• 10/06/2015

    Acampados no Incra de São Luís, quilombolas, indígenas e camponeses iniciam greve de fome

    Nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira (10), 26 lideranças quilombolas, indígenas e camponesas iniciaram uma greve de fome na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de São Luís, no Maranhão. Essas lideranças estão acampadas no órgão desde a última segunda-feira (8).

    Em 2011, depois de 12 dias de ocupação, dois padres da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e 17 lideranças quilombolas, todas ameaçadas de morte, fizeram uma greve de fome no mesmo local, que durou 36 horas. Na época, o ato só foi encerrado depois que representantes do governo federal estiveram no Maranhão para negociar com os manifestantes. De acordo com os quilombolas, o governo federal contratou 56 laudos antropológicos de comunidades, porém, passados mais de 36 meses ainda não foram concluídos.

    Com objetivo de denunciar a indiferença e a violência promovida pelo Estado brasileiro, quilombolas, indígenas e camponesas decidiram retomar a luta e iniciar uma nova greve de fome. Leia abaixo a Nota divulgada pelas comunidades em luta:

     

    Declaração do Acampamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão

    Desde o dia 08 de junho de 2015 iniciamos o Acampamento com a presença de comunidades entre indígenas, quilombolas e camponesas. As atividades se iniciaram com uma manifestação em frente ao Palácio dos Leões (sede do Governo estadual) em solidariedade à luta de comunidades do interior de São Luís, pela Criação da Reserva Extrativista Tauá- Mirim (RESEX), considerando que durante anos estas comunidades vêm sofrendo todo tipo violência por parte de grandes empreendimentos privados que contam com o apoio formal e acordos econômicas firmados com gestões do governo estadual. Para denunciar a violência policial contra comunidades e contra a juventude negra de periferia.

    Na tarde do mesmo dia, ocupamos a sede da Superintendência estadual do INCRA a fim de denunciar a violência promovida pelo Estado brasileiro, a partir do descumprimento do artigo 68 do Ato das Disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, que reconhece às comunidades quilombolas a propriedade definitiva dos seus territórios, devendo o Estado emitir os respectivos títulos.

    A ação violenta do Estado atinge também comunidades indígenas que tem seus direitos a terra e ao bem viver negados pelas instituições que deveriam fazer cumprir o mandado constitucional, tais como a FUNAI.

    Diante do silêncio e indiferença do Estado Brasileiro perante estas graves violações aos direitos destes povos, 26 lideranças quilombolas, indígenas e camponesas decidiram em assembleia iniciar uma greve de fome, semelhante à realizada em 2011, a partir das 7 da manhã do dia 10 de junho de 2015. Diante do exposto, declaramos que as consequências deste ato são de inteira responsabilidade do Estado brasileiro que continua a prática do racismo institucional e do genocídio contra nós.

     

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  • 10/06/2015

    Brasil: um país em que reina a hegemonia

    Por Patrícia Bonilha, Assessoria de Comunicação

    Corajosa, Deborah Duprat é uma indiscutível aliada de diversas minorias que compõem a sociedade brasileira.Durante sua meteórica atuação como procuradora-geral da República interina, quando pela primeira – e única – vez na história do país, uma mulher comandou o órgão superior do Ministério Público Federal (MPF), ela atuou amplamente na defesa de pautas polêmicas e impopulares. Nos 22 dias de junho-julho de 2009 em que chefiou a Procuradoria Geral da Republica (PGR), ela defendeu os direitos de homossexuais e transexuais; de mulheres fazerem o aborto de anencéfalos; a liberdade de expressão e de manifestação pela legalização das drogas, mais especificamente o direito de realização das Marchas da Maconha; além de ter questionado a medida provisória de regularização fundiária da Amazônia Legal, por avaliar que o texto da lei privilegiava grileiros. Como subprocuradora-geral da República e, há 11 anos, coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), cujo escopo de atuação reúne grupos que têm um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional majoritária, como os indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos, Deborah Duprat critica a omissão dos Três Poderes em relação à obrigação do Estado de defender os direitos e interesses destes grupos. Especificamente sobre os povos indígenas, ela afirma que “estamos vivendo um dos piores momentos pós-Constituição de 1988 no que diz respeito a direitos territoriais indígenas”. Nesta entrevista, ela expressa opiniões sobre a inconstitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai), as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a economia verde, dentre outros tópicos.

     

    Porantim – Como a senhora avalia a atual situação dos povos indígenas no Brasil em relação aos seus direitos territoriais?

    Deborah Duprat – Avalio que estamos vivendo um dos piores momentos pós-Constituição de 1988 no que diz respeito a direitos territoriais indígenas. Isso porque, pela primeira vez, os Três Poderes, por ação ou omissão, passam a percepção de que há excesso nas demarcações de terras indígenas e de que é preciso adotar providências no sentido de assegurar direitos de propriedade de terceiros.

    Porantim – Uma das maiores ameaças aos povos indígenas atualmente é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Na sua opinião, ela é inconstitucional?

    Deborah Duprat – A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF encaminhou ao Congresso Nacional nota técnica em que aponta inconstitucionalidades da PEC 215, a qual está disponível no sítio eletrônico 6CCR.pgr.mpf.mp.br. Também o STF, em mandado de segurança impetrado, salvo engano, pela Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, já sinalizou que a PEC 215, se aprovada, terá sua inconstitucionalidade declarada.

    Porantim – Os povos indígenas vêm, constantemente, denunciando a situação de extrema vulnerabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) – tanto em Brasília como nas regiões. No final de 2013, “vazou” uma proposta do próprio Executivo de modificar o procedimento de demarcação de terras indígenas. Como a senhora avalia estas duas situações?

    Deborah Duprat – O Bourdieu fala dessas instituições, tal como a Funai, que são criadas com a aparência de que estão atendendo a uma demanda de dado movimento social. O artifício gera uma das dominações mais eficazes, que é o domínio sobre o tempo. As pessoas, mesmo vendo que não são atendidas em suas pretensões, continuam presas a essas instituições, que são o único espaço possível, dentro da Administração Pública, de realização de seus direitos. Ou seja, continuam enredadas numa instituição que foi intencionalmente concebida para não funcionar. É o que vemos com a Funai, sem estrutura material, sem concurso público para renovação e ampliação de seus quadros, sem orçamento para a realização de suas múltiplas funções e, principalmente, assediada para não cumprir a função típica para a qual foi criada a demarcação de terras indígenas. Eu não conheço proposta alguma de novo procedimento de demarcação de terras indígenas, apenas ouço boatos de que há a intenção de alterar o Decreto 1775. Temos que aguardar para ver o desenrolar dessa história, principalmente no que diz respeito à consulta da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].

    Porantim – Em setembro de 2014, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a demarcação da Terra Indígena (TI) Guyraroká (cuja tradicionalidade já foi comprovada pelos estudos antropológicos), tendo como fundamento uma interpretação do marco temporal. Ou seja, a anulação do processo de demarcação deu-se porque os indígenas não estariam no território na época da promulgação da Constituição Federal, em 1988. Para a senhora, quais são os problemas desta decisão do STF?

    Deborah Duprat – Há vários problemas nessa decisão, como mostram os embargos de declaração apresentados pela PGR [Procuradoria Geral da República]. Gostaria de destacar o que me parece o mais grave: uma concepção civilista de posse, contrária à disciplina constitucional de posse indígena. Há vasta literatura relativa aos Guarani, mostrando que, com o esbulho de suas terras, engendraram meios e modos de ali permanecer, como perambulando por esses territórios, realizando caça, pesca, rituais, empregando- se nas fazendas, além de outras formas. De modo que, no sentir dos Guarani, estavam e estão na posse de suas terras.

    Porantim – Ainda em setembro, no dia 30, o STF anulou a portaria que declarou a TI Porquinhos, do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão, desconsiderando um parecer da PGR de que houve um erro no processo demarcatório. Em dezembro, outra decisão do STF suspendeu o processo demarcatório da TI Limão Verde, do povo Terena, e reduziu o conceito de esbulho. Essas três recentes decisões do STF representam um retrocesso na atuação deste órgão em relação aos direitos dos povos indígenas?

    Deborah Duprat – Aqui também padecem de maior análise os conceitos de posse e esbulho sob a perspectiva desses povos. Por ora, essas decisões estão limitadas à 2ª Turma do STF. É preciso levar a discussão ao Plenário da Suprema Corte e melhor qualificá-la, com aportes antropológicos e jurídicos. Em outros países, como Colômbia, Equador e Bolívia, as suas Cortes Constitucionais tiveram um papel fundamental na afirmação de direitos indígenas. Acredito que o STF também exercerá idêntico papel.

    Porantim – O Brasil deveria se reconhecer como um Estado Plurinacional, como fazem a Bolívia e o Equador, além do Canadá e da Espanha, dentre outros? Quais seriam os benefícios deste reconhecimento?

    Deborah Duprat – O Brasil ainda está longe de realizar, por completo, a passagem de um modelo tutelar para um modelo emancipatório. O instituto da consulta da Convenção 169, a presença dos indígenas e das comunidades tradicionais no processo de licenciamento, por exemplo, revelam bem como nossas práticas ainda têm um caráter colonial muito forte. Por outro lado, a nossa diversidade étnica é muito maior do que a dos países referidos. Temos que buscar soluções em que as diferenças dialoguem, encontrem consensos possíveis, ainda que provisórios, e não que se isolem em si. O grande desafio não é o reconhecimento do “pluri”, mas sim do “inter”. O pluralismo é uma realidade empírica que se descreve. A interculturalidade é um desafio para os países plurais, em que saberes, visões de mundo, linguagens dialogam sem hierarquias, sem relações de poder.

    Porantim – O que os povos indígenas podem fazer diante das ofensivas dos Três Poderes para terem seus direitos constitucionais, de fato, assegurados?

    Deborah Duprat – Os povos indígenas têm suas estratégias de lutas, e a 6ª Câmara jamais pretendeu interferir ou retirar-lhes o protagonismo. Percebo, no entanto, que há, ainda, bastante incompreensão quanto à mudança operada pela Constituição de 1988. Como passamos 500 anos com práticas integracionistas, com o Estado voltado a um único modelo de sujeito de direito, há enorme dificuldade, em todos os setores, de pensar soluções dentro desse novo cenário jurídico. O papel que resolvemos assumir foi de levar a uma maior reflexão sobre o tema. Nesse sentido, acabamos de formar um grupo de estudos dentro da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), sob a minha coordenação, com o propósito de realizar seminários e cursos para toda a magistratura nacional. Também resolvemos produzir maior material teórico. Está em vias de sair um livro sobre a Convenção 169, resultado de um seminário internacional que realizamos no ano passado. Também os grupos de trabalho da 6ª CCR começam a fazer abordagens mais teóricas, na perspectiva da interculturalidade.

    Porantim – Lideranças do povo Suruí foram recentemente à 6ª Câmara solicitar a anulação de um contrato de sequestro de carbono em suas terras, assinado com uma empresa de cosméticos. Outros povos indígenas estão sendo assediados para efetuarem contratos de mercado de carbono. Qual a posição da 6ª Câmara em relação a estes projetos de Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e de outros mecanismos da economia verde, como o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA)?

    Deborah Duprat – Em primeiro lugar, é preciso assegurar a autonomia e o protagonismo indígenas. O papel do MPF é alertar sobre possíveis conseqüências negativas, previstas ou não no contrato. E intervir na eventualidade de haver ilegalidade.

    Porantim – O MPF tem alguma avaliação sobre estes mecanismos da economia verde?

    Deborah Duprat – Não há, institucionalmente, uma posição a respeito. Eu, pessoalmente, vejo com péssimos olhos essa mercantilização da natureza. A defesa do meio ambiente requer mudança de paradigma, e não a internalização das práticas que o ameaçam, como essa visão instrumental que acompanha o projeto capitalista de desenvolvimento. No entanto, como já disse, respeito a opção dos povos indígenas que veem nessa a única possibilidade de sobrevivência minimamente digna, ao menos temporariamente.

    Porantim – Na sua opinião, qual seria a melhor solução para os casos em que o próprio Estado cedeu áreas dos territórios tradicionais indígenas para proprietários particulares, como ocorreu no Mato Grosso do Sul e na região Sul, principalmente?

    Deborah Duprat – Em Encontro Nacional da 6ª CCR, foi produzido um enunciado permitindo indenização – pagamento pela terra nua – com base no princípio da proteção à confiança legítima. Ou seja, o particular acreditou que o Estado, ao lhe transferir aquela terra, conferia-lhe um título legítimo. Daí por que ali fez o seu investimento de vida. Deve ser amplamente recompensado pelos danos que vier a sofrer pela perda daquela que acreditava ser sua propriedade.

    Porantim – Por que os povos indígenas e as comunidades tradicionais são tão invisibilizados no Brasil ainda hoje?

    Deborah Duprat – Porque infelizmente, a despeito de toda a transformação operada pela Constituição de 1988, pela Convenção 169 da OIT e pela declaração da ONU [Organização das Nações Unidas] para os povos indígenas, e por vários outros documentos internacionais, o Estado brasileiro ainda não se livrou de suas práticas e convicções hegemônicas.

    Porantim – É possível conciliar a atual perspectiva de desenvolvimento ocidental, implementada pelo governo brasileiro, com o efetivo respeito aos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais?

    Deborah Duprat – Não se trata de possibilidade, mas de imperativo jurídico. A Convenção 169 da OIT trata do instituto da consulta exatamente com esse propósito, de impedir que os chamados “projetos de desenvolvimento” possam ocorrer em sacrifício de povos indígenas e comunidades tradicionais. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem mais de um precedente em que o veto das comunidades aos empreendimentos tem caráter absoluto, quando ocorre especialmente uma dessas duas hipóteses: desterritorialização forçada e interferência significativa no modo de vida do grupo.

     

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  • 09/06/2015

    MPF recorre de decisão que livra dono da Gaspem de pagar R$ 480 mil a indígenas no MS

    O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) recorreu de mais uma decisão contrária aos direitos indígenas, expedida pelo juiz federal substituto Fabio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados. O magistrado negou pedido de indenização por danos morais coletivos contra Aurelino Arce, proprietário da empresa de segurança privada Gaspem, acusada de atos de violência contra grupos indígenas do estado. O juiz determinou o arquivamento da ação e o pagamento de honorários advocatícios, pelo MPF, no valor de R$ 3 mil, exigência considerada inédita.

    Para o MPF, a decisão é omissa e contraditória, pois o juiz não deixou claro os argumentos jurídicos utilizados para decidir pelo fim da ação, além de não analisar outra ação do MPF que é correlata ao caso, e que possuía documentos que davam base para o pedido de indenização. Também não foi possível incluir documentos que ainda estavam em fase de produção e nem manifestar-se sobre o arquivamento. “É imprescindível que sejam expostos e fundamentados os raciocínios adotados no julgamento da causa, possibilitando assim o direito ao contraditório”, alegou o MPF no recurso. O recurso será analisado pelo mesmo juiz que negou o pedido do MPF. Na foto ao lado, chapéu usado pelo cacique Nízio Gomes no momento em que foi assassinado em crime que envolveu a Gaspem.

    Gaspem e a violência no campo

    A empresa tinha como clientes proprietários de terras em conflito fundiário. Investigações do Ministério Público Federal apontaram envolvimento de Aurelino e agentes da empresa em pelo menos 8 ataques contra as comunidades indígenas ocupantes dessas terras, que resultaram em duas mortes e dezenas de feridos. Para o MPF, o grupo atuava como milícia, chegando a receber R$ 30 mil para cada desocupação bem-sucedida.

    Os primeiros registros de violência da Gaspem contra indígenas foram registrados em 2005. Em 2009, funcionários da empresa de Aurelino atearam fogo contra barracos da comunidade guarani-kaiowá Apyka’i (Curral do Arame), em Dourados, o que se repetiu em 2013. A empresa, que contratou funcionários sem treinamento específico e com irregularidades no registro de armas, também é acusada pela morte das lideranças indígenas Dorvalino Rocha e Nízio Gomes. Aurelino cumpre prisão domiciliar pela morte de Nízio.

    O MPF pede o pagamento de R$ 480 mil em indenização às comunidades afetadas pela atuação violenta da empresa, a título de danos morais coletivos. O valor corresponde ao dobro do que a Gaspem lucrou com as ações hostis aos indígenas. As atividades da companhia estão suspensas desde 2014, após a Justiça Federal considerar gravíssima a forma como a empresa atuou e determinar seu fechamento, a pedido do MPF.

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  • 09/06/2015

    Remoção forçada de ribeirinhos por Belo Monte provoca tragédia social em Altamira

    No próximo dia 13 de junho não vai haver a tradicional festa de Santo Antônio, na Comunidade Santo Antônio, que existia desde a década de 70, entre a rodovia Transamazônica e o rio Xingu, em Altamira, no oeste do Pará. Não há mais a comunidade, uma das primeiras a ser dissolvida porque ficava no caminho da usina de Belo Monte. As 252 casas foram demolidas e os moradores, agricultores e pescadores que levavam o modo de vida tradicional das comunidades rurais da Amazônia, transferidos para cidades da região, longe do rio Xingu. Onde ficava o campo de futebol da comunidade, há hoje um estacionamento para os funcionários da Norte Energia e do Consórcio Construtor de Belo Monte.

    “A destruição do modo de vida ribeirinho e a transformação compulsória de populações tradicionais que sempre tiraram o sustento do rio e da terra em moradores desempregados e subempregados da periferia de Altamira é prova definitiva de que as regras do licenciamento da usina, maior obra civil promovida pelo governo federal, não estão sendo cumpridas”, afirma a procuradora da República Thais Santi. Após receber dezenas de denúncias de ribeirinhos no escritório do Ministério Público Federal (MPF) em Altamira, a procuradora decidiu convocar várias instituições para fazerem uma inspeção nas áreas atingidas pela usina e verem pessoalmente a tragédia social provocada na região. A inspeção ocorreu nos dias 1 e 2 de junho e constatou a dissolução de famílias, a destruição de comunidades tradicionais e a impossibilidade de que os atingidos possam reconstruir suas vidas após a remoção.

    “Não foram só as máquinas chegarem e derrubarem as casas, foi a destruição dos nossos sonhos, dos vínculos de amizade. Para a Norte Energia não existe direito. Eu olho para um lado e não vejo mais meu filho, olho para o outro e não está mais o meu compadre, olho para frente e não tem mais o agente de saúde, nem o vizinho que rezava”, disse o pescador Hélio Alves da Silva, um dos moradores de Santo Antônio, a comunidade dissolvida há 3 anos. Todos os moradores perderam seu sustento e não tem mais como pescar nem plantar. Hélio mora em Altamira, em um bairro muito distante do centro e vive de bicos, como pedreiro, nas cidades vizinhas.

    “Se eu não tivesse aprendido a ser pedreiro, estava passando fome. Não tem ninguém para quem a vida tenha melhorado. Todos nós estamos impedidos de pescar”. A afirmação de Hélio foi repetida por todos os ribeirinhos visitados pela equipe de inspeção, que foi coordenada pelo MPF e incluiu representantes do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), Funai (Fundação Nacional do Índio), CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), DPU (Defensoria Pública da União) e DPE (Defensoria Pública do Estado), além de vários pesquisadores, entre eles Mauro Almeida, da Unicamp, Manoela Carneiro da Cunha, da USP e Sônia Magalhães, da UFPA. O Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, veio de Brasília e também acompanhou a inspeção.

    Inspeção – Durante dois dias, os grupos de inspeção visitaram 15 ilhas e beiradões do Xingu tomando o depoimento de pescadores e ribeirinhos. Também foram até os locais para onde essas pessoas estão sendo removidas e para áreas onde a empresa diz haver projetos de reassentamento coletivo, mas até agora nada foi construído. A conclusão da inspeção é taxativa: os direitos constitucionais das populações tradicionais do Xingu estão sendo frontalmente violados pela empresa e é necessário readequar as remoções para que cumpram o licenciamento e o Projeto Básico Ambiental de Belo Monte, assegurando os direitos dos ribeirinhos.

    A violação já foi reconhecida oficialmente pelo Ibama em nota técnica enviada à Norte Energia. “A condição do atingido não deve ser observada do ponto de vista unicamente territorial e patrimonialista, e sim reconhecer uma situação onde prevalece a identificação e o reconhecimento de direitos e de seus detentores, evoluindo significativamente na amplitude com que procura assegurar a recomposição, e mesmo melhoria, das condições de vida das populações afetadas”, diz a nota.

    Dona Maria Luiza Moreira é chamada pelos vizinhos de Cláudia e mora desde criança na Ilha Moriá, alguns quilômetros rio acima de Altamira. Sempre foi agricultora e pescadora. A ilha será alagada pelo reservatório de Belo Monte e a Norte Energia foi até o local avisar que ela teria que sair de lá e teria a casa demolida. Analfabeta e sem nenhuma assistência jurídica, assinou um documento em que constavam três opções de remoção: a indenização de benfeitorias, o reassentamento rural coletivo e o reassentamento rural individual. Mas a ela só foi dada uma opção, a indenização por benfeitorias. De acordo com a empresa, a ilha onde Cláudia sempre viveu e pescou não era local de moradia nem trabalho, era apenas de lazer. Pela roça, pela casa e pela terra, recebeu R$ 9 mil. Ao Xingu, não tem mais acesso.

    Ela foi obrigada a trabalhar como faxineira e lavadeira em Altamira, mas não se conforma. Durante a inspeção, mostrou seu lugar e disse “que seria bom se me dessem uma terra para eu levar a vida que eu sempre levei, porque eu nasci e fui criada assim, onde tem muita água”. “Lá pra rua (é assim que os ribeirinhos se referem à cidade) eu já não gosto”. Na casa onde a Norte Energia a colocou, no reassentamento urbano Jatobá, há problemas de abastecimento de água. Ela relatou passar até uma semana sem água. A inspeção visitou dona Cláudia no dia 2 de junho. Hoje (3) a casa dela foi demolida pela Norte Energia.

    O pescador José Arnaldo da Costa Pereira recebeu R$ 24 mil por tudo que conquistou em uma vida de trabalho. Mas não é a quantia irrisória que o incomoda. “Tiram a gente do sossego da gente, onde a gente tem nossos pés de macaxeira, nossas galinhas, onde nasceu e criou os filhos para mandar a gente pra cidade e ficar naquela zoada, com ladrão para todo lado. Eu sou pescador e não tenho de onde tirar meu sustento a não ser no rio”, disse à equipe de inspeção.

    No beiradão chamado Bom Jardim, Maria Carmina Souza da Silva e Antonio Carlos Souza da Silva vivem há 38 anos em um sítio com galinhas, pés de cupuaçu, cacau, acerola, laranja, limão. Na roça plantam arroz, feijão, milho, mandioca. No rio pescam piau, matrinchã, curimatã, pescada e pacu. Segundo a Norte Energia, o sítio vai ser alagado e eles terão que se mudar para a beira de uma estrada. Como não foram considerados pela empresa merecedores de uma casa, receberam uma indenização que teve que ser dividida entre os irmãos e a parcela deles não é suficiente para comprar um terreno.

    Moradia – Além da retirada da casa e do sustento dos pescadores e ribeirinhos, existem situações não reconhecidas de dupla moradia, de moradores dos rios da região que sempre mantiveram casa em Altamira para resolver questões na cidade. São extrativistas de vários locais que foram obrigados a optar entre uma casa ou outra, apesar de ambas serem de propriedade deles. “Quando você diz para um pescador que ele tem que escolher entre ser rural e ser urbano, você está dizendo qual parte dele ele vai abrir mão, o que implica em deixar de ser pescador”, diz a procuradora Thais Santi. A casa na cidade faz parte das posses das famílias ribeirinhas e é necessária para acessar equipamentos públicos, para que os filhos estudem, para a venda dos produtos da terra e do rio.

    “O conceito de moradia aplicado pela Norte Energia está desassociado da realidade da região. A realidade da região não foi estudada, não está sendo respeitada e com isso está se tolhendo as pessoas de continuarem sendo pescadores. Como pode, a um pescador que nasceu e cresceu no rio e quer continuar sendo pescador, vocês darem a opção de morar na Transamazônica? Não existe nenhuma oferta próxima ao rio”, questionou Santi.

    “A situação que vimos, de pessoas humilhadas, violadas, afrontadas pelo empreendedor torna Belo Monte um dos piores exemplos de licenciamento de hidrelétricas no país. As violações que constatamos são até mais graves do que em usinas feitas durante a ditadura militar. Não se pode destruir o modo de vida de populações tradicionais, eliminar tradições, conhecimento tradicional e o sustento dessas pessoas ”, disse o procurador Felício Pontes Jr, que também participou da inspeção.

    O resultado foi apresentado no dia 3 de junho à Norte Energia em reunião com o superintendente de assuntos fundiários da empresa, Arlindo Miranda. “Nossa orientação é debater sempre, desde que não interfira na autonomia da empresa. Existem os interesses dos acionistas, então não temos autonomia para compor determinados compromissos”, disse. Um relatório consolidado da inspeção deve ser enviado aos órgãos do governo responsáveis pela usina até a semana que vem. Enquanto a situação não é corrigida, o MPF vai recomendar a suspensão das remoções de ribeirinhos.

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  • 09/06/2015

    Povos da Amazônia reafirmam em carta luta pelo território e denunciam situação de abandono

    Povos indígenas, organizações indígenas e indigenistas, grupos de direitos humanos e entidades de luta pela terra divulgaram no início dessa semana uma carta aberta à sociedade brasileira denunciando a situação de abandono em que se encontram as nações indígenas amazônicas.Na foto, crianças Kanamari (J.Rosha/Cimi).

    Destacaram a iminente situação de despejo de 300 famílias da Comunidade das Nações Indígenas, localizada no bairro do Tarumã, em Manaus, além da ausência efetiva da saúde indígena, paralisação das demarcações de terras indígenas e projetos legislativos, caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

    Na carta, reafirmam apoio em rede aos povos que lutam por suas terras alçadas pelo governo federal à rota de projetos desenvolvimentistas, caso da UHE Belo Monte e Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

    Leia a carta na íntegra:

    Carta Aberta dos Povos da Amazônia ao Povo Brasileiro

    Nós, representantes dos Povos indigenas Kokama, Apurinã, Miranha, Kaixana, Kambeba, Witoto, Maraguá, Baré, Sateré, Tikuna, Tariano, Baniwa, Tukano, Dessano, Karapana, Piratapuia, Munduruku, Mura, Nawa, Bará e Paumari.

    Representantes das Organizações Indigenas:

    Organização Kambeba do Alto Solimões – OKAS, União dos Povos Indigenas do Médio Solimões e Afluentes  – UNIPI-MAS; Organização Kambeba Paulivense Omágua do Amazonas – Okopam, União dos Povos Indigenas do Coari Amazonas UICAM;  Conselho Indígena de Roraima – CIR; Coordenação dos Povos Indigenas de Manaus e Entorno – COPIME,  Coordenação das Organizações Indigenas Kaixana do Alto Solimões – COIKAS, Coordenação dos Povos Indigenas do Amazonas – COIPAM, Organização Indígena Kokama do Amazonas –  OIKAM,  Associação dos Moradores Indigenas Kokama da Cidade de Tabatinga – AMIKCT;  Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus FOCIMP.

    Ribeirinhos do Alto Rio Madeira atingidos pelas barragens de Jirau e Santo Antonio em Rondônia.

    Pastorais e Organizações da Sociedade Civil:

    Pastoral Indigenista – PIAMA; Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Equipe Itinerante; Cáritas; Articulação pela Convivência com a Amazônia – ARCA, Fórum da Amazônia Oriental – FAOR, Serviço e Cooperação com o povo Yanomami – Secoya, Comissão Pastoral da Terra – CPT e Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Casa da Cultura do Urubuí.

    Participantes do Encontro de Articulação dos Povos e Comunidades Indigenas em Luta pela Terra e da Semana dos Povos da Amazônia, nos dia 30 e 31 de maio e de 01 a 04 de junho de 2015, em Manaus -AM,

    Vimos a público denunciar:

    a) A eminente ameaça de despejo pela qual passam as 300 famílias da Comunidade das Nações Indígenas, localizada no bairro do Tarumã, em Manaus – AM;

    b) A situação de abandono e inadequação dos programas de saúde e educação, a qual estão submetidos os Povos da Amazônia;

    c) a ameaça de remoção forçada que se impõe ao Povo Indígena Munduruku, da TI Sawré Muybu, no médio Tapajós, devido a intenção do Governo Federal de construir a UHE de São Luiz do Tapajós, em sua terra.

    d) A tentativa da bancada ruralista no congresso nacional em aprovar a PEC 215 e outros projetos legislativos, que atentam contra os direitos dos povos indigenas e comunidades tradicionais;

    e) A mineração em terras indígenas;

    f) A exploração ilegal dos recursos naturais em terras indigenas, o que tem provocado a expulsão de famílias de seus territórios;

    g) A paralisação dos processos de demarcação de TI em todo o Território Nacional;

    h) A discriminação religiosa sofrida pelos indigenas e povos de terreiros;

    Dito isso, exigimos:

    a) A imediata paralisação da ação de reintegração de posse da Comunidade Nações Indigenas, em Manaus, assim como a desapropriação das áreas ocupadas por populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, na cidade de Manaus,  para o assentamento dos moradores e o início urgente de serviços públicos, de forma a garantir os seus direitos constitucionais;

    b) Políticas púbicas efetivas, específicas e diferenciadas nas áreas de saúde e educação para atender os povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia;

    c) Políticas públicas de moradia, saúde e educação, adequadas a realidade dos moradores das cidades amazônicas.

    d) Demarcação imediata das terras de direito dos povos indígenas e das comunidades tradicionais;

    e) Suspensão dos projetos de infraestrutura, energia, hidrovias, portos, ferrovias, rodovias, monocultivos e do agronegócio na Amazônia Brasileira;

    f) Arquivamento imediato da PEC 215 e a garantia dos direitos históricos e constitucionais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais;

    Declaramos ainda que:

    a) não aceitaremos nenhuma medida que ameace os direitos constitucionais dos povos indigenas e comunidades tradicionais;

    b) que a PEC 215 representa uma sentença de morte aos povos indígenas e comunidades tradicionais;

    c) apoiamos, incondicionalmente, a ação de autodemarcação da TI Sawré Moybu do Povo Munduruku;

    d) somos solidários com os povos do Xingu atingidos pela construção da UHE de Belo Monte.

    e) nenhuma Organização pode negociar em nome dos povos indigenas com empresas, governos e outras organizações, sem antes ouvir o que esses povos e suas comunidades têm a dizer, e sempre levando em consideração suas opiniões.

     

    Nenhum Direito a menos!

    Não a PEC 215!

    Demarcações já!

    Rios da Amazônia, livres de mineradoras e hidrelétricas!

     

    Manaus – Amazonas, 03 de junho de 2015

     

    Assinam essa carta:

    Povos indigenas Kokama, Apurinã, Miranha, Kaixana, Kambeba, Witoto, Maraguá, Baré, Sateré, Tikuna, Tariano, Baniwa, Tukano, Dessano, Karapana, Piratapuia, Munduruku, Mura, Nawa, Bará,

    Representantes das Organizações Indigenas:

    Organização Kambeba do Alto Solimões – OKAS,  União dos Povos Indigenas do Médio Solimões e Afluentes  – UNIPI-MAS; Organização Kambeba Paulivense Omágua do Amazonas – Okopam, União dos Povos Indigenas do Coari Amazonas UICAM;  Conselho Indígena de Roraima – CIR; Coordenação dos Povos Indigenas de Manaus e Entorno – COPIME, , Coordenação das Organizações Indigenas Kaixana do Alto Solimões – COIKAS, Coordenação dos Povos Indigenas do Amazonas – COIPAM, Organização Indígena Kokama do Amazonas –  OIKAM,  Associação dos Moradores Indigenas Kokama da Cidade de Tabatinga – AMIKCT;  Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus FOCIMP.

    Ribeirinhos do Alto Madeira atingidos pelas barragens de Jirau e Santo Antonio em Rondônia.

    Pastorais e Organizações da Sociedade Civil:

    Pastoral Indigenista – PIAMA; Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Equipe Itinerante;  Cáritas; Articulação pela Convivência com a Amazônia – ARCA, Fórum da Amazônia Oriental – FAOR,  Serviço e Cooperação com o povo Yanomami – Secoya, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Casa da Cultura Urubuí.

     

     

     

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  • 09/06/2015

    Encontro no Amazonas cobra do governo demarcação de terras indígenas no Norte

    Os povos Kokama, Kambeba, Kaixana, Mayoruna, Apurina, Paumari, Nawa, Mura, Maraguá, Tariana, Baré e Macuxi se reuniram nos dias 30 e 31 de maio, no estado do Amazonas, para tratar das demarcações de terras indígenas no norte do Brasil. Na foto, indígenas durante ocupação à sede da Funaio corrida no ano passado, em Manaus. 

    Para os indígenas, o governo federal desrespeita a Constituição Federal e tratados internacionais ao paralisar as demarcações no país, com outras pastas federais, caso do Ministério da Saúde, se negando a prestar serviços de saúde tendo como justificativa que determinadas comunidades não estão em terra indígenas.

    “Só no estado do Amazonas, existem mais de 80 terras indígenas sendo reivindicadas, que se quer tiveram iniciado o procedimento de demarcação”, diz trecho do documento final do encontro, que você pode ler na íntegra:

    Documento final do Encontro sobre Demarcação de Terras Indígenas

    Nos representantes dos povos Kokama, Kambeba, Kaixana, Mayoruna, Apurina, Paumari, Nawa, Mura, Maraguá, Tariana, Baré, Macuxi, reunidos no Centro de Formação Xare, nos dias 30 e 31 de maio de 2015, no Encontro sobre a Demarcação das Terras Indígenas, socializamos as lutas e desafios enfrentados pelas comunidades indígenas das regiões do Alto Solimões, Médio Solimões, Beruri, Lábrea, Nova Olinda do Norte, Autazes e Barcelos no Amazonas e rio Moa, no município de Mâncio Lima, no Acre. Foi socializada também a experiência de luta para a conquista de demarcação da Terra Indígena raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, por duas lideranças Macuxi e feita uma análise mais ampla da política indigenista e da realidade amazônica.

    Denunciamos a omissão do governo federal na demarcação das terras indígenas como determina a Constituição Federal e a OIT. Numerosas comunidades indígenas, na região, anos a fio, vem reivindicando a demarcação de suas terras sem nenhuma resposta por parte da Funai. Só no estado do Amazonas, existem mais de 80 terras indígenas sendo reivindicadas, que se quer tiveram iniciado o procedimento de demarcação. Esta omissão por parte do governo federal coloca nossas comunidades numa situação de extrema insegurança e vulnerabilidade, expostas a violência dos invasores de todo tipo: madeireiros, garimpeiros, peixeiros e caçadores e outros que afrontam as nossas lideranças e desrespeitam nossas formas de vida e os nossos direitos. A não demarcação das terras tem sido usada inclusive como desculpa pela Sesai para negar a atenção a saúde das nossas comunidades. Ela deve ser responsabilizada judicialmente por esta renuncia aberta de suas atribuições legais. Essa atitude de discriminação para com nossas comunidades revela um profundo desprezo pela vida dos cidadãos indígenas.

    Exigimos respeito aos nossos direitos. Queremos que de forma imediata os procedimentos de demarcação das nossas terras sejam retomados, com a criação dos Grupos de Trabalho (GTs) da Funai para a identificação dos limites e a prática dos demais atos oficiais necessários para garantia de nossas terras.

    Reafirmamos a disposição das comunidades de lutar até que todas as terras indígenas na região tenham sido demarcadas, articulando entre nós, com nossas organizações e com movimento indígena de forma mais ampla e com outros setores da sociedade e a determinação de fazer o que for preciso para que este nosso direito, fundamental para o futuro de nossos povos, seja assegurado.

    Manaus, 31 de maio de 2015.

     

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  • 08/06/2015

    A CIDH condena assassinatos de indígenas no Brasil

    A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), divulgou uma nota cobrando que as autoridades brasileiras investiguem e punam os culpados pelos três assassinatos de indígenas defensores de direitos humanos no Maranhão e Bahia, que aconteceram no período de uma semana entre os meses de abril e maio. Eusebio Ka’apor foi morto em 26 de abril no território indígena Alto Turiaçu, em Maranhão; Adenilson da Silva, um Agente Indígena de Saúde do povo Tupinambá foi morto em 1º de maio, em Serra das Trempes no estado da Bahia e Gilmar Alves da Silva foi morto em 3 de maio quando andava de moto em direção à cidade de Pambú, no território indígena Tumbalalá, também na Bahia.

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) protocolou uma carta para mais de 20 órgãos, incluindo organismos internacionais, chamando a atenção para os fatos ocorridos e pedindo providências para os assassinatos das três lideranças indígenas (veja aqui). Até o momento nenhuma pessoa foi presa por nenhum desses crimes. Confira abaixo na, íntegra, a nota emitida pela CIDH:

      

    Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condena os assassinatos de três indígenas defensores de direitos humanos nos estados do Maranhão e Bahia, no Brasil.

    De acordo com informação publicamente disponível, o líder indígena EusebioKa’apor foi morto em 26 de abril de 2015, por pistoleiros encapuzados que dispararam em suas costas, no território indígena do Alto Turiaçu, no estado do Maranhão. Como outros membros da sua comunidade, EusebioKa’apor participou de um movimento contra a presença de madeireiros ilegais em territórios indígenas, o que resultou no fechamento de todas as operações madeireiras ilegais na região em março de 2015. A informação disponível indica que o nome de EusebioKa’apor estava em uma lista de pessoas que iriam ser mortas pelos madeireiros.

    Ademais, de acordo com informação publicamente disponível, Adenilson da Silva, um Agente Indígena de Saúde do povo Tupinambá, foi morto em 1º de maio de 2015, por três atiradores encapuzados próximo à Serra das Trempes no estado da Bahia. A informação indica que, quando foi atacado, ele estava com sua esposa, seu filho de 1 ano de idade e sua filha de 15 anos de idade, e que sua esposa recebeu ferimentos de bala nas pernas e costas. Sua esposa e filho foram hospitalizados.

    A informação disponível também indica que o defensor de direitos humanos Gilmar Alves da Silva foi morto em 3 de maio de 2015. Ele andava de moto em direção à cidade de Pambú, localizada no território da comunidade indígena Tumbalalá, quando foi baleado por dois indivíduos não identificados que viajavam em um carro. As informações recebidas indicam que a polícia militar teria localizado o veículo e as armas utilizadas para matá-lo, mas que os autores ainda não foram presos.

    A Comissão Interamericana insta o Estado do Brasil a investigar esses assassinatos com a devida diligência, e a processar e punir os responsáveis. Nesse sentido, a Comissão insta as autoridades competentes a explorar todas as linhas lógicas de investigação, inclusive a possibilidade de que essas mortes foram motivadas pelas atividades destes líderes indígenas no seu papel de defensores de direitos humanos. A CIDH também insta o Estado a adotar medidas, sem demora, para proteger a vida e a integridade física dos povos indígenas e seus líderes e defensores de direitos, com atenção à sua identidade cultural, perspectiva e concepção de direitos.

    Atos de violência e outros ataques perpetrados contra os defensores de direitos humanos não só afetam as garantias que pertencem a cada ser humano; eles também prejudicam o papel essencial que os defensores de direitos humanos desempenham na sociedade ao deixar desamparados todos aqueles por quem estes defensores lutam. A CIDH insta o Estado do Brasil a tomar todas as medidas necessárias para assegurar que os defensores de direitos humanos possam realizar o seu trabalho de denúncia, acompanhamento e proteção, livres de ataques ou atos de violência que possam colocar em perigo a sua vida, integridade e segurança.

    A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandado surge da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA sobre o tema. A CIDH está integrada por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sendo que eles não representam seus países de origem ou residência.

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  • 06/06/2015

    Porantim 376: Violenta e perversa realidade

    Mantida por mais de cinco séculos, a violência praticada contra os povos originários aumenta a cada ano. Esta edição traz dados e artigos publicados no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2014, que pretendem contribuir para o aprofundamento da reflexão sobre as causas e motivações dessas violações e, consequentemente, para o seu fim. Mantida por mais de cinco séculos, a violência praticada contra os povos originários aumenta a cada ano. Esta edição traz dados e artigos publicados no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2014, que pretendem contribuir para o aprofundamento da reflexão sobre as causas e motivações dessas violações e, consequentemente, para o seu fim.

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  • 06/06/2015

    Encarte pedagógico 5: Cosmovisão indígena e modelo de desenvolvimento

    Encarte pedagógico, voltado a professores e professoras, que acompanhou a edição 376 do jornal Porantim.

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  • 04/06/2015

    “Pararam as demarcações, mas nós não paramos e vamos avançar em defesa do nosso direito”, diz Getúlio Guarani e Kaiowá

    Entre o som sagrado dos mbarakas e as rezas dos Ñanderu e Ñandecy – líderes espirituais e rezadores – a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, entre os últimos dias 31 e 1º de junho, saiu dos corredores do poder em Brasília para conferir de perto a situação do povo Guarani e Kaiowá nos tekohas – lugar onde se é – do Mato Grosso do Sul. Com os parlamentares, representantes do Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    As lideranças indígenas afirmaram que se a situação que vivem não mudar e as demarcações não acontecerem, os Guarani e Kaiowá iniciarão um processo de retomada geral de seus territórios. Getúlio, importante Ñanderu Kaiowá, após a fala de mais de 15 lideranças de acampamentos às autoridades, disse: “Hoje estamos chorando e morrendo. Eles pararam as demarcações, mas nós não paramos e vamos avançar em defesa do nosso direito”. A procuradora da República e coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, Deborah Duprat, afirmou que a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul é “um absurdo contra a vida humana e a dignidade”.

    A visita oficial teve como objetivo coletar informações, relatos e ver de perto as denúncias que chegam periodicamente às autoridades envolvendo os constantes atentados contra o povo, alto índice de suicídio e mortandade, além de equacionar os lamentáveis eventos com a paralisação completa das demarcações de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. O bispo de Dourados, Dom Redovino Rizzardo, esteve durante o dia 30 no tekoha Apyka’i e se comprometeu com a questão indígena e a demarcação dos territórios tradicionais dos Guarani e Kaiowá.     

    O grupo foi recebido em cores, palavras e relatos de cada Guarani e Kaiowá, em contraste com as dificuldades em preto e branco que vivem. Pulsaram séculos de história, cultura viva e resistência. A comitiva registrou aspectos de uma espécie de Estado de Exceção vivido pelos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, onde os teores de uma verdadeira política de extermínio estão colocados em prática pelas forças locais ligadas ao agronegócio, com a conivência do governo brasileiro.

    O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, declarou aos Guarani e Kaiowá: “Nós temos um compromisso. O que vi e senti me dá autoridade e conhecimento para avançar e não mediremos esforços quanto Comissão de Direitos Humanos para somarmos na luta diária de vocês e garantirmos os direitos dos povos indígenas”.

    Guyraroká, demarcação já!

    Localizado no limite dos municípios de Dourados e Caarapó, no tekoha Guyraroká beleza e dor se mesclaram na receptividade e nos rostos dos Guarani e Kaiowá. A dança e da reza conduziram os representantes da comitiva até uma maloca de capim. Abrigados da chuva, os visitantes puderam ouvir em uma só voz, durante alguns minutos, toda a comunidade gritar emocionada: “Demarcação de Guyraroká, homologação de Guyraroká, não a suspensão de Guyraroká”.

    Após os gritos cessarem, seu Tito e dona Miguela, com seus respectivos 95 e 80 anos, abriram as portas da história e da sabedoria tradicional para iniciarem oficialmente os relatos. Na roda, ouvindo atentos, indígenas de todas as idades mesclaram o “ontem” e o “hoje” com uma única esperança: ter uma boa notícia sobre o futuro de seu lugar no mundo, de seu tekoha.   

    O fato de um senhor de tão avançada idade ter de servir de testemunha viva pelos ataques sofridos por sua comunidade, já significa em si a dramaticidade da situação vivida pelo grupo de famílias de Guyraroká. Sofrem não apenas com as armas dos fazendeiros, mas em especial pelas mãos da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que aponta em suas decisões a possibilidade de não garantir o Guyraroká em sua demarcação. Tito, na língua materna, expressou com clareza: “Eu nasci aqui, não em qualquer outro lugar, mas aqui. Conheço cada palmo desta minha terra e agora sem nenhum palmo da minha terra querem me deixar. Caarapó, Dourados, Naviraí não eram cidades, não existiam, mas nós já tínhamos aqui nossa cidade, nosso tekoha. Aqui mora nossa história, tudo que somos, se rasgam um kuatiá (papel), não rasgam só processo, rasgam a gente ao meio, os bichos ao meio, o mato, todos nós”.

    Crimes ambientais, falta total de condições e políticas básicas de sobrevivência, relatos de perseguição, ameaças e agressões diretas pelos fazendeiros locais dão corpo ao contado por seu Tito e dona Miguela. “De tudo que nos falta (referindo-se à água, à saúde, ao saneamento), a única que pode nos trazer paz é a terra. Acabando a terra, acaba o mato. Sem ela nossas almas, nossos corpos ficam doentes. Sem ela não temos a cera das abelhas para batizar nossas crianças, o alimento para o povo, não podemos viver e passar nossa cultura”, disse Dona Miguela. 

    Enquanto os assessores coletaram depoimentos gravados de violações sofridas pelos indígenas, Paulo Pimenta traduziu em palavras o objetivo da viajem, palavras que seriam reforçadas e repetidas durante todas as paradas da comitiva: “Vir aqui, ouvir vocês é essencial, as vozes de vocês, o conhecimento de sua dura realidade nos concede autoridade, autoridade para defendermos os direitos dos povos indígenas, buscaremos investigação a respeito dos fatos narrados assim como buscaremos intervenções junto a todos os setores que atacam os direitos dos povos indígenas, não viemos aqui para viajar, viemos aqui em respeito e compromisso com a grave violação dos direitos dos povos originários”.

    Na terra indígena de Taquara, segunda parada da comitiva, os cantos e as danças tradicionais continuaram conduzindo os passos de cada um dos representantes. Logo nas falas da apresentação, pode-se sentir que as súplicas de apoio e denúncia do povo de Guyraroka tomariam forma de um brado indignado e cheio de dor. Denúncias de agressões, estupros, assassinatos, atentados, crimes ambientais e contra os direitos humanos foram levantados por todas as lideranças que fizeram uso da palavra.

    As lideranças e rezadores proferiram falas de repúdio contra a PEC 215, Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), PL 227, PL 1216, suspensões de portarias declaratórias vindas da 2ª Turma do STF, mesas de diálogo do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, contra a implementação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), e narraram aos presentes como a paralisação dos procedimentos de demarcação e desintrusão de seu território tem causado uma onda ininterrupta de violência por parte dos fazendeiros. Ernesto Verón pediu: “Levem daqui todo o sofrimento de um povo, tragam no retorno Justiça, porque aqui embaixo já deixamos de saber o que é Justiça há muito tempo, mesas de diálogo, enrolação, desculpas, isso já nos levou 25 anos sem nossa demarcação”.

    As lideranças presentes fizeram questão de denunciar os aspectos sombrios e criminosos que envolvem a estratégia ruralista assumida pela 2ª Turma do STF, o Marco Temporal. Os mais velhos contaram como testemunhos de como foram expulsos de seus territórios, inclusive muitos deles sendo levados para campos de concentração para que o esbulho de suas terras fosse consolidado.

    A procuradora da República Deborah Duprat afirmou que “hoje os crimes contra os povos indígenas são praticados pelos fazendeiros, mas não há duvida que os sejam praticados pelo Estado Brasileiro. Dentre os inimigos dos povos hoje, o mais terrível tem sido o judiciário. Há um impeditivo nas demarcações de parte do Executivo, mas também há impeditivos que partem do Judiciário, e é nosso compromisso com vocês buscar dar voz indígena aos processos, para que sejam ouvidos como nós ouvimos vocês. Buscaremos, junto com a Comissão de Direitos Humanos, dialogar com o STF, com os ministros e buscaremos espaços para que vocês também possam dialogar com eles, para demonstrar que certas decisões são absurdas, são crimes. Falando em crimes, também buscaremos junto à Comissão de Anistia reparação em relação ao Krenac e demais reformatórios pelos quais muitos de vocês passaram. Somaremos na 6ª Câmara as campanhas de Justiça aos povos indígenas”.

