• 09/11/2014

    Após um século de descaminhos, povo Kinikinau realiza sua primeira assembleia fortalecendo a identidade na luta pelo bem viver

    Pouco a pouco as pessoas foram chegando e tomando seus lugares debaixo de um puxado de palha, entendido a partir do espaço de um centro comunitário, localizado na Aldeia Terena de Cabeceira em Nioaque (MS). Acima da mesa, em palavras fortes e precisas, podia-se ler: “Povo Kinikinau fortalecendo a identidade na luta pelo bem viver”. Após mais de um século de descaminhos, aconteceu a 1° Assembleia do Povo Kinikinau, entre os dias 6 a 9 de novembro.

    Na medida em que as primeiras palavras foram sendo ditas, a memória pediu licença para adentrar a reunião e a história sentiu nas linhas do tempo que seu curso definitivamente está para ser mudado. No semblante seguro dos mais velhos, no sorriso afirmado dos jovens e crianças, na força dos homens e mulheres e nos ditos gerais, entoados cada vez mais firmes “Eu sou Kinikinau”, pouco a pouco este povo vai dando os primeiros passos na reconstrução seu próprio destino, reafirmando sua identidade e retomando o curso da vivência plena de seu modo de ser. Tesouros que a duras penas lhes foram retirados no passado. 

    Sem território próprio, vindos das aldeias de São João (Reserva Indígena Kadiwéu) e das Aldeias Terena de Mãe Terra, Limão Verde, Cachoeirinha, Cabeceira, Lalima, entre outras, os Kinikinau durante a assembleia foram se reagrupando em torno da ideia de diversos grupos familiares, hoje divididos, que constituem um único povo comum. Para além do povo Kinikinau, de seus estudiosos e sabedores (tradicionais e acadêmicos), se fizeram presentes também representantes do povo Terena, Guarani e Kaiowá, Atikum e estudiosos não indígenas que são referência na história e cultura Kinikinau como Aila Villela Bolzan, Giovane José da Silva e Iara Quelho de Castro.  

    Palavras que irrompem, caminhos que se encontram

    Políticas governamentais de redução territorial e uma onda sistemática de perseguições de fazendeiros, posseiros e invasores significaram para os Kinikinau, no Mato Grosso do Sul, o peso inimaginável de mais de cinco séculos de dispersões forçadas, o retalhamento de seu povo e o desmembramento total de seus territórios.

    Quando em 1940, após muito translado, um pequeno grupo fixou-se na aldeia de São João em terras pertencentes ao povo Kadiwéu, local que vivem até hoje, muitos estragos já haviam sido infligidos a outros grupos Kinikinau. Estes, sistematicamente expulsos de suas terras tradicionais, acabaram por ter de viver de uma espécie de “empréstimos territoriais”, sendo acolhidos em meio a terras e grupos Indígenas Terena. Assim, os Kinikinau foram transformados em um povo “forasteiro”.

    Até hoje, os indígenas Kinikinau, por terem sido vítimas das pressões dos fazendeiros e políticas de esbulho, sofrem violência física e psicológica constantes em alguns dos territórios que ocupam. Sendo chamados até de povo que “vive de favor” entre outros povos indígenas, os Kinikinau jamais conseguiu se enraizar de maneira plena, sendo por vezes seus membros menosprezados por alguns ocupantes tradicionais destas terras. A própria natureza das negociações entre órgãos governamentais, em especial o SPI, e grupos dos povos indígenas que acabaram por “acolher” o povo Kinikinau, acabou por reservar historicamente para os últimos o caráter de “prestadores de serviço” de seus anfitriões.       

    Com as vidas fragmentadas passaram a ter negado também seu reconhecimento étnico pelos próprios órgãos indigenistas oficiais, Serviço de Proteção ao Índio  (SPI) e depois pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Como se não bastassem as perseguições e migrações físicas, os Kinikinau tiveram de enfrentar o peso da invisibilidade, alicerçado pelas mãos de estudiosos que passaram a tecer teorias do desaparecimento ou simplesmente pelo esquecimento seletivo da memória, deixando de constar referências desta etnia nos documentos oficiais.

    Perseguidos tiveram de trocar, sobretudo arbitrariamente, seus sobrenomes retirando de seus documentos e registros, as referências que os identificavam como pertencentes à etnia Kinikinau. Assumiu este povo, de maneira forçada, identidades alheias e impróprios destinos. Considerados subgrupo Terena por muitos anos passaram a viver nas sombras de outros povos em aparente silêncio, mas nunca esqueceram de quem são e nem de sentir o que é ser Kinikinau. Silêncio este aparente apenas para quem os via de fora. Dentro de cada um e cada uma, em cada peito, permaneceram cultivando todos os dias sua tradição e sabedoria e as repassaram dia após dia para seus filhos. Os anciões sabiam que cedo ou tarde chegaria o dia do novo despertar e por esforço próprio este povo construiu esta assembleia que significa os primeiros passos contra os malefícios de mais de um século de opressões e dispersões.

    Flaviana Roberto Fernandes, mulher e ceramista Kinikinau, que pelo peso das dificuldades teve de deixar a antiga Aldeia São João, relata o que significa estar longe de seus território e povo: “A gente se sente sozinha porque a gente teve a vida interrompida, deixamos familiares e tivemos que sair da associação (de ceramistas) que tínhamos lá. Sofremos ameaças e o medo que a gente sente faz a gente trocar de lugar, viver de lugar para outro. A gente precisa de nossa terra, não sabe como juntar nosso povo de novo e mesmo que junte não poderá ser fora de nosso lugar. Precisamos nos juntar em território nosso, na nossa terra tradicional. Nós não queremos deixar do nosso costume, temos língua diferente, trajes, nosso jeito mesmo, isso só teremos em nossa terra”.

    Genoveva Roberto Flores, também ceramista e mulher Kinikinau, complementa: “Fora de nossa terra nossos costumes são afetados de todos os jeitos. Desde crianças, de muito novinhos, com cinco ou seis anos, eles começam a trabalhar e aprender a ser kininkinau, a se colocar no mundo Kinikinau e participar dos dias de nosso povo. Não temos mais como fazer isso e isso nos traz dor. Fora da terra não tem como viver nossa cultura, nossos filhos não estão aprendendo a ser Kinikinau”.

