• 29/07/2015

    Dom Erwin Kräutler: “O caos estava programado de antemão”

    138 índios assassinados (sem contar as tentativas de homicídio), 135 suicídios, 785 crianças indígenas mortas, 118 casos de morosidade na regularização de terras e 84 invasões possessórias. Isso apenas em 2014, segundo o relatório Violência contra os povos indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

    Presidente do CIMI, Dom Erwin Kräutler é bispo do Xingu há 50 anos e um dos maiores opositores da construção da usina de Belo Monte, e por isso conta com autoridade e experiência para explicar o grau de intolerância da sociedade em relação aos indígenas, que sofrem incessantes ataques aos seus direitos desde a chegada do homem branco ao dito “Novo Mundo”. Para ele, essa problemática está engendrada em nossa cultura: “grande parte do material didático das escolas deve ser revisado. A verdadeira história do Brasil precisa ser contada não do ponto de vista dos que ‘descobriram’, mas do ponto de vista das vítimas que são, em primeiro lugar, os povos indígenas”.

    O religioso austríaco naturalizado brasileiro foi consultado pelo Papa Francisco para a formulação de sua Encíclica “Laudato Si” e critica o processo de desenvolvimento brasileiro na mesma linha que o Papa alerta para as consequências do capitalismo desenfreado: “optar por um crescimento que deteriora cada vez mais o meio ambiente é cortar o galho em que estamos sentados”. E chama atenção para a demarcação de áreas indígenas como “uma forma de salvaguardar parte da Amazônia contra a fúria do agronegócio, das empresas mineradoras e hidrelétricas”.

    A seguir, em entrevista exclusiva para o Greenpeace Brasil, Dom Erwin Kräutler fala sobre a violência, a mortalidade, o preconceito e a indiferença que ainda permeiam as relações com as comunidades indígenas.

     

    O Relatório do Cimi sobre Violência Contra os Povos Indígenas, lançado semana passada, registrou uma escalada na taxa de violações contra esses povos, com crescimento de 42% no número de assassinatos. No texto de abertura do relatório, o senhor pede misericórdia aos indígenas que “encontram-se hoje feridos entre o Chuí e o Oiapoque”. A que você atribui este aumento?

    Há vários motivos para a escalação da violência. O primeiro está ligado à não-demarcação das áreas indígenas. O governo é refém do agronegócio e a bancada ruralista é contra demarcações previstas na constituição. A PEC 215 quer tirar do Executivo a prerrogativa de demarcar áreas indígenas e fazer depender qualquer demarcação de uma votação no Congresso. Isso equivale a dizer que não haverá mais demarcação, porque a bancada ruralista, cujo número de assentos no Congresso aumentou, não vai votar a favor de área indígena. Percebe-se, em segundo lugar, um ressurgimento de antipatia e aversão aos indígenas. Mesmo que eles estejam amparados pela Constituição em seus direitos a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam” (Art. 231), continua arraigada no coração de muitas pessoas a ideia de que índio “não é gente”, é “bicho do mato”, é “bugre”, é “caboclo”, é inferior, pária, segregado. Não se admite que os indígenas tenham direito às suas terras ancestrais já que não as exploram para o mercado e a exportação. Numa sociedade orientada pelos ditames neoliberais de investir e lucrar, os indígenas são considerados obstáculos para o desenvolvimento. Lula declarou isso em 2006, em um banquete oferecido pelo então governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, quando o então presidente identificou índios, quilombolas, ambientalistas e até o Ministério Público como “entraves” para o progresso.

    Entre os dados do relatório, talvez o mais impressionante seja a taxa de mortalidade de crianças entre 0 e 5 anos, que é de 785 mortes em 2014. Em Altamira, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141 a cada mil crianças, número dez vezes maior que a taxa nacional. O que causa estas mortes no Brasil? E em Altamira, Belo Monte contribui com esse quadro?