    Tey’i Juçu, um acampamento que resiste

    Ao cair da noite, a comitiva chegou ao acampamento indígena de Tey’i Juçu, uma retomada do povo Guarani e Kaiowá e lá foi recebida por inúmeras lideranças de 11 outros acampamentos e retomadas indígenas. Em uma grande reunião de Ñanderu e Ñandecy, foi iniciado um longo e belo ritual de acolhimento. Nas palavras de cada líder, o quadro de violência e violação foi intensificado – tanto em forma, quanto em quantidade. Foram registrados para além dos ataques diretos e assassinatos por parte dos fazendeiros, problemas graves sobre falta de educação, saúde, saneamento, falta total de alimentos e água potável. Ficou evidente que a raiz de toda a violência sofrida pelas famílias Guarani e Kaiowá dos diferentes tekohas é a falta de demarcação de seus territórios.

    Através dos acampados, que têm sua situação de drama humanitário potencializado pelas condições precárias de vida e moradia, a denúncia foi forte quanto ao engessamento da Funai e a rede de consequências das posições do Executivo e Legislativo, sentidas e sofridas pelos indígenas em situação de acampamento. Com apoio de antropólogos locais e professores universitários, que em solidariedade se juntaram aos indígenas para esperar a comitiva, foi relatado que a partir das últimas decisões de Brasília, hoje é quase impossível iniciar um estudo em área indígena. Levi Marques, antropólogo responsável por muitos dos relatórios que ainda não foram apreciados pela Funai, testemunhou: “Tudo está parado, interrompido, os “peguás” (divisão de estudos por bacias dos rios) não têm andamento há muito tempo. Anteriormente a Polícia Federal acompanhava o antropólogo a campo, hoje dizem que se necessita de ordem judicial. Neste emaranhado todo, quem perde são sempre os indígenas”.

    Deborah Duprat lembrou a todos que a Funai tem poder de polícia para dar continuidade aos estudos de terra, onde já foram constituídos os Grupos de Trabalho ou já exista disponibilidade dos profissionais. Em relação a falta de escola e estruturas de saúde, queixa de todos os acampamentos, a procuradora da República lembra que existem decretos específicos que asseguram aos indígenas direito pleno de acesso às questões básicas.

    Guayviry, luto ainda sem fim

    Na manhã seguinte, na aldeia de Guayviry, a comitiva ouviu as palavras de uma anciã Guarani e Kaiowá. A mãe de Nísio Gomes, cacique do Guayviry assassinado em 2011 por fazendeiros e um grupo de seguranças armados, abriu a reunião dizendo: “Queremos pelo menos os ossos de meu filho. Demarque nossa terra, ela é nossa, para pelo menos ter validade o sangue que ele derramou sobre a terra e acalmar nossa dor”. Genito Gomes convidou a todos e todas para que se dirigissem ao local em que Nísio Gomes foi assassinado, em 2011, numa pequena clareira do tekoha, ao som de um lamento doloroso das rezadoras. O crime foi explicado e revivido pelo povo de Guayviry.

    Após a fala de inúmeras lideranças, vindas de diversas terras do Sul do estado, foi lida uma carta endereçada à comissão de Direitos Humanos, entregue ao deputado Paulo pimenta pelas crianças da comunidade. Após o ato, compromissos foram firmados com os Guarani e Kaiowá.

    As falas de Debora Duprah, do deputado Paulo Pimenta e dos demais alinharam-se em dizer que não medirão esforços na busca pela reversão do quadro visto e vivenciado pela comitiva. Os órgãos presentes buscarão o diálogo com o Judiciário e que pretendem levar para campo os ministros do STF. Afirmaram que irão defender com força a anulação dos mecanismos de desmonte e alteração da Constituição, como a PEC 215, PL 1216, entre outras. O destravamento das demarcações, em especial naquilo que está com o Ministério da Justiça, e que imediatamente cobrarão das instâncias responsáveis as melhorias nas áreas de saúde, educação e moradia de todos os acampamentos.

    Daniel Velasquez, professor e liderança de Guayviry, representando todas as vozes dos Guarani e Kaiowa, disse que os indígenas estão felizes por terem encontrado aliados em meio a tantos agressores, mas que até que por respeito a vida não podem esperar mais. “É uma decisão do governo federal impedir a morte de nosso povo”, diz. Ava Kuarahy, de Kurusu Ambá, complementa dando vida à carta entregue às autoridades: “Nós não morreremos quietos, nem esquecidos. Até que consigamos nossos direitos e nossas terras de volta, vamos lutar e enterraremos todos nossos mortos na Esplanada dos Ministérios para que o mundo saiba o que está acontecendo. Vão, contem nossa história e nossa dor, sejam as armas da Justiça para acabar com essa situação. Nós não podemos esperar mais”.

    A comitiva partiu no horizonte acompanhada pelos olhos de muitos indígenas que esperam que do mesmo horizonte um dia possam deixar de ver a morte se aproximando, numa vida de cerco e violência, que só acabará com a demarcação de seus territórios.  

    Dom Redovino se compromete com os Guarani e Kaiowá

    Em ato solidário, Dom Redovino Rizzardo, bispo de Dourados, na manhã fria de sábado, 30 de maio, enfrentou a chuva forte e o barro do acampamento do Apyka’i para estar junto às famílias Guarani e Kaiowá, ouvir suas denúncias e se mostrar como anúncio de conforto e de esperança.

    Em torno dos barracos improvisados, as lideranças e famílias de Apyka’i relataram ao bispo todos os anos de sofrimento, as mortes de inúmeros indígenas do acampamento, as pressões, ataques e o desespero das familiais Guarani e Kaiowá frente ao iminente despejo anunciado – mais um.

    Uma das lideranças da comunidade explicou a Dom Redovino e aos missionários do Cimi presentes que a comunidade irá resistir a nova ordem judicial de despejo. Contou que hoje os Guarani e Kaiowá de Apyka’i sofrem pela possibilidade de expulsão de sua terra tradicional, e que não têm alternativa: dali não saem e estão dispostos a seguir até as últimas consequências. Explicaram ainda que o MPF ingressou com um pedido de aquisição de parte do território, por parte do governo federal, até que os estudos demarcatórios sejam concluídos. Por conta de um embargo de um juiz local, a questão não teve procedimento, acabando com as esperanças da comunidade de uma resolução pacífica para o problema.

    Dom Redovino ouviu o clamor dos Guarani e Kaiowá e acompanhou-os até o cemitério tradicional da comunidade, onde as rezas entoadas em idioma originário ecoavam pelo pequeno espaço de terra ocupado hoje pelos indígenas, ladeando um córrego e um pequeno rastro de mata, sobras da plantação de cana que divisa com o acampamento indígena.   

    Em anúncio, Dom Redovino falou à comunidade, que dentro de suas possibilidades buscará o diálogo com os setores do Judiciário e órgãos públicos cabíveis, colocando-se à disposição para trazer Justiça ao caso e evitar que a comunidade continue em seu sofrimento. Em meio ao desespero, a comunidade devolveu ao bispo sorrisos e gestos de afeto. Em meio a chuva e ao barro, as nuvens pesadas sobre Apyka’i abriram espaço para uma manhã de partilha e de esperança.                   

     

            

     

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