• 03/10/2014

    Candidatos ruralistas chegam a quadruplicar patrimônios durante mandatos, acumulando acusações no STF

    Neste domingo, milhares de eleitores irão às urnas eleger ou reeleger candidatos e candidatas aos cargos majoritários e proporcionais da República. Desde julho, imagens sorridentes retocadas no computador atreladas a currículos supostamente ilibados, mostrando homens e mulheres predestinados a salvar vidas, escondem o que de fato se passa no covil biográfico e político de muitos deles: investigações por crimes variados, evolução patrimonial acelerada, posições racistas e preconceituosas, que de forma inexorável pautam as ações dos parlamentares na sede pela reeleição.

    Com a bancada ruralista não poderia ser diferente. Os candidatos e candidatas do latifúndio e do agronegócio se apresentam à sociedade brasileira como os responsáveis pela comida que chega às mesas, pelo Produto Interno Bruto (PIB) ‘galopante’ e se gabam, não sem achacar trilhões de reais em recursos públicos, ano após ano, com a anuência zelosa do governo federal, de números e recordes de produção de monocultivos, colheitas, importações. O que estes candidatos não revelam é o caminho que leva a isso – muito lucrativo, inclusive.

    Uma das principais lideranças da maior bancada lobista do Congresso Nacional, a ruralista, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), candidata à reeleição e presidente da CNA, declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2006, um patrimônio de R$ 437.182,19. Para as eleições deste ano, a senadora Motosserra de Ouro, prêmio conferido a ela pelo Greenpeace, informou ao TSE a quantia patrimonial de R$ 4.131.891,79. Em oito anos, Kátia Abreu quase quadruplicou seu patrimônio declarado. Na foto, indígenas protestam na Câmara Federal.

    Outro que prosperou durante os quatro anos em que exerceu a função de deputado federal foi Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Em 2010, o parlamentar, agora candidato à reeleição, disse ao TSE ter um patrimônio de R$ 1.841.261,75. A quantia pretérita saltou, em 2014, para R$ 7.813.656,75 declarados. Tal como sua colega senadora, Heinze mantém fazendas de monocultivos e esteve nas últimas manifestações públicas de ódio contra os indígenas, caso do Leilão da Resistência, ou Leilão da Pistolagem, tal como ficou conhecido o evento promovido por organizações ruralistas, ocorrido no Mato Grosso do Sul.

    Diferente de Kátia Abreu, que costuma declarar carinho pelos povos indígenas, Heinze diz o que sente. No final do ano passado, no município de Vicente Dutra (RS), ele e o também deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS) incitaram a violência contra os povos indígenas, fazendo injúrias racistas e homofóbicas. Aos berros, Heinze pediu que os colonos fizessem com os indígenas tal como se faz no Pará: não permita, na bala, a retomada de terras tradicionais. Um processo contra os deputados tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

    Alceu Moreira também viu sua conta bancária ganhar mais dígitos nos últimos quatro anos, período em que esteve na Câmara Federal e de onde não quer sair pelos. Ao TSE, em 2010, comunicou um patrimônio de R$ 701.653,52. Este ano, Moreira disse acumular R$ 1.173.801,51. Já a fortuna do deputado federal Nelson Padovani (PSC-PR), uma das principais lideranças ruralistas no Paraná, estado onde vivem de forma miserável indígenas Avá-Guarani, Kaingang e Xokleng, duplicou: em 2010, R$ 7.970.860,91; este ano, R$ 15.112.999,00.   

    Todos estes parlamentares, nesta pequena amostra, são militantes fervorosos de iniciativas que visam desconstruir direitos constitucionais. No Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que visa transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas, uma entre outras proposições legislativas anti-indígenas, tem sido a mais acionadas e já se encontra na antessala do plenário para ser votada. No último Plano Safra, 2014-2015, o governo federal destinou ao agronegócio, representado por estas lideranças, R$ 156,1 bilhões, o maior da história. O plano em 2012-2013 disponibilizou R$ 115, 2 bilhões.

    Parte destes parlamentares estão entre os 29 deputados federais que votaram contra a PEC do Trabalho Escravo. A proposta diz que o proprietários de imóveis que mantenham trabalhadores em situação análoga à escravidão terão suas propriedades expropriadas. Ronaldo Caiado, Nelson Padovani, Edio Lopes, Alceu Moreira, Paulo Cesar Quartiero, Carlos Magno, Luiz Carlos Heinze, Giovani Queiroz, entre outros, destacam a lista da minoria que votou contra a PEC, que visa acabar com esta prática criminosa atacando aquilo que mais afeta estes latifundiários escravocratas.     

    EVOLUÇÃO PATRIMONIAL DE ALGUNS PARLAMENTARES BANCADA RURALISTA

     

    Candidato

    UF

    Partido

    Cargo

    Total dos bens declarados em 2010

    Total dos bens declarados em 2014

    RONALDO CAIADO

    GO

    DEM

    SENADOR

    R$ 5.950.666,62

    R$ 7.232.461,92

    CHIQUINHO ESCORCIO

    MA

    PMDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 26.800.750,00

    R$ 26.702.000,00

    NILSON LEITÃO

    MT

    PSDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 554.243,91

    R$ 674.440,77

    NELSON PADOVANI

    PR

    PSC

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 7.970.860,81

    R$ 15.112.999,00

    CARLOS MAGNO RAMOS

    RO

    PP

    VICE-GOVERNADOR

    R$ 250.000,00

    R$ 824.294,77

    PAULO QUARTIERO

    RR

    DEM

    VICE-GOVERNADOR

    R$ 8.010.010,00

    R$ 3.309.844,86

    EDIO LOPES

    RR

    PMDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 265.589,60

    R$ 397.738,28

    LUIZ CARLOS HEINZE

    RS

    PP

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 1.841.261,75

    R$ 7.813.656,75

    ALCEU MOREIRA

    RS

    PMDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 701.653,52

    R$ 1.173.801,51

    JERÔNIMO GOERGEN

    RS

    PP

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 565.129,96

    R$ 472.420,91

    VALDIR COLATTO

    SC

    PMDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 1.399.105,16

    R$ 1.764.940,23

    CELSO MALDANER

    SC

    PMDB

    DEPUTADO FEDERAL

    R$ 2.863.731,92

    R$ 8.316.425,28

     

    Candidato

    UF

    Partido

    Cargo

    Total dos bens declarados em 2006

    Total dos bens declarados em 2014

    KATIA ABREU

    TO

    PMDB

    SENADORA

    R$ 437.182,19

    R$ 4.131.891,79

     

    Fonte: TSE; Quadro: Eduardo Holanda

     

    STF: um latifúndio de acusações   

    Fortalecidos pelos generosos investimentos de recursos públicos em seus negócios privados, estes parlamentares estão cada vez mais fortalecidos dentro da correlação de forças políticas do país. Hoje dão as cartas, fazem exigências e chegam a travar a pauta das casas legislativas quando seus desejos não são atendidos. Nada como uma eleição para a chantagem correr solta. Os três candidatos alçados pelas pesquisas com mais chances para vencer a corrida presidencial se rebaixaram às pautas ruralistas. Portanto, não parece coincidência que um candidato não tenha atacado o outro por perfilar o ciberpulcro eleitoral ao lado de um setor que acumula acusações gravíssimas na Suprema Corte.

    O campeão deles é Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR). São 12 processos no STF, envolvendo acusações de sequestro, dano, homicídio, incêndio, explosões. O ruralista, integrante de uma chapa que concorre ao governo de Roraima, é campeão em gastos públicos também: entre fevereiro de 2011 e maio de 2013, como deputado federal, ele consumiu R$ 775.380,71, mais de meio milhão, com passagens aéreas, combustível, telefone e contratação de consultorias. Em 2010, Quartiero afirmou ao TSE deter um patrimônio de R$ 8.010.010,00. Já este ano, declarou R$ 3.309.844,86.

    Outro ruralista que tem dor de cabeça com o STF é Nilson Leitão (PSDB-MT). São oito processos, envolvendo corrupção passiva. Heinze é acusado de apologia ao crime, Giovanni Queiroz (PDT-PA), que responde a inquérito por crime ambiental, e Carlos Magno (PP-RO), acusado de peculato, são mais alguns que fazem dos ruralistas bem menos do que santos da economia nacional e mais do que simples produtores que apenas querem um lugar ao sol e são injustiçados pelas demarcações de terras indígenas, quilombolas e reforma agrária.