    Há várias causas para este descalabro que envergonha o país, mas vejo um relacionamento entre a mortalidade de crianças e os grandes projetos governamentais que parecem ser algo sacrossanto, decidido nos altos escalões do governo sem levar em conta quem vive na área. A decisão e as deliberações sobre a execução do projeto são tomadas em lugar “asséptico”, como se o povo não existisse e muito menos o meio-ambiente, que é a casa em que esse povo vive. A decisão é indiscutível e irrefutável, pois o projeto é considerado de “interesse nacional”. Uma vez decidido o projeto, encaminha-se o EIA-RIMA. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o primeiro item analisado em impactos ambientais é “a saúde, a segurança e o bem-estar da população“. Mas este ponto é o mais negligenciado, haja vista a situação caótica de Altamira. Já contando com o afluxo de milhares de pessoas, em vez de providenciar uma infraestrutura hospitalar e de assistência médica, deu-se luz verde à construção, relegando as condicionantes exigidas pelo Ibama ou pela Funai a segundo plano. No caso de crianças indígenas, a realidade é mais vergonhosa. Em muitas aldeias, faltam medicamentos elementares. Com todos os avanços de tratamento de saúde no mundo, aqui morre criança acometida por diarreia e vômito e outras causas facilmente tratáveis. Quem não se revolta com um orçamento muito aquém do necessário para a saúde e bem-estar precários da maioria dos brasileiros? Quem não fica indignado quando percebe o abismo entre os que tem condições de se tratar nos melhores hospitais e o povo madrugando em fila para marcar consulta ou aguardando atendimento, deitado no chão de um corredor de posto de saúde ou hospital superlotados?

    Além da violência física, o preconceito e a indiferença são marcantes na sociedade brasileira. Muitas pessoas se manifestam contra os indígenas em nossas redes sociais, culpando-os pelos danos florestais, dizendo que não pagam impostos, trancam estradas, obstruem o desenvolvimento etc. Muitas vezes, o que reforça esse preconceito é o acesso de índios a serviços básicos como telefonia e internet. Até quando vestem calças e camisetas viram alvo de crítica, como se deixassem de ser índios. Por que o senhor acha que existe tanta hostilidade em relação aos indígenas e como romper com isso?

    Grande parte da sociedade brasileira ainda não entranhou os parâmetros da Constituição de 1988, que consagra os direitos dos povos indígenas. Continuam em voga padrões ultrapassados de constituições anteriores que defendiam a tese da “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. É isso que os anti-indígenas de norte a sul querem: aplicar os parâmetros das antigas constituições. O índio tem que se tornar brasileiro “comum“, tem que abdicar à sua identidade de pertencer a esse ou aquele povo. A atitude de muitos anti-indígenas não deixa de ser esquizofrênica: por um lado, índio tem que deixar de ser índio, tem que sair da aldeia, tem que largar sua maneira de ser, seus cocares e pinturas corporais para ser um brasileiro igual a todos. Mas, por outro lado, se o índio veste calça jeans e camiseta estampada, usa telefone celular e fala bem português, aí os defensores de brasilidade idêntica para todos começam a gritar que ele não é mais índio. Preconceito gera intolerância e hostilidade. É puro racismo! E racismo é crime. O preconceito começa cedo. Grande parte do material didático de nossas escolas tem que ser revisado. A verdadeira história do Brasil precisa ser contada não do ponto de vista dos conquistadores, dos que “descobriram” e dominaram a Terra de Santa Cruz, mas do ponto de vista das vítimas que são, em primeiro lugar, os povos indígenas e depois os negros trazidos como escravos. “O Brasil não tem ideia da riqueza humana e cultural que se perde ao insistir em uma política que não se cansa de tentar transformar índios em pobres, ‘integrados’ às levas de marginalizados que ocupam as periferias das grandes cidades” escreveram Maria Rita Kehl e Daniel Pierri no Dia do Índio, em 2015, na Folha de S. Paulo.

