• 09/12/2014

    Munduruku, ribeirinhos e pescadores se unem contra Complexo Hidrelétrico do Tapajós

    “Me disseram que o leilão da primeira usina ficou para o ano que vem, mas não consultaram a gente”, diz cacique Juarez Saw Munduruku. O ribeirinho Francisco Firmino, mais conhecido como Chico Caititu, reage: “Onça não avisa não quando ataca. A gente sabe quando ela está por perto pela catinga forte da danada”. Convencidos das manobras do governo federal para erguer sete usinas no rio Tapajós e em um de seus afluentes, o Jamanxim, ribeirinhos e indígenas fortalecem a cada dia uma aliança contra o projeto, que compõe o complexo hidrelétrico. A eles se unem ainda trabalhadores e trabalhadoras, pastorais, organizações ambientais, coletivos e movimentos sociais de Belém, Altamira, Santarém, Itaituba e Jacareacanga. O Pará e a Amazônia estão mais uma vez na alça de mira de empreendimentos megalomaníacos, tão grandes quanto as violações aos direitos humanos e da natureza que proporcionam.

    Durante as últimas semanas, mobilizações contrárias ao complexo hidrelétrico se intensificaram. Os munduruku realizam a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, que deverá ser inundada pelas usinas, e ocuparam ainda a sede da Funai de Itaituba. O Greenpeace, em parceria com os indígenas, divulgou ao mundo um protesto pedindo o Tapajós Livre.

    Leia mais: Povo Munduruku ocupa sede da Funai de Itaituba para exigir a demarcação da TI Sawré Muybu

    Nos programas televisivos e radiofônicos regionais, o assunto é alvo de matérias e comentários. “Muita gente me procura e pergunta se essas usinas realmente serão uma coisa boa. Quem tem parentes ou anda por Altamira sabe que não. Belo Monte foi um desastre para a cidade. Nos municípios do Tapajós não será diferente, num maior ou menor grau”, explica padre Edilberto Sena, integrante do movimento Tapajós Vivo. Morando em Santarém, o religioso está convicto de que com as usinas se intensificará a entrada de mais mineradoras, latifúndios e madeireiras na floresta afetando de forma contundente as populações tradicionais. Não se trata, portanto, apenas de gerar energia. “Existe uma luta história aqui, que vem desde a Cabanagem (1). Precisamos reviver estas alianças e resistir”, defende. 

    No final do mês de novembro, esta aliança promoveu uma caravana de barcos rumo à comunidade de São Luiz do Tapajós, às margens do rio e próxima a Itaituba. No local pediram um Tapajós Livre de barragens. O governo pretende erguer a primeira usina do complexo, de mesmo nome do povoado ribeirinho, pouco acima da comunidade. O leilão a que se referiu cacique Juarez será para tal usina. “A Amazônia está morrendo de inanição. Suas veias e vísceras estão abertas. Os povos estão sendo pisados. Deixaram o papel de sujeitos da história para dar lugar aos grandes empreendimentos. Não podemos ficar parados. Somos guardiões e não donos da floresta”, afirma o Bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Kräutler durante ato político da caravana. Para o bispo, há quase meio século no Xingu, não resta alternativa: é preciso resistir.

    “Eu acuso o governo de desrespeitar e passar por cima da gente, tratando os povos da Amazônia como uma categoria rebaixada de pessoas. Aqui pretendem explorar à exaustão os recursos naturais como se fosse um quintal, uma província do próprio país. Primeiro foi a expansão da fronteira agrícola, depois de retirada da madeira, a extração de minérios e agora a questão energética. Nunca isso foi bom para o povo daqui”, ataca Kräutler. Companheira de lutas do bispo no Xingu, Antônia Melo, principal referência do movimento Xingu Vivo Para Sempre, lembrou, em carta endereçada ao encontro, que a UHE Belo Monte só levou desgraça à população de Altamira, nenhuma comunidade foi consultada e as promessas do governo federal não se concretizaram. A tendência da novela se repetir no Tapajós é grande.

    Antes do monstrengo começar a ser erguido no Xingu, o ministro da Presidência da República Gilberto Carvalho afirmou que o governo não abriria mão de Belo Monte, mas que não repetiria os mesmos erros apresentados nas construções das barragens de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO). Conforme o ministro, o Estado chegaria antes.

    Leia mais:Governo não abre mão de Belo Monte, diz ministro  

    Recentemente, também em entrevista à imprensa, Carvalho disse que o governo não abrirá mão do complexo de usinas no Tapajós, mas que não será cometido os mesmos erros de Belo Monte, repetindo o discurso: o Estado chegará antes.

    Leia mais: Não abriremos mão de construir Tapajós, diz ministro 

    “Dizer que isso é fato consumado viola o direito dessas populações tradicionais e viola o próprio processo de consulta prévia. É também um desrespeito à própria Justiça, pois a decisão judicial determina a consulta prévia, e queremos que ela seja feita de forma verdadeira”, afirma o Procurador da República no Pará, Felício Pontes. O procurador lembrou ainda do assassinato de Adenilson Kirixi Munduruku, em 2012, durante operação da Polícia Federal. Um delegado atirou nas pernas do indígena e depois na nuca, de acordo com exame cadavérico realizado a pedido do Ministério Público Federal (MPF): “Adenilson foi executado e execução é assassinato”, diz Pontes.  

    Conforme trecho do manifesto da caravana (leia na íntegra abaixo), “(…) Para essas absurdas obras o governo federal falsifica diálogos, violenta a constituição nacional (como foi a dita desafetação de 10 mil hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, feita por medida provisória), a ausência de consultas prévias e audiências púbicas de faz de conta. Nos momentos em que o povo Munduruku manifestou resistência, o governo enviou 200 militares da Força Nacional, armados de metralhadoras e helicópteros numa demonstração, sem rodeios, da ditadura do governo dito democrático”.  

     Assista ao vídeo da ação em São Luiz do Tapajós


    MANIFESTO CONTRA AS HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: ESTE RIO É NOSSA VIDA NINGUÉM TEM DIREITO DE VIOLENTÁ-LO

    Movimento Tapajós Vivo e Pastoral Social da Diocese de Santarém

    A bacia hidrográfica da Amazônia (do Rio Tapajós) é um dom de Deus e da mãe natureza. É patrimônio do povo. Nossos antepassados cuidaram dela, usufruíram dela e sempre a preservaram. A mãe natureza tem sido generosa com todos que dela precisam. O Rio Tapajós, por exemplo, é estrada, cozinha, banheiro e beleza para todos que o procuram com bons modos.

    Infelizmente nos últimos 70 anos começou uma onda de violências tanto aos Grandes Rios, como às florestas de seu entorno e a seus povos tradicionais. Aqui na bacia do Tapajós primeiro foram os garimpos de ouro, com os desmanches de barrancos, suas corruptelas e derrame de mercúrio venenoso; em seguida vieram as balsas com seus mergulhadores e, mais recente, chegaram as dragas, verdadeiros dragões que violentam intensamente o belo Tapajós, prejudicam os ribeirinhos e também o povo Munduruku. O Tapajós que já foi azul e transparente hoje está barrento e sujo. Poluído e envenenado.

    Mais grave do que as violências dos garimpos, chega o chamado, pelo governo federal, Complexo Tapajós. Um conjunto destruidor de sete mega barragens, sendo a primeira com 36 metros de altura e sete quilômetros de extensão a barragem de São Luiz do Tapajós. Mas não só, o tal complexo Tapajós inclui 12 barragens no Rio Juruena e quatro barragens no Rio Teles Pires, ambos no Mato Grosso, mas estes formam as nascentes do rio Tapajós.