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  • 02/10/2014

    Boletim Mundo: Lideranças Guarani Kaiowá pedem nulidade de decisão que os impedem de ocupar território tradicional

    Por Luana Luizy,

    de Brasília (DF)

    Inconformados com a decisão da 2° Turma da Corte do Supremo Tribunal Federal (STF) que anula o reconhecimento tradicional da Terra Indígena, Guyraroká, quatro lideranças indígenas Guarani Kaiowá compareceram em Brasília esta semana reivindicando a nulidade da decisão que os impedem de ocupar o território tradicional.

    O Ministério da Justiça, baseado em estudos da Funai reconheceu como território tradicional a TI Guyraroká, ainda sim, o posseiro da região pediu a nulidade dos atos no MJ. O Superior Tribunal Judicial (STJ) considerou inadequada a ação movida pelo fazendeiro, seguido pelo relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandoswski. No entanto, o ministro Gilmar Mendes contestou a decisão, acompanhado pelos ministros Celso de Mello e Carmem Lúcia.

    Portanto, com três votos a um declararam que o particular tinha o direito sobre a terra, mas em nenhum momento a comunidade indígena foi ouvida durante o processo. “Na minha visão, o STF agiu de má fé, pois caso contrário teria respeitado a Constituição, mas não reconheceram a situação dos Guarani Kaiowá. Antigamente quem expulsava índio era a ditadura militar, mas agora é a Justiça Federal, a Polícia Federal. Nós vivemos que nem animal, existe lei mas não ta cumprindo. Não estão nos levando a sério”, afirma Adalto Barbosa de Almeida, indígena Guarani Kaiowá e integrante da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani Kaiowá).

    Para o assessor jurídico do Cimi, Rafael Modesto, a decisão deve ser revogada. “Existe uma súmula no STF, a 631, que determina a comunidade envolvida ser chamada para discutir o processo quando tem direito subjetivo. Então esse é o entendimento prioritário pelos tribunais. Em nenhum momento a comunidade foi citada para defender seus direitos no processo. Então peticionamos a nulidade de todos os atos, inclusive a sentença do STF que não ouviu a comunidade para tomar os devidos cuidados processuais”.

    Expulsos da área em 1930 quando o Estado brasileiro começou a ceder para particulares a terra sagrado Kaiowá, os indígenas vagaram, mas nunca deixaram de ter vínculo espiritual com seu tekoha, o território tradicional Guarani Kaiowá, voltando mais tarde. Em 1990, um grupo de 30 famílias que viviam confinadas na reserva Tey’kue, em Caarapó, conseguiu ocupar 60 hectares, dali foram expulsos e permaneceram quatro anos na beira da estrada, até que conseguiram voltar para seu território tradicional.  .

    Estudos antropológicos comprovaram a tradicionalidade de Guyraroká, os 12 mil hectares e uma portaria declaratória foi publicada pelo Ministério da Justiça, em 2009. Confinados em uma pequena porção do território, os indígenas vivem hoje em barracões de lona e sofrem com a falta de assistência na área da saúde, dificuldades para plantar, além das constantes ameaças e mortes promovidas por ações de fazendeiros locais.

    “Até 1930 a gente vivia livremente na mata, no chão, pelado, aí veio uma resposta que ia haver guerra contra nós. E o General Rondon ia juntar todos indígenas pra não matar índio. Fomos levados, caminhando, mais de 1.500 índios, para Guykué, mas muitos ficaram. Antes ainda da primeira viagem, morreram 180 índios de diarreia, sarampo, febre amarela e tosse, mas agora enquanto estou vivo luto pra deixar herança pro meu povo indígena, que é a terra”, conta o cacique Tito Vilhalva, pai de Ambrósio Vilhalva, indígena Guarani Kaiowá morto em 2013.

    Em um contexto de confinamento de reservas, altas taxas de suicídio e alcoolismo os indígenas Guarani Kaiowá estão expostos e é nesse meio de violência que Ambrósio, um dos protagonistas do filme Terra Vermelha foi morto, o indígena também sofria de alcoolismo.


    Vídeo da TV Justiça sobre o protocolo no STF do pedido de nulidade:


     

    Confira aqui a carta do cacique Aldeia Guyraroká ao ministro do Supremo Tribunal, Gilmar Mendes:

     

    Senhor Ministro,

     

    Sou TITO VILHALVA, cacique da aldeia GUYRAROKÁ do povo GUARANI KAIOWÁ, lugar onde nasci e onde meus pais e milhares de parentes estão enterrados. Meus documentos datam de 1930, embora nasci no ano de 1920. Minha esposa é a Sra. MIGUELA ALMEIDA, também nascida em GUYRAROKÁ. Nós vivenciamos e assistimos tudo o que aconteceu com o povo GUARANI KAIOWÁ.

    Vivemos felizes em GUYRAROKÁ, nas matas e do nosso modo tradicional, até o início da década de 1930 e não tinha homem branco, só índio. Até que chegaram os soldados e avisaram que ia ter guerra se nós não saíssemos de nossas aldeias. Fomos levados, caminhando, mais de 1.500 índios, para GUYKUÉ (distante aproximadamente 80 km), mas muitos ficaram. Antes ainda da primeira viagem, morreram 180 índios de diarreia, sarampo, febre amarela e tosse.

    Em 1936 ou 1937, retornamos, também caminhando, para GUYRAROKÁ, mais de 250 índios, pois fomos avisados que os brancos queriam ficar com nossas terras. Chegando em GUYRAROKÁ, ao entardecer, os brancos começaram a atirar e só pararam no meio da noite. Três mulheres morreram naquela noite e o índio SANTIAGO morreu dias depois, pois a bala acertou uma de suas pernas. Nosso cacique FLORIANO fez reunião e disse que desconfiava que o fazendeiro queria matar todos e não havia como ficar. Saímos a noite caminhando para GUYKUÉ. Quem mandou atirar foi ANTONIO ALBUQUERQUE, que se apresentou como tenente e disse que comprou todas as nossas terras.

    No início da década de 1940, mais uma vez, decidimos voltar para GUYRAROKÁ, caminhando, entre 70 e 80 índios, com nossas crianças e tudo o que possuíamos. Mas logo chegou o fazendeiro JORGE que disse que comprou parte das nossas terras, que haviam sido loteadas em pedaços. O fazendeiro JORGE, que veio de São Paulo, mandou nós sair da área pois iria derrubar o mato e criar boi, mas deixou ficar na beira do córrego PASSO FUNDO, dentro de GUYRAROKÁ.Nessa época morreram 27 índios de doenças (febre amarela, sarampo, diarreia e gripe) e foram enterrados próximo ao córrego. No mesmo período foi morto meu cunhado SILVÉRIO, com um tiro nas costas enquanto pescava na beira do córrego PASSO FUNDO. Ficamos lá mais ou menos até 1947, trabalhando nas fazendas (roça e gado). Tivemos que sair porque a terra foi vendida para outro fazendeiro de São Paulo, que não queria índios dentro da fazenda. Os índios ficaram espalhados, trabalhando nas fazendas.

    Em 1998 retornamos para GUYRAROKÁ com 234 índios, sempre caminhando e carregando nossas galinhas, cachorros e pertences. O fazendeiro JOSÉ TEIXEIRA disse que a fazenda era dele e em seguida colocou todos os índios em caminhões e levou para GUYKUÉ. O fazendeiro disse que se fosse terra indígena devolveria a fazenda e deu prazo de 90 dias para dar uma resposta, pois iria consultar antropólogo e negociar com a FUNAI.

    Noventa dias após retornamos caminhando paraGUYRAROKÁ com 233 índios. Entramos na fazenda, mas o fazendeiro trouxe polícia e pistoleiro armados. Deram muito tiro com bala de borracha. Muitos índios foram feridos, inclusive crianças. Tivemos que sair, pegamos nossas galinhas, cachorros e o que foi possível e montamos acampamento na beira da estrada, em APUIQUÍ, próximo da fazenda, em frente a uma igreja. Ficamos dois anos sendo ameaçados pelos fazendeiros que davam tirosa noite. Bebíamos água de pipas e não tinham como plantar. Ficamos doentes e com fome.

    Decidimos entrar na fazenda do SAULO, dentro da aldeia GUYRAROKÁ, nossa aldeia. O fazendeiro deixou ficar, disse que não vai contratar pistoleiro e delimitou uma área para a comunidade. A FUNAI abriu poço para puxar água e queria ligar energia. Porém, os fazendeiros AVELINO e JOSÉ TEIXEIRA não permitiram.

    Vivemos sem saúde, pois não recebemos visitas de médico. Os fazendeiros ameaçam não deixar nossas crianças estudar na escola Padre Anchieta que fica fora da Terra Indígena GUYRAROKÁ.

    Eu já estou com idade avançada e sei que não vou durar muito tempo. Mas antes de morrer quero conversar com VOSSA EXCELÊNCIA e contar tudo o que sei e vivenciei. Quero deixar nossa terra ao meu povo e ser enterrado dentro da nossa aldeia GUYRAROKÁ, terra dos índios GUARANI KAIOWÁ.

    Brasília, 2 de outubro de 2014.

     

    Cacique da Aldeia Guyraroká

  • 02/10/2014

    Liderança Guarani Kaiowá ameaçada de morte denuncia Estado brasileiro ao Conselho de Direitos Humanos da ONU

    Vindo de uma das realidades indígenas mais trágica das Américas, a Liderança Guarani Kaiowá, Eliseu Lopes, 36, da aldeia Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia no Mato Grosso do Sul, participou da 27º sessão do Conselho de Direitos Humanos da Nações Unidas (UNHRC)- sigla em inglês- em Genebra, Suíça, com o objetivo de chamar a atenção da comunidade internacional para as violências que há anos assola seu povo. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é responsável por monitorar, avaliar e emitir resoluções sobre a situação de violações de direitos humanos no mundo.


    Membro do Conselho da Aty Guasu (Grande Assembleia de seu povo) e do Conselho Continental da Nação Guarani, Lopes é ameaçado de morte e está incluso em programas de proteção do Governo Federal, após ter três membros de sua comunidade assassinados na luta por seus territórios.

     

    Eliseu se encontrou com relatores da ONU, de Direitos Humanos, Direito a Alimentação e com Victoria Lucia Tauli-Corpuz, relatora Especial para os Direitos dos Povos indígenas no Mundo, onde pode denunciar sua realidade.

     

    No documento entregue aos relatores, dados oficiais apontam que os índices de homicídio em algumas reservas Guarani Kaiowá chegam a 590% em relação média brasileira. Lopes afirmou que seu “povo não aguenta mais tanto descaso do governo brasileiro”, que este “se mostra incapaz de os proteger” e que vivem uma crise humanitária.

     

    Os relatores e suas equipes lamentaram que ainda hoje, o Brasil não tenha conseguido resolver o problema da demarcação, mesmo quando sua Constituição tenha estabelecido como prazo cinco anos após promulgação e comprometeram-se em levar o caso adiante junto ao governo brasileiro.

     

    No entanto, segundo a delegação que acompanha Eliseu Lopes, o Brasil já vem sendo amplamente questionado, por diversos órgãos da ONU, da sociedade civil internacional e da Organização dos Estados Americanos (OEA).

     

    A efetiva demarcação das terras Guarani e Kaiowá foi inclusive recomendada na última Revisão Periódica Universal (RPU) que avalia a situação de violação de direitos humanos e o cumprimento de tratados e convenções no Brasil.

     

    Lamentavelmente observasse que as recomendações não estão sendo atendidas, que muitas vezes as informações prestadas e discursos realizados não condizem com a realidade, uma vez que o Brasil possui uma excessiva preocupação com sua imagem no exterior.

     

    A exemplo, foram as observações e recomendações que o então relator especial para os Direitos dos Povos Indígenas, James Anaya fez ao Estado Brasileiro após visita e estudo de caso dos Guarani Kaiowá. Passados mais de quatro anos, Anaya lamenta e se mostra muito preocupado por não ter obtido nenhuma resposta por parte do Estado Brasileiro.

     

    Paralisação das demarcações de terras indígenas no Brasil e o aumento da violência

     

    Durante o dia reservado no Conselho de Direitos Humanos ao tema “Povos indígenas”, a relatora especial pôde fazer seu informe sobre a situação dos povos indígenas no mundo. Nesta oportunidade, Lopes teve o resumo de sua contundente declaração lida por sua advogada, onde afirma: “A inconsequente decisão do governo brasileiro em paralisar os processos demarcatórios, sob pretexto de “diálogo”, resultou justamente no aumento direto dos conflitos em todas as regiões. Decisão que sabemos, vai contra nossos direitos internacionais, contra a constituição brasileira e os diversos casos, em todo o mundo, de cessação de conflitos, através da efetiva demarcação dos territórios indígenas”.

    Efetivamente paralisar as demarcações de terras indígenas no Brasil, mostra-se de interpretação primária, no tocante a solução de conflitos territoriais. Principalmente quando a história demonstra que é justamente a devolução e proteção de terras e a reparação dos afetados por elas o mecanismo mais eficaz de manutenção da paz.

    Em entrevista a jornalistas, Lopes disse que este não é um problema novo para o Brasil. Ainda hoje terras indígenas são invadidas indiscriminadamente e o governo brasileiro nada faz, quando o faz é por decisão judicial e não por cumprimento de sua obrigação constitucional. “Eles invadem nossas terras hoje, o governo não faz nada; amanhã arrumam títulos, nos expulsam do território, o governo não faz nada; e depois de amanhã se dizem donos da terra. E meu povo? Vive de baixo de lona preta a beira da estrada, e o governo não faz nada. Não aguentamos mais isso”.

     

    Relatório especifico sobre violência contra os Guarani é lançado durante sessão do UNHRC.

    Acompanhado de membros da Rede de Ação e Informação pelo direito à alimentação – Fian e do Conselho Indigenista Missionário – (Cimi), Lopes testemunhou em evento paralelo ao lançando do Brief Report on the violations of the Human Rights of the indigenous Kaiowá Guarani peoples in Mato Grosso do Sul – Brazil. Este pretende informar a sociedade internacional sobre a realidade de violência vivida por este povo.

     

    O relatório aponta ao citar dados do Ministério da Saúde, que de 2000 a 2013, 662 pessoas indígenas se suicidaram no Mato Grosso do Sul, um caso a cada 7,7 dias nos últimos 14 anos. Que nos últimos 12 anos houve um assassinato a cada 12 dias, totalizando 361 indígenas. Num ambiente que registrou mais de 150 conflitos, pelo menos 16 lideranças Guarani Kaiowá foram assassinadas por fazendeiros devido a suas lutas por território nos últimos 10 anos. Destes casos, somente um, de Nísio Gomes assassinado em 2011, resultou efetivamente na prisão de seus assassinos, sendo 19 pessoas, entre elas fazendeiros, advogado, servidor público, pistoleiros e dono de empresa de segurança privada, classificada com milícia armada, por sua atuação e assassinato em outras comunidades indígenas. O restante segue com inquéritos inacabados ou processos estagnados.

     

    Lopes denunciou que as negociações e composições políticas do atual governo com setores racistas e violentos do agronegócio resultaram numa escalada sem igual da violência contra os povos indígenas no Brasil, a exemplo citou comunidades de outros povos que estão em conflito, enfrentando invasores, sendo executados pela Polícia Federal, sendo assassinadas por madeireiros e pecuaristas, e de crianças que morrem por falta de alimentação adequada.

     

    Esta realidade é confirmada pelo relatório da Comissão econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU, lançado as vésperas da 1ª Conferência Mundial sobre Povos Indígenas realizada em Nova York. Este afirma que o Brasil possui 70 povos indígenas ameaçados de extinção física e cultural, resultante de conflitos armados e de flagrantes violações de direitos fundamentais, individuais e coletivos. (Confira aqui).

                           

    Onde um boi vale mais que uma criança indígena

     

    O estado de Mato Grosso do Sul, possui pouco mais de 35 milhões de hectares, comparavelmente é do tamanho da Alemanha, a 3ª maior economia do planeta. A soma total de todas as áreas urbanas de seus 79 municípios somam apenas 44,1 mil hectares.

     

    Deste território, nada menos que 66% (22 milhões de hectares) é ocupado por gado (21,4 milhões de cabeça); cerca de 6% deste território é ocupado por soja (2,1 milhões de hectares); 2,3% é ocupado pela cana (800 mil hectares); 2% é ocupado por eucalipto (700 mil hectares), a estimativa do setor é que exista 14 milhões de hectares disponíveis para seu plantio.

     

    A região em que os Guarani Kaiowá habitam há séculos, dentro do atual território brasileiro no Mato Grosso do Sul é composta hoje por 28 municípios, que junto somam quase 8 milhões de hectares.

     

    Estudos preliminares sobre o tamanho das terras reivindicadas pelos Guarani Kaiowá, 2ª maior povo indígena do Brasil, apontam que estas não devem ultrapassar 900 mil hectares. Isto é, menos de 2,5% do território do estado de Mato Grosso do Sul, ou, cerca de 11% do território que outrora foi inteiramente deles e que hoje é objeto de estudos de 7 Grupos de Trabalho (GTs), em 28 municípios.

     

    Estas terras também não seriam em faixa continua e buscariam restaurar os corredores ecológicos entre as principais bacias de rios da região sul do Estado.

     

    Retomada de seus territórios como último ato de sobrevivência e de proteção das matas e meio ambiente

     

    No relatório apresentado, diversos pesquisadores aprofundaram os impactos da falta da terra e da mata nativa na vida e nas estruturas sociais dos Guarani Kaiowá. Dissertam sobre as reservas criadas ainda pelo SPI e prestes a completarem 100 anos, como verdadeiros bolsões de violência, desestrutura e traumatismo social.

     

    Enquanto Eliseu Lopes denunciava esta realidade em ambientes da ONU, seu povo iniciava mais uma retomada de seus territórios tradicionais, cumprindo com uma decisão da Aty Guasu (Grande Assembleia) de retomarem suas terras ancestrais. Decisão tomada, segundo ele, pela inércia do governo brasileiro em demarcar suas terras e o desespero de centenas de famílias que não tem o que comer, sujeitas a politicagem de cestas básicas, ao calor da lona preta e principalmente das ações de desmatamento das poucas áreas preservadas que estão dentro de seus territórios antigos.

     

    Kaiowá significa o povo da floresta/mata, e em tempos de mudanças climáticas, não se sabe afirmar o quanto ainda restam de mata nativa na região dos Guarani Kaiowá. A olho nu, pelas rodovias do estado, não parecem restar muito do que outrora era parte da Mata Atlântica. Por isso, muito destas comunidades em suas retomadas ocupam justamente pequenos espaços de mata como tentativa de restabelecer aspectos identitários, cosmológicos e de preservação. Denunciando inclusive, as ações de desmatamento propositadamente realizadas por fazendeiros da região.

     

    De Genebra, Eliseu Lopes seguirá para Bruxelas, onde se encontrará com deputados do Parlamento Europeu, bem como com comissões específicas, entre elas de Direitos Humanos e para assuntos bilaterais com o Brasil. Haverá atividades ainda na Alemanha e Itália.

     

    Ainda este ano outra comitiva Guarani Kaiowá deverá ir sede da ONU na Europa, para tratar dos impactos das empresas de agrocombustíveis sobre seus direitos humanos, indígenas e territoriais.

               

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  • 01/10/2014

    Dom Tomás no ritual dos índios Krahô: “Ele está aqui. Ele está olhando por nós”

    “Ele está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós. Ele não foi embora. Ele está aqui. Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de Dom Tomás”.

    Gercília Krahô, importante liderança do povo, recebeu, na nova aldeia, com muito carinho, parentes e amigos de Dom Tomás, que ela tinha como tio. Para o povo Krahô, o tio tem uma relevância tão importante no papel da formação social quanto o pai.

    A homenagem ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc acontece como finalização de luto de um parente e, neste caso, seu inesquecível amigo Tomás. Este ritual compreende momentos marcantes de noites acordados embalados pelos cantos no pátio, pinturas corporais, os cortes de cabelos e a corrida com a tora de buriti que simboliza o corpo de Dom Tomás. Esse corpo pintado e empenado percorre o pátio nos ombros dos indígenas e em seguida é levado à casa de Gercília, onde é envolto em um pano e logo depois despido para que as mulheres possam se despedir, através do choro ritual, um lamento profundo de lágrimas e soluços que toca e faz chorar muitos presentes.  

    “Eu só participo do ritual na igreja de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme a nossa cultura”, havia exigido Gercília.

    O cerrado já se vestia de verde e o rio se tingia de vermelho para participar desse momento ímpar da memória de um de seus filhos e defensores intransigente e radicalmente comprometido com a diversidade de vida, povos e comunidades originárias deste Brasil central.

    Cenário perfeito para um grande e inesquecível acontecimento. Beleza e simplicidade, alegria e lágrimas, gestos profundos de espiritualidade ritual. A celebração da memória de um “kupen” (não indígena) na aldeia é mais do que uma excepcionalidade, é um gesto de reconhecimento da permanência entre eles.

    Presentes e compromisso

    Um dos momentos marcantes do ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc foi quando Dom Eugênio, bispo de Goiás, entregou à comunidade, através de Gercília, umas lembranças de Dom Tomás – uma cruz simbolizando os mártires latino-americanos e uma vistosa estola, que ela imediatamente vestiu. Era mais do que memória. Foi selado o compromisso da continuidade do trabalho em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas, em especial com os “mehin” (Krahô).

    De longe se ouvia a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia. Era o último dia da celebração. Gercília se aproximou de Dom Eugênio, e num gestou perdido na noite, carregada de harmonia, revezando silêncios e maravilhosos cantos, tirou o colar que trazia no pescoço e colocou-o no bispo dizendo: “Agora você é compadre de Dom Tomás”. Umas rápidas palavras e estava selado o compromisso.

    Dom Eugênio declarou que sempre teve muita admiração por Dom Tomás, pelos seus trabalhos, pela sua luta. Por essa razão estava junto aos Krahô, com o pessoal do Cimi, da CPT e outros amigos de Dom Tomás. “Simpatizo com a causa indígena e da terra. É preciso defender essa gente e os empobrecidos da terra”. Disse ter achado ótima essa oportunidade de conhecer um pouco mais da cultura indígena.

    O massacre continua

    No decorrer dos três dias celebrativos, inúmeros depoimentos foram sendo desfilados, todos eles marcados por profunda indignação e revolta, pelas violências, omissões, preconceitos e massacres. Isabel Xerente verberou: “Vão entrar em nossas terras (grandes projetos) para massacrar. Nós vivemos lutando por todos. Tenho essa borduna pra dar na cabeça”.

    Vários depoimentos lembraram o avanço do agronegócio, destruindo as matas, poluindo os rios. As monoculturas da soja, do eucalipto, do gado, acabam envenenando e matando a terra e os animais. Os rios estão secando.

    Foi lembrada a brava resistência das comunidades indígenas diante das políticas desenvolvimentistas do atual governo com as rodovias, hidrovias, hidrelétricas, dentre outros. Porém, “nós indígenas somos a semente e as plantinhas dessa terra. Vamos continuar lutando. Vamos nos unir com os pobres. Vamos lutar unidos”.

    O povo Krahô, que faz parte da grande nação Timbira, são hoje em torno de 3.200 pessoas vivendo em 28 aldeias nos municípios de Goiatins e Itacajá no Tocantins

    Gratidão e alegria. O ritual que marcou o fim do luto de Dom Tomás entre os Krahô, também nos traz a certeza de sua presença e a continuidade de sua luta entre nós e da vitória dos povos originários do país e do continente latino-americano.

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  • 30/09/2014

    Xokleng e a memória perdida: a história que é melhor não contar

       


    Velha Índia Aíu (Xokleng), abril de 1997.

    http://www.las.ufsc.br/index.php/nucleo-de-estudos-de-populacoes-indigenas-nepi

     


    Neste mês de setembro completou exatos 100 anos que um grupo de indígenas Xokleng resolveu aceitar a proposta de paz proposta pelo Estado brasileiro. Trata-se do grupo Laklãnõ que atualmente vive no alto vale do Itajaí. Outros grupos Xokleng optaram em manterem-se livres em seu território e por esse motivo não foram “protegidos” pelo Estado. Massacrados por bugreiros, colonos e fazendeiros, foram dizimados, restou um pequeno grupo em Porto União-SC.

    Muito se tem enaltecido funcionários do Estado brasileiro e o próprio Estado pela relação estabelecida no momento da “pacificação” e pela atenção dispensada ao longo de 70 anos. A exaltação é, no geral, narrada por quem se beneficiou do processo do ponto de vista econômico ou social. É recomendável uma revisão bibliográfica a partir do ponto de vista indígena, um recontar e refazer da história para que a paz seja de fato estabelecida e que de alguma maneira possa também os indígenas possam ser beneficiados. Ocorre que 100 anos é uma pequena fração de uma história milenar, que remonta a mais de quatro mil anos, já datada pela ciência moderna, certamente os mais cruéis e violentos.

    As relações que marcaram os indígenas Xokleng com os não indígenas no século XX não podem ser contadas em poucas linhas, tampouco filtradas pela amnésia intencional daqueles que sabem de suas responsabilidades quanto a violência impetrada e preferem o esquecimento.

    A alusão aos 100 anos de contato poderia ser marcada pela lembrança de uma nova relação amistosa estabelecida entre indígenas e sociedade regional. No entanto, as marcas da violência continuam porque a história não está concluída, a pacificação está inconclusa. Segundo depoimento de indígenas o “contato foi praticamente forçado, porque, ou os indígenas aceitavam o contato ou seriam todos dizimados! Então, a luta é de 100 anos de história, e hoje ainda existe a arma que nos fere, e essas arma é a caneta, aquela caneta que assina as leis, e às vezes ela corta os nossos direitos e aí eu digo pra toda a nossa juventude, que nós temos um caminho pra se defender, o caminho da educação, o caminho de aprendizado e do aprimoramento naquilo que fazemos para que possamos conhecer as leis que nos protege”.

    O Estado brasileiro, envergonhado que estava diante das atrocidades que eram cometidas contra indígenas, criou em 1910, o Serviço de Proteção aos Indígenas (SPI). Uma agência de princípios humanitários e disposta a inovar, criar novas relações com os povos indígenas. Uma das primeiras atribuições desse serviço foi pacificar – nome cunhado da literatura de guerra que significa estabelecer a paz. Partia-se de um pressuposto que havia uma guerra declarada, na visão das companhias colonizadoras os Xokleng fariam guerra contra os não indígenas, na perspectiva indígena era exatamente o contrário, ou seja, as frentes de colonização invadiram o território indígena e declararam guerra.

    O Estado, personificado no SPI, conferiu a responsabilidade de mediar a paz. Todavia, o SPI representava uma das partes, não cabia a ele a mediação, a ele cabia sim retirar os invasores e impedir que continuassem invadindo, fez justamente o contrário, legalizou a invasão e reduziu o território do povo invadido a uma minúscula fração do mesmo. E fez mais, criou uma estrutura administrativa, política e ideológica para manter os indígenas confinados na reserva. A pacificação em seu fim último significou a proteção aos invasores e o reconhecimento das terras roubadas como legítimas. Seu objetivo não era a proteção indígena, ao contrário, era proteger a sociedade regional de uma pressuposta agressão indígena.  Agrava-se o fato da legislação brasileira, inclusive a Lei 601 de 1850, época do Império, reconhecer o direito indígena sobre seus territórios, mas depois agir contra a lei, leiloando as terras indígenas ou os expulsando.

     A paz que nunca chegou

    A paz proposta pelo SPI aos Xokleng em 1914 nunca se materializou, ao contrário, a violência continuou, agora de maneira institucional. O século 20 pode ser caracterizado como um dos mais violentos contra os povos indígenas no Brasil justamente porque a prática era institucionalizada, era oficializada e legalmente amparada pelo regime tutelar a que eram submetidos os indígenas. A tutela era a extensão da guerra, era a impossibilidade de reação, o sentido mais desumano que se pode aplicar a um povo, tolher a liberdade e impedir que reajam.

    Assim se processou por longos 70 anos. Impedidos de falar a língua e manifestar-se culturalmente eram submetidos a severas jornadas de trabalho imposto como disciplina e castigo. Diante do poder opressor do Estado nada podiam.

    As poucas terras reservadas como acordo de pacificação, foram sendo reduzidas, dos cerca de 40 mil hectares reservados no início do século restou aos Xokleng menos de 15 mil. Acordos, negociatas e abusos foram marcas no processo de roubo das terras. Em 1963, uma invasão é organizada por empresários regionais com centenas de famílias camponesas para roubar os últimos 15 mil hectares. Sozinho e sem apoio, as lideranças indígenas se deslocaram a pé até capital do estado para denunciar e cobrar uma solução. Apenas em 1998, a revisão dos limites com a possível retirada dos invasores começa a ter um fim. Porém o processo encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) devido a uma Ação Civil Ordinária (ACO 1100) impetrada pelo estado de Santa Catarina, empresas madeireiras e outros ocupantes.

    Vejam 100 anos se passou, nós somos um povo forte, e com esse frio todo e nos estamos aqui. Nós temos algumas leis que defende a comunidade indígena. Essas conquistas foram por causa das lideranças anteriores, e também pelas nossas forças. Porque não pense, que tudo o que temos hoje dentro na terra indígena, foi oferecido pra nós, fomos buscar, nós conquistamos, nós temos, casa, posto de saúde, mas não foi ninguém que ofereceu pra nós, fomos nós que conquistamos!”

    Outra variante da prática abusiva do SPI foi considerar as terras Xokleng como de sua propriedade. Durante os governos militares, o órgão indigenista autorizou a construção de uma barragem para contenção de cheias no vale  do Itajaí, protegendo as cidades de Ibirama, Indaial, Blumenau e Gaspar das enchentes e deixando aos indígenas um lago lamacento e podre. Mais de mil hectares de terras na várzea do rio ficaram submersas, as melhores e justamente onde se encontravam suas aldeias. Até hoje não foram devidamente indenizados e sofrem com os acessos. Basta um pouco de chuva para a escola e aldeias ficarem ilhadas. Uma aldeia está condenada erosão provada pela variação do nível da água

     

     

     

    Herói pacificador para alguns, vilão para outros

     

     

    A sociedade regional reconhece Eduardo de Lima e Silva Hoerhan como o herói pacificador, aquele que teve a audácia de estabelecer o contato e conviver com esse povo por praticamente meio século. Foi ele quem garantiu a tranquilidade para a sociedade regional, que impediu aos indígenas circularem por seu território tradicional, também foi o responsável por introduzir os valores e costumes das sociedades ocidentais no seio esse povo.

     

    No entanto, na memória Xokleng não há heroísmo. Inclusive questionam o fato dos Kaingang terem sido ignorados ao longo da história, quando eles foram os protagonistas do contato, já que eles conseguiam se comunicar com os Xokleng na língua materna.

     

    As atrocidades cometidas pelo chefe de posto seguem na memória do povo conforme relato de indígenas que afirmam que, em alguns momentos o Eduardo ajudou os índios, mas a ajuda dele foi muito menor, do que ele massacrou os índios. “Meu avô trabalhava para o Eduardo, e contava o que o ele fazia com os índios, um dia Eduardo chamou meu avô, e como ele se demorou um pouco e quando ele estava chegando, o Eduardo mandou  ele parar, e mandou ele ficar ali, e o utilizou como um alvo, e começou a dar vários  tiros, e um tiro acertou a orelha do meu avô, que ficou sem um pedaço da orelha, então meu avô contava que o Eduardo disse pra ele: eu só fiz isso pra treinar a minha arma nova.Então hoje nos não contamos pro nossos alunos, que o Eduardo foi um herói, porque ele judiou muitos dos índios, massacrou muito os índios, porque a história que nós ouvia do meu avô, meu  tio sempre contou também e outro mais velho também contava, que foi muito sofrido”, tal como narra um dos indígenas.

     

    Para concluir um processo de paz

     

    A paz é resultado da reconciliação. A reconciliação não se faz pelo esquecimento. A eliminação da prática da tutela e a superação do modelo opressor do estado militar na década de 1980 significaram importante passo na construção da pacificação. No entanto, a paz ainda é um projeto utópico.


     A devolução das terras e a reparação dos danos causados pela barragem norte poderão significar um importante passo rumo a consolidação do processo de pacificação. Nesse caso ela deverá ocorrer de acordo com o pensamento indígena, ou seja, os não indígenas devem ser pacificidades.


     O recontar da história a partir da memória indígena, processo que a escola tem relevante papel pelo poder de incidir em crianças e jovens, poderá significar um importante um elemento de revisão dos registros históricos que enaltecem vilões como heróis e falseiam os dados e informações para evitar que a memória cumpra com seu papel de mobilizadora das sociedades. Enquanto continuam lutando para melhorar a educação, para ter profissionais indígenas na comunidade, para que os seus filhos/as e netos/as possam mais cem anos ter aquilo que eles tanto desejam que é educação, saúde e a terra.

     

                 

     

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  • 30/09/2014

    Kurusu Ambá: entre o despejo e a bala

    Na tarde desta segunda feira, 30, dois representantes do povo Kaiowá, pertencentes ao grupo de famílias que retomaram um pequeno espaço do território tradicional de Kurusu Ambá, localizado em Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul, compareceram ao prédio da Justiça Federal de Ponta Porã, onde participaram de uma audiência referente ao pedido de reintegração de posse encaminhado na última quinta-feira, dia 25, realizado pelos fazendeiros da região contra os indígenas.

    Há exatamente uma semana atrás, dia 22, cerca de 250 indígenas retomaram uma pequena parte de seu território sagrado, conhecido como Kurusu Ambá buscando ocupar porções de terra para poderem iniciar o plantio de seus alimentos e desta forma cessar a fome que há muito tem lhes acompanhado e causado permanentes danos.  

    Nas entrelinhas das falas dos fazendeiros presentes na audiência, a confirmação de que a violência espreita de perto as famílias Kaiowá em Kurusu Ambá. Já fazem cinco dias que os indígenas vêm denunciando a presença de grupos armados, levados por veículos até uma fazenda vizinha da sede onde os Kaiowá encontram-se acampados. Na juíza, sob alegação de que a segurança dos indígenas estaria fora de seu controle, os proprietários das fazendas que ingressaram com o pedido de reintegração de posse deixaram claro que existe de fato um grupo articulado para retirar os indígenas da área.

    Os Kaiowá afirmam que este grupo de capangas fica à espreita, em especial à noite e que os jagunços estão tentando atiçar o fogo em sua Opy (Casa de Reza) para enfraquecer a retomada.

    Durante a audiência, a juíza propôs tentativa de acordo entre indígenas e fazendeiros, porém ainda não foi possível construir o consenso. A Funai sugeriu o estabelecimento de uma “faixa de amortecimento” entre as partes, garantindo uma diminuta área de lavoura para as famílias indígenas poderem plantar seus alimentos, ficando esta faixa protegida das investidas dos fazendeiros. Já o advogado dos indígenas propôs que para além do estabelecimento de tais limites, seja determinado pela juíza um prazo específico para que a Funai acabe os estudos referentes à tradicionalidade da terra indígena, já em andamento, e conclua a demarcação de Kurusu Ambá, definindo a questão e garantindo o direito efetivo do povo Kaiowá. Enquanto isso os representantes dos fazendeiros exigiam que o pedido de reintegração fosse executado imediatamente.

    A liderança indígena presente na audiência, que por motivos de segurança prefere não se identificar, relatou à juíza que não poderia tomar nenhuma decisão sem ser consultada a totalidade de sua comunidade. Foi concedido aos indígenas um prazo: até sexta-feira, dia 03 de outubro, para que os Kaiowá de Kurussu Ambá se manifestem definitivamente quanto às suas intensões.

    As lideranças Kaiowá, durante toda a audiência, foram firmes em garantir que não abdicarão de sua terra tradicional e que não recuarão nem frente à polícia, nem frente à jagunços armados. Enquanto correm os ponteiros, o perigo de uma ordem de despejo se torna iminente e os canos das armas continuam apontados contra as famílias indígenas, sem nenhum sinal de que os mesmos contarão com algum tipo de segurança. Desde 2007, mais de dez indígenas perderam suas vidas em tentativas de retomada deste mesmo território.

    Enquanto no horizonte se anuncia para o povo Kaiowá nova tragédia, seja em forma de despejo ou da violência dos jagunços, a demarcação da terra de Kurusu Ambá, única solução real para o problema fundiário, continua paralisada e sem perspectivas de retomar seu curso. Enquanto isso, mães, pais, rezadores, velhos e crianças buscam o direito à vida plena e digna, convictos na esperança de terem morada em seu próprio território, e poderem viver tranquilos e em paz em sua terra tradicional.


    Leia mais sobre o caso de Kurusu Ambá:

    Cansados de passar fome, 250 indígenas Kaiowá retomam parte do território ancestral de Kurusu Ambá


    Grupos armados rondam famílias Kaiowá da aldeia Kurusu Ambá, indígenas temem novos ataques 

     

     Confira aqui o depoimento do Guarani Kaiowá:

     

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  • 30/09/2014

    Lideranças Guarani Kaiowá vão ao STF, às 15h, pedir nulidade de decisão que os impede de ocupar território tradicional

    AVISO DE PAUTA 

    Nesta terça-feira, às 15 horas, quatro lideranças Guarani Kaiowá, Mato Grosso do Sul, estarão no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF), para protocolar pedido de nulidade de uma decisão da 2ª Turma da Corte que anula o reconhecimento do Estado à tradicionalidade do tekoha – lugar onde se é – Guyraroká, terra reivindicada pelos indígenas.

    Contrariando decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do relator do processo alçado ao STF, ministro Ricardo Lewandowski, o ministro Gilmar Mendes acatou o pedido de anulação do ato do Ministério da Justiça, baseado em estudos da Funai, que reconhece o Guyraroká como tradicional. Mendes usou a tese do marco temporal para justificar sua decisão: se a comunidade indígena não estava na área reivindicada em 1988, ocasião da promulgação da atual Constituição, ela não possui o direito de ocupá-la.

    Os argumentos de Mendes foram acompanhados pela ministra Carmem Lúcia e pelo ministro Celso de Mello. O ministro Teori Zavaski não votou. Os Guarani Kaiowá do tekoha Guyraroká afirmam que o futuro da comunidade foi decidido sem que sequer eles fossem ouvidos, e agora, em Brasília, pretendem dizer aos ministros o que motiva o grupo a não desistir do território tradicional. Reconhecer a tradicionalidade da terra reivindicada pelos indígenas é uma parte do procedimento de demarcação do território.   

    Acompanhados da assessoria jurídica do Cimi, autora do pedido de nulidade, os Guarani Kaiowá irão ao gabinete do presidente da Suprema Corte, o ministro Lewandowski, para tratar da questão territorial e do pedido de nulidade da decisão. O Guyraroká fica na região de Dourados (MS), na entrada do Cone Sul do estado, que apresenta uma das realidades de maior violência contra os povos indígenas no mundo.  

    Outras informações e entrevistas:

    Luana Luizy, assessoria de comunicação do Cimi: (61) 8128.5799 ou (61) 2106.1650.

     

     

      

     

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  • 29/09/2014

    Aumenta o risco contra a sobrevivência dos povos indígenas isolados na Amazônia Brasileira

    O respeito aos direitos humanos dos povos em isolamento ou contato inicial deve dar-se dentro de um marco que respeite plenamente seu direito a livre autodeterminação, a vida e integridade física, cultural e psíquica dos povos e seus membros, a saúde e a seus direitos sobre as terras, territórios e recursos naturais que têm ocupado e utilizado ancestralmente. (Povos Indígenas em isolamento voluntário e contato inicial nas Américas – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH,2013)

     

    Os povos indígenas em situação voluntária de isolamento ‘emergiram’, nos últimos meses, nos noticiários nacionais e internacionais e, com frequência, informações sobre a sua presença, em diferentes regiões da Amazônia, chegam até a equipe do Cimi de apoio a estes povos, bem como à Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatos (CGIIRC) da Funai.

    No Acre, um grupo de indígenas isolados buscou apoio numa aldeia Ashaninka, entre os meses de junho e julho deste ano. No diálogo estabelecido com funcionários da Funai, em jaminawa, traduzido por um falante desta língua indígena, estes indígenas relataram que foram vítimas de massacre, possivelmente por madeireiros ou narcotraficantes na fronteira com o Peru. Além disso, contraíram gripe, o que pode ter um efeito devastador entre o grupo.

    Todavia, a situação de risco em que este povo isolado vive, dentre os demais desta região banhada pelo rio Envira, era amplamente conhecida pelas autoridades brasileiras, mesmo assim a Frente de Proteção Etnoambiental do Envira, da Funai, foi abandonada em 2012, porque o órgão indigenista não contou com respaldo suficiente para oferecer segurança a seus funcionários – atacados por narcotraficantes internacionais.

    No Vale do Javari, Amazonas, uma família isolada Korubo, composta por seis pessoas, foi encontrada às margens do rio Itacoaí por indígenas Kanamari, neste mês de setembro, e levada para a aldeia Massapê. Outra vez trata-se de um pedido de socorro, desta vez diante de uma situação de doença que se manifestava, segundo descrição de uma indígena da família, através de febre alta e muita tremedeira no corpo (sintomas da malária), que estava provocando mortes no grupo Korubo isolado.

    O fato motivou um posicionamento público da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Nela a organização denuncia a invasão da terra indígena por caçadores e pescadores, além das dificuldades da Funai para desenvolver as necessárias ações de vigilância e proteção por falta de recursos financeiros e pessoal qualificado.

    No Maranhão, os indígenas isolados Awá-Guajá continuam ameaçados pelos madeireiros que impunemente devastam as terras indígenas já demarcadas, por onde perambulam os diversos grupos que compõe este povo. Essa situação já foi reiteradas vezes denunciada ao Poder Público. Diante da omissão governamental, a denúncia foi levada para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). É absolutamente inaceitável que o povo Awá-Guajá continue sendo submetido a essa política de extermínio.

    Na região da Ilha do Bananal, recentemente indígenas isolados foram vistos dentro e fora da terra indígena, e os sinais de sua presença foram percebidos nas proximidades da aldeia indígena Waotynã, localizada no município de Lagoa da Confusão. Um alerta também foi feito ao departamento de isolados da Funai, sobre a sua presença na região da Mata do Mamão, dentro da Ilha, pelas brigadas de combate a incêndios. As ameaças a este povo vêm das queimadas na Ilha, comuns nessa época do ano, mas também com suspeitas de origem intencional, das invasões de caçadores e pescadores e dos projetos de construção de estradas. A Funai até hoje não fez nenhum estudo sobre a área de perambulação deste povo, e também não adotou medidas de proteção.

    No rio Tapajós, o governo está anunciando para breve o licenciamento ambiental para a construção de diversas usinas hidrelétricas. Até o momento nenhum estudo foi apresentado sobre os diversos povos indígenas isolados que vivem nas proximidades destas hidrelétricas projetadas para a região. Os governos da ditadura militar promoviam a remoção forçada dos povos indígenas isolados, localizados ‘no caminho’ dos mega empreendimentos de infraestrutura na Amazônia. Prática que levou a verdadeiras tragédias humanas e genocídio. Os governos atuais optaram por desconhecer a sua existência, repetindo a estratégia dos governos militares, para que não atrapalhem os seus projetos. Essa política é perversa, trágica e violenta porque não considera o que pode acontecer a estes povos.

    As informações sobre os povos indígenas isolados, nada tranquilizadoras, sinalizam para um agravamento das situações de vulnerabilidade e risco em que estes povos se encontram, com seus espaços territoriais cada vez mais restritos e invadidos, numa Amazônia onde os índices de desmatamento voltam a crescer, a propósito de manter, num contexto de crise da economia globalizada, a reprodução do sistema de dominação e acumulação através da exploração extrema dos recursos naturais. 

    Os fatos revelam igualmente, e de forma contundente, as contradições mais profundas das políticas governamentais que apostam, em termos macro econômicos, em um desenvolvimentismo sem limites, festejado pelas empresas transnacionais dos setores do agronegócio, do extrativismo mineral, petrolífero, madeireiro e da construção civil, que são as grandes beneficiárias dos vultosos investimentos públicos nos empreendimentos de infraestrutura nas áreas de energia, transporte e comunicação na região.

    As políticas compensatórias, de mitigação de impactos e de proteção aos povos e comunidades locais, expõem neste cenário toda a sua ineficácia, revestidas que são por uma natureza emergencial permanente. Denunciam, por sua inoperância, a reprodução dos decretos de extermínio dos povos indígenas expedidos desde que as caravelas europeias atracaram no continente sul-americano.

    Reiteramos que a autodeterminação dos povos indígenas isolados, que se manifesta por sua vontade de não estabelecer relações regulares com a sociedade brasileira, deve ser respeitada, assim como seus territórios demarcados e protegidos. A vontade do não contato significa também uma demonstração clara destes povos contra os empreendimentos governamentais em seus territórios, e deve ser vista como o exercício do seu direito de consulta.

    A atenção à saúde nas aldeias das terras indígenas, onde os grupos isolados vêm aparecendo com relativa frequência, sobretudo no Vale do Javari/AM e Rio Envira/AC, deve ser absolutamente prioritária para evitar a transmissão de doenças infectocontagiosas, fatais a estes grupos. É fundamental que o órgão indigenista oficial, a Funai, seja aparelhado com recursos financeiros e com pessoal qualificado para identificar a presença dos povos isolados, verificar suas áreas de perambulação e evitar que seus territórios sejam invadidos. Por fim é preciso acabar urgentemente com a vergonhosa invasão madeireira nas terras indígenas do Maranhão, que está decretando o extermínio do povo Avá Guajá.

    Porto Velho, 27 de setembro de 2014

    Equipe do Cimi de Apoio aos Povos Indígenas Isolados

     

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  • 26/09/2014

    Grupos armados rondam famílias Kaiowá da aldeia Kurussu Ambá, indígenas temem novos ataques

    Os cantos e rezas de um grupo de indígenas Kaiowá ainda eram entoadas em frente ao prédio da Justiça Federal de Ponta Porã-MS, durante o andamento de audiência referente ao assassinato da liderança Nísio Gomes da aldeia Guaiviry, quando no cair da tarde de ontem, dia 25 de setembro, correu a notícia de que grupos armados foram vistos rondando as imediações de uma pequena sede de fazenda, retomada por algumas famílias de Kaiowá no território de Kurussu Ambá, em Coronel Sapucaia-MS, a não mais que 160 km dali.

    A notícia fez surtir entre os indígenas que acompanhavam a audiência, efeitos de aguda preocupação e dor como se os mesmos se deparassem novamente com o fantasma da morte de Nísio. Com a dor ainda latente pelo ataque desleal que tirou a vida de sua liderança em 2011 e conhecendo de maneira orgânica o poder e os danos da articulação dos fazendeiros da região, os indígenas puseram-se a orar também por Kurussu Ambá, para que não aconteçam mais mortes na terra indígena que tem o maior índice de violência direta contra o povo Guarani e Kaiowá no MS por parte de ações deliberadas pelos fazendeiros.

    Na tarde de segunda feira, dia 22, cerca de 50 famílias indígenas retomaram uma pequena parte do território ancestral de Kurussu Ambá, território tradicional do povo Kaiowá que com a paralisação dos procedimentos demarcatórios por parte do Governo Federal manteve-se na mão de fazendeiros enquanto os indígenas encontram-se confinados desde 2009 a uma pequena extensão de mato que faz divisa com uma fazenda denominada de Auxiliadora. Os Kaiowá reivindicam espaço para plantar e melhorar minimamente sua condição de vida já que encontram-se em estado de extrema vulnerabilidade amplamente divulgada e de conhecimento público, onde a fome atinge constantemente proporções desumanas denunciadas sobretudo por organizações internacionais de direitos humanos.

    Durante a retomada de alguns espaços de lavoura por parte dos indígenas, houveram problemas com um arrendatário local, que ao descumprir um acordo pactuado junto a Funai e os indígenas, adentrou espaço onde se encontravam as famílias Kaiowá pressionando-as. A partir deste momento os indígenas decidiram ocupar uma pequena sede de fazenda que se vizinha das áreas de plantio e estava ocupada pelo arrendatário.

    Para entender melhor a situação em Kurussu Ambá:http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7739.

    Em resposta a busca dos indígenas pelos seus direitos fundamentais, fazendeiros locais e alguns grupos de pessoas externas, provavelmente “seguranças” contratados pelos fazendeiros, começaram a ser vistos pelos indígenas rondando a área e concentrando-se em grande número, trazidos por veículos que iam e vinham pelas estradas, para uma fazenda, que segundo informação dos indígenas fica a aproximadamente 1000 metros a frente da sede ocupada pelas famílias Kaiowá. Logo, o medo mais profundo dos indígenas se confirmou, quando os mesmos passaram a avistar ainda em plena luz do dia, que da fazenda, onde estão concentradas as pessoas que foram transportadas pelas caminhonetes, começaram a sair grupos visivelmente armados que passaram a realizar diversas movimentações no local.

    Os Kaiowá, ainda no dia de ontem, estabeleceram contato com o Ministério Publico Federal de Ponta Porã, cujo procurador encontrava-se presente na audiência referente ao caso de Nísio Gomes. De lá mesmo a Juíza Federal que acompanhava as oitivas concedeu autorização para que os destacamentos da Polícia Federal que se encontravam fazendo a segurança da audiência pudessem se deslocar ainda naquela mesma noite até Kurussu Ambá. Desde então não foi possível estabelecer novo contato com os indígenas para ter retorno do que ocorreu entre a noite de ontem e a manhã de hoje devido a dificuldade de comunicação existente na região

    Por estarem em uma área de fronteira com poucas possibilidades de comunicação, a situação de monitoramento por parte da Policia Federal ou Força Nacional se faz emergencial e imediata.

    A violência organizada e anti-indígena voltou a bater na porta de Kurussu Ambá dando indícios claros de que se nenhuma providencia for tomada urgentemente pelos órgãos responsáveis ocorrerá mais uma de tantas tragédias anunciadas que tem assolado a vida dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Desde 2007, já foram mais de dez assassinatos durante processos anteriores de tentativa de retomada desta mesma terra tradicional. Nos mais relevantes, três lideranças foram executadas deliberadamente, inclusive Xurite Lopes, importante rezadora com mais de 70 anos.

    Durante o ano passado, ficaram escancarados os bastidores de uma pesada e profunda articulação dos ruralistas para acabar na marra com os procedimentos demarcatórios, os direitos constitucionais dos povos originários e promover uma onde de extermínio físico a lideranças e comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul. O ápice desta organização criminosa se deu com a realização dos denominados “leilões da resistência”, onde abertamente fazendeiros realizaram leiloes de venda de gado para arrecadar fundos para articulação e armamento de milícias anti-indígenas. 

    Em outros casos, como o da liderança Nísio Gomes fica explícita a participação de empresas de segurança contratada pelos ruralistas na sua execução.

    A história se repete sistematicamente e enquanto as demarcações seguem paralisadas. No caso de Kurussu Ambá, os indígenas estão entre duas espécies de mortes anunciadas. De um lado a violência direta dos fazendeiros, de outro, abdicar de seu direito a terra e a vida digna e retornar para a situação que vem causando a mortalidade de muitas de suas crianças e velhos.     

    O Cimi, contatado na noite de ontem por membros das famílias que se encontram em Kurussu Ambá reafirma sua solidariedade com os povos indígenas repudiando e denunciando as práticas de extermínio e genocídio realizadas abertamente contra o povo Guarani e Kaiowá. Os povos indígenas exigem que providências sejam tomadas imediatamente e os direitos das famílias que se encontram em Kurussu Ambá à vida digna e as mínimas condições humanas sejam garantidos. Caso contrário, o histórico recente de violência contra os povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul faz crer que estamos novamente frente a uma nova e drástica situação de assassinatos anunciados.

     

     

     

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  • 26/09/2014

    Boletim Mundo:Governo Dilma propõe empresa privada com financiamento privado para saúde indígena

    A proposta de Projeto de Lei que autorizaria o Poder Executivo a criar o Serviço Social Autônomo denominado Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), empresa de direito privado, guarda no seu bojo muito mais que o tema “saúde”. Dentre outros absurdos, chama a atenção o fato da possibilidade do Instituto ser financiado com recursos provenientes de “empresas”.

    A questão é extremamente grave. Com o INSI, a atenção à saúde indígena poderia receber, por exemplo, financiamento privado de empresas, muitas delas multinacionais, ligadas ao agronegócio (Cargil, Bunge, Singenta, Monsanto, New Holland, Massey Ferguson, BRF, JBS-Friboi), à mineração (Vale, Alcoa, Alunorte, CBMM, Namisa, Samarco), empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão, Grupo OAS…), à geração de energia elétrica (Suez, CPFL, General Electric, Eletrobrás, Eletronorte), à indústria farmacêutica e cosméticos (Avon, Natura, Boehringer Ingelheim, Pfizer, Eli Lilly & Co., Novo Nordisk A/S, Novartis, Teuto, Neoquímica), dentre outras.

    Cumpre lembrar que a proposição do INSI dá-se num contexto em que é desferido um ataque orquestrado e violento aos direitos dos povos indígenas no Brasil. Os objetivos deste ataque são, fundamentalmente, de impedir novas demarcações de terras e de invadir e explorar as terras já demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas e usufruídas pelos povos.  Como é sabido, os sujeitos político econômicos promotores deste ataque aos povos e seus direitos são, exatamente, indivíduos e empresas ligadas aos interesses financeiros do agronegócio, mineração, empreiteiras, dentre outras.

    De acordo com o projeto de lei em questão, o INSI assumiria o monopólio das ações de atenção à saúde dos povos indígenas. Isso significa que praticamente todos os seus funcionários, aproximadamente 7 mil não indígenas, atuariam dentro das terras indígenas, junto às comunidades. O financiamento privado permitiria que os interesses das empresas financiadoras chegassem e fossem promovidos, cotidianamente, junto a milhares de indígenas país afora.

    Isso certamente facilitaria e agilizaria a implementação de projetos de interesse dessas empresas e do próprio governo, tais como, arrendamentos de terras, exploração madeireira e minerária, construção de hidroelétricas, acesso e uso do conhecimento tradicional e recursos genéticos, dentre outros. Neste ponto, não custa lembrar do Projeto de Lei também proposto pelo Governo Dilma, que tramita em regime de urgência e tranca a pauta da Câmara Federal, e que propõe facilidades ao acesso e uso, por terceiros, dos conhecimentos tradicionais e recursos genéticos dos povos e terras indígenas no país.

    A jogada do governo Dilma é macabra e maquiavélica. Com o INSI, ao mesmo tempo em que se livraria da responsabilidade da atenção à saúde indígena, retirando de seu colo inclusive escândalos de corrupção que virem a acontecer, o governo cria um instrumento perfeito para substituir a destinação orçamentária pública por investimentos privados. É o caminho para a definitiva substituição do direito dos povos à saúde pública por mitigações resultantes da exploração de suas terras. Tudo o que o capital anseia.

    Seria este o motivo do governo ter escondido este projeto de lei a sete chaves? Divulgada pelo Cimi no início de agosto, a proposta do INSI foi apresentada pelo governo aos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) apenas por meio de imagens em Power Point. Em meio a denúncias de práticas de restrição ao debate, de ameaças e até tentativas de subornos, um belo exemplo de como não deve ser uma consulta de acordo com o preconizado pela Convenção 169 da OIT, ninguém teve acesso ao Projeto de Lei, muito embora ele estivesse pronto há bastante tempo. Além do escudeiro Antônio Alves, secretário Especial de Saúde Indígena, até mesmo o ministro da Saúde, Arthur Chioro, se prestou ao serviço de apresentar e defender a aprovação do INSI junto ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) há poucos dias, também sem disponibilizar aos Conselheiros a proposta do Projeto de Lei.

    As tentativas de ludibriar membros do CNS, lideranças indígenas e entidades indigenistas continuaram nesta quinta-feira, 25. Por ocasião de oficina promovida pelo CNS para tratar do tema, o projeto de lei foi finalmente desentocado e apresentado. Novamente, porém, somente por meio de imagens. Convidados não tiveram acesso à versão impressa do referido projeto. Mais uma vez também se revelou a restrição e a aversão ao debate sobre o tema. Embora citado e atacado em várias ocasiões por posicionar-se contra a proposta, o Cimi não teve respeitado nem mesmo o direito a esclarecimentos.

    Mais do que o aparelhamento do Estado e a privatização da atenção à saúde indígena, vai-se descobrindo que, com o INSI, o governo Dilma pretende destruir o cerne da resistência dos povos aos ataques que vem sofrendo e escancarar o processo de invasão e exploração de suas terras no Brasil.

    Brasília, DF, 25 de setembro de 2014.


    A notícia faz parte do Boletim O Mundo que nos Rodeia. Para recebê-lo ou enviar sugestões, basta enviar mensagem ao e-mail mundo@cimi.org.br

     

    Cleber César Buzatto

    Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    Licenciado em Filosofia


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