    A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, prevê a consulta e a participação dos povos tradicionais na produção de leis e políticas que interferem em suas vidas. Qual a importância desse mecanismo na defesa dos direitos indígenas? A Convenção tem sido respeitada nos casos de grandes obras de infraestrutura, como as hidrelétricas planejadas para a Amazônia, a exemplo de Belo Monte e Tapajós, próxima tragédia em iminência na região?

    No caso de Belo Monte, não houve consulta nem participação dos indígenas. Houve um faz-de-conta de consulta. Representantes do governo foram a diversas aldeias para explanar aos índios o que iria acontecer, querendo convencê-los de que a hidrelétrica só traria vantagens. A fim de dobrar os índios, apresentaram mapas e deitaram falação em forma de monólogos muitas vezes incompreensíveis. Os índios não tiveram oportunidade de expor seu ponto de vista. Em diversos casos, a barreira linguística impediu desde o início uma oitiva de verdade. O pessoal enviado a determinada aldeia não falou o idioma indígena e não se deu ao luxo de deixar acompanhar-se por intérpretes fidedignos. Realidade é que nenhum dos povos atingidos teve oportunidade de se manifestar. A iniciativa nada mais foi do que camuflar de “oitiva” uma mera explanação sobre a planejada hidrelétrica. O desembargador Souza Prudente alertou, em agosto de 2012, que a consulta teria que ser prévia e não podia ser “póstuma”, mas na realidade a consulta nem sequer foi póstuma. Do ponto de vista da legislação vigente, ela é ilegal pois fere os parâmetros da Constituição da República Federativa do Brasil e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Uma notícia alvissareira neste contexto pode ser a decisão tomada pela Justiça Federal de Itaituba e pelo Ministério Público Federal que proibiram o licenciamento da Usina São Luiz do Tapajós enquanto não for realizada “a consulta prévia, livre e informada sobre o assunto“. Antes de qualquer licenciamento, tanto os povos indígenas como os ribeirinhos terão que ser ouvidos. O Ministério Público Federal solicitou ainda à Justiça que determine levantamentos mais amplos sobre os impactos ambientais na região. Faço votos de que nenhuma instância superior venha agora derrubar esta sentença, alegando “interesse nacional“.

    Entre diversos ataques do Congresso aos direitos indígenas, em junho foi reinstalada uma Comissão Especial para analisar e aprovar o PL 1610, que trata sobre mineração em territórios indígenas. Segundo o deputado Índio da Costa, presidente dessa Comissão, os índios não perderiam nenhum direito, apenas teriam mais um: o de escolher se aceitariam ou não a mineração em suas terras. Se aprovada a lei, com base no histórico brasileiro neste tipo de processo de consulta, o senhor acha possível que povos contrários impeçam a mineração em suas terras?

    A mineração em terras indígenas é uma verdadeira espada de dois gumes. Se os índios não “cederem”, parece-me fácil prevalecer a tese das mineradoras que a pesquisa e lavra de minerais nobres como ouro, diamante e nióbio (usado em usinas nucleares) são de “interesse nacional” e de fundamental importância para o país. O lobby das mineradoras no Congresso Nacional é grande, e é difícil acreditar que algum povo indígena levará vantagem contra as mineradoras. Se os indígenas concordarem com a pesquisa e lavra de minérios em suas terras, é um tiro no próprio pé, pois assinala o fim de sua existência como povo. Serão vítimas do que chamo de “auricídio”: o ouro ou outro minério mata suas relações comunitárias e os fará sucumbir a um consumismo letal. A presença de não-indígenas fará estímulos não-indígenas se sobreporem a seus costumes e tradições. Nenhum povo indígena sai ileso da mineração em seu território. Não esqueçamos também o risco de contaminação dos rios e do meio-ambiente em que a mineração implica. A extração de ouro industrial exige a retirada de toneladas de terra e rocha. