, evitá-lo, além de preservar as florestas, ajudaria a reduzir a quantidade desse gás liberada na atmosfera. Ao mesmo tempo, os promotores do REDD argumentam que, como as árvores absorvem CO2 para crescer, a floresta poderia absorver parte do gás emitido pela queima de petróleo, carvão mineral e gás natural. Eles argumentam que isso ajudaria a reduzir o impacto das mudanças climáticas.

     

    Mas isso funciona?

    Não. Em primeiro lugar, a proposta do REDD não funciona porque não enfrenta a causa principal do problema: o modelo de produção, comercialização e consumo em massa. Ao defender medidas como o REDD e atendendo aos interesses dos grandes capitalistas, mantém-se a crença de que é possível resolver o problema preservando esse modelo. Em segundo lugar, o mecanismo do REDD não funciona porque parte do pressuposto de que, evitando-se emissões de carbono do desmatamento, é possível permitir a continuação da queima de combustíveis fósseis.

     

    Por que isso não funciona?

    Porque para o clima, há uma diferença muito importante entre dois tipos de carbono: por um lado, o carbono que é emitido quando ocorre o desmatamento, algo que faz parte do ciclo natural do carbono emitido e absorvido por vegetais. Por outro lado, há outro carbono que é liberado ao se extrair e queimar petróleo, gás ou carvão mineral. Este último aumenta o estoque total de carbono na atmosfera porque se trata de carbono que esteve guardado no subsolo durante milhões de anos. Mesmo que os vegetais consigam absorver parte desse carbono adicional, fazem isso apenas temporariamente, porque, quando a planta morre, quando há desmatamento ou fogo, o CO2 é novamente emitido, voltando para a atmosfera.

     

    Mas, mesmo assim, o REDD pode ser uma solução para as mudanças climáticas?

    Não. Mesmo que seja importante reduzir o desmatamento e conservar as florestas por inúmeras razões, entre elas, pelos povos que delas dependem, usar projetos de REDD para sugerir que isso poderia compensar emissões de petróleo, carvão mineral e gás em algum outro lugar do planeta atrasa decisões que lidem com aquilo que causa diretamente as mudanças climáticas: o uso industrial de combustíveis fósseis. E se apostarmos na ideia de que projetos de REDD podem compensar emissões de combustíveis fósseis, com o tempo, a quantidade de CO2 na atmosfera só aumentará e o problema das mudanças climáticas se agravará.

     

    Ainda assim, o REDD tem conquistado muito apoio. Por quê?

    O apoio entre os países com florestas tropicais se explica facilmente porque o REDD é visto por eles como uma oportunidade. Eles sabem que o REDD pode gerar dinheiro, desde que se comprometam a evitar o desmatamento. As ONGs conservacionistas que querem preservar as florestas também se empolgaram porque, com o REDD, visualizam uma oportunidade para combater o desmatamento e conseguir recursos para aumentar as áreas de florestas preservadas.Também os países poluidores abraçaram com entusiasmo a ideia porque seria uma forma relativamente fácil de darem uma resposta ao problema sem precisar reduzir suas emissões, vendendo a ideia de que estariam compensando a poluição. Outro grupo, ligado ao chamado capital financeiro, também se interessou muito. São bolsas de valores, fundos e bancos de investimentos, que enxergaram no REDD um novo mercado.

     

    Um mercado? Como assim?

    No mundo capitalista, que quer transformar tudo em mercadoria, os promotores do REDD pensaram, desde o início, que o REDD deveria funcionar através de um mercado. Só um mercado poderia gerar o dinheiro necessário para conservar as florestas no mundo. A mercadoria inventada e a ser negociada se chama “crédito de carbono”. Um “crédito de carbono” é nada mais que um papel, um documento, que representa uma tonelada de CO2 em alguma área no mundo onde haja um projeto que alegue estar reduzindo as emissões de CO2. No caso do REDD, o crédito de carbono representa a alegação de que uma tonelada de CO2 estaria sendo armazenada por não desmatar.

     

    Como saber quantos “créditos” podem ser vendidos, ou seja, como determinar quantas emissões de CO2 serão evitadas com o projeto de REDD?

    Para saber quantos créditos de carbono serão gerados a partir de cada projeto, os promotores do REDD dizem que é preciso fazer uns cálculos, bastante complicados. Inicialmente, seria necessário calcular quanto carbono há em uma área com floresta onde se propõe fazer um projeto de REDD. Isso é difícil ou impossível; hoje, não existe um método que faça esse cálculo de CO2 de forma confiável; por isso, os técnicos usam modelos aproximados e bastante complicados. São estudos que consomem muito dinheiro, mas é impossível chegar a um cálculo preciso e tampouco se conseguem verificar os números que resultam desse cálculo. Esses números podem variar em mais de 50%, entre um estudo e outro. Mas é preciso fazer outro cálculo, ainda mais complexo. Trata-se de saber a quantidade de carbono que a floresta terá futuramente com sua proteção proposta no projeto de REDD um prazo que se costuma estabelecer no acordo firmado entre o vendedor e o comprador dos “créditos de carbono”. Há ainda um terceiro cálculo realmente impossível de fazer, mas, ao mesmo tempo, essencial para comercializar créditos de carbono: a quantidade de carbono que a floresta teria no caso de não haver nenhum projeto de REDD. É um cálculo ainda mais imaginário do que os outros dois, porque, com o projeto de REDD sendo realizado, ninguém jamais saberá dizer o que teria acontecido sem esse projeto.

     

    Por que esses cálculos são tão importantes?

    Porque o comprador de um “crédito de carbono” compra o “direito de emitir” uma tonelada a mais de carbono que não poderia emitir. O crédito dá o direito ao comprador de alegar que os danos causados por suas emissões de carbono foram neutralizados. Ou seja, o crédito justifica uma emissão extra e, portanto, a redução também deve ser extra, em um nível que não teria ocorrido sem o projeto de REDD. Descontando a quantidade de carbono que se espera armazenar na floresta fazendo o projeto de REDD da quantidade de CO2 que se imagina que a floresta teria sem o projeto, tem-se a quantidade de emissões de carbono que o projeto afirma ajudar a evitar.

     

    Isso resulta num cálculo confiável?

    Não. A lógica desses cálculos mostra, por um lado, que eles não são confiáveis. Mas, para produzir algo que seja aceitável ao mercado de carbono, que quer saber se o crédito de carbono a ser negociado é confiável, produz-se uma quantidade enorme de documentos, envolvendo uma grande quantidade de consultores. Primeiro, para realizar o trabalho de cálculos, segundo, para verificar e auditar este trabalho e, terceiro, para certificar o projeto e dar garantias ao mercado de que o “crédito de carbono” de fato existe e é confiável.

     

    E como estabelecer o preço do carbono?

    O preço que um documento de “crédito de carbono” pode render depende de quanto vale o crédito, o que, na teoria, é determinado no mercado de oferta e demanda de carbono, ou numa negociação entre consultores e o comprador. Seu preço nos últimos anos oscilou entre 12 e 26 reais (US$ 5-12) por tonelada. Estima-se que os consultores e técnicos envolvidos nos estudos de cálculos do carbono absorvam mais da metade do valor do “crédito de carbono” para pagar por seu trabalho. Lembrando também que o valor imenso de toda a floresta impossível de se traduzir em preços não é levado em consideração, e o que vale é o valor monetário do carbono. Além disso, o REDD exige dos Estados que façam legislações para estabelecer regras sobre o funcionamento e a fiscalização do mercado de carbono, dando garantias aos comerciantes do CO2. Essas legislações também são bastante complexas, como a que já existe no Acre, no Brasil.

     

    Até agora, falamos de REDD, mas também se fala de REDD+ e REDD++? O que é isso?

    O REDD+ foi lançado em 2009 e amplia a proposta do REDD, incluindo os seguintes itens: “conservação de estoques de carbono florestal”, “manejo florestal sustentável” e “fortalecimento de estoques de carbono florestal”. Significa que qualquer área florestal com uma proposta de manter uma floresta “em pé”, mesmo com projetos de “manejo sustentável” que continuem destruindo a floresta, apenas mais gradativamente, pode conseguir um projeto de REDD+. Ou que projetos para regenerar uma área plantando monocultivos de árvores de eucalipto, inclusive transgênico, poderiam conseguir um projeto de REDD+.

     

    Por que essa ampliação do REDD para REDD+?

    Porque a ideia original do REDD criou dificuldades para que todos os países pudessem receber recursos. Por exemplo, países com muitas florestas tropicais, mas com uma taxa de desmatamento baixa, não poderiam ganhar dinheiro com a proposta original do REDD por falta de argumentação que sustente que projetos de REDD nas suas florestas pudessem gerar muitos créditos de carbono, pois a taxa de desmatamento já era muito baixa. A eles interessava incluir a opção de “conservação de estoques de carbono florestal”, ou seja, manter as florestas existentes como uma forma de também poder receber dinheiro vendendo créditos de carbono. O REDD++ amplia ainda mais o conceito do REDD+ para além de florestas, incluindo agricultura e outros usos do solo.

     

    Por fim…

    Desde 2005, governos com florestas tropicais, empresas de consultoria e grandes ONGs preservacionistas têm recebido volumosos recursos para se preparar para o REDD. Surgiram dezenas de projetos-piloto de REDD para buscar implementar a proposta na prática e mostrar que o mecanismo pode funcionar bem. O REDD já entrou em áreas onde vivem comunidades que dependem das florestas.

     

     

    * Texto retirado da cartilha 10 Alertas sobre REDD para comunidades, uma publicação do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, em sua sigla em inglês)

     

     

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  • 20/08/2014

    Movimento de Povos Indígenas da Bahia repudia proposta de privatização da saúde indígena

    O Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) entidade que reune 143 comunidades indígenas de 22 etnias sendo elas: Tupinambá, Pataxó, Pataxó Hã-hã-hã-e, Kiriri, Tuxá, Tumbalalá, Atikum, Pakararé, Kaimbé, Pankarú, Pakararú, Xukuru-Kariri, Kariri-Xóco-Fulni-ô, Funi-ô, Potiguara, Tapuia, Kambiwá, Kapinawá, Xacriabá, Payaya, Kantaruré e Tuxi, totalizando um contingente de mais 56.800 indígenas distribuídos em 33 municípios, vem a público manifestar veemente repúdio a proposta de privatização da saúde indígena no Brasil.

    Esta iniciativa está sendo arquitetada por meio da criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) que, segundo proposta apresentada pelo secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, passaria ser a instituição responsável pela execução das ações de atenção à saúde direcionadas para nós, povos indígenas. Não é segredo para ninguém, muito menos para o governo, que as ações de atenção à saúde indígena são um verdadeiro desastre no Brasil.

    No entanto, ao invés de caminhar no sentido de efetivar encaminhamentos aprovados pelos povos indígenas nas diversas conferências de saúde e garantir o verdadeiro controle social pelos povos, o governo pretende, também na área da saúde, retroceder em relação aos nossos direitos. Desse modo, consideramos uma afronta, após tantas tentativas e esforços empregados com o objetivo de melhorarmos a Política da Atenção à Saúde Indígena no país, ficarmos sabendo que o governo federal tem em suas mangas uma proposta pronta de "reforma" desta política. Feita às pressas e sem qualquer procedimento de consulta ou construção coletiva, esta proposta explicita uma postura colonialista do governo federal e um absoluto desrespeito aos povos indígenas de todo o Brasil.

    Trata-se de mais uma proposta feita no ar condicionado dos gabinetes de Brasília, totalmente distante da realidade das aldeias indígenas. Pedimos ao Ministério Público Federal que intervenha nesse processo defendendo o direito coletivo dos povos indígenas a um atendimento público e de qualidade na política de saúde indígena. O Estado brasileiro não pode isentar-se dessa responsabilidade para com os povos indígenas. Informamos também que os povos indígenas da Bahia não aceitarão de forma alguma esta proposta e usará todas as formas legais para que tal proposta não seja efetivada, mas se as formas legais não forem suficientes estaremos preparados como sempre para derramar nosso sangue sobre este solo para que nossas crianças tenham de fato e de direito uma saúde de qualidade.

    Por último, queremos reafirmar que sem o direito à terra tradicional ser respeitado não existe saúde para os povos indígenas, já que vivendo na beira das estradas, na periferia das cidades ou expulsos de nossos lugares ancestrais, não temos condições de exercer nossos modos de vida tradicionais.

     

    Salvador, 14 de agosto de 2014

     

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  • 20/08/2014

    No Maranhão, povo Ka’apor inicia nova operação contra invasão de madeireiros na TI Alto Turiaçu

    No último dia 3 de agosto cerca de 50 Ka’apor iniciaram uma operação de autovigilância e autofiscalização intensa que vai perdurar por todo o verão na Terra Indigena Alto Turiaçu, estado do Maranhão.

    As ações da operação Marakaja hu Juma’i são realizadas pelos próprios indígenas, cansados de esperar pela Funai, que há quase quatro meses se ausentou da área sem apresentar nenhuma justificativa, descumprindo a determinação judicial de criar Postos de Vigilância e Fiscalização para a proteção do território Indígena.

    No dia 6 de agosto esses indígenas resolveram realizar uma grande missão no interior do território, região do município de Centro do Guilherme, onde encontraram vários agressores dentro da terra indígena. Foram cerca de 12 horas andando na mata. Na ocasião queimaram aproximadamente 12 maquinários (caminhões, tratores, jiricos) e apreenderam armas junto as pessoas que agrediam a reserva.

    De acordo com os indígenas, nem Exército, nem IBAMA, nem Policia Ambiental e Federal, quando estiveram no território nos anos de 2012 e 2013, conseguiram ter esse saldo, fazer apreensão desses equipamentos e impedir que os agressores retornassem para o interior do território. Os Ka’apor relatam que estão realizando o mapeamento de sua área, limpeza dos picos, que conhecem todos os pontos onde há agressores e que vão continuar realizando missões até os agressores se retirarem de vez do território.


    Associação KAAPORTARUPI e Conselho de Gestão Ka’apor.

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  • 19/08/2014

    Economia verde: o capitalismo em sua fase surreal

    Algum dia da sua vida você chegou a imaginar que a espiritualidade dos povos indígenas poderia ser comprada? Nos seus piores sonhos, pensou em pagar pelo trabalho de polinização que as abelhas realizam desde que o mundo como conhecemos hoje é mundo? Concebeu que uma paisagem teria um valor definido em uma bolsa de valores? Ou, ainda, acreditou que seria possível pagar pelos conhecimentos milenares de comunidades tradicionais, como os pescadores artesanais e as quebradeiras de coco?

    Mesmo considerando que os povos do Sul global foram, desde o início dos processos de colonização, literalmente roubados pelos países do Norte – através da intensa exploração mineral, da extração de madeira e biodiversidade, da usurpação de conhecimentos tradicionais e da escravidão -, as perguntas acima soam como surreais e inimagináveis. Isso se deve ao fato de que essas situações colocadas remetem a uma fronteira extremamente radical do capitalismo: a financeirização da natureza – que, aliás, só seria possível através da privatização da natureza.

    O pior é que essa “financeirização e privatização da natureza” tornou-se realidade. Isso mesmo, há vários anos os capitalistas trabalham no sentido de privatizar e financeirizar os elementos da natureza – água, terra, ar, fauna, flora, conhecimentos dos povos tradicionais – e as as funções essenciais – fotossíntese, retenção de carbono, polinização, transporte de sementes pelos pássaros – que a natureza realiza para garantir a própria vida na Terra, não somente de humanos, mas de todos os seres vivos.

    Claro está que para os mercados mundiais, para quem o que importa é a maximização dos lucros, o comércio de serviços ambientais representa uma nova e promissora fonte de lucratividade.

    No entanto, a imensa maioria da população brasileira e mundial não sabe o que significa esta proposta macabra e assustadora que evolui rapidamente nos escritórios do Banco Mundial, de algumas das ONGs conservacionistas mais ricas do mundo, que ainda se aliam a corporações historicamente reconhecidas como destruidoras do meio ambiente, como a Shell, a Dow Chemical, a BHP Billiton, a British American Tobacco, a Petrobras e a Vale.

    Como é comum em ocasiões que interessam aos poderes hegemônicos do capital, a proposta é baseada em conceitos bastante abstratos, de difícil compreensão e com um vocabulário repleto de termos em inglês e de um sem fim de siglas que parecem uma sopa de letras: CO2, IPCC, Redd, MDL, Waves, GEE, UNFCCC, PSA, Teeb, Nama, CCRA, COP, MEA…

    Ou seja, é explícito o vasto desconhecimento sobre o tema das mudanças climáticas, sempre retratado pela mídia de modo alarmista, superficial e descontextualizado e, ainda, sujeito das distorções feitas em nome dos interesses corporativistas. Esta nova fronteira do capitalismo, a “verde”, se coloca como heroína, no sentido de apresentar os mecanismos e instrumentos necessários para ou “mitigar” ou atenuar os problemas climáticos e econômicos. E, assim, ela chega mascarada de “verde”, “sustentável”, “ecológica”, “florestal” e, agora, até mesmo “holística”.

    No entanto, considerando seus principais “mentores” e a insistente recusa dos países industrializados – historicamente responsáveis pela poluição do planeta e de sua atmosfera – em se comprometerem com a diminuição de suas emissões de gases de efeito estufa (considerados os responsáveis pelas mudanças climáticas), fica evidente que o capitalismo verde é uma falsa solução.

    Além de desconsiderar a dívida climática que estes países têm com os povos do Sul global – afinal, foi através do consumo desenfreado de combustíveis fósseis e da apropriação de bens comuns que eles cresceram economicamente -, esta proposta ainda pretende, através de mecanismos de “compensação”, colocar nas costas destes povos – que sempre preservaram os seus territórios – um ônus consideravelmente maior.

    Através da perda da autonomia e do controle dos territórios pelas populações tradicionais, pretende-se impedir que a caça, a pesca, o roçado e outras atividades necessárias para garantir a sobrevivência destes povos continuem a ser feitas de modo a “compensar” as ações de destruição e poluição feitas pelas corporações, porque elas não pretendem mudar o seu modo de produzir.

    Grave é a constatação de que muitos projetos do capitalismo “verde” já estão implementados no Brasil e em outros países. E as comunidades tradicionais e os povos indígenas estão diretamente ameaçados por eles.

    Ofensiva à vista

    A próxima Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20) será realizada em Lima, no Peru, em novembro de 2014, e deverá avançar no sentido da normatização de uma legislação internacional para os mecanismos da economia verde. Processo que, provavelmente, será finalizado na COP 21 a ser realizada em 2015, em Paris, na França (país industrializado, localizado no Norte global). A partir daí, o caminho estará traçado para as legislações nacionais e as corporações poderão contar com uma segurança jurídica para suas empreitadas. Assim, rasga-se a Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras normas e legislações que garantem o direito dos povos indígenas e tradicionais aos seus territórios.

    Diante desta nova estratégia do sistema capitalista e de suas instituições, corporações e ONGs aliadas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mais uma vez, coloca-se ao lado dos povos indígenas e na defesa de seus direitos. Articulados com outros parceiros, nos próximos dias, estaremos resgatando algumas análises e publicações que contribuem para a reflexão e para uma perspectiva crítica sobre o capitalismo “verde”.

    Nesse sentido, estaremos empreendendo esforços para compreender as propostas e os mecanismos, suas consequências e impactos na vida dos povos; para compartilhar essa compreensão e as análises feitas a partir dela; e para resistir, seja contribuindo para a organização dos povos seja ressaltando a perspectiva milenar do Bem Viver. Através dela, os povos indígenas estabelecem uma relação de harmonia com os outros seres e com a natureza – não baseada no produtivismo e na competição, algumas das causas da atual crise civilizatória que vivemos.

    Na convivência com os povos indígenas, percebemos que são eles, com seus conhecimentos e sabedoria, as fontes inspiradoras para um outro tipo de modelo de sociedade onde o “ser” prevaleça sobre o “ter”, enfim, para uma real sociedade do futuro.

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  • 18/08/2014

    Conselho Indígena de Roraima divulga nota crítica à proposta de privatização da saúde indígena no Brasil

    Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou nesta segunda-feira (18) nota a respeito da proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que pretende privatizar a gestão da saúde indígena no país. O CIR é a quarta organização que rechaça a proposta feita no último dia 4 pelo secretário de Saúde Indígena Antônio Alves.

    Leia a nota na íntegra:

    Considerando o novo modelo institucional proposto pelo governo federal para a atenção à saúde indígena no país, conforme proposição apresentada pelo secretário de Saúde Indígena Antônio Alves no último dia 04 de agosto em reunião conjunta do Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e da bancada indígena da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Conselho Indígena de Roraima (CIR) vem por este meio se manifestar:

    A luta pelos direitos indígenas é uma prática constante do movimento indígena, e o CIR há quarenta anos vem afirmando que é necessário o Estado Brasileiro garantir e adequar suas regras, políticas, programas e ações à realidade dos povos indígenas, assegurando o que a nossa Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU já estabelecem.

    O CIR considera que não houve o tempo necessário para a discussão com as lideranças das comunidades sobre esta proposta, que está sendo submetida à aprovação dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena no estado de Roraima. É preciso assegurar o direito à consulta livre e informada, com o tempo suficiente para a participação dos conselhos locais de saúde de todas as regiões do estado, contemplando o direito ao contraditório, e o envolvimento de outros órgãos e parceiros do movimento indígena na discussão de alternativas possíveis ao modelo proposto pela SESAI.

    É importante destacar que esta proposta nunca foi discutida com as organizações indígenas, desde 2008 quando foi instituído o grupo de trabalho do Ministério da Saúde encarregado de promover a transição das responsabilidades da Saúde Indígena da FUNASA para um novo órgão gestor ligado diretamente ao gabinete do Ministro da Saúde, e a partir de 2010 ao longo dos quatro anos de atuação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) na gestão da saúde indígena no país. Esta proposta também não foi apresentada durante as etapas da Quinta Conferência Nacional de Saúde Indígena promovida pela SESAI no ano de 2013.

    A criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) representa na prática a privatização da Saúde Indígena no Brasil, pois na proposta apresentada pela SESAI ele é descrito como uma “entidade civil de direito privado”, administrado por meio de um contrato de gestão firmado com a União de acordo com a legislação privada, e regido por um Conselho Deliberativo composto por treze membros, dos quais apenas três devem ser indicados pelas organizações indígenas. Esta composição desrespeita os princípios do controle social definidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como a paridade entre usuários e prestadores dos serviços de saúde.

    As organizações indígenas têm se manifestado em diversas ocasiões a favor da realização de um Concurso Público Específico e Diferenciado, a partir de um marco legal estabelecido em conjunto com os órgãos do Governo Federal, Congresso Nacional e Ministério Público Federal. Este concurso deveria ser realizado por etapas, iniciando pelo pessoal responsável pela gestão administrativa e logística, que fica lotado nas sedes dos distritos, e que é fundamental para a concretização da autonomia administrativa e financeira dos DSEIs. Este setor é responsável pelas compras de equipamentos, materiais e medicamentos, que enfrentam graves deficiências em todas as regiões do país, assim como a construção de postos, infraestrutura e saneamento básico nas comunidades.

    A contratação dos profissionais indígenas também deve ser priorizada neste concurso, sendo para isto necessária a regulamentação das categorias de Agentes Indígenas de Saúde (AIS), Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN), e outros profissionais indígenas. Devem ser estabelecidas cotas para profissionais indígenas em todas as categorias previstas no concurso. Os profissionais indígenas devem ser reconhecidos como a base fundamental do modelo assistencial nos distritos, tendo asseguradas a sua capacitação técnica e a regularização profissional nos níveis básico, técnico e superior, como determina a legislação brasileira e tem sido preconizado desde a segunda Conferência Nacional de Saúde Indígena em 1993.

    A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) deve respeitar o direito dos povos indígenas de serem devidamente informados e de participarem efetivamente na definição das políticas públicas de saúde, como assegurado na Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena e na Constituição Federal Brasileira. O Governo Brasileiro deve também assumir sua responsabilidade pela garantia dos direitos dos povos indígenas à posse e usufruto de suas terras e recursos naturais, que são fundamentais para a sua saúde, pois é da terra que provém seu alimento, remédio, bem estar e alegria de viver. A demarcação dos territórios tradicionais indígenas é condição indispensável para a reprodução física e cultural das comunidades indígenas em todo o país.

     

    Conselho Indígena de Roraima – CIR.

    Boa Vista – Roraima, 18 de agosto de 2014.

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