• 17/10/2014

    Após morte de criança por desnutrição, mais um atentado a tiros contra a comunidade de Pyelito Kue

    Pode –se dizer que relatar atentados a tiros desferidos contra a comunidade Kaiowá e Guarani da Terra Indígena de Pyelito Kue, Mato Grosso do Sul, infelizmente já está se tornando um fato corriqueiro. Somente este ano o CIMI denunciou diversos ataques ao tekoha – lugar onde se é – sem que nenhuma providência efetiva tenha sido tomada.

    Na noite desta terça-feira, dia 14, enquanto a comunidade realizava seu Kotyhu (reza tradicional realizada a partir de canto e dança sagrados) próximo de um dos limites de sua área, divisa com a fazenda Cachoeira, um sujeito vindo da fazenda adentrou o espaço de Pyelito e disparou quatro tiros à queima-roupa contra os indígenas, que por sorte não se feriram. Enquanto os indígenas correram buscando abrigo onde podiam encontrar, os tiros rasgavam novamente as lonas de seus improvisados barracos.

    Em fevereiro, fazendeiros da região de Iguatemi, município onde fica localizado Pyelito Kue, bloquearam as estradas de acesso ao território indígena impedindo o deslocamento dos Kaiowá e Guarani para fora da aldeia, bem como a Funai de prestar atendimento ou socorro aos indígenas. Armados, os fazendeiros falavam abertamente em atacar os Kaiowá e Guarani ano momento em que julgassem oportuno.  A própria Funai denunciou a situação logo após ter fechado as portas da coordenadoria de Iguatemi por conta de ameaças dos fazendeiros.

    Desde março, os ataques ganharam corpo e Solano Lopes, líder de Pyelito Kue, narrou uma série de atentados diretos efetuados contra a comunidade. Os mais alarmantes referem-se a tiros disparados por motoqueiros do portão que oferece acesso à aldeia.

    Os atentados nunca chegaram a cessar e nos últimos dias voltaram a se intensificar. As famílias Kaiowá relatam que no ultimo dia 7 de outubro ameaças endereçadas às lideranças foram feitas por parte dos fazendeiros e um dos barracos ocupados pelos indígenas chegou a ser incendiado. As ameaças tornaram-se atentados concretos apenas três noites depois, quando no dia 10 motoqueiros voltaram a disparar contra a comunidade, refugiando-se após os disparos no interior da fazenda Cachoeira.  

    Após este episódio, os fazendeiros passaram novamente a realizar o cerco em torno da comunidade, impedindo os indígenas de sair do pequeno espaço que ocupam e aterrorizando a vida dos Kaiowá e Guarani. Enquanto do lado de fora os pistoleiros rondam, do lado de dentro da aldeia a fome castiga. Em meio ao cárcere, no dia 12 de outubro uma criança de menos de dois anos de idade chamada Mikaeli Flores morreu por desnutrição e ingestão de água imprópria para o consumo. Era Dia das Crianças, mas não em Pyelito.  

    O cerco segue sobre Pyelito Kue e consequências piores se desenham caso nenhuma providência seja tomada. Enquanto cada vez mais decisões políticas de caráter anti-indígena são tomadas nos âmbitos do Executivo e do Judiciário, os povos indígenas acabam por pagar com suas vidas alianças governamentais que levam mais poder aos setores ruralistas, que como por efeito de avalanche passam a atacar covardemente os povos originários. As famílias de Pyelito mais uma vez pedem por socorro!   

                   

           

               

     

  • 17/10/2014

    Organizações internacionais pedem que ministros alemães pressionem governo do AC a investigar ataques à sede do Cimi

    A sede Regional no Acre do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi invadida pela segunda vez em menos de um mês na madrugada dessa segunda-feira (13). O computador central foi levado e equipamentos destruídos. Vários dos arquivos da biblioteca e da sala da secretaria foram queimados.

     

    No dia 22 de setembro um ataque semelhante aconteceu no local. Grades e forros do teto arrancados, cabos de todos os computares cortados e um HD externo que continha o backup da contabilidade foi levado. Na época, a perícia constatou que os invasores usavam luvas e até agora nenhum suspeito foi identificado.

     

    Em solidariedade ao Cimi, organizações do estado do Acre organizaram um ato de apoio na manhã desta sexta-feira (17) em frente à sede da entidade. Uma carta, assinada por 53 organizações oriundas de 19 países, além de organismos internacionais, foi encaminhada aos ministros alemães Gerd Müller, da Economia Cooperação e Desenvolvimento, e Barbara Hendricks, do Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear.

     

    A carta solicita às autoridades que demandem do governo do Acre ações imediatas em relação às invasões da sede do Cimi e as ameaças constantes contra membros da entidade e povos indígenas no estado.

     

    Leia trecho da carta ou acesse aqui o documento completo.

     

    “O escritório regional na Amazônia Ocidental do Cimi (Cimi-AO), em Rio Branco, Acre, é um dos 11 escritórios regionais do Cimi no Brasil. No Acre, o Cimi tem apoiado os povos indígenas que enfrentam interesses de fazendeiros e madeireiros que invadem seus territórios e deixam para trás devastação e destruição de floresta. Estes mesmos povos são testemunhas da indiferença em relação ao desmatamento e à violação dos seus direitos por parte das instituições governamentais.

     

    Em 2013, métodos semelhantes e atos de violência, como esses que ocorrem agora contra Cimi-AO, foram usados contra a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A CPT apoia camponeses que defendem o direito as suas terras e suas formas de sobrevivência, com muitos conflitos também em torno da destruição florestal para criar gado e extrair madeira. Até o momento, nada foi feito pelas instituições governamentais para investigar de forma séria e punir os responsáveis, nem pelos atos de violência contra o CPT, nem pelas invasões e ameaças contra Cimi-AO nestas últimas semanas, apesar das denúncias feitas pelas próprias organizações e também por organizações de apoio a nível nacional e internacional.

     

    Nós pedimos que os senhores demandem ao governo do Acre ações imediatas. O governo deve mostrar de forma inequívoca que não tolera este tipo de violência contra organizações da sociedade civil no seu estado e contra aqueles que se levantam para defender os direitos a seus territórios. As instituições do Estado devem investigar e punir aqueles que são responsáveis pelos atos de violência.