    Para essas absurdas obras o governo federal falsifica diálogos, violenta a constituição nacional (como foi a dita desafetação de 10 mil hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, feito por medida provisória), a ausência de consultas prévias e audiências púbicas de faz de conta. Nos momentos em que o povo Munduruku manifestou resistência, o governo enviou 200 militares da Força Nacional, armados de metralhadoras e helicópteros numa demonstração, sem rodeios, da ditadura do governo dito democrático. Como a presidente já afirmou uma vez – “o que tem que ser feito será feito, doa a quem doer”. Na Amazônia, os que se dizem “representantes do povo” ignoram os 30 milhões de habitantes que aqui vivem: ribeirinhos, indígenas, quilombolas, migrantes, moradores de periferias das cidades. Estes são tidos apenas obstáculos ao crescimento do Brasil. Para eles interessa a Amazônia dos minérios, das madeiras, do agronegócio e dos rios com potência para gerar energia hidroelétrica. Isto não ético, não é lícito e é imoral.

    Por tudo isso, nós participantes desta ação político-religiosa realizada exatamente na região onde o governo pretende levantar a barragem São Luiz, trazemos as vozes de todos os habitantes que poderão ser altamente prejudicados e que não puderam estar aqui neste momento. Em nome de todos e todas, denunciamos ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional, denunciamos à Organização das Nações Unidas, (ONU) à Organização dos Estados Americanos, (OEA) à União das Nações da América do Sul, (UNASUL) à Organização Internacional do trabalho (OIT) esses crimes hediondos programados contra os povos da Amazônia e em especial aos povos tradicionais da bacia do rio Tapajós.

    Exigimos do governo brasileiro, respeito aos nossos direitos humanos, respeito à Mãe Natureza, respeito à Constituição Nacional e respeito ao nosso Rio Tapajós. Pare com essas hidroelétricas destruidoras de nossas vidas.

    Não aceitamos tais violências e vamos resistir unidos: Povo Munduruku, Ribeirinhos, pescadores, Moradores das comunidades ameaçadas e moradores das cidades servidas pelo belo rio Tapajós. Conosco vários aliados que mesmo não vivendo aqui na região, são solidários e defensores dos direitos humanos de todos os povos.

    Subscrevem este manifesto o Movimento Tapajós Vivo e a Pastoral Social da Diocese de Santarém

    (1)   Cabanagem: revolta social ocorrida entre 1835 e 1840, durante o Império, quando indígenas e negro tomaram o poder do então chamado Grão-Pará

     

      

           

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  • 08/12/2014

    Indigenas Memortunré Canela morrem por falta de assistência à saúde

    Seis pessoas do povo Memortunré Canela, no Maranhão, morreram em novembro com o vírus Influenza A, H1N1. Destas, quatro eram crianças. A epidemia apresenta sinais desde julho deste ano, mas não foi realizado nenhum trabalho preventivo ou de tratamento entre a comunidade.

    Outras duas pessoas apresentam sintomas de tuberculose. É necessário realizar exames de busca ativa para constatar a suspeita ou identificar outros casos de doenças que podem contribuir no agravamento da situação.

    Os indígenas Memortunré Canela estiveram reunidos em meados de novembro em Brasília com Daniel, chefe do gabinete de Antônio Alves, atual secretário da Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai). Na ocasião eles já denunciavam a situação de descaso no atendimento à saúde junto aos Memortunré Canela.

    Já foram realizadas várias reuniões para tentar solucionar o problema que atinge o povo, mas sem sucesso. Portanto, para que o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) no Maranhão possa realizar um trabalho com mais consistência faz-se necessário perder vidas.

    Memortunré Canela

    Os mais de dois mil indígenas Memortunré vivem em uma área de 125.212 hectares, transição entre floresta amazônica e o cerrado, a 8 km do município de Fernando Falcão, centro-sul e centro-oeste Maranhense. Sua aldeia tem o formato circular e tudo que eles conseguem é partilhado entre a comunidade. Pertencem à família linguística Jê, vinculada ao Tronco Macro-Jê.

    O povo Memortunré Canela é hospitaleiro, amigo e muito cuidadoso com os membros de sua comunidade. Essas características têm impulsionado os indígenas a lutar contra a precariedade na assistência à saúde, realidade que há tempo o povo denuncia.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

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  • 08/12/2014

    Contra a derrubada de árvores, grupo Kaiowá retoma área de território tradicional no MS

    Cansados da exploração da terra tradicional reivindicada, o tekoha Tey Juçu, pela usina sucroalcooleira Nova América, um grupo Kaiowá composto por aproximadamente 300 pessoas, mais de 100 famílias, retomou na madrugada de domingo, dia 7, mais uma pequena parte deste território indígena no Mato Grosso do Sul. A derrubada gradativa do que restou de mata no local foi o estopim que levou os Kaiowá a tomar a decisão de retomar a área. Até então estes Kaiowá se encontravam na aldeia Tey Kue, localizada junto ao município de Caarapó.

    A paralisação das demarcações é sem dúvida um jogo lucrativo para as empresas que há décadas exploram de forma exaustiva os territórios indígenas. No Mato Grosso do Sul, enquanto os procedimentos demarcatórios seguem parados ou sendo eternamente analisados, os poucos recursos naturais que sobreviveram há anos de esbulho vão sumindo no horizonte. Pouco a pouco, a céu aberto e sem nenhuma vergonha, o mato e os vales sagrados dos territórios ancestralmente ocupados pelos povos originários vão se transformando em monótonos e danosos campos de monocultura e de devastação. Este cenário é comumente atrelado ao país que produz e se desenvolve, enquanto as áreas que sobraram de mata, no geral ocupadas pelos indígenas, são retratadas como símbolos do atraso.

    Os indígenas há muito vêm denunciando que a usina Nova América, apesar de estar fora do território indígena, utilizava a área em estudo para estender sua plantação de cana de açúcar. Por isso, de maneira desleal, derruba as árvores e os recursos naturais lá existentes. Com nome “Tey Juçu” (aquilo que sempre foi), a área pertence à totalidade da Tekoha Guaçu (grande território) que se estende para além da aldeia de Tey Kue e historicamente foi e ainda é habitado por diversos grupos Guarani e Kaiowá. Hoje os fazendeiros a chamam de “fazenda toca do jacaré”.

    A presença da usina nesta área é considerada uma afronta pelos indígenas que até então esperavam pacificamente pela continuidade dos procedimentos de demarcação. Os Kaiowá denunciam que o relatório já foi finalizado pelo antropólogo responsável e se encontra em fase de finalização na Coordenação. Geral de Identificação e Delimitação Cegid), da FUNAI. Porém, os estudos se encontram paralisados exclusivamente por decisão política do governo federal. 

    Os indígenas decidiram ocupar o território durante a madrugada, evitando assim qualquer possibilidade de conflito. Porém, alegações dos fazendeiros locais de que “os paraguaios estariam chegando para limpar a bagunça” e uma tentativa de atropelamento de um indígena numa motocicleta por uma caminhonete Hilux gerou um clima de indignação e revolta no local. Por sorte o indígena conseguiu pular da motocicleta e passa bem.   

    Os Kaiowá reiteram que não deixarão o local e que não assistirão de braços cruzados sua terra ancestral ser usurpada pela usina. Desta forma decidiram esperar pela finalização dos estudos sobre o território de Tey Juçu. A chegada de mais de 600 indígenas oriundos historicamente deste território é esperada pelo grupo Kaiowá, nos próximos dias. O grupo pede que seja providenciada a imediata proteção da comunidade por parte dos órgãos responsáveis; fazendeiros e capangas seguem fazendo ameaças.  

     

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  • 08/12/2014

    Lideranças Matsés voltam a repudiar exploração de petróleo em seu território

    Durante a V Reunião Binacional Matsés Brasil – Peru, entre os dias 8 e 10 de novembro, as lideranças Matsés reunidas voltaram a repudiar a atividade petroleira no território Matsés e de povos isolados que habitam a região do rio Jaquirana, na fronteira entre Brasil – Peru. A reunião ocorreu na aldeia peruana Santa Rosa, rio Chobayacu e, além das organizações indígenas Matsés, contou com a presença de representantes governamentais e não-governamentais do Brasil e do Peru.

    Organizada pela Comunidad Nativa Matsés (CNM) e pela Organização Geral Mayuruna (OGM), com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e da Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente (ORPIO/AIDESEP), a reunião consolida uma série de encontros periódicos realizados anualmente para fortalecer os vínculos entre o povo Matsés, que vive nos dois lados da fronteira, e as alianças estratégicas com parceiros para a proteção do território tradicional Matsés.

    “Nós somos o povo Matsés, não estamos separados por países. Não estamos vivendo nem no Brasil nem no Peru, estamos vivendo na nossa terra”, reforça Raimundo Mëan Mayuruna, liderança da aldeia Soles e presidente da OGM.

    O território ancestral do povo Matsés é reconhecido administrativamente pela Terra Indígena (TI) Vale do Javari no lado brasileiro e pela Comunidad Nativa Matsés no lado peruano da fronteira. É também considerado território ancestral Matsés a área protegida pela Reserva Nacional Matsés e pela porção oriental da Zona Reservada Sierra del Divisor, ambas no lado peruano.

    O principal tema tratado nas reuniões tem sido a exploração petroleira sobre o território do povo Matsés e de povos indígenas isolados que habitam a região do rio Jaquirana (Veja Nota técnica sobre a presença de índios isolados na região do alto rio Jaquirana) Os Matsés entendem que os impactos trazidos por este tipo de exploração afetam a integridade territorial e o bem-estar de seu povo e dos povos indígenas isolados nos dois lados da fronteira. 

    “Nós já nos decidimos, não queremos a presença das petroleiras em nosso território. Devemos seguir lutando pelos nossos filhos e pela nossa terra. E não importa se morremos lutando”, diz com firmeza Cesar Nacuá Uaqui, liderança da aldeia Buenas Lomas Nueva.

    No lado brasileiro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fomenta a exploração de hidrocarbonetos em região próxima ao limite sul da TI Vale do Javari. A ANP concessionou o lote AC-T-8 à Petrobrás, em meio a uma série de irregularidades administrativas e legais e sem o consentimento prévio dos povos indígenas da região (Veja "Agência Nacional de Petróleo despreza normas, procedimentos e direitos estabelecidos") .

    Já no lado peruano, dois lotes concedidos pelo governo do Peru à empresa petroleira Pacific Rubiales (lotes 135 e 137) se sobrepõem ao território ancestral Matsés e ao território de povos indígenas isolados.

    A Pacific Rubiales realizou atividades sísmicas no lote 135 e o processo de reconhecimento oficial do território de povos isolados que habitam a região, através do estabelecimento da Reserva Indígena Tapiche-Blanco-Yaquerana e da Yavarí-Mirim, encontra-se paralisado. Os Matsés pressionam o governo peruano pelo reconhecimento destes territórios para evitar que a atividade petroleira e madeireira afete a biodiversidade local e os povos indígenas da região (Carta das organizações indígenas para o Ministério da Cultura Peruano).

    Além da temática do petróleo, a reunião abordou questões referentes à proteção e monitoramento territorial e ao atendimento à saúde. Os Matsés pedem aos órgãos responsáveis dos dois países ações coordenadas de fiscalização do rio Jaquirana, bem como apoio no monitoramento de todo seu território.

    As principais propostas e demandas relacionadas a estes temas foram reunidas em um documento final (Veja aqui) dirigido às autoridades de ambos os países.

    DOCUMENTO FINAL DA V REUNIÃO BINACIONAL MATSÉS PERÚ-BRASIL

    Os dirigentes e representantes do Povo Matsés, organizações governamentais e da sociedade civil do Peru e do Brasil presentes na V Reunião Binacional Matsés Peru-Brasil, realizada no Anexo Santa Rosa da Comunidade Nativa Matsés, localizada no igarapé Chobayacu, distrito de Yaquerana, Peru, durante os dias 8 a 10 de novembro de 2014, tornam público o seguinte pronunciamento em relação aos principais temas tratados nesta reunião, que afetam a integridade territorial e o bem estar do povo Matsés e dos indígenas em isolamento voluntário em ambos os lados da fronteira:

    HIDROCARBONETOS

    I. O povo Matsés reafirma a decisão de rechaçar qualquer atividade petroleira e todo tipo de mineração dentro de seu território em ambos países que compreende toda a bacia hidrográfica do rio Jaquirana, incluindo a Reserva Nacional Matsés e as propostas de Reserva Territorial Tapiche Blanco-Yaquerana e Yavarí-Mirim, que buscam garantir a integridade física, sociocultural, organizativa e territorial dos povos indígenas em isolamento voluntário, e são parte do território ancestral do povo Matsés. A esse respeito, os antecedentes de grave contaminação ambiental e social perpetrados pela atividade petroleira, a escassa vontade de remediar os danos ambientais e a persistência do uso de práticas que contaminam reforçaram a decisão unânime deste povo. Assim, exigimos que as autoridades dos governos locais, regionais e nacionais dos dois países respeitem nossa decisão.

    II. Solicitamos o apoio das organizações indígenas, colaboradores, meios de comunicação, acadêmicos e outros membros da sociedade civil peruana, brasileira e internacional para difundir em seus respectivos países a decisão do povo Matsés de rechaço total a qualquer forma de atuação das empresas que têm contratos de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos nos lotes 135 e 137 concedidos pelo governo do Peru.

    III. Perante o fato do Povo Matsés não haver sido consultado previamente, de acordo com o Convênio 169 da OIT, com relação às atividades de empresas do setor de hidrocarbonetos nos lotes 135 e 137 no Peru, será levado adiante um processo internacional contra os entes responsáveis perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o apoio da organização indígena AIDESEP.

    IV. O povo Matsés não aceita nenhuma reunião com pessoas individuais que promovam atividades relacionadas com hidrocarbonetos na zona em questão e pede que se respeite os acordos definidos nesta reunião Binacional.

    V. Perante a solicitação de reunião feita pela Perupetro ao povo Matsés para tratar da pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, se aceita a solicitação para apresentarmos diretamente a decisão do povo Matsés. O povo Matsés pede a presença nesta reunião de meios de comunicação e outros atores da sociedade civil.

    VI. O povo Matsés reafirma a presença de indígenas em isolamento voluntário na região do alto Javari e Jaquirana, sobretudo nos lotes petroleiros 135 e 137, baseado nos recentes estudos realizados pela AIDESEP (Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana) e pela FUNAI (Fundação Nacional do índio), e exige que o Viceministerio de Interculturalidad do Peru reconheça oficialmente a Reserva Territorial Tapiche Blanco- Yaquerana e a Reserva Territorial Yavarí-Mirim.

    VII. Com a evidência da presença de povos em isolamento voluntário nos lotes 135 e 137, exigimos a imediata interrupção de toda atividade petroleira nestas áreas, por ser uma ameaça que torna vulnerável esse território e por conseguinte a vida dos povos indígenas em isolamento voluntário.

    VIII. Demandamos que se divulgue os estudos sobre a localização de indígenas em isolamento voluntário realizados por AIDESEP e FUNAI para as instituições privadas e estatais competentes a respeito deste tema, de ambos os países.

    CONTROLE TERRITORIAL (VIGILÂNCIA E MONITORAMENTO)

    IX. Exigimos que a Marinha de Guerra do Peru, o Exército Brasileiro, a Polícia Federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o Governo Regional de Loreto e o Serviço Nacional de Áreas Naturales Protegidas – SERNANP, no âmbito de sua respectiva competência, e inclusive de maneira coordenada, realizem ações de fiscalização e monitoramento do rio Jaquirana.

    X. O povo Matsés reafirma o pedido de apoio aos órgãos governamentais de ambos os países para a realização de ações de vigilância e monitoramento de seu território com o acompanhamento da Comunidade Nativa Matsés e da Organização Geral Mayoruna (OGM).

    SAÚDE

    XI. O povo Matsés reafirma o quadro inaceitável de saúde de suas comunidades, com a incidência de diversas endemias e outras doenças (hepatite, malária, filariose, tuberculose, entre outras), que continua provocando mortes e complicações de saúde.

    XII. Para garantir a saúde do povo Matsés exigimos a capacitação de promotores de saúde e agentes de saúde indígenas para oferecerem uma atenção continuada e apropriada ao povo Matsés.

    XIII. Reiteramos a urgente necessidade de se realizar uma reunião entre os órgãos e instituições do Peru e Brasil que atuam na bacia do rio Javari para definir uma estratégia de ação conjunta e integrada, com o objetivo de enfrentar a problemática do setor de saúde que afeta o povo Matsés.

    IDENTIDADE

    XIV. 0 povo Matsés exige que a REIMIEC (Registro Nacional de Identificación y Estado Civil) do Peru realize o registro dos nomes de seus filhos de acordo com o costume Matsés, por tratar-se de um direito à identidade e ao nome próprio.

    XV. Solicitamos que a AIDESEP, ORPIO, CEDIA e outras organizações promovam ações orientadas para resolver o problema gerado pelo RENIEC que afeta nossa identidade e consequentemente prejudica o exercício de direitos fundamentais como educação e saúde pública.

    Comunidade Nativa Matsés – Anexo Santa Rosa, 10 de novembro de 2014

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  • 08/12/2014

    Mineração – buracos de morte

    Camuflar atividades destrutivas e mortíferas com discursos de progresso não mais se sustenta. Os mais de 200 conflitos das mineradoras com comunidades na América Latina são um exemplo claro da resistência aos projetos de mineração. A secular exploração que vitimou milhões de pessoas, especialmente nativos, indígenas no continente, de forma perversa, iníqua e impune, está agora diante de crescente resistência e oposição aos projetos de morte implantados pelas empresas multinacionais.

    Esta é uma das constatações feitas no 2° Encontro de “Igrejas e Mineração”, que se realizou essa semana em Brasília. Apesar de estar em curso um incremento da atividade de mineração motivada pela elevação dos preços das commodities em que se transformaram os minérios e com o apoio dos Estados nacionais, os “buracos de morte e destruição” começam a aumentar em quase todos os países do continente. Mais de 60% das grandes mineradoras são Canadenses. Também surgem neste cenário, com grande voracidade, empresas mineradoras chinesas e japonesas.

    “Epidemia de resistência”

    O seminário Igrejas e Mineração é uma articulação promissora de religiosos (as), leigos e leigas, igrejas, movimentos de pessoas que fizeram uma opção em defesa das comunidades e territórios, motivados pela fé que os unem numa mística e pela espiritualidade que brota de sua presença e compromisso com os atingidos pela mineração. Através da denúncia profética e do testemunho buscam construir espaços de resistência e solidariedade, caminhos de esperança e bem viver.

    Favorecer os intercâmbios, as trocas de experiências, através de visitas, encontros e celebrações, são formas de ampliar a resistência, construir alianças e articular estratégias de enfrentamento com as atividades mortíferas do atual modelo de exploração mineral. Foi denunciado a corrupção e cooptação praticadas por empresas de mineração no intuito de quebrar a oposição das comunidades, criminalizando e espalhando o terror e violência nos territórios, especialmente dos povos indígenas, originários.

    O Encontro, que contou com quase 100 pessoas de 13 países, foi um momento forte de celebração dos mártires e serviu também para alimentar a esperança de que uma outra América Latina, plural e justa, é possível e urgente.

    O genocídio Waimiri Atroari

    Esteve também no encontro o primeiro secretário do Cimi, Egydio Schwade, que fez a denúncia da ação genocida da empreiteira e mineradora Paranapanema junto ao povo Waimiri Atroari.  Essa realidade está registrada e fartamente documentada no livro “Ditadura militar e o genocídio do povo Waimiri/Atroari”, resultado da convivência e décadas de pesquisa, feita por Egydio, sua família e aliados. Dois dias antes fez o lançamento no Congresso Nacional, numa sessão especial da Comissão de Direitos Humanos.

    Em seu depoimento, falou da estratégia do Estado a serviço dos grandes interesses  nacionais e multinacionais, que inclusive resultaram na expulsão de sua família da área indígena, bem como de outros missionários do Cimi. “Os Waimiri Atroari são o povo que sem dúvida mais sofreu nos últimos 200 anos. Só no período da construção da estrada BR 174 que ligou Manaus a Boa vista, entre 1967 a 1977, mais de 2000 pessoas desse povo foram mortas por armas, bombas e epidemias”.  A estrada não foi feita para beneficiar a população do Amazonas e Roraima, mas para acolher os pleitos da mineradora Paranapanema, desabafou. Tanto é assim que o então presidente da ditadura militar, João Figueiredo, desmembrou em 1981 grande parte da terra indígena para doar à mineradora.

    Infelizmente o povo Waimiri/Atroari ainda se encontra num grande cerco de isolamento, organizado por empresas e programas.  Romper esse silenciamento, esclarecer o genocídio e punir os responsáveis faz parte dos objetivos dessa publicação, que foi entregue para a Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório será entregue à presidenta Dilma nos próximos dias.

    Índios do Tocantins denunciam Kátia Abreu

    Numa semana de intensa mobilização nos espaços do poder em Brasília, uma delegação indígena representando vários povos do Tocantins denunciou várias vezes as ações e posturas anti-indígenas da senadora Kátia Abreu e disseram à presidente Dilma que não a nomeasse como ministra da Agricultura, pois isso significaria uma afronta aos povos indígenas, populações tradicionais e aos pequenos agricultores e sem terra. Como sinal dessa indignação, afiaram e atiraram  suas flechas contra essas figuras, em frente ao Palácio do Planalto. No último dia de suas mobilizações, na sexta-feira (5) estiveram na Confederação Nacional da Agricultura (CNA), protestando contra a política de favorecimento do agronegócio, em suas ações de violência contra a natureza e as populações que resistem a esses projetos.

    Na conclusão de suas atividades, fizeram uma visita aos participantes da rede de Educação Cidadã, onde se encontra Frei Beto e aos participantes do encontro internacional ‘Igrejas e mineração’. Agradeceram pelo apoio que manifestaram aos povos indígenas do Brasil em sua heróica luta contra a Proposta de Emenda à Constituição 215/00 e o Projeto de Lei 16 10, ambos ameaçadores dos territórios e vidas dos povos indígenas.

    Egon Heck, Secretariado Nacional do Cimi, Brasília, 6 de dezembro de 2014

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  • 08/12/2014

    A última fronteira do capital?