    Esta primeira assembleia pode ser considerada como um despertar coletiva dos Kinikinau por ser fruto proveniente de dor compartilhada e sentida nas mais diversas aldeias em que vivem os filhos deste povo. Preocupados com a continuidade de sua trajetória e com as futuras gerações, cansaram de viver alheios aos seus territórios e sem a possibilidade de dividir com os seus pares os hábitos e costumes que os caracterizam como grupo. Nicolau Flores, Kinikinau que vive na terra Kadiwéu, especificamente na Aldeia São João, traduz este sentimento em palavras. “É muito duro crescer assumindo ser outro uma vez que todo povo é diferente e cada um precisa de seu espaço. Nós temos ainda onde morar e o que comer, sabemos quem somos, mas e nossos filhos, o que será deles? Como será nosso futuro se não tivermos nossa terra e nossa cultura? Será que teremos que escutar nossos filhos perguntando a nós, que somos seus pais e o que deixamos para eles enquanto sabíamos que vivíamos em terras alheias?”

    Para Inácio Roberto, professor Kinikinau. “A 1° Assembleia do Povo Kinikinau significa o fortalecimento deste povo que nunca deixou de existir, mas que agora reassume a sua grandeza histórica”.

    O fato de tão importante assembleia ser realizada na Terra Indígena Terena de Nioaque denuncia por si só os problemas da falta de ocupação de espaço próprio pelos Kinikinau. Hoje suas terras tradicionais encontram-se na mão de fazendeiros. Porém o fato também revela a solidariedade do povo Terena junto à luta dos Kinikinau que, assim como representantes do conselho Aty Guasu do povo Guarani e Kaiowá, se fizeram presentes no encontro e assumiram compromisso conjunto de buscar junto a este povo a superação destas mazelas históricas que há muito lhes aflige. Genilson Roberto Flores Kinikinau em seu pronunciamento emocionado fez referencia ao fato. “Eu sou Kinikinau, vocês são Kinikinau, nós sabemos, sempre soubemos. Antes estávamos sozinhos. Era difícil dizer isso e por isso vivemos calados, mas agora com nossa união e nossos parentes não temos mais medo, não calaremos mais”.

    Na assembleia falas fortes como a proferida por Albino Kinikinau trouxeram à tona o tamanho da dor de todo um povo: “É duro ver o povo massacrado, ver o povo ser queimado vivo, tentar se levantar e ser expulso a bala. Mas até hoje o povo resiste e chegou a hora de resistir novamente. Se for para lutar lutaremos, todos juntos, todos os Kinikinau que são muitos e sabemos onde estão. Juntos buscaremos nossos direitos”.             

    Os Kinikinau nunca adormecidos, simplesmente decidiram andar os caminhos reversos daqueles que os separaram. Percorrendo vias simbólicas se reagruparam para se reafirmar e dividir os frutos de uma cultura salvaguardada junto a cada família por gerações. “Em um só homem ou mulher que desperta e caminha, é toda uma família que se levanta”, diz Nicolau. Nas palavras de Nicolau a essência da caminhada: “Vivemos como se calados em outras aldeias, quem nos olha não sabe o que guardamos, o que somos, acha que somos apenas como os outros. Mas cada árvore dá seu fruto, com seu cheiro e seu sabor próprio, precisamos buscar nossos galhos, nossa própria árvore.” Que a partir desta histórica assembleia, novamente exale para fora do exílio e seja sentido por todos os gostos e cheiros do povo e cultura kinikinau. UNATI APEYEÁ KOINUKUNOEM! (Viva o povo Kinikinau!). 

     

     

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  • 07/11/2014

    Moção ABA contra a reportagem anti-indígena finalista no Prêmio Esso

    Moção ABA à Assembleia da ANPOCS

    Aos Organizadores do Prêmio Esso de Jornalismo

    A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) manifesta seu desapontamento ao tomar conhecimento, que entre os finalistas do tradicional e conceituado “Premio Esso de Jornalismo” encontra-se uma reportagem sobre Índios Guarani de Morros dos Cavalos (SC), intitulada: “Terra Contestada”. Esta reportagem busca infirmar os direitos constitucionais e territoriais indígenas, distorce fatos, inverte imagens, apresenta inverdades, estimula controvérsias, lança impropriedades, questiona e acusa profissionais da antropologia, assim como atribui a responsabilidade a comunidade indígena Guarani de Morros dos Cavalos, por atrasos na duplicação da rodovia da BR 101 e na construção de dois túneis, culpando-a por atropelamentos e acidentes, que ocorrem na rodovia, apontando-a de serem empecilhos ao desenvolvimento, e apresentando-a como chaga e estorvo no litoral catarinense. Caso essa reportagem seja premiada o Prêmio Esso de Jornalismo será conivente com inverdades e estará de fato contrariando a imprensa imparcial e comprometida com os direitos humanos características dos prêmios anteriores.

    Moção apresentada pela ABA e aprovada na Assembleia da ANPOCS, realizada no dia 30/10/2014, em Caxambu-MG.
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  • 07/11/2014

    União Europeia ouve clamores de comunidades tradicionais na Bahia em audiência pública e visita aldeia Tupinamba

    A violação de Direitos Humanos e o crescente aumento da violência contra as comunidades tradicionais trouxeram à região sul da Bahia, no dia 1º de novembro, diversos embaixadores da União Europeia e representantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, além da Secretária Estadual da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia. Assista às denúncias apresentadas durante audiência pública realizada com representantes de comunidades tradicionais que tem constantemente seus direitos desrespeitados.

     

    Junto com estes representantes vieram os deputados estaduais Yulo Oiticica e Bira Coroa, que se somaram a dezenas de entidades da sociedade civil organizada, ONGs, Pastorais da Igreja Católica, religiosos e religiosas, movimentos de luta pela terra, assentados, acampados, quilombolas, vereadores, comerciantes e empresários da região, e diversas etnias indígenas, para um encontro na Aldeia Serra do Padeiro, no município de Buerarema, realizado no dia 1º de novembro último, com o objetivo de refletir sobre esta problemática da violência, e juntos buscarem solução para esta situação que vivenciam estas comunidades.

     

    Cerca de 400 pessoas tiveram, então, a oportunidade de ritualizarem seus anseios no grande Toré celebrado pelos Tupinambá e outros povos presentes no evento, socializaram suas angústias na grande plenária através das falas e entregas de documentos e dossiês, se alimentaram de esperança e força, não só da deliciosa e farta alimentação proporcionada pela comunidade da Serra do Padeiro, mas também da sua resistência e confiança nos encantados. Puderam, também, contemplar nas visitas feitas e nas “conversas de pé de ouvido” uma possibilidade de uma “nova sociedade possível”, alicerçada no respeito ao ser humano e à natureza. Ao atravessarem a ponte construída com muita força de vontade pelos Tupinambá, diante da omissão do estado, a comunidade convidava a todos a construírem “novas pontes”, novos caminhos e novas perspectivas. Ao final da ponte chegaram a Unacau, território retomado pelos Tupinambá em maio de 2012. Este conjunto de fazendas, que soma 2.064 hectares – em que se produzia cacau e, posteriormente, café e palmito -, foi durante muitos anos símbolo de “desenvolvimento” e muitos recursos públicos ali foram investidos. Mas o que ninguém divulgava é que ali também se usava de mecanismos de expropriação fundiária, como grilagens de terras e ameaças. Nos tempos da Unacau e das empresas que a sucederam, registrou-se a ocorrência de trabalho escravo e também de intensos ataques ao ambiente, notadamente o desmatamento de grandes áreas. O grande sonho da comunidade Tupinambá é transformar este espaço que causou tantas mortes e sofrimento no passado, em um espaço de vida, instalando ali a primeira universidade indígena do Brasil.

     


    A comitiva da União Europeia, com a presença de nove Embaixadas (Bélgica, Suécia, Reino Unido, Eslovênia, Finlândia, Espanha, França, Holanda, Irlanda), dois Consulados e a chefe da delegação da União Europeia, Sra. Ana Paula Zacarias (Portugal), ouviram atentamente os relatos de violência física, psicológica e cultural, criminalização de lideranças, judicialização das lutas, desrespeito às culturas e povos, preconceito, genocídios, crimes contra a natureza, avanços de empreendimentos com o capital europeu sobre territórios tradicionais, violação de direitos, falta de políticas públicas, assim como descumprimento e ataques a direitos constitucionais duramente conquistados. Ao final dos relatos, a chefe da delegação se comprometeu em ler atentamente e divulgar os documentos entregues, além de recomendar às autoridades brasileiras mais atenção e cuidado com as comunidades, e lutar pela garantia dos Direitos Humanos. Ela afirmou que “A defesa dos Direitos Humanos é fundamental para o povo, não queremos e não vamos interferir na politica nacional, mas também entendemos que só juntos (todos os países) é que poderemos resolver os problemas de desigualdades”. “Estamos aqui para ouvir e para aprender com vocês sobre as populações tradicionais no Brasil, queremos e vamos contribuir. As contradições aqui ditas deste governo não existem só aqui, as contradições existem em todo lugar”, completou Ana Zacarias.


    No dia anterior, 31 de outubro, no Palácio da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com esta mesma Delegação da União Europeia no Brasil, realizou uma audiência pública. Diante do salão lotado de representantes das comunidades Quilombolas, Indiìgenas, Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores, representantes de ONG´s e do governo, os mesmos denunciaram atos de violência sofridos por eles. Chamou a atenção as graves denúncias feitas pela representante do Quilombo Rio dos Macacos, Rosemeire dos Santos, que afirmou que o local eì ocupado pela comunidade haì mais de 200 anos, e atualmente a instituição militar reivindica sua desocupação para atender a necessidades futuras da Marinha.


    Já Edmilson dos Santos, presidente da Associação de Serra do Bode, em Monte Santo (a 352 km da capital), relatou o sofrimento dos pequenos produtores diante da expansão do agronegócio. “Eles (os grandes produtores) matam mesmo, querem nos expulsar de nossas terras. Muitos saÞo assassinados e depois os fazendeiros dizem que eram bandidos”. A indignação diante das violações dos Direitos Humanos sofridas pelos representantes das comunidades foi partilhada pelo Coordenador do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos na Bahia, José Carvalho, que ao se referir à situação do povo Xacriabá da Aldeia dos Porcos de Cocos, Bahia, relatou que ficou estarrecido com o completo abandono da comunidade pelas instituições governamentais.  



    Nesse evento, também foi lançado o livro “10 Faces da Luta pelos Direitos Humanos no Brasil”. O livro traz experiências de Dez destacados Defensores de Direitos Humanos, que estão inseridos no Programa de Proteção da Secretaria de Direitos Humanos, e que são expressão da luta por Direitos Humanos. Dentre eles se destacam na questão indígena os caciques Deoclides, da etnia Kaingang, e Rosivaldo/Babau, da etnia Tupinambá.

    Ana Paula Zacarias – Embaixadora da União Europeia no Brasil

    Jozef Smits – Embaixador da Bélgica no Brasil

     



    Milena Šmit, Embaixadora da Eslovênia

     

    Wellington Pantaleão da Silva – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

    Ariselma Pereira, Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia



    Eduardo Oliveira – CIMI (Conselho Indigenista Missionário)

    Cacique Babau Tupinambá – Serra do Padeiro, BA

     



    Cacique Deoclides, Povo Kaingang da Terra Indigena Candóia, RS


    Rosemeire dos Santos – Quilombo Rio dos Macacos, BA

    Cacique Divalci do Povo Xacriabá, Aldeia dos Porcos, BA



    Cacique Nailton do Povo Pataxó Hã-Ha-Hãe, BA

    Cacique Cícero do Povo Tumbalalá, BA
     

    Cacique Aruã
     

    Moah da UNEGRO – Extremo Sul da Bahia, BA
     

    Cacique Valdelice e Zé Domingos do Povo Tupinambá de Olivença, BA

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  • 06/11/2014

    Deputado pede imediata revogação da prisão do cacique Elton Oliveira Suruí

    O cacique Elton John Oliveira Suruí, da aldeia Itahy, do povo Aikewara (também conhecido como “Suruí do Pará”), foi preso no dia 29 deste mês, na sede da Funai, em Marabá e trazido para Belém, onde permanece preso. Segundo informações da imprensa, ele teria sido preso na sede da Funai, logo após ser convocado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos. O funcionário Eric Belém de Oliveira foi até a sede da PF, logo depois, para prestar assistência e acompanhar Elton. No entanto, ao chegar lá foi informado que o depoimento do cacique suruí já teria sido colhido, sem a presença de advogado ou funcionário da Funai, e que ele já teria recebido ordem de prisão. Em seguida, o indígena foi transferido às pressas para Belém.


    Familiares de Elton acusam a Polícia Federal de agir politicamente. Segundo Clelton Suruí, irmão do cacique, a prisão está ligada a denúncias de corrupção no sistema de saúde feitas pelos indígenas: Elton teria descoberto que estava havendo desvio de verba na saúde indígena e denunciou isso. A partir daí, o cacique começou a ser alvo de perseguição política, inclusive feita pela Sesai (Secretaria especial de Saúde Indígena). É um jogo politico.

     

    Cleiton e demais familiares do indígena acreditam que o objetivo da prisão é desarticular o movimento indígena da região de Marabá para que não sejam investigadas as denúncias.

    Vale destacar que, este ano, 14 indígenas Aikewara (Suruí) foram indenizados pela Comissão de Anistia. Na ocasião, o presidente da Comissão, Paulo Abrão, pediu desculpas pela ação do Estado brasileiro: “O conjunto de uma comunidade indígena também foi vítima da ditadura militar e essa repressão que aconteceu ao povo que vivia em torno da região da Guerrilha do Araguaia atingiu não apenas os camponeses, os guerrilheiros, mas também as comunidades indígenas que lá estavam”.

     

    Chama a atenção que a Polícia Federal no Pará, por meio de seu assessor Fernando Sergio Castro, não reconheça nenhuma falha na forma com que a prisão e o depoimento do cacique foram executados. Além disso, a PF alega que o cacique Elton responde a vários processos na Justiça Federal, por diferentes motivos. O último de que foi acusado é o de sequestrar um ônibus na aldeia, com motorista e cobrador, para forçar a cooperativa proprietária do veículo a transportar gratuitamente a etnia local. Esse seria o último caso, segundo a PF.


    Elton foi algemado e preso. Depois transferido para Belém. O assessor de imprensa da PF ainda chegou a questionar se o cacique Elton era mesmo um indígena, alegando o fato dele ter carteira de identidade e conta bancária. Ora, senhores deputados e senhoras deputadas, esse é um dos muitos desrespeitos aos direitos indígenas que estão sendo praticados em nosso estado e país, pois não cabe a PF questionar a autenticidade de um indígena, pois não se trata de matéria de sua competência e tal questionamento aponta para uma prática de preconceito e racismo.

     

    Segundo a imprensa também noticiou o Ministério Público Federal enviou à Justiça Federal de Marabá pedido de reconsideração para que seja revogada a prisão preventiva decretada contra o cacique Elton Suruí, Para o MPF não estão presentes os requisitos mínimos que justifiquem a prisão preventiva. Nem o MPF, nem a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram ouvidos pelo juiz federal Heitor Moura Gomes, que decretou a prisão.

     

    Além disso, segundo argumenta o MPF, o cacique Elton Suruí é importante liderança do povo Aikewara, e vem conduzindo, desde 2013, uma série de mobilizações reivindicando a solução de problemas no atendimento à saúde do povo indígena e a compensação pela construção da BR-153, que corta a terra indígena. Os protestos, por várias vezes, ocorreram com a presença de outras etnias, também prejudicadas pela precariedade do atendimento prestado pela Secretaria de Saúde Indígena, ligada ao Ministério da Saúde.

     

    Por fatos supostamente ocorridos no dia 5 de agosto, a delegacia da Polícia Federal de Marabá abriu um inquérito, datado do último dia 22 de setembro. Em 2 de outubro passado, o delegado responsável pela investigação enviou pedido à Funai de Marabá para que o cacique Elton comparecesse à delegacia e agendou o depoimento para o dia 3 de fevereiro de 2015. Porém, duas semanas após designar para fevereiro a data da oitiva, a autoridade policial representou pela prisão preventiva, sem que houvesse qualquer fato novo nos autos.

     

    O MPF lembra também que segundo jurisprudência no Supremo Tribunal Federal só é admitida a prisão preventiva após demonstração da gravidade concreta dos fatos e não apenas uma gravidade abstrata, suposta ou pressuposta. Ocorre que, mesmo com vários argumentos jurídicos concretos, a Justiça Federal em Marabá negou, na noite de sexta-feira 31 de outubro, recursos do Ministério Publico Federal e da Funai pedindo a liberdade provisória de Elton. Ele segue preso em Belém até a noite do sábado 1 de novembro.

     

    Diante do exposto, senhores deputados e senhoras deputadas manifesto por meio deste requerimento, nos termos regimentais, meu repúdio diante das flagrantes ilegalidades que marcaram a prisão de Elton Suruí, ao mesmo tempo em que demando a imediata revogação de sua prisão preventiva, conforme está sendo defendido pelos movimentos sociais, pela Funai e pelo Ministério Público Federal (MPF).

     

    Nesta oportunidade, reitero minha irrestrita solidariedade ao indígena preso e ao seu povo, que tem sido símbolo de resistência em nosso estado contra a violação dos direitos indígenas e ambientais.

     

    Além disso, requeiro que esta casa encaminhe ofício ao Ministério Público Federal (MPF), em Marabá, e à Justiça Federal no mesmo município, com um apelo pela soltura do indígena, para que ele possa responder pelo processo em sua aldeia. Também requeiro que seja encaminhado ofício para o Ministério da Justiça, em Brasília, com o mesmo apelo.

     

    Por fim, que seja dado conhecimento do teor integral deste documento à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Pará), ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI-Norte 2) e à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).


     

    Palácio Cabanagem, 04 de novembro de 2014.

    Deputado Edmilson Rodrigues
    Líder do PSOL


     Confira: depoimento da família de Welton Suruí sobre sua prisão


     

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  • 06/11/2014

    Boletim Mundo: Povo Mamaindê protesta contra mortes nas aldeias por desassistência da Sesai e se diz contra criação do INSI

    Integrantes de aldeias do povo Mamaindê protestaram durante esta quarta-feira, 5, no município de Vilhena, sul de Rondônia, divisa com o Mato Grosso, contra o que denunciam como desassistência da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) na região, ocasionando a morte de crianças e adultos por H1N1, diarreia e falta de tratamento adequado para doenças que demandam procedimentos de alta complexidade, caso do câncer.

    Os protestos deram conta também do rechaço do povo aos investimentos da Sesai para a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). Em carta divulgada no final da tarde desta quarta, os Mamaindê afirmam que a iniciativa é “um desrespeito à nossa luta histórica por um subsistema de saúde diferenciado, garantido, sobretudo, pela Constituição de 1988 e pela Lei Arouca”.

    Leia a carta na íntegra:

    Nós, povo Mamaindê, vimos a publico denunciar a situação de violência que vem sendo vítima o nosso povo, com as constantes mortes ocorridas em nossa região, decorrentes de H1N1, onde quatro crianças morreram vítimas desta enfermidade. Segundo a Sesai, elas foram imunizadas com a vacina aplicada em toda a população. Apresentamos ainda a morte de crianças por diarreia, pneumonia e por último a morte de nossa parente, com tumor no cérebro.

    Estamos cansados do descaso da Sesai com a saúde de nosso povo. Até hoje não temos nenhum meio de comunicação com o polo base que presta atendimento nas nossas aldeias. Não temos radiofonia e nem celular para que possamos nos comunicar entre nós e o polo base e para avisar os casos de emergências. Quando levamos com a nossa viatura, nos dizem que temos que esperar os horários de atendimento e somos obrigados a levar para o hospital, por nossa conta.

    Quando chegamos na portaria da Casai de Vilhena, somos mal atendidos, porque viemos em nossa próprias viaturas e não nos devolvem o combustível. Temos que tirar do nosso bolso dinheiro para remédios, exames e combustíveis, quando trazemos os pacientes e muitos outros casos.

    A equipe móvel não está fazendo o atendimento de nossas aldeias, ficamos sem a equipe dos médicos e atendimento técnico em nossas aldeias. Só temos o nosso Agente Indígena de Saúde (AIS), que trabalha sem nenhuma condição e poucos medicamentos.

    Exigimos que todos estes pedidos sejam atendidos e que a Sesai seja fortalecida, para poder nos atender em nossas necessidades. Por isso, nós do povo Mamaindê repudiamos a ideia do governo em acabar com a Secretaria de Saúde indígena (Sesai), com a estratégia de terceirização e privatização da saúde indígena e que isso fere diretamente o nosso direito indígenas ao sistema de saúde específico e diferenciado, ligado ao Sistema Único de Saúde.

    Nós, povo Mamaindê, consideramos a proposta do governo como um desrespeito à nossa luta histórica por um subsistema de saúde diferenciado, garantido, sobretudo, pela Constituição de 1988 e pela Lei Arouca.

    O próprio Ministério Público Federal se posicionou contra o INSI (Instituto Nacional de Saúde Indígena) e nós concordamos com esse posicionamento porque a proposta segue sendo contrária às nossas propostas para a saúde indígena e de controle social, conquistadas sofridamente pela nossa luta no passado.

    Ressaltamos que a nossa proposta é de fortalecimento da Sesai, pois ela é conquista nossa e não vamos permitir que tirem de nós tudo que conquistamos.

    Exigimos mais diálogo e não aceitamos que apenas pessoas que administram os distritos tenham possibilidade de se manifestar. Não fomos consultados, não fomos convidados para tratar do tema.

    Reafirmamos que somos contra o INSI e a favor do Subsistema de Atenção Diferenciada. Queremos uma Sesai fortalecida e não destruída por uma proposta que quer, a transferência das obrigações pela assistência à saúde para terceiros. E nós sabemos que nisso tudo há interesses econômicos, pois os recursos disponibilizados para a atenção à saúde aumentaram significativamente nos últimos anos, sem que estes recursos tenham melhorado a situação nas aldeias.

    Nós povo Mamaindê exigimos respeito e diálogo. Queremos melhor atendimento. Chega de mortes no nosso povo. Nós somos contra o Instituto Nacional de Saúde Indígena.

    Pedimos providências urgentes.

    Vilhena, 05 de novembro de 2014.

     

    A notícia faz parte do Boletim O Mundo que nos Rodeia. Para recebê-lo ou enviar sugestões, basta enviar mensagem ao e-mail mundo@cimi.org.br 

     

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  • 05/11/2014

    Lideranças do povo Munduruku emitem comunicado ao governo sobre demarcação da Sawré Muybu

    COMUNICADO AO GOVERNO BRASILEIRO

    Nós, povo Munduruku, aprendemos com nossos ancestrais que devemos ser fortes como a grande onça pintada e nossa palavra deve ser como o rio, que corre sempre na mesma direção. O que nós falamos vale mais que qualquer papel assinado. Assim vivemos há muitos séculos nesta terra.

    O governo brasileiro age como a sucuri gigante, que vai apertando devagar, querendo que a gente não tenha mais força e morra sem ar. Vai prometendo, vai mentindo, vai enganando.

    Abaixo destacamos alguns pontos que mostram a má fé do Governo com o povo Munduruku:

    Desde janeiro de 2001 o governo promete que vai fazer a demarcação da terra indígena Sawré Muybu. No ano passado toda a documentação para homologação e registro de nossa terra já estava pronta. Em setembro de 2013 o Relatório para delimitação foi concluído, mas não foi publicado. O Ministério Público Federal teve que entrar com ação obrigando a FUNAI a publicar o relatório, o que não fez até agora.

    O governo não quer fazer demarcação porque isso vai impedir as hidrelétricas que eles querem fazer em nosso rio, chamadas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Já que o governo não quer fazer a demarcação, decidimos que nós mesmos vamos fazer. Começamos a fazer a autodemarcação e só vamos parar quando concluir nosso trabalho.

    Assim como não quer fazer a autodemarcação, o Governo age de má fé quando impõe sua agenda sem deixar espaço para nós ao menos indicar o local de reunião, como acontece agora com a reunião de 5 e 6 de novembro.

    Nós decidimos que a reunião seria realizada na Aldeia Sai Cinza, o que foi acordado na oficina de capacitação que ocorreu na Aldeia do Mangue nos dias 28 e 29 de outubro de 2014 e está registrado em ata. Passamos o mês todo em articulação para que as lideranças e os caciques pudessem participar dessa reunião tão importante que será discutida como queremos ser consultados. O Governo mudou o local da reunião em cima da hora, faltando dois dias para ela acontecer. Agora não temos tempo nem condições de rearticular a mudança da reunião para o médio Tapajós.

    Além disso, o Governo se negou a dar a quantidade de gasolina que pedimos para garantir a ida de nossos parentes que moram mais longe de Jacareacanga. Acreditamos que é responsabilidade do governo garantir o transporte dos Munduruku do Alto e Médio Tapajós tanto por água e por terra até o local da reunião, mas o mesmo se nega a garantir recursos dizendo que o custo é muito alto.

    Queremos dizer ao governo que não precisa ter medo em vir nas Aldeias Munduruku, pois será muito bem tratado como foi o Nilton Tubino na Aldeia Sawré Muybu no dia 25 a 27 de agosto do deste ano. Queremos lembrar que é o próprio Governo que nos mete medo com sua força, a exemplo do que aconteceu com a operação eldorado na Aldeia Teles Pires que levou a óbito o nosso parente Adenilson Kirixi e a invasão da Aldeia Sawré Muybu pela Força Nacional em Março de 2013.

    Queremos dizer também que estamos juntos, parentes do alto e baixo, lutando para a demarcação da terra indígena Daje Kapap Eipi, conhecida pelos pariwat como Sawré Muybu. Esse trabalho agora é prioridade para nós. Decidimos que os Munduruku que fazem parte do Movimento Munduruku Ipereg Agu, do alto Tapajós, e Associação Pahyhyp, do médio Tapajós, não vamos participar da reunião com o governo nos dias 05 e 06 de novembro. E só voltaremos a falar com o governo depois que a terra indígena Sawré Muybu for demarcada e homologada.

    Jacareacanga e Itaituba, 03 de novembro de 2014

    Roseninho Saw Munduruku – Associação Pahyhyp

    Maria Leuza Cosme Kaba Munduruku – Movimento Munduruku Ipereg Agu

    Arlindo KKaba

    Francisco Waro Munduruku

    Adalto Jair Akay Munduruku

    José Manhuari Crixi – Tesoureiro Ass. Pusuru

    Josias Manhuari Munduruku

     

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  • 05/11/2014

    Governo tenta restringir consulta prévia da usina São Luiz do Tapajós. MPF aponta desobediência à ordem judicial

    O Ministério Público Federal se manifestou no processo que trata da consulta prévia, livre e informada da usina São Luiz do Tapajós, que o governo brasileiro quer construir na região de Itaituba, sudoeste do Pará, pedindo que o direito da consulta seja respeitado para todos os povos afetados. O governo brasileiro está tentando restringir o direito da consulta, sustentando nos autos que a consulta só precisa ser feita com algumas aldeias do povo Munduruku, excluindo índios da mesma etnia e ribeirinhos que serão impactados no alto curso do rio Tapajós.

    O direito da consulta prévia está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, e nunca foi cumprido pelo governo federal nas usinas hidrelétricas que constrói na Amazônia. No caso da usina São Luiz do Tapajós, ao pedir uma suspensão de segurança no Superior Tribunal de Justiça para prosseguir com os estudos da obra, o governo foi surpreendido porque a decisão do ministro Félix Fischer liberou os estudos, mas obrigou a realização da consulta.

    “O que não se mostra possível, no meu entender, é dar início à execução do empreendimento sem que as comunidades envolvidas se manifestem e componham o processo participativo com suas considerações a respeito de empreendimento que poderá afetá-las diretamente. Em outras palavras, não poderá o Poder Público finalizar o processo de licenciamento ambiental sem cumprir os requisitos previstos na Convenção nº 169 da OIT, em especial a realização de consultas prévias às comunidades indígenas e tribais eventualmente afetadas pelo empreendimento”, diz a decisão do então presidente do STJ.

    Mesmo assim, no mês passado, o governo brasileiro chegou a agendar o leilão da usina para o próximo dia 15 de dezembro. Depois, diante da pressão dos próprios atingidos, voltou atrás e desmarcou o leilão. Mas, no processo judicial, a União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente continuam insistindo em restringir e negar o direito de consulta a boa parte dos atingidos, alegando que a Convenção 169 não foi regulamentada e que populações ribeirinhas não podem ser consideradas tribais.

    Em reunião com os atingidos recentemente, Nilton Tubino, da Secretaria-Geral da Presidência da República, avisou que as populações tradicionais do rio Tapajós não serão consultadas. “O que a gente tá discutindo é fazer um processo de informação lá com Mangabal, mas que não seria consulta. No entendimento do governo federal hoje, nessa fase aí, quem é ouvido na 169 são indígenas e quilombolas. Isso já tem referências. Comunidades tradicionais ainda não se chegou a esse acordo dentro do governo, como vão ser consultadas e em que estágio vão ser consultadas”

    Veja o vídeo da reunião com Nilton Tubino

    “Beiradeiros, ribeirinhos e agroextrativistas são tão sujeitos de direitos da Convenção 169 quanto os indígenas e devem ter direito a uma consulta apropriada. Afirmar o contrário é mais uma vez incidir num discurso hegemônico, em que os diferentes modos de viver e se relacionar com a floresta são desconsiderados”, diz a manifestação enviada à Justiça Federal de Santarém, assinada pelo procurador da República Camões Boaventura.

    “É com muita perplexidade que o MPF avalia a defesa do Ibama. Esquece a autarquia que a Convenção 169 já foi reconhecida pelo STF como uma norma de status supralegal e goza de eficácia plena e imediata no ordenamento jurídico brasileiro, independendo, portanto, de regulamentação”, diz a manifestação do MPF em resposta ao governo brasileiro. Para o MPF, a melhor solução para se identificar a forma apropriada de se realizar a consulta é fazer com que cada povo ou comunidade tradicional explicite, por meio oral ou escrito, a depender de sua forma de organização, como deseja ser consultado.

    Os ribeirinhos conhecidos como beiradeiros, da comunidade Montanha-Mangabal, no alto Tapajós, diretamente afetados pela usina e a quem o governo brasileiro se recusa a consultar, elaboraram, com apoio do MPF, o seu próprio protocolo de consulta. Eles deixam claro seu intento de serem consultados nos termos da Convenção 169.

    “Nós queremos ser consultados todos juntos, porque todo mundo aqui sabe de alguma coisa e luta por um só ideal. O governo não pode consultar famílias separadamente. Nunca nos sentimos à vontade com as conversas em separado feitas por representantes do governo ou de empresas. Sabemos que nossos direitos não são favores. Por isso, não adianta o governo nos prometer nada em troca de aceitarmos sua proposta. O governo também não pode nos consultar quando já tiver tomado uma decisão: temos direito à consulta prévia”, dizem os beiradeiros no protocolo.

    Veja o protocolo de consulta de Montanha-Mangabal

    O direito dos beiradeiros, apesar das tentativas do governo de ignorá-los está assegurado não só na Convenção e expresso no protocolo, como foi afirmado pela ordem do ministro Félix Fischer, do STJ. “Entendo que, para se dar fiel cumprimento aos dispositivos da Convenção, o governo federal deverá promover a participação de todas as comunidades, sejam elas indígenas ou tribais, a teor do seu art. 1º, que podem ser afetadas com a implantação do empreendimento, não podendo ser concedida a licença ambiental antes da sua oitiva”, diz a decisão, de 18 de abril de 2013.

    Os beiradeiros indicam que devem ser consultados, além de Montanha-Mangabal, as comunidades de Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Pimental, São Luiz e Vila Rayol, e as aldeias como a do Chico Índio e a de Terra Preta (da etnia Apiaká). Para o MPF, o governo ignora a noção correta de bacia hidrográfica, ao limitar apenas a um trecho do rio e a alguns moradores o direito de consulta.

    O MPF quer que a Justiça expressamente determine, novamente, que “deverão ser consultadas de forma livre, prévia e informada todas as comunidades tradicionais (sejam elas indígenas ou tribais) situadas na bacia hidrográfica em que se pretende a construção da UHE São Luiz do Tapajós, nos termos da Convenção 169/OIT, em especial aquelas situadas nos denominados cursos alto, médio e baixo do rio Tapajós.”

    Boa-fé e má-fé

    Não são apenas os ribeirinhos e beiradeiros que o governo tenta excluir do direito de consulta. Os próprios Munduruku vêm acusando o governo de tentar dividi-los, programando reuniões que excluem os caciques das aldeias e garantem a participação apenas de vereadores e indígenas do médio Tapajós. Em carta enviada ontem ao governo e também ao MPF, índios Munduruku reclamam que a reunião sobre a consulta prevista para essa semana (4 e 5 de novembro) teve o local modificado pelo governo em cima da hora.

    “Além disso, o governo se negou a dar a quantidade de gasolina que pedimos para garantir a ida de nossos parentes que moram mais longe de Jacareacanga. Acreditamos que é responsabilidade do governo garantir o transporte dos Munduruku do alto e médio Tapajós tanto por água e por terra até o local da reunião, mas o mesmo se nega a garantir recursos dizendo que o custo é muito alto.”

    “O governo brasileiro age como a sucuri gigante, que vai apertando devagar, querendo que a gente não tenha mais força e morra sem ar. Vai prometendo, vai mentindo, vai enganando”, diz a carta. No processo judicial da consulta, os advogados da União tentam usar as dificuldades do processo de consulta, muitas vezes causadas pelo próprio governo, como justificativa para não realizar nenhuma consulta, sob a alegação de que os Munduruku se recusam ao diálogo. Para o MPF, é uma tentativa clara de “falsear a verdade” depois de tantas e seguidas violações do direito de consulta por parte do governo contra os Munduruku e índios de toda a bacia amazônica.

    O MPF lembra que a consulta realizada pelo governo só ocorre em consequência de decisão judicial e que incomoda justamente aos Munduruku por não ser prévia, como exige a Convenção 169, uma vez que a decisão governamental de construir a usina já está consolidada.

    “Não há limites para o perfil violador de direitos indígenas básicos daqueles que figuram no pólo passivo desta Ação e de outros interessados na construção da usina. Vigora para as rés (União, Aneel e Ibama) a máxima de que os ‘fins justificam os meios’! Os fins, na hipótese, são a implantação do Complexo Hidrelétrico ora em comento e o “agrado” aos interesses econômicos que alimentam as campanhas políticas”, arremata a manifestação do MPF.

    Veja a manifestação do MPF

    Processo nº 3883-98.2012.4.01.3902

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  • 05/11/2014

    Famílias da Terra Indígena Maró fazem acampamento contra derrubada de árvores

    Cerca de 30 famílias das etnias Borari e Arapium da Terra Indígena (TI) Maró, município de Santarém (PA), estão acampadas há cerca de cinco dias em área que está sendo desmatada por madeireiros. A ocupação retoma uma parte da TI que havia sido apropriada pela fazenda Curitiba. A ação é organizada em resposta ao corte de 15 árvores na TI, todas de alto valor comercial, como maçaranduba, jatobá, ipê, amarelão, itauba, uxi e pequiá. Os indígenas trancaram a estrada que corta o território tradicional e serve de via de transporte ilegal de toras.

    O corte foi feito em área pleiteada por Celso José Hoffman, que conseguiu Autorizações para Exploração Florestal (AUTEF 2974/2014) via Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Pelo menos 50% do Projeto de Manejo do madeireiro está dentro da TI, o que é juridicamente ilegal, por ser violação ao direitos garantidos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O processo de demarcação da Terra Indígena ainda está em andamento e o mapa do território foi publicado em 2011 no Diário Oficial, sendo, portanto, disponível a todos os órgãos ambientais.

    Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos que acompanha do caso, aponta que a SEMA autorizou mais de 10 explorações florestais desde 2007 na área indígena. “Os órgãos ambientais insistem na desconsideração dos direitos indígenas sob o pretexto de a área não estar demarcada, o que não se sustenta no ordenamento jurídico que abarcou a Convenção 169 da OIT.”

    No dia 31 de outubro, os madeireiros que atuam na região não compareceram a uma reunião marcada com lideranças indígenas. A conversa foi reagendada para o dia 1º de novembro, mas os empresários novamente faltaram. A partir de mensagem enviada pelos empresários, o encontro foi remarcado para esta quarta-feira (5). O caso já foi denunciado pela Terra de Direitos à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF). Até o momento, não houve resposta. A Terra de Direitos também vai entrar com representação no MPE e MPF contra as madeireiras.

    “O nosso objetivo não é negociação de madeira”, afirma o cacique Dadá Borari. A reivindicação da comunidade é por indenização pelos dados causados na área e por danos morais. Os indígenas requerem o cancelamento do Plano de Manejo e paralisação imediata da exploração de madeira dentro da Terra Indígena.

    As lideranças cobram um posicionamento do poder público em favor da preservação da floresta e das comunidades. “Já denunciamos isso há muito tempo, e até hoje nós não tivemos uma resposta. Até hoje continua do mesmo jeito, tirando sete, depois tiram 15 [árvores], e vão roubando toda a riqueza dos meus netos e dos meus filhos”, lamenta. Higino Borari, primeiro Cacique da Aldeia Novo Lugar. “Aqui é meu pão de cada dia”, completa o indígena.

    Para a população Borari e Arapium, a derrubada das árvores é uma agressão ao modo de vida, por se tratar de espécies que contribuem para a medicina tradicional e para a sobrevivência dos animais, base da alimentação das famílias. Edith Borari utiliza plantas medicinais nativas. “Eu que trabalho com medicina tradicional preciso dos nossos remédios, que temos aí na natureza”.

    Edith faz um apelo aos órgãos competentes para que resolvam o conflito. “Antes estavam ao redor da nossa área, agora estão dentro, estão desmatando […]. Nós queremos apoio para a demarcação da nossa área. Já chega da gente estar sofrendo”.

    A conivência do próprio Estado na exploração indevida de madeira na região ocorre também em outros casos, com autorizações de Planos de Manejo que afetam diretamente os costumes e a sobrevivência das etnias indígenas. Atuam na região as empresas Rondobel Ltda, Grupo Mundo Verde, ARCA Indústria e Madeira Ltda (com sede em Tomé Açu/PA), além do madeireiro Marco Schmidt.

    Na rota da devastação

    O território da Terra Indígena Maró está cravado em uma região de alto potencial de recursos naturais e pela diversidade de povos tradicionais. Mede 42.373 hectares, derivados de terras devolutas de competência do estado do Pará. A área reúne cerca de 250 habitantes em três aldeias: Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III.

    Ameaças

    Enquanto o reconhecimento como Território Indígena não se concretiza, as tensões sociais só aumentam com invasores, fazendeiros e madeireiros. Lideranças comunitárias vivem sob ameaça de morte e sofrem violações de direitos humanos fundamentais por defenderem a preservação da floresta.

    Em novembro de 2009, uma mobilização comunitária reteve e queimou duas balsas carregadas de madeira com indícios de irregularidade. Em decorrência da ação, o cacique Dadá Borari passou a sofrer ameaças de morte e atualmente vive sob proteção policial e com acompanhamento do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos da Presidência da República.

     

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  • 05/11/2014

    Contra empreendimento em tekoha, indígenas Guarani retomam área tradicional e são ameaçados

    Os Guarani do Tekoha Y’Hovy, município de Guaíra, oeste do Paraná, retomaram na madrugada desta terça-feira, 4, área do território tradicional onde a iniciativa privada pretende construir um condomínio fechado. Desde então, passaram a sofrer ameaças e intimidações. 

    O local é reivindicado pelos Guarani e faz parte do Y’Hovy. Nele fazem coleta e reproduzem o modo próprio de vida. Conforme relatos dos indígenas, mais de 50 caminhonetes chegaram ao local, durante o dia e a noite desta terça, para intimidar a comunidade. Tiros de rojão foram disparados na direção dos indígenas.   

    A mobilização Guarani teve início depois que a área, com mata preservada, foi cercada pelo proprietário do imóvel rural, impedindo a livre circulação da comunidade, e árvores foram derrubadas com a ajuda de máquinas para o início das obras do condomínio.

    Na segunda-feira, dia 3, os Guarani encaminharam uma carta ao Ministério Público Federal (MPF) descrevendo a situação e pedindo providências antes que a área indígena, parte integrante do território tradicional, seja completamente destruída.

    Segue a carta divulgada pelos Guarani:

    Ao Ministério Público Federal (MPF),

    Nós Guarani da Aldeia Y’Hovy, localizada no município de Guaíra no Oeste do Paraná, nos reunimos no dia 3 de novembro de 2014 e relatamos que nesse exato momento estamos ouvindo os barulhos de maquinas vinda da direção da mata do outro lado da rua (Av. Martin Luther King) desde a manhã de hoje (03-11-2014), que está sendo destruída. Para nós essa mata tem uma importância muito grande, pois dali tiramos remédios, tem tipos de árvores raros. Além disso, essa área está em trâmite na justiça pela demarcação de nossas terras e está dentro da nossa reivindicação. Exigimos a imediata atuação do MPF e a suspensão da obra que está tratando de construir um condomínio fechado em nosso Tekoha, destruindo assim parte de nossas subsistências e também enquanto a terra está em litígio eles não tem o mínimo direito de construir essas obras que são consideradas construções de má fé, pois eles sabem que estamos pleiteando a terra de direito e origem nossa. E como já não tem mais matas não sendo apenas aqui em Guaíra mas em todo o Paraná. E por isso nós Guaranis nos organizamos para impedir que isso aconteça, pois já aconteceu no passado a perda de nossas terras e vidas e agora vamos defender a nossa terra, com nossas vidas se necessário e exigimos que o MPF esteja do nosso lado, pois vamos ocupar a mata por questão defesa e resistência, e vamos continuar essa luta pela existência do nosso povo e cultura pois a luta continuará até o último índio.

    Pedimos apoio e encaminhamos cópia para o Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Polícia Federal (PF).

    Pedimos o apoio do CTI, Comissão Yvyrupá, APIB, Grande Conselho Guarani-Kaiowá da Aty Guasu, Secretária dos Direitos Humanos (SDH) e Cimi.

    Tekoha Y’Hovy, Guaíra, 03 de novembro de 2014.

     

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  • 03/11/2014

    Corpo de liderança Kaiowá vítima de 35 facadas é encontrado às margens de rodovia no MS

    “Pedimos urgência em nossa segurança doutor, porque não sabemos se amanha estaremos aqui para fazer este pedido de novo. Vai que estejamos numa vala, num buraco, e ai como é que fica. Assim vivemos doutor, sem saber até quando vamos viver”.

    15/10/2014: Fala de Daniel Vasques, liderança Kaiowa em reunião realizada em Brasília com Funai e Ministério da Justiça.

    O corpo da jovem liderança Kaiowá Marinalva Manoel, de apenas 27 anos, foi encontrado na manhã de sábado, dia 01 de novembro, às margens da rodovia BR-163, nas imediações de Dourados, Mato Grosso do Sul. A morte da jovem atribuiu peso de “destino premeditado” às palavras proferidas por Daniel Vasques a representantes da Funai e Ministério da Justiça em reunião realizada no último dia 15 de outubro em Brasília, ocasião em que Marinalva encontrava-se presente.  

    Importante lutadora na luta pela demarcação da Terra Indígena de Nu Porã, a jovem compôs a comitiva que, junto a integrante do Grande Conselho Guarani-Kaiowá da Aty Guasu,  esteve em Brasília  a cerca de 15 dias atrás para manifestar repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a anulação do processo de demarcação da Terra Indígena Guyraroká. Durante a semana que estiveram na Capital Federal, os indígenas denunciaram a relação diretamente proporcional que existe entre a tomada de posições que geram retrocessos aos direitos constitucionais dos povos indígenas nas esferas legislativa, executiva e judiciária e o aumento da violência direta e indireta praticada pelos fazendeiros contra as terras dos povos originários.


    Morte brutal e nada casual

    A brutalidade do assassinato deixou no corpo de Marinalva as marcas de 35 facadas que foram desferidas contra a indígena. Os golpes acertaram a jovem nas regiões do tórax, pescoço, rosto e mão esquerda. Estas últimas sugerem que a indígena tentou se defender do ataque. Uma vez que o corpo da indígena foi encontrado nu, seu cadáver foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (lML)  com o intuito de que o órgão possa comprovar também se houve abuso sexual. O caso será investigado pela 2ª Delegacia de Polícia de Dourados.

    O Conselho da Aty Guasu emitiu uma carta direcionada ao Ministério Publico Federal (MPF) em Dourados e à 6ª Câmara do MPF em Brasília informando da morte da liderança Kaiowá e cobrando providências imediatas em relação ao caso. As demandas sobre a segurança dos Guarani-Kaiowá já foram levadas de forma direta e por diversas vezes até o Ministério da Justiça, mas nenhuma medida foi tomada e os órgãos responsáveis continuam completamente omissos.

    Segundo as lideranças da Aty Guasu, em inúmeras assembléias Marinalva, a respeito do que fazem também outros indígenas, vinha relatando o aumento das ameaças e das perseguições que sofria de fazendeiros locais e de pessoas contratadas por eles. Para as lideranças do Conselho, a morte da jovem não se trata, portanto, de um acidente ou uma casualidade, mas é o resultado do silêncio das autoridades em relação a uma morte muitas vezes anunciada.

    Sem lugar nem para enterrar os mortos

    A causa pela qual Marinalva lutou ao longo de sua vida foi sentida de maneira triste pelos parentes e amigos no momento de sua morte. Vivendo sem terra, a comunidade não tem cemitério tradicional, e o corpo da jovem, que deveria repousar junto à terra pela qual lutava, teve de ser enterrado numa área de banhado. Mal a cova foi aberta, a água tomou conta do leito de descanso improvisado para a jovem guerreira. Lágrimas de tristeza e indignação misturavam-se pelos rostos indígenas enquanto a terra ia cobrindo pouco a pouco o corpo.

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifesta sua solidariedade com o povo Guarani-Kaiowá através da dor partilhada por seus missionários e missionárias com as famílias de Nu Porã. Reafirmamos também o compromisso na luta pela demarcação dos territórios indígenas e pelo acesso dos povos originários a uma vida digna dentro de seus costumes e tradições. Marinalva Manoel vive na luta da Aty Guasu e no caminhar incessante do povo Guarani-Kaiowá. Que seus filhos colham as sementes por ela plantadas em território de Nu Porã.   

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