     

    Nós fazemos este apelo para que os senhores se juntem a nós e solicitem ação imediata por parte do governo do Acre, que deveria publicamente denunciar a violência contra os defensores das florestas do Acre. As autoridades competentes deveriam imediatamente iniciar uma investigação profunda sobre as invasões e ameaças contra os membros do Cimi-AO. Ao mesmo tempo, pedimos que os senhores cobrem da Ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, medidas urgentes do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no sentido de garantir segurança ao Cimi e sua equipe no Acre, sem descuidar da investigação dos atentados noticiados nesta carta”.

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  • 17/10/2014

    Juiz Federal concede reintegração a fazendeiro por considerar “cultivo de plantações” do povo Terena “esbulho possessório”

    Cerca de 78 famílias do povo Terena da aldeia Mãe Terra, que integra a Terra Indígena Cachoeirinha, município de Miranda (MS), estão sob risco iminente de despejo de área reconhecida pelo Estado como de posse permanente dos indígenas. A Justiça Federal considerou “flagrante” ato de “esbulho possessório”, e de intimidação, o cultivo de plantações, por parte dos Terena, em fazenda de 600 hectares localizada no perímetro declarado indígena desde 2007.  

    Mesmo com recursos liberados para o pagamento de benfeitorias, e com o avançado estágio de demarcação do território, o juiz Federal Renato Toniasso, de Campo Grande, capital do estado, decidiu pela reintegração de posse ao proprietário do imóvel rural Fazenda Santa Vitória, cuja área abrange a Mãe Terra. O fazendeiro João Proença de Queiroz se nega a receber a indenização da União e tenta, a todo custo, se manter na área.

    Esbulho possessório é considerado crime de usurpação – quando alguém invade terreno alheio com violência à pessoa, grave ameaça. O que mais surpreendeu os indígenas foram as justificativas do juiz em sua decisão, ao argumentar que o fazendeiro estava sendo ameaçado com o esbulho por intermédio das plantações dos Terena: “Estariam (os indígenas) adotando atitudes intimidatórias em relação a si (Queiroz) e aos seus familiares. Nesse sentido, teriam lhe comunicado que iriam iniciar o cultivo de plantações. Argui que, diante do flagrante esbulho possessório ali ocorrido, não lhe resta alternativa senão buscar proteção jurisdicional”.

    Nenhuma investigação foi aberta para se apurar as denúncias feitas pelo fazendeiro. Para Lindomar Terena, morador da Mãe Terra, o juiz foi atrás de boatos. “A casa grande fica distante da área onde a aldeia está instalada. Nunca vimos a família dele. Agora é muito estranho um juiz federal dar uma decisão sem nenhuma prova, com boatos inventados por alguém que já não tem mais argumentos. O dinheiro da indenização, pago pela União, está lá para ele pegar”, afirma.

    Lindomar rechaça as acusações lembrando que são os Terena alvos de ameaças e atentados. Em todos os casos não houve punição. Em novembro de 2013, por exemplo, um ônibus escolar foi atacado e incendiado. “Basta um fazendeiro inventar qualquer coisa que dão reintegração, criminalizam lideranças. Tudo rápido, sem investigar. Agora quando um índio é assassinado ou ameaçado a Justiça não age rápido; e quando age, desconfia do que dizemos. Estamos ali há quase 10 anos. Não há nenhuma acusação contra a gente”.

    Em sua decisão, Toniasso constrói elo entre a intimidação alegada por Queiroz com a agricultura dos Terena. “Não precisamos intimidar ninguém para plantar. Foi por isso que lutamos: para termos nossas terras e alimentar nossas famílias. Antes ali era para engordar boi, agora alimenta pessoas, abriga uma comunidade ligada com a terra. Plantamos de tudo, criamos animais. Tudo de forma coletiva”, explica Lindomar. A liderança salienta que, inclusive, a terra está com os procedimentos demarcatórios em fase final para a homologação definitiva. Por isso a decisão é ainda mais surpreendente.

    Toniasso optou por uma posição civilista: “O fato de o processo administrativo de demarcação e ampliação da Terra Indígena Cachoeirinha estar em fase adiantada (publicação da Portaria Ministerial nº. 791, em 20/04/2007) não permite que os índios tomem a posse da área demarcada, antes do seu desfecho, o que se dará apenas mediante decreto homologatório do Presidente da República, nos termos do artigo 5º, do Decreto nº. 1.775/96”.

    Porém, conforme o jurista Dalmo Dallari, a discussão de direitos indígenas não se baseia no Código Civil, mas no direito constitucional. “O direito originário é imprescritível e mais: demarcação é ato declaratório e não constitutivo (as terras já são dos índios, o que falta é traçar seus limites) e este é o objetivo do processo administrativo, conforme Dallari. Temos muitas decisões nesse sentido, sobre a posse indígena”, explica Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Tal argumento também serve para responder questão suscitada pelo juiz na decisão: “Então é de se perguntar se os chamados "fazendeiros" entenderem que terras no interior de alguma aldeia lhes pertencem, poderão eles, por força própria, retomar essas áreas?”. Ou seja, não. Enquanto isso, atentados como os sofridos por Paulino Terena, na foto, seguem impunes.   

    TRF-3 negou outro pedido de reintegração

    Em 2005, logo após a retomada da aldeia Mãe Terra pelos Terena, Queiroz entrou com pedido liminar de reintegração da área. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, indeferiu o pleito do fazendeiro. Desde então a aldeia não foi mais importunada. A aldeia Mãe Terra ganhou escola, saneamento básico, posto de saúde e as plantações passaram a garantir alimentação farta. Em 19 de abril de 2007, a Portaria 791 demarcou a Terra Indígena Cachoeirinha com 26 mil hectares. A União começou então a indenizar as 54 propriedades localizadas neste perímetro, entre elas a Fazenda Santa Vitória, incidente na Mãe Terra.

    No entanto, Queiroz havia perdido na Justiça 600 hectares do imóvel rural, de um total de 1.200, num litígio envolvendo outro fazendeiro. O ganhador da ação judicial não perdeu tempo e pegou a indenização de R$ 700 mil estipulada e paga pela União. Com isso, a comunidade pode se espalhar nessa área e estruturar a aldeia, antes improvisada. Os outros 600 hectares seguiram nas mãos de Queiroz, que se nega – até o momento – a acessar os valores destinados às benfeitorias de sua antiga propriedade.        

    Os 7 mil Terena que vivem na Terra Indígena Cachoeirinha ocupam pouco mais de 2.600 hectares, cerca de 7,22% do total demarcado. Este perímetro habitado corresponde à reserva destinada aos Terena pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX. “O espaço é pequeno. Se vive confinado. Tem muito terena vivendo nas periferias das cidades, com dificuldades. Então ele (Queiroz) pode inventar o que for, ou qualquer outro fazendeiro, que seguiremos lutando pelas nossas vidas; porque só nossa terra pode nos dar vida”, salienta Lindomar.  

       

     

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  • 16/10/2014

    Diante do massacre imposto, comitiva Guarani-Kaiowá cobra dos órgãos governamentais garantia de direitos previstos na CF em Brasília

    Por Luana Luizy,

    de Brasília (DF)

     

    Frente ao maior genocídio étnico e cultural do país,  40 lideranças Guarani-Kaiowá pediram agilidade das demarcações dos órgãos governamentais e denunciaram os frequentes ataques e violações impetrados pelo Estado brasileiro essa semana em Brasília.

    Cheios de expectativas, com suas rezas e danças na tentativa de sensibilizar os ministros, os indígenas acamparam em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde desta quarta-feira (15), onde passaram a noite em vigília contra uma decisão do STF que poderá inviabilizar os processos demarcatórios das terras Guarani-Kaiowá. A decisão é referente à Terra Indígena Guyraroká, localizada próximo ao município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

    Os Guarani-Kaiowá pediram a nulidade de uma decisão da 2° Turma da Corte que anula o reconhecimento do Estado à terra ancestral, pois não foram ouvidos durante o processo. O Supremo acatou a tese do marco temporal e considerou que os indígenas não teriam direito a terra, pois não estavam na área em 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Entretanto, os Guarani e Kaiowá afirmam que a decisão foi baseada em uma interpretação equivocada, uma vez que foram vítimas de remoções forçadas.

    “No próprio governo de Getulio Vargas nós fomos expulsos. Em 1930 já tinha pistoleiro, jagunço do fazendeiro para matar o indígena que estava lá. Prolongou-se a situação na ditadura militar. E querem que a gente esteja lá?”, questionou a liderança Daniel Vasques Guarani Kaiowá .

    Segundo o Relatório Figueiredo, a expulsão dos indígenas de Guyraroká se iniciou em meados do século 20 e se estendeu até os dias atuais. No entanto, os Guarani e Kaiowá sempre tiveram uma relação espiritual com o território e, portanto, nunca deixaram de ter vínculo com o tekoha, a terra sagrada para os Kaiowá.

    Os indígenas já sentem o efeito da decisão do Supremo, pois muitos mandatos de reintegração de posse já foram concedidos perante a determinação, como a ordem de despejo marcada para o dia 26 de outubro do território tradicional de Kurussu Ambá, localizado em Coronel Sapucaia, comunidade à beira de um genocídio anunciado.

    Na busca pelo diálogo, os indígenas distribuíram cartas aos ministros e um memorial sobre o contexto histórico, além de alertá-los sobre o peso que as atuais decisões poderão interferir no reconhecimento de suas terras.

    Durante a semana, a comitiva também foi recebida pela Frente Parlamentar Indígena da Câmara dos Deputados, como forma de agradecer aos deputados que atuaram na causa indígena e buscar apoio, tendo em vista o aumento da bancada ruralista no Congresso nas eleições deste ano. “ A bancada ruralista aumentou em 30% para 2015, vocês vão ser ainda mais ameaçados e precisam além de deputados parceiros irem para as ruas, pois os fazendeiros e elites querem retirar não só a terra, mas a vida de vocês. Diversos dispositivos governamentais como como a PEC 215, novo código de mineração possuem grandes chances de serem aprovados no próximo ano, frente a nova composição da casa, vocês precisam ir para as ruas, pois o cenário que se configura não é nada favorável”, disse o deputado federal Padre Ton (PT), que não conseguiu a reeleição.

     

    Confira aqui o memorial entregue aos ministros 

    Histórico de violações

    No Mato Grosso do Sul, encontra-se a segunda maior população indígena do país, mas com os piores índices de demarcações e com os maiores índices de violações de direitos humanos, conforme os inúmeros relatórios publicados por diversas organizações da sociedade civil e relatórios publicados por órgãos do Estado brasileiro.

    Na década de 1920, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) criou oito reservas, onde os indígenas ficaram confinados, em resposta a estas ações, os indígenas estão mobilizados na defesa de seus direitos e voltam mais uma vez ao tekoha no processo de retomadas. Atualmente os Guarani-Kaiowá vivem no estado em mais de 40 acampamentos indígenas, que são comunidades na beira de rodovia esperando a demarcação de suas terras.

    A vida nos acampamentos é uma dura e triste realidade, onde estão expostos a altos índices de mortalidade infantil e mortes por atropelamentos constantes, uma vez que muito desses acampamentos estão localizados na beira de rodovias.

    Outro dado que corrobora esse quadro de violência é o índice alarmante de suicídio nos Guarani-Kaiowá, devido situação de extrema violência desses povos. Só no ano de 2013, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foram registradas 73 casos de suicídio no Mato Grosso do Sul, o maior número nos últimos 28 anos.

    A decisão sobre a terra Guyraroká fragiliza garantias constitucionais dos Guarani-Kaiowá, o direito originário não pode ser desconsiderado sob pena de inviabilizar demarcações e decretar extermínio aos povos, cabe agora ao judiciário resolver o conflito e garantir os direitos constitucionais indígenas previstos na CF.

     

     

     

     

     

     

     

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  • 16/10/2014

    Nota pública aos candidatos em 2º turno à Presidência da República

    O movimento indígena, através da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, vem a público manifestar sua permanente indignação com o modo como os grandes partidos que controlam o poder no País tem desconsiderado os direitos constitucionais dos nossos povos originários, fato que se reflete no modo como esse tema tem sido ignorado sistematicamente na campanha eleitoral.

    No primeiro turno, redigimos uma carta pública a todos os candidatos à presidência apresentando nossas pautas, e solicitamos audiências com todos eles para expor nossas razões e nossas reivindicações. Conseguimos ser recebidos apenas pela candidata Marina Silva, agora derrotada. Após a audiência com a ex-candidata, recebemos diversos acenos da candidatura da atual Presidenta Dilma Rousseff, que estava naquele momento em queda nas pesquisas, e expressou intenção de agendar audiência semelhante. Após subir nas pesquisas de primeiro turno, entretanto, a presidenta não se dispôs mais a nos receber.

    É público e notório o descaso com os povos indígenas que marcou o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff, que se esforçou a cada dia mais para estreitar suas alianças com o agronegócio. Em todo seu mandato, recebeu apenas uma vez nossas lideranças indígenas, pressionada pelas manifestações de junho. Entretanto, não cumpriu com nenhum dos compromissos afirmados, e permitiu que seu ministro da Justiça paralisasse completamente as demarcações de terras no país.

    Quanto ao candidato Aécio, no primeiro turno expressou publicamente ao agronegócio, por ocasião da sabatina na Confederação Nacional de Agricultura (CNA), seu apoio descarado à PEC 215, principal projeto de ataque aos nossos direitos, às nossas vidas e ao nosso futuro, sendo aplaudido de pé por nossos principais inimigos. Agora no segundo turno, o candidato Aécio, ao mesmo tempo em que recusa a se reunir conosco para receber nossas demandas, finge recuar de sua aliança orgânica com o ruralistas no ataque aos nossos direitos, com o mesmo oportunismo com que Dilma ensaiou uma aproximação conosco para tentar disputar o eleitorado que migrava para Marina.

    Por tudo isso que não é novidade para nós, há mais de 500 anos sabemos que nossa luta não cabe nas urnas, e que dependerá da nossa intensa mobilização, seja qual for o resultado. Nesse segundo turno, mais uma vez vemos que as duas candidaturas que agora disputam o poder parecem ter medo de se encontrar conosco, talvez porque as duas foram financiadas pelos ruralistas, através da JBS Friboi, principal doadora dos dois.

    Nos limitamos, assim, a reencaminhar aos dois candidatos a Carta aos Presidenciáveis, que elaboramos no primeiro turno, e que expressa nossas pautas históricas, sempre negligenciadas. E anunciamos que nossos povos indígenas de todo país, continuarão em luta pela demarcação das nossas terras, a saúde e educação diferenciadas, e a defesa do meio ambiente.

    Brasília, 15 de outubro de 2014.

     

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  • 16/10/2014

    Nota de esclarecimento do povo Pataxó de Barra Velha

                                                                                                                Diferente de muitas coisas que saíram na mídia, no dia 10 de outubro de 2014, nós, indígenas do Povo Pataxó, Território de Barra Velha, extremo sul da Bahia, fechamos a BR 101, nos dois sentidos, com o objetivo de reivindicar que nossos direitos constitucionais sejam respeitados pelas autoridades brasileiras.

    Queremos a regularização do nosso território e aguardamos resposta do governo federal sobre a posição política de paralisar os processos de demarcação dos territórios indígenas do Brasil e de manter vaga a presidência da Funai.

    Nosso território, inicialmente delimitado em apenas 8 mil hectares para mais de 6 mil indígenas sempre foi insuficiente para garantir a existência presente e futura do nosso povo. Por isso em 2008 a Funai publicou relatório de revisão desses limites, mas o processo de regularização de nossas terras está parado há 6 anos na gaveta do ministro José Eduardo Cardozo.

    Sabemos que o Decreto 1775/96 determina um prazo de 30 dias para o Ministro da Justiça assinar e publicar a Portaria Declaratória que nos garante a demarcação física de nossas terras e o início do pagamento de benfeitorias aos fazendeiros, mas ao invés disso o Ministro se recusa a obedecer a lei. Da mesma forma a Funai, por orientação do Ministro, não publica o relatório de identificação de nossos parentes Pataxó do Território Cahy-Pequi, desobedecendo além da lei, também decisão judicial publicada em 24 de março de 2014.

    Durante esses 6 anos de espera e luta pela sobrevivência muitos de nossos parentes foram assassinados, muitos de nós sofre com ameaças e com o preconceito dos não índios, muitas de nossas matas foram destruídas pelos invasores de nossas terras, que são fazendeiros, estrangeiros e donos de pousadas e hotéis.

    Durante esses 6 anos já nos desgastamos muito indo para Brasília, e em todas as vezes o governo fez inúmeras promessas que nunca foram cumpridas.

    Nós, Pataxó, sempre cumprimos com nossa parte dos acordos, até paramos de retomar nossas terras em troca da suspensão de todas as liminares de reintegração de posse, mas ao invés disso uma operação da Polícia Federal já foi agendada para esse mês para nos retirar de nossas próprias terras que continuam invadidas por fazendeiros.

    Não temos para onde ir e queremos saber onde o ministro Cardozo, o juiz e o delegado da Polícia Federal estão pretendendo colocar os mais de mil Pataxó, em grande parte crianças e velhos? Onde vamos viver se não for em nossas terras?

    Estão desrespeitando os acordos e a Constituição, negando nossos direitos originários a terra tradicional. Estão querendo destruir nossa cultura, porque sem terra não há cultura, não há saúde, não há vida.

    O Estado brasileiro tem uma dívida enorme com os povos indígenas e a demarcação de nossas terras é o mínimo que inicialmente o governo pode fazer. Além disso, a demarcação beneficia todo o povo brasileiro, porque Pataxó não vive sem mata e sem os rios, nas nossas terras a natureza é respeitada.

    Dentro do Território Pataxó, além da área agricultável, e das praias, existem dois Parques Nacionais, o do Monte Pascoal e o do Descobrimento e, que estão sendo destruídos por não índios e as autoridades não fazem nada. Mesmo sem a demarcação, fazemos o possível para proteger as matas, os animais e minérios da região. Inúmeras vezes apresentamos denúncias ao MPF, Ibama, ICMBio, Funai e etc contra todo tipo de degradação, mas até hoje nenhuma providência foi tomada. Somos nós que estamos pagando essa conta, perdendo as riquezas de nossas terras. Por isso, queremos a gestão compartilhada destes parques, tal como nos garante a Convenção 169 da OIT.

    Enquanto não temos espaço e obrigados a abrir pequenas roças na beira das estradas, com nossos parentes sendo perseguidos e mortos, o governo permite que os fazendeiros poluam as nascentes dos nossos rios, destruam nossas matas e parques, e que o gado tenha mais direito à terra do que nós.

    Além de negarem nossos direitos, estão criminalizam nossas lideranças, querem que os Pataxó se calem e que aceitem continuar sendo enrolados pelo governo, mas nós dizemos basta!

    Nós, Pataxó, só queremos viver em paz, em nossas terras e por isso, exigimos que o Ministro da Justiça cumpra a lei e assine a Portaria Declaratória do nosso território, e que cumpra com os acordos de suspender todos os mandados de reintegração de posse. Queremos que parem as perseguições as nossas lideranças. Deixem em paz nosso povo. E ainda, que a Polícia Federal suspenda a operação de invasão da nossa comunidade, porque não nos sentimos seguros com a sua presença.

    Assinam essa nota caciques e lideranças do Povo Pataxó.

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  • 15/10/2014

    Em defesa de seus direitos, lideranças Guarani-Kaiowá convocam coletiva de imprensa no STF, hoje, às 15h30

    Brasília, 15 de outubro de 2014 – “Ou o governo e a Justiça demarcam nossas terras ou que nos enterrem de vez nelas”, declara Ava Jeguaka Rendy’ju, que convoca, junto com mais de 40 lideranças Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul, uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (15), às 15h30, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo da coletiva é alertar sobre decisões do Supremo que flexibilizam os direitos constitucionais da população indígena.

    As lideranças protocolarão hoje (15), às 14h, também no Supremo, um memorial (leia aqui) sobre o contexto histórico e a situação de extrema vulnerabilidade a que está submetido o povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Ontem (14), eles entregaram duas cartas – uma da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani-Kaiowá) e outra da comunidade Kurusu Ambá – nos gabinetes dos 10 ministros do STF a fim de reivindicar a garantia do direito às suas terras tradicionais

    Uma das decisões recentes do STF anulou os efeitos da Portaria Declaratória n° 3.219 do Ministério da Justiça que, em 2009, reconheceu a Terra Indígena (TI) Guyraroká como de ocupação tradicional indígena. A homologação pela presidente da República, Dilma Rousseff, é o único procedimento administrativo que falta para finalizar o a demarcação da TI Guyraroká.

    Baseado numa interpretação equivocada do marco temporal – que condicionou o reconhecimento da terra tradicional, no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, à sua habitação pelos indígenas no ano de 1988, o ministro Gilmar Mendes, seguido pelos ministros Carmen Lúcia e Celso de Mello, acatou o pedido de um dos fazendeiros da região e anulou o procedimento demarcatório da TI.

    “A coisa está tão absurda que hoje querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa pelo crime deles. Durante décadas nos expulsaram de nossa terra à força e agora querem dizer que não estávamos lá em 1988 e por isso não podemos acessar nossos territórios?”, ressalta a liderança Ava Kaaguy Rete sobre a tese do marco temporal.

    Vítimas dos projetos de colonização, os indígenas de Mato Grosso do Sul foram expulsos de suas terras tradicionais e confinados em oito pequenas reservas até meados do século XX. Desse processo resulta toda a problemática social vivenciada por essas comunidades, resultado de perda territorial, como a altíssima taxa de suicídios (73 casos em 2013, de acordo com dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai) e homicídios (62% dos casos de assassinatos de indígenas no Brasil ocorreram em MS).

    “Os ministros devem fazer cumprir a Constituição, garantindo nossos direitos”, lamenta a liderança Ava Rendy Poty’Ju. “Eles eram nossa última esperança, mas estando deste jeito só nos sobra a retomada de nossos territórios, só resta a nossa luta”.

    A situação de violência é tão drástica no MS que apenas enquanto viajavam para Brasília, as lideranças foram informadas de cinco casos de severas violações às suas comunidades. Em Laranjeira Nhanderu, um jovem de 14 anos, chamado Ismael Mariano de Lima, morreu no dia 12, vítima de atropelamento. Outros sete indígenas foram atropelados nas proximidades da aldeia Apykai desde 2011. Na aldeia Guaiviry, nas madrugadas de 11 e 12 deste mês, três caminhonetes ficaram paradas no portão que dá acesso à aldeia, mantendo uma espécie de vigília e coagindo os indígenas a não saírem de suas moradias. Os mesmos veículos já haviam sido visualizados pelos indígenas no dia 24 de setembro deste ano. A terceira notícia veio da Terra Indígena de Puelito Kue, onde a aldeia foi totalmente cercada por um grupo de fazendeiros, que os mantém em cárcere. Eles se organizam para preparar a terra para mais um plantio de monocultura e vem devastando parte da mata que se encontra dentro dos domínios do povo originário. Na manhã do dia 13, a delegação de lideranças foi informada sobre o falecimento de Mikaeli Flores, uma menina de 2 anos. As causas da morte de Mikaeli foram desnutrição, fome profunda e ingestão de água imprópria para o consumo. Ainda mais drástica, encontra-se a situação das mais de 50 famílias que vivem na Terra Indígena de Kurusu Ambá. Para além de uma determinação de despejo advindo de decisão da Justiça Federal previsto para o dia 26 deste mês, a comunidade foi novamente atacada por jagunços armados nos últimos dias 10 e11, que rasgaram a facão e atearam fogo nas barracas dos indígenas.

     

    Serviço

    O quê: Coletiva de imprensa de lideranças Guarani-Kaiowá

    Quando: Hoje (15/10), quarta-feira, às 15h30

    Onde: Na frente do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes

     

    Para mais informações:

    Luana Luizy (Cimi) – 61 8128-5799

    Patrícia Bonilha (Cimi) – 61 9979-7059

    Oswaldo de Souza (ISA) – 61 9103-2127

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  • 15/10/2014

    “Não queremos guerra. Queremos viver em paz em nossas terras”

    Clima desértico. Calor infernal no Planalto Central. Brasília ferve. Algumas dezenas de Kaiowá Guarani e Terena caminham até o pátio do Supremo Tribunal Federal (STF). Seus cantos e rituais ecoam entre as paredes de vidro. O forte calor não lhes tira o ardor e a decisão de lutar pelos seus direitos, seja onde for. Em seus corpos pintados, o recado: “queremos nossas terras”. No Jeroki ritual, o gesto de profunda espiritualidade, secular esperança e resistência. Rodeado de crianças, o Nhanderu (líder espiritual) Getúlio dirige-se aos presentes: “é por essas crianças que estamos lutando. Não queremos guerra. Demarquem nossa terra, pois nela queremos viver em paz. Confiamos na sensibilidade e Justiça dos senhores ministros do STF”.

    Entre um turno e outro, cadê o compromisso com nossos direitos?

    As lideranças da delegação também se mostraram apreensivas e preocupadas com as eleições. Não entendem por que os dois candidatos a presidente do país não mencionaram nenhuma vez os direitos indígenas em seus programas. Marina condicionou seu apoio ao compromisso da demarcação das terras indígenas. Exigem que os candidatos se comprometam em cumprir a Constituição, demarcando as terras.

    Se a isso somarmos a eleição de um Congresso dos mais conservadores das últimas décadas, não fica difícil entender as causas de tamanha preocupação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul e de todo o Brasil.

    Documento protocolado nos gabinetes

    Uma delegação de três indígenas adultos e três crianças percorreu os gabinetes de todos os ministros do Supremo, protocolando a carta da Aty Guasu, que contém um enfático apelo pelo cumprimento da Constituição em relação à demarcação dos territórios indígenas e pelo fim do estado de violência e guerra em que se encontram as aldeias e os acampamentos indígenas no Mato Grosso do Sul. Na carta, os resistentes guerreiros deixam claro uma vez mais que “Diante da demora da demarcação de nossas terras, nós, povos Guarani-Kaiowá, já voltamos a retomar nossas terras. Começamos no mês de setembro. Não vamos mais aguardar as promessas do governo. Já fomos enrolados pelo governo. Nós, Guarani-Kaiowá, fomos expulsos das nossas terras em 1970 pelos fazendeiros. Pedimos ao Supremo Tribunal Federal que considere nossas histórias de vida. Nós fomos massacrados pelos fazendeiros há mais de um século. Agora o próprio STF e o governo estão massacrando. Estão nos dizimando, pois não demarcam as nossas terras, nem reconhecem nossos direitos. Diante disso, viemos declarar que nós não vamos sair de nossas terras. Vamos recuperar as nossas terras por direito”.

    Os indígenas Guarani-Kaiowá entendem que a garantia das terras aos parentes da Raposa Serra do Sol não se dá às custas da morte, violência e negação das terras dos demais povos indígenas, em especial do Mato Grosso do Sul

    Cenário de guerra

    O cenário e a realidade de guerra em que vivem os obrigam a levar seu grito mundo afora e aos espaços de decisão sobe suas terras.

    Enquanto a delegação estava a caminho de Brasília foi recebendo informações estarrecedoras das violências e mortes a que estão sendo submetidas suas comunidades: em Laranjeira Nhanderu morreu atropelado o jovem de 14 anos, Ismael Mariano de Lima. São dezenas de indígenas que morrem anualmente atropelados. As comunidades de Guaiviry e Pueblito Kuê foram cercadas por pistoleiros, que tentam submetê-los a um regime de cárcere e isolamento. Em Pueblito Kuê faleceu Mikaele Flores, de 3 anos. Causa da morte? Desnutrição, fome e ingestão de água imprópria para o consumo humano.

    Kurusu Ambá está à beira de um genocídio anunciado. Está anunciado o despejo da comunidade para o dia 26 deste mês. Comunidade que é constantemente agredida por jagunços que destroem e queimam os barracos e atemorizam a população. “A coisa é tão absurda que querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa por esses crimes”, desabafa uma das lideranças.

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  • 14/10/2014

    Lideranças Guarani-Kaiowá anunciam “Se a justiça não garantir nosso direito, que prepare muitas cruzes para o nosso povo”

    Enquanto os anos passam e as demarcações das terras indígenas seguem paralisadas por determinação governamental, a situação de martírio e profunda vulnerabilidade vivida por milhares de famílias Guarani-Kaiowá aumenta drasticamente. A cada dia, no Mato Grosso do Sul (MS), o descaso dos órgãos responsáveis por garantir os direitos e a segurança das comunidades indígenas produz efeitos de um rápido e velado extermínio. As denúncias de ataques diretos sofridos pelas comunidades Guarani e Kaiowá são sistematicamente ignoradas enquanto crianças e jovens indígenas perecem todos os dias por falta de condições básicas de vida.

     

    Desprovidos de esperança quanto ao cumprimento voluntário das atribuições da Justiça na continuidade dos procedimentos demarcatórios, mais de 40 lideranças Guarani e Kaiowá somadas a representantes da etnia Terena partiram neste último domingo, dia 12 de outubro, para Brasília, onde de forma direta e definitiva, irão cobrar medidas do governo federal e dos órgãos ligados aos Direitos Humanos referentes à garantia de seus direitos constitucionais e, sobretudo, de sua segurança física. As lideranças Guarani e Kaiowá das nove terras Indígenas do MS que partiram para Brasília (Taquara, Arroio Corá, Guyrá Kambi’y, Guyrároka, Kurussu Ambá, Guaiviry, Laranjeira Nhanderu, Jagua Piru, Mykuréati), através de um documento emitido pelo Grande Conselho da Aty Guasu, passam a representar todas as aldeias Guarani e Kaiowá do estado.

     

    A viagem da comitiva de lideranças mal havia iniciado quando ligações advindas de diversas comunidades Guarani e Kaiowá começaram a desenhar para os caciques e rezadores um cenário de terror e desespero. Notícias referentes a ataques de jagunços armados e mortes de crianças e jovens atravessaram as ondas telefônicas e chegaram ao grupo de viajantes como uma comprovação inquestionável da necessidade das lideranças em arrancar uma posição definitiva do governo federal.

     

    A primeira notícia partiu da aldeia de Laranjeira Nhanderu. Um jovem de 14 anos, chamado Ismael Mariano de Lima, morreu ontem, dia 12, vítima de atropelamento no mesmo trecho da estrada em que a liderança conhecida como Zezinho também foi atropelada. A morte do jovem gera inconformidade no povo Guarani e Kaiowá, uma vez que, não tendo suas terras demarcadas, a proximidade com as rodovias é uma dura realidade para muitos de seus filhos e filhas. Ademais, os indígenas não esquecem os oito atropelamentos ocorridos nas proximidades da aldeia Apykai ocorridos de 2002 para cá, sendo que sete deles ocorreram a partir de 2011. Para a comunidade, práticas tão recorrentes não podem ser consideradas simples eventualidades.

     

    Logo após, informações preocupantes chegaram também da aldeia Guaiviry. Nas duas últimas madrugadas, três veículos (caminhonetes) se mantiveram parados no portão que dá acesso à aldeia até bem próximo do amanhecer, mantendo uma espécie de vigília e coagindo os indígenas a não saírem de suas moradias. Os mesmos veículos já haviam sido visualizados pelos indígenas no dia 24 de setembro deste ano. Na ocasião, naquele mesmo dia, as lideranças da comunidade haviam prestado depoimento para a justiça federal de Ponta Porã em audiência a respeito do assassinato de sua antiga liderança Nísio Gomes. Nísio foi executado, em novembro de 2011, por jagunços contratados pelos fazendeiros da região que desrespeitaram determinações judiciais. Enquanto a polícia não toma nenhuma providência, quase a totalidade da comunidade encontra-se em estado de alerta permanente, sem conseguir dormir.

     

    A terceira notícia veio da Terra Indígena de Puelito Kue. Os indígenas informaram que a aldeia se encontra totalmente cercada por um grupo de fazendeiros, que os mantém em cárcere. Eles se organizam para preparar a terra para mais um plantio de monocultura e vem devastando parte da mata que se encontra dentro dos domínios do povo originário. Em meio ao caos, os indígenas foram informados ontem (13) pela manhã sobre o falecimento de uma menina que ainda não havia completado seu terceiro ano de idade. De nome Mikaeli Flores, a pequena deixou este mundo por conta de desnutrição, fome profunda e ingestão de água imprópria para o consumo.

     

    Ainda mais drástica, encontra-se a situação das mais de 50 famílias que vivem na Terra Indígena de Kurussu Ambá. As famílias, que por situação de profunda miséria retomaram uma pequena parte de sua terra tradicional no dia 22 de setembro para poder plantar e combater a fome, encontram-se à beira de um genocídio que tem sido há muito anunciado. Para além de uma determinação de despejo advindo de decisão da Justiça Federal previsto para o dia 26 deste mês, a comunidade foi novamente atacada por jagunços armados nas tardes da última sexta- feira (10) e do sábado (11).

     

    Na tarde de sexta feira, cinco jagunços se aproximaram em uma caminhonete, sendo que dois deles portavam armas de fogo e as exibiam da carroceria do veículo. Foram até o local onde os indígenas se encontram acampados e pela segunda vez rasgaram a cortes de facão as barracas do povo Kaiowá. Apesar de dispararem diversas vezes para amedrontar os indígenas, os Kaiowá resistiram e novamente expulsaram os jagunços que se refugiaram, como da outra vez, no interior da fazenda conhecida como Madama. No sábado, aproximadamente às 14 horas, os mesmos jagunços atearam fogo no gramado dos campos que levam até o acampamento dos indígenas. O fogo alastrou-se com rapidez e acabou por queimar mais quatro barracas do povo Kaiowá. Os indígenas denunciam que a Polícia Federal, chamada diversas vezes ao local, nunca compareceu, mesmo quando, em determinado momento, o órgão teve sua presença solicitada pela própria Justiça Federal.

     

    Para as lideranças, a ligação entre estes diversos ataques e situações não pode ser ignorada ou tratada como um conjunto de problemáticas isoladas. O aumento da violência e dos ataques por parte dos fazendeiros bem como as condições de vulnerabilidade vividas pelas comunidade indígenas são consequências diretas da paralisação das demarcações e funcionam como uma espécie de “política de frente”, enquanto as tentativas de desmontes via caminhos institucionais são promovidos tanto pela bancada ruralista dentro do Congresso Nacional como pelo próprio poder executivo, em especial pela Advocacia Geral da União (AGU).

     

    As lideranças observam que pouco a pouco o cerco vai se fechando e os preceitos que endossam as portarias (como a 303, da AGU), projetos de leis (PL) e projetos de emendas constitucionais (PEC) tornam-se prática política dos setores jurídicos que julgam o desenvolvimento dos processos demarcatórios ou mesmo da permanência dos mesmos junto às suas terras tradicionais. Neste sentido, os princípios de tradicionalidade e demais direitos conquistados junto à Constituição Federal de 1988 vão sendo negados, abrindo precedentes e reforçando a validade na prática das propostas de modificação dos princípios demarcatórios.

     

    Pouco a pouco diversas vozes de diferentes setores jurídicos vão se encontrando e decisões, até então, não vinculantes como as condicionantes da Terra indígena Raposa Serra do Sol passam ser uma jurisprudência quase que mecanicamente aplicada nas mais diversas situações. A decisão por parte da Justiça Federal em decretar a reintegração de posse contra a comunidade de Kurussu Ambá, por exemplo, é baseada em sua essência na interpretação equivocada do marco temporal, que prevê que o reconhecimento do direito dos indígenas a terras que tradicionalmente ocupassem estaria condicionada à sua habitação ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988.

     

    O mesmo Marco Temporal foi utilizado igualmente pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para anular os aspectos de tradicionalidade de uma fazenda garantida pela União como terra de posse imemorial da etnia Kaiowá e Guarani. Trata-se da Terra Indígena Guyrároka. O mais difícil para as lideranças é que, no caso de Guyrároka, o marco temporal foi aplicado de maneira tão arbitrária que nem ao menos a comunidade indígena teve voz dentro do processo. Desta forma, sem a posição dos indígenas, não se conhece a história do local e há uma uniformização das decisões aplicadas a diferentes realidades. Para os representantes da terra indígena em questão, que na semana passada estiveram em Brasília, a decisão parece muito mais um aceite da contestação dos fazendeiros do que uma reflexão e decisão tomada a partir da ciência ampla dos ministros.

     

    A validação de uma interpretação equivocada do marco temporal e as últimas posições de parte do Supremo Tribunal Federal (STF) estão entre os principais motivos da vinda desta comitiva de lideranças Guarani e Kaiowá para Brasília. Sobre o marco temporal, a posição dos indígenas é unânime e pode ser bem compreendida nas palavras da liderança Ava Kaaguy Rete: “A coisa está tão absurda que hoje querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa pelo crime deles. Eles nos levavam de caminhão para Jagua Piru, para Bororó, para todas as reservas. Durante décadas nos expulsaram de nossa terra à força e agora querem dizer que não estávamos lá em 1988 e por isso não podemos acessar nossos territórios? Isso é grave, deveria ser crime”.

     

    Quanto as decisões do STF, Ava Rendy Poty’Ju desabafa: “Os ministros deveriam estar fazendo cumprir a Constituição, garantindo nossos direitos previstos na Constituição e não cedendo à pressão dos ruralistas e nos deixando sem terra. Eles eram nossa última esperança, mas estando deste jeito só nos sobra a retomada de nossos territórios, só resta a nossa luta”.

     

    Estando cansados de sofrer, as lideranças vieram a Brasília para dizer para as autoridades que os Guarani e Kaiowá não tolerarão mais a paralisarão das demarcações e nem aceitarão decisões baseadas em interpretações equivocadas do marco temporal. Se forem estas as posições das autoridades em Brasília, as comunidades indígenas iniciarão imediatamente a retomada de seus territórios.

     

    Para os indígenas não é possível respeitar decisões do STF que venham no sentido contrário aos direitos constitucionais de seus povos. Na opinião do povo Kaiowá e Guarani, parte do STF está anunciando uma guerra contra os povos indígenas, se rendendo às mesmas pressões da bancada ruralista que levou a Presidência da República a atuar no desmonte dos direitos originários. O ponto em que chegou a justiça é tão crítico que parte das lideranças perdeu completamente a crença na esfera jurídica, acreditando que é apenas através da resistência direta que os indígenas terão acesso aos seus territórios tradicionais.  

     Outra reivindicação do povo Kaiowá e Guarani é referente ao abandono dos órgãos responsáveis quanto à segurança dos povos indígenas. Segundo a liderança Ava Jeguaka Rendy’ju, da Terra indígena Kurussu Ambá: “O governo federal tem sido responsável pela morte de nossas lideranças. Nós estamos novamente frente a um genocídio anunciado. Os jagunços andam com armas todos os dias e a Polícia Federal nos abandonou para morrer”. Ava Jeguaka Rendy’ju anuncia que a vinda a Brasília será a ultima tentativa da comunidade de garantir seu direto e a proteção de seu povo evitando os conflitos que já se desenham no horizonte e afirma: “Se a justiça não garantir nosso direito, que prepare muitas cruzes para o nosso Povo, pois ela será culpada por todo sangue que correr. Estamos defendendo o que é nosso e lutando pela vida de nossos filhos e filhas. Não há nada mais justo que isso. Não é apenas Kurussu Ambá, todas as comunidades estão decididas a lutar pelos seus Tekoha até o fim. Ou o governo e a Justiça demarcam nossas terras ou que nos enterrem de vez nelas. Esta é nossa ultima palavra”.

    As lideranças terão uma longa agenda na capital federal e em forma de luta e de reivindicação levarão para cada repartição do STF, Ministério da Justiça (MJ), Congresso e demais instâncias as vozes que não estão sendo escutadas nem dentro dos processos e das decisões da Justiça, nem pelos órgãos do governo. É a voz dos povos originários que clama secularmente por justiça, por dignidade e pelos direitos por eles conquistados, porém nunca cumpridos. Que ouçam suas vozes, pois o novo silêncio do governo significará a necessidade de rompimento do silêncio para milhares de Guarani e Kaiowá por todos os cantos do Mato Grosso do Sul.

     

     

     

           

     

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  • 14/10/2014

    Lideranças Guarani-Kaiowá vão ao STF pedir que sejam ouvidos nas decisões que afetam o reconhecimento de suas terras

     

    Com o objetivo de alertar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre decisões que colocam em risco a ocupação de seu território tradicional, uma delegação de 40 lideranças Guarani-Kaiowá chega a Brasília.

    Diante do genocídio a que estão expostos, os Guarani-Kaiowá buscam diálogo com os ministros e entregarão duas cartas, às 14h, nos gabinetes a fim de tratar da regularização das terras indígenas, ameaças de morte por pistoleiros e ordens de despejo judicial.


    As cartas são da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani Kaiowá) e de Kurusu Ambá, terra reivindicada pelos indígenas. Os indígenas afirmam que não vão mais aguardar promessas e novos prazos e que diante da morosidade das demarcações não vão recuar. Para os Guarani-Kaiowá não há outra opção além de resistir na luta pelo território tradicional.


    Saiba mais: 


    Lideranças Guarani e Kaiowá anunciam “Se a justiça não garantir nosso direito, que prepare muitas cruzes para o nosso povo” 


    Confira aqui a carta de Aty Guasu e aqui a carta de Kurusu Ambá

     

    No caso de Kurusu Ambá, os indígenas reivindicam mais segurança e denunciam os frequentes ataques e ameaças por jagunços, mas reiteram que não sairão da área. Chamada de “faixa de gaza do Brasil” pelo antropólogo, Eduardo Viveiro de Castro, o Mato Grosso do Sul é um dos estados onde o conflito fundiário faz mais vítimas no país, ao todo foram registrados 53 casos de assassinatos em 2013, destes 33 casos foram em MS.


    A delegação é composta por indígenas de nove terras indígenas, (Taquara, Arroio Corá, Guyrá Kambi’y, Guyraroka, Kurussu Ambá, Guaiviry, Laranjeira Nhanderu, Jagua Piru, Mykuréati) e vão aos gabinetes dos ministros a fim de tratar da questão territorial. No caso de Guyraroka, os indígenas pedem a nulidade de uma decisão da 2° Turma da Corte que anula o reconhecimento do Estado à terra ancestral, uma vez que não foram ouvidos durante o processo, o que contraria diversos acordos jurídicos, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Súmula 631¹ do STF que determina a comunidade envolvida ser chamada para discutir o processo quando se trata de direito subjetivo, ou seja, quando a pauta ainda está em disputa.


    O ministro Gilmar Mendes acatou a tese do marco temporal e considerou: se a comunidade não estava na área reivindicada em 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ela não possui o direito de ocupá-la. Os argumentos de Mendes foram acompanhados pela ministra Carmem Lúcia e o ministro Celso de Mello.


    A tese do marco temporal deve ser analisada com cautela sob pena de negar o direito originário e impedir demarcações das terras indígenas em todo o país. Agora, em Brasília, os indígenas pretendem dizer aos ministros o que motiva o grupo a não desistir do território tradicional. O reconhecimento da tradicionalidade da terra reivindicada pelos indígenas é uma parte do procedimento de demarcação do território, o tekoha, terra sagrada para os Guarani Kaiowá.


     

    ¹ “Extinguese-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário”


    Serviço:

    Luana Luizy- Assessoria de Comunicação (Cimi) 8128-57-99

     

    Agenda:

    Terça

    Quarta

    14h- Entrega de carta aos ministros no STF

    17h- Audiência na Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas, Plenário 8, anexo II da Câmara dos Deputados

    14h- Protocolo memorial no STF


     15h30- Coletiva de Imprensa

     

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