    Patrícia Bonilha,

    de Brasília

    “Um modelo ainda mais predatório e perverso de sociedade, que mercantiliza a natureza em benefício das minorias historicamente privilegiadas, aprofundando drasticamente a desigualdade social e impactando, especialmente, os povos e as comunidades tradicionais”. Esta talvez seja uma das definições mais sintéticas possíveis para expressar a proposta da economia “verde”, a partir de uma perspectiva de quem não privilegia o lucro acima da própria vida.

    Criado recentemente, o conceito de economia “verde” tem como um de seus objetivos principais mascarar de “sustentável” esta grave ofensiva sobre a natureza, os povos e as comunidades tradicionais – que sempre viveram harmoniosamente com e da natureza -, e sobre os seus territórios – justamente onde está concentrada a maior parte dos bens comuns: água, terra, ar, florestas, biodiversidade, etc.

    Esse mascaramento é feito a partir de verdadeiros chavões publicitários e ilusórios, como “neutro em carbono”, “responsabilidade socioambiental”, “compensação de emissões”, “certificação internacional”, “florestal” e “ecológico”, dentre outros. Com este propósito de ocultar a verdadeira prática, os envolvidos na implementação dos projetos que mercantilizam a natureza ainda afirmam que são aplicadas metodologias que garantem a “participação dos povos e transparência em todo o processo”.

    Nesse sentido, o de valorizar uma economia verde, caminha o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Segundo esta instituição, esta economia promove a melhoria do bem-estar humano e da igualdade, e, ao mesmo tempo, reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica. Desse modo, seus focos seriam a redução das emissões de carbono, o uso eficiente de recursos naturais e a inclusão social.

    No entanto, quando a economia verde é colocada em prática, geralmente em um processo “de cima para baixo”, a realidade é totalmente oposta da descrita pelo Pnuma. Alguns exemplos são as seguintes situações vividas pelos povos:

    • Comunidades são iludidas com falsas promessas de emprego e de recursos financeiros para aceitarem os projetos em seus territórios;
    • Sem a autonomia e o controle sobre o território, os povos não podem mais exercer o modo tradicional de vida: pescar, caçar, fazer o roçado, coletar material, frutos, plantas para o artesanato, a medicina e até mesmo para comerem (o que ameaça a própria soberania alimentar);
    • Em outros casos, comunidades e povos são expulsos de seus territórios tradicionais (muitas vezes através do uso de força policial armada), as plantações são destruídas, os animais mortos, as casas são destruídas; violência física, diretamente contra as pessoas, também já ocorreu em alguns casos;
    • Se não cumprem as regras impostas pelo projeto, os comunitários passam a ser ameaçados e criminalizados;
    • Os conflitos e as divisões aumentam expressivamente dentro da própria comunidade;
    • A luta pela garantia da demarcação ou posse do território é relegada;
    • O problema do desmatamento e das emissões de gás carbônico não é solucionado.

     

    O porquê da economia verde

    O primeiro motivo que vem à cabeça quando se tenta entender a motivação de tamanho investimento em falsas soluções para a destruição do meio ambiente e a desigualdade social é a total falta de interesse em mudar, de fato, as reais causas desses problemas, ou seja do atual modelo industrial de produção e consumo hegemônico. Por dissociar a sociedade da natureza e não concebê-la como ser vivo, mas apenas como fonte de recursos para a exploração e obtenção de lucro, este modelo é o responsável direto tanto pelas altas emissões de gás carbônico como pelo esgotamento de outros bens naturais, como a água, o petróleo e as florestas, dentre outros.

    No entanto, a intenção dos setores industriais e do sistema financeiro é a de que seus lucros continuem crescendo infinitamente, não importando as consequências dessa sanha capitalista. Isso faz com que insistam nas mesmas receitas de sempre como, por exemplo, o investimento em tecnologias antigas e mais baratas (a curto prazo), dependentes do carvão e de combustíveis fósseis. Importante ressaltar aqui que de nada adianta investir em novas tecnologias, como a energia solar ou eólica, dentro da mesma lógica oportunista. É preciso mudar, de fato, o próprio modelo “de desenvolvimento”.

    E é justamente a possibilidade de transferir a responsabilidade sobre os graves impactos e consequências desse modelo de sociedade para povos e países que não têm nenhum envolvimento com esta situação limite de destruição/altas emissões a segunda motivação para a efetivação de mecanismos de economia verde.

    O testemunho do uganês Yutuko Kimaleni, do povo Bagisu, expulso, em 1992, de sua terra tradicional devido a um acordo, de 99 anos, entre a associação holandesa dos produtores de eletricidade com o governo de Uganda, explicita a perversidade desta proposta. “Se vocês constroem fábricas, os vossos cientistas devem calcular o impacto que elas causarão no clima. Com tanta indústria se faz muita poluição. Se teremos de compartilhar as consequências disso, aconselhamos os holandeses que fechem algumas fábricas e que plantem árvores. Não aqui, onde não temos indústrias. A Holanda que arranje uma solução própria se tem problemas com sua indústria. Mas não podem vir aqui punir as pessoas plantando árvores para compensarem a poluição de lá. Isso é colonialismo. E nós, aqui na Uganda, pensávamos que o colonialismo tinha acabado”, denunciou no documentário CO2 Álibi, produzido pela tevê holandesa Zembla. Cabe ressaltar ainda que um holandês emitia, na época em que o acordo foi firmado, 130 vezes mais emissões que um uganês.

    No Brasil, o projeto Carbono Florestal Suruí é um exemplo emblemático da transferência de responsabilidade pelas emissões feitas por uma empresa poluidora para um povo indígena que vive na Amazônia e nada tem a ver com estas emissões (saiba mais nas páginas 8 a 11).

    A descoberta da possibilidade de capitalizar ainda mais com esta situação limítrofe e caótica do atual desenvolvimento da humanidade no planeta pode ser considerada como um terceiro – e essencial – estímulo para os mercenários da natureza de plantão. Mesmo sendo óbvio que os bens naturais não são ilimitados, preferem evitar as soluções reais e inventam novos mitos de mercado baseados no fato, por exemplo, de que pode-se utilizar quanta energia e poluir o quanto quiser que tudo será compensado. O que é falso.

     

    A solução já existe

    Segundo estudiosos, militantes, organizações e movimentos sociais, só há uma maneira de conservar o ambiente natural: ter menos desenvolvimento, menos indústria, menos aviação, reduzir o uso de combustíveis fósseis, mudar o sistema de mobilidade, a construção e o funcionamento das casas e, muito importante, a própria dieta, que hoje, na maior parte das cidades, é baseada em produtos industrializados e na carne.

    E, ironicamente, este é exatamente o modo como vivem os povos indígenas e as comunidades tradicionais para quem os mentores e defensores do mercado “verde” já enviam a conta dos seus débitos históricos, ecológicos, sociais e econômicos, resultado dos gastos e excessos que vêm cometendo nos últimos séculos com o propósito de “desenvolverem-se”. É como se a história colonial estivesse sendo atualizada a partir de uma lógica ultra neoliberal.

    Outro dado relevante é que divulga-se reiteradamente, na mídia por exemplo, a possibilidade da humanidade vir a sofrer drasticamente as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas, a ponto até mesmo de ser considerada a sua extinção. No entanto, pouco se debate sobre o fim do capitalismo e a substituição do seu agressivo modus operandi por um outro sistema social, fraterno, solidário e em harmonia com os outros seres e as diferentes formas de vida do planeta.

     

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  • 05/12/2014

    Encontro latino-americano “Igrejas e Mineração” repudia PEC 215

    Em moção, organizações da sociedade civil, leigos, leigas, religiosos e religiosas de toda a América Latina repudiam as medidas legislativas que colocam em risco a vida dos povos tradicionais e originários do Brasil em tramitação no Congresso Nacional. A PEC 215, a PL que regulamenta o art. 231 e o PL 1610 da mineração favorece interesses privados em detrimento dos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Facilitando a exploração e invasão dos territórios.

    Confira na íntegra, o documento:

     

    Somos em torno de 100 pessoas de 13 países de toda a América Latina, partilhamos as experiências e lutas relacionadas à exploração mineral no continente. Celebramos os mártires e solidariamente apoiamos as resistências aos projetos de morte. Cantamos a vida ampliando os fios de esperança de milhões de atingidos pelos projetos de mineração no continente.  Estamos realizando o encontro sobre Igrejas e mineração, no Centro Cultural de Brasília, de 2 a 5 de dezembro.

    A menos de dois quilômetros daqui, no Congresso, deputados e senadores tem em sua pauta projetos extremamente nocivos e ameaçadores aos direitos dos povos indígenas, especialmente a demarcação e garantia dos territórios e recursos naturais. A PEC 215 do deputado ruralista, Osmar Serraglio (PMDB-PR) legaliza a posse e invasão das terras indígenas por terceiros e transfere do Executivo para o Legislativo a demarcação das terras indígenas, Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas, a consideramos altamente nociva, uma vez que deixa os povos vulneráveis a ataques. Além dos projetos de lei que estão em pauta, dezenas de outros projetos que tramitam no poder legislativo são ameaças à sobrevivência dos povos indígenas, pelo seu caráter etnocida e genocida, dentre os quais a PL 1610/96 que pretende abrir as terras indígenas a exploração e saque dos minérios.

    Nós, participantes do encontro internacional “Igrejas e Mineração”, externamos nossa preocupação unindo-nos as manifestações dos povos indígenas que em diversos documentos questionaram e repudiaram a pretensão de extrair os minérios de seus territórios a qualquer custo, com enormes impactos sobre o meio ambiente e as populações, especialmente os mais vulneráveis, como os povos indígenas em situação de isolamento voluntário e de pouco contato.

    Denunciamos a crescente criminalização das lideranças e comunidades que resistem à mineração destruidora em seus territórios, exigimos o cumprimento dos direitos humanos, as legislações nacionais e internacionais.

    No encontro vimos, através de vários depoimentos, que o modelo satânico de mineração é mais uma ameaça à sobrevivência da vida no planeta.  Diante desse quadro, reafirmamos nosso compromisso profético de solidariedade aos povos atingidos ou ameaçados, na certeza de que os projetos de vida triunfarão sobre os decretos de morte.

    E caminharemos pelo mundo com fé e esperança viva, celebrando, cantando, sorrindo, lutando pela vida.

    Assinam:

    Comissão Pastoral da Terra (CPT – Brasil)

    Irmãos da misericórdia das Américas Juventude Franciscana do Brasil – JUFRA

    ENDEPA – Equipe Nacional Pastoral Aborígene – Argentina

    Cáritas

    Centro de Ecologia de povos Andinos – CEPA – Bolívia

    Pastoral Social Diocese Duitama (Boyacá – Colômbia)

    Pastoral Social Cáritas Oruro – Bolívia

    Comunidade de Vida Cristã – CVX

    JPIC Misioneros Claretianos – Honduras

    Organização Família Pasta de Conchos

    CNBB

    Coordenadora Nacional de Direitos Humanos

    Diocese de Itabira – Fabriciano (MG Brasil)

    Associação Madre Cabrini (Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus)

    Missionários Combonianos (CIMI)

    Comitê em defesa dos Territórios Frente a Mineração

    VIVAT Internacional – Argentina

    Derechos Humanos sin fronteras – Peru

    Pastoral Social  Colômbia

    SINFRAJUPE (Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia)

    Rádio Progresso – Honduras

    Red Muqui Nacional

    Comissões Internacionais de Justiça e paz – Colômbia

    Direção Pastoral Social yopal – Colômbia

    Pastoral Indígena – Equador

    Derechos Humanos de Peru

    Pastoral Indigenista Roraima

    Red Regional água, desenvolvimento, democracia – Peru

    Igreja Evangélica Presbiteriana de Chiguinto – Chile

    MOAB – Movimento dos Ameaçados das Barragens no Vale do Ribeira

    IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

    Pastoral do Cuidado pela Criação – Bolívia

    Comunicacion da Ecologia y pueblos andinos y responsable cambio climático – Bolívia

    Red de educacion popular de américa Latina y el Caribe – México

    OFS – Uruguay

    Director diocesino Cáritas de Choluteca – Honduras

    CEBs – SUMAJ KAWSAY

    Secretariado diocesano de Pastoral Social – Colômbia

    Centro Franciscano de Defesa dos Direitos – Brasil

    Diocesis Neuquen – ENDEPA – Argentina

    Vicaria de la Solidariedad – OO.HH – Peru

    CLAI – Conselho Latino Americano de Igrejas

    Darli

     

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  • 05/12/2014

    A COP 20 e os povos indígenas do Brasil

    Acontece de 1 a 12 de dezembro de 2014, em Lima, Peru, a Vigésima Conferência das Partes (COP 20) – Estados – que aderiram à Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), criada em 1992 no Rio de Janeiro, Brasil. A Convenção tem por objetivo estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera em um nível que não ofereça perigo para o sistema climático.

    A expectativa é que a COP 20 avance para compromissos significativos de enfrentamento da crise climática no mundo, por meio do rascunho de um Novo Acordo Global sobre mudanças climáticas, que, se aprovado em Paris, França, na COP 21, em 2015, entrará em vigor a partir de 2020.

    Segundo a Organização Metereológica Mundial (OMM), em 2013 os gases de efeito estufa aumentaram a níveis sem precedentes, sobretudo pelo dióxido de carbono (CO2). Teme-se que o aquecimento global nas próximas décadas supere os 2 graus centígrados, que atualmente atinge já 0,8 graus sobre o nível da temperatura do ano de 1900. Entre outros impactos verifica-se os degelos contínuos nos pólos e seus efeitos sobre o nível do mar e a vida marina; a segurança alimentar e os sistemas de produção tradicional de alimentos estão ameaçados e são cada vez mais freqüentes as catástrofes naturais, tais como as inundações, que vitimam milhares de pessoas, que perdem seu lar e meios de subsistência.

    Aparentemente distantes, esses problemas têm alcançado a vida quotidiana das distintas populações locais. Mudanças no clima têm provocado alterações nos ciclos de vida animal e vegetal nos mais variados ecossistemas, fora das cíclicas estações e suas alterações regulares.

    Até o momento, porém, as negociações sobre a mudança no clima têm avançado pouco, principalmente por parte dos países que tem mais responsabilidade da critica situação, os quais têm se restringido a promessas voluntárias ao invés de assumirem compromissos obrigatórios a respeito da redução das emissões de gases de efeito estufa e da disponibilização de recursos para os países que não reúnem condições tecnológicas e financeiras para enfrentar a mudança do clima.

    Contrariamente, esses países têm favorecido a intervenção de setores empresariais, financiamentos privados, que ao patrocinarem as negociações, zelam mais pelos seus interesses do que por decisões sérias sobre a crise climática. É o caso, por exemplo, das empresas de combustíveis fósseis, dos fabricantes de automóveis e das agroindústrias. No fundo, as elites, as corporações e os governos se negam a assumir suas responsabilidades e obrigações para a superação da crise climática.

    Nesse contexto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que participa da COP 20 com uma representativa delegação, se soma às iniciativas de outros segmentos, movimentos e organizações sociais, que vão para Lima cientes desta realidade e dispostos a contribuir na busca de consensos para a construção de alternativas e propostas de mudança efetiva a serem incorporados num novo Acordo Global sobre mudanças climáticas.

    1.     É inadmissível que os países do norte, maiores responsáveis pela mudança do clima, não admitam reparar a sua dívida climática e queiram agora  dividirem sem diferenciações as suas responsabilidades com os países emergentes ou em desenvolvimento. Nem mesmo os países emergentes como o Brasil podem se comparar em termos de emissões com países menos desenvolvidos e mais vulneráveis. Por tanto, os países desenvolvidos não podem se eximir de sua responsabilidade de prover financiamento e tecnologia para enfrentar a mudança do clima.

    2.     Os países do sul, principalmente da America Latina, não podem admitir a recolonização em pauta, de setores empresariais e governos que tentam converter o regime legal e institucional internacional do clima num mercado de tecnologias e a chamada economia verde em justificativa para o lucro, por meio dos créditos de carbono e outras formas de privatização e mercantilização da natureza e da vida.

     Converter os mercados como fontes de financiamento e não mais os fundos públicos, poderá levar a países que não se incorporem a mercados de carbono a não contar com financiamento para mitigação e adaptação.

     3.     É preciso recusar as falsas soluções, que envolvem a operacionalização de mercados de carbono, associados a tecnologias de mitigação e investimentos em mitigação, mesmo sem antes ter uma legislação que os respalde, assim como enfoques baseados apenas nos mecanismos de REDD+, que não agregam necessariamente valores aos abundantes bens naturais, florestais e da biodiversidade que os territórios abrigam.

    4.     É necessário rechaçar a manipulação intencional do clima à escala planetária, a chamada geoenghenharia, que propõe, por exemplo, gerar artificialmente nuvem vulcânica sobre o Ártico, com o propósito de obstruir os raios solares e supostamente diminuir a temperatura no hemisfério norte. Tais tentativas teriam, segundo os especialistas, efeitos desastrosos sobre as florestas tropicais, como a amazônica, e aumentariam os desequilíbrios climáticos.

    5.     Os países do sul, da América Latina principalmente têm, na COP 20, a oportunidade de pautar um modelo de desenvolvimento alternativo, visando uma economia de baixo carbono. Nesse sentido, é preciso:

    5.1.      Conter o modelo agrícola predominante, centrado no agronegócio, nos monocultivos de larga escala, que implicam na invasão de territórios indígenas, quilombolas, áreas de conservação e assentamentos, e em altos índices de desmatamentos, de exploração dos recursos naturais, de contaminação de solos e águas, em detrimento do equilíbrio ambiental, da vida humana e de outras formas de vida.

    5.2.      Substituir a reprimarização da economia, focada além no agronegócio (expansão de monocultivos), na exploração intensiva e exportação dos recursos naturais, na intensificação da indústria extrativa, principalmente da exploração e comercialização de combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural, na exploração e exportação de minérios, bem como na implantação de grandes empreendimentos correlatos, como hidrelétricas, rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, linhas de transmissão e produção de agrocombustíveis.

    É evidente que todo esse modelo de desenvolvimento não é em nada sustentável, e certamente vai na contramão de qualquer boa vontade de avançar nas negociações ou na formulação de um novo acordo global para superar a crise climática. Ao contrário, ele reforça e conduz a elevados níveis de emissões de gases de efeito estufa, aderindo à opção histórica dos países do norte de não conter suas emissões.

    Ao invés desta tendência suicida, ecocida, voltada ao lucro, consumo e interesses de uns poucos, o Brasil principalmente, para compensar o descaso e a paralisia que caracterizaram os seus governos nos últimos 12 anos, deve, no contexto de um outro modelo de desenvolvimento e de uma economia de baixo carbono, priorizar:

    1.     A demarcação e proteção dos territórios dos povos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores artesanais e demais comunidades tradicionais e camponesas, assegurando para as terras indígenas faixas de proteção etnoambiental.

    2.     O apoio à produção agroecológica e agroextrativa, da agricultura familiar, passando pela democratização do acesso à terra, e visando a segurança e soberania alimentar, isto é, o direito dos trabalhadores e populações a decidir e implementar políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição, comercialização e consumo de alimentos, em nível interno, bem como de gestão dos territórios, contra os monopólios das sementes e dos agrotóxicos.

    3.     A valorização dos saberes e práticas ancestrais, dos sistemas e modos de produção tradicional dos povos indígenas e de outras populações, evitando modelos e práticas assistencialistas que fomentam a dependência, atropelam a cultura, a cosmovisão e a autonomia desses povos.

    4.     A valorização dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais, como sumidouros de carbono, mas sem fins mercadológicos, assegurando a gratuidade da proteção praticada milenarmente pelos povos indígenas desses territórios. 

    5.     Quando necessário, apoiar sistemas agroflorestais diversificados e nativos, visando impedir a expansão de monocultivos e a deflorestação, em todos os biomas (Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Cerrado).

    6.     A diversificação da matriz energética, priorizando fontes de energia renováveis e limpas, pondo fim ao consumo exacerbado das elites e das corporações. 

    7.     Trabalhar por um acordo climático baseado na equidade, na justiça e nas responsabilidades diferenciadas, inclusive entre os países do sul, e contra justificativas, as falsas soluções, que visam impedir avanços nos acordos para conter o aquecimento global, abaixo do 1.5 ou 2 graus centígrados, nas próximas décadas.

    8.     Assumir o compromisso de avaliar o atual modelo de desenvolvimento e optar por um outro que transite para a economia de baixo carbono, que seja efetivamente sustentável  e que respeite plenamente a vida humana e a dos demais seres vivos. 

    Certamente é importante participar nos processos internacionais que discutem a regulamentação do enfrentamento da mudança climática, mas também é fundamental descer a discussão dessa problemática junto às nossas comunidades, que, como muitas outras populações, já são atingidas no dia a dia, mas sabendo que as ações locais necessariamente têm que estar articuladas com as nacionais e internacionais para o enfrentamento da crise mundial do clima, provocada não por nós, mas principalmente pelos países industrializados e países emergentes como o Brasil, que precisam rever seu modelo de desenvolvimento

     

    Brasília, 26 de novembro de 2014

     

                     Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

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  • 04/12/2014

    Povos Indígenas: ainda uma vez o esbulho

    Membros do Supremo Tribunal Federal (STF) querem interditar os benefícios da justiça de transição aos povos indígenas do Brasil, ao dar acolhida a entendimento de que a Constituição de 1988 é o marco temporal para se avaliar a presença de povos indígenas em terras reclamadas para demarcação e homologação. Está em vias de ser decretado, assim, o esquecimento para todo o roubo ou esbulho de terras indígenas ocorridos nos anos anteriores a 1988, como por exemplo, os casos que surgiram nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.

    A 2ª Turma do STF reunida em 16 de setembro de 2014 votou por maioria contrariamente aos direitos dos Guarani-Kaiowá sobre a terra da qual foram expulsos em 1940. Os indígenas nunca desistiram de voltar a ocupar seu território tradicional. Três dos cinco ministros, Gilmar Mendes, Celso de Melo e Carmen Lúcia, votaram contra os índios. O relator Ricardo Lewandowski votou a favor e Teori Zavaski se declarou impedido e não votou. A decisão final sobre o caso será tomada pelo plenário.

    Se confirmada, a decisão representa um sério revés para a causa indígena. Depois de impedir a punição aos torturadores, o STF anistiará a todos que grilaram terras indígenas no Brasil antes de 1988.

    Anistiará aqueles que, para ter a posse, se beneficiaram de atos passados de falsificação de documentos em cartórios; arrendamentos com o órgão tutor dos índios que, com o tempo, viraram posses registradas em cartórios; comercialização ilegal de terras indígenas, grilagem de terras.

    Grave também é o fato do STF anistiar a si próprio, tal qual a ditadura fez com seus torturadores, passando uma borracha sobre a atuação do judiciário no esbulho das terras indígenas no Brasil de 1988 para trás. Uma ação iniciada no STF em 1961, sobre o roubo de terras indígenas no atual Mato Grosso do Sul, teve como desfecho dos magistrados da mais alta corte do país, em 2014, uma declaração de que mais nada se poderia fazer, mesmo tendo sido provado o esbulho de terra indígena. A justificativa: teria se passado muito tempo. Nenhuma linha sobre a necessidade de reparação aos povos esbulhados do Mato Grosso do Sul. Somente um “arquive-se” mais de 50 anos depois.

    É sem dúvida o retrato da vergonhosa demora da Justiça brasileira para fazer cumprir o artigo 231 da Constituição de 1988 e os seus similares nas constituições passadas, que sempre garantiram a prevalência do direito originário do índio brasileiro face a qualquer tipo de posse que os prejudique, engendrada pelo Estado ou pela sociedade envolvente.

    A Comissão Nacional da Verdade aponta que os povos indígenas brasileiros foram o segmento da população mais atingido por graves violações de direitos humanos entre 1946-1988, sendo que com esta população a violência ocorreu em todas as quatro décadas apuradas e de forma brutal.

    Foram mais de quarenta anos de assassinatos seletivos de lideranças, caciques, religiosos e apoiadores; chacinas e massacres; extinções de aldeias com deslocamentos forçados; prisões ilegais; tortura e desaparecimento de índios; maus tratos na gestão da saúde e no cuidado do contato; escravização. Na raiz de toda a violência está o intento de afastar os indígenas de suas terras tradicionais, para apossar-se delas e de suas riquezas, incorporando-as ao chamado desenvolvimento nacional.

    A decisão da 2ª Turma contrasta com a disposição da Comissão Nacional da Verdade que, pela primeira vez, admitiu que muitas das terras que em 1988 não eram mais habitadas por grupos indígenas estavam vazias de índios porque foi praticada muita violência contra estes povos.

    A criação de um marco temporal como exigência para o reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas solapa qualquer benefício adquirido pelo índio com o resultado da Comissão Nacional da Verdade. Representa também o afastamento do Supremo Tribunal Federal do conceito de justiça contido nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.

    A justiça não será feita ao se desconsiderar as razões pelas quais algumas das terras reclamadas por indígenas estariam vazias no marco temporal que se deseja aplicar. Nos anos de 1980, Angelo Kretã morreu no processo de luta pela retomada de suas terras e por respeito aos direitos territoriais dos Kaingang. Seu caso ainda não foi esclarecido pela Comissão Nacional da Verdade, mas estudos realizados pelo grupo de trabalho demonstram que o estado brasileiro sabia 11 anos antes do “acidente” que vitimou o cacique Kaingang, que ele tinha razão na luta por seus direitos.

    O grupo de trabalho apurou que no julgamento de cassação do deputado paranaense Jorge Cury, realizado em 19 de janeiro de 1969, o secretário do Conselho de Segurança Nacional registrou na ata secreta da 45ª sessão que o deputado era grileiro de terras indígenas. Ele foi cassado e nada se fez sobre a grilagem. Kretã morreu no processo de retomada destas terras.

    Em artigo publicado no dia 19 de novembro deste ano, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha contextualiza o assassinato e o direito defendido pela liderança indígena Kaiowá Marinalva Manoel (na foto acima), de 28 anos, assassinada em 1o de novembro deste mesmo ano no Mato Grosso do Sul. Esfaqueada 15 dias após voltar de um ato em que participou em frente ao STF pelo reconhecimento dos direitos de seu povo.

    O governo federal, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional devem desculpas concretas aos povos indígenas brasileiros, todos os poderes da República foram e são parte importante de seus problemas.

    Esperamos que os demais ministros não sigam o entendimento da 2ª Turma por ocasião do julgamento do caso em plenário, que o voto seja pelo não provimento, reafirmando o direito originário às terras indígenas tão vilipendiado frente a tantas violências sofridas por estes povos, antes e depois de 1988, que se faça justiça aos povos indígenas do Brasil demarcando suas terras sem subterfúgios, que o STF seja parte da solução, afirmando o direito à justiça de transição.

    A demarcação de suas terras é a principal reparação de vida aos povos indígenas pelo Estado e a sociedade brasileira.


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  • 04/12/2014

    Boletim Mundo: “Não vamos sair daqui, vamos permanecer e ser enterrado em nossas terras”, afirma Kaiowá de Kurusu Ambá

    Em vídeo gravado pela comunidade de Kurusu Ambá, a liderança Ava Jeguaka Rendy Ju deixa o último recado para as autoridades. De forma enfática, os filhos de Kurusu Ambá reafirmam que não negociarão seu direito sagrado ao território e se acaso o despejo já determinado judicialmente for levado a cabo pelos policiais, só sairão de suas terras mortos.

    Hoje (4) de dezembro, data marcada para o despejo, em Kurusu Ambá inicia a reunião do Conselho da Grande Aty Guasu. Através do Conselho, o povo Guarani e Kaiowá de todo o estado se unifica pela resistência de Kurusu. À tarde uma comitiva integrada por movimentos sociais e defensores dos direitos humanos participará da reunião do Conselho.   

    Desde que retomaram uma pequena parcela de sua terra tradicional, no dia 22 de setembro de 2014, com a intenção de garantir através do plantio a alimentação de suas crianças e velhos, a comunidade de Kurusu Ambá vem enfrentando ondas contínuas de ataques de pistoleiros. Os jagunços já chegaram a queimar parte de suas moradias e noite após noite grupos armados têm disparado contra a comunidade indígena sem que nenhuma providencia seja tomada pelos órgãos responsáveis, mesmo depois de inúmeras denuncias. Nos últimos dez anos mais de sete lideranças foram assassinadas, em Kurusu Ambá.

    A justiça, que se manteve inerte na efetividade de garantir o direito constitucional e sobretudo a integridade física dos indígenas de Kurusu Ambá por décadas, contra eles agiu rápido e com posicionamento firme. Baseada na tática ruralista do marco temporal concedeu ordem de reintegração de posse com despejo determinado para a data de hoje, dia 04 de dezembro.

    Os indígenas denunciam também que não tiveram uma defesa qualificada dentro do processo uma vez que a Procuradoria Especializada da Funai, que cometeu um erro grosseiro e inadmissível ao não juntar em seu agravo peça sabidamente fundamental (íntegra da decisão recorrida) não sendo, portanto, a defesa admitida. A mesma nem ao menos chegando ao conhecimento do julgador.

    Ontem, dia 03 de dezembro, indígenas provindos de mais de cinco aldeias aportaram em Kurusu Ambá para a realização da reunião do Conselho da Grande Aty Guasu. A voz de Kurusu se amplia para a promessa de resistência geral dos Guarani e KaiowÁ. À tarde uma comitiva integrada por movimentos sociais e defensores dos direitos humanos como CDDH, CPT, Copai, MST, Condepi, RENAP, Coletivo Terra Vermelha e Cimi participarão da reunião do Conselho para demonstrar sua solidariedade com a situação histórica de dor desta comunidade.    

    Abaixo segue o vídeo gravado pela comunidade:

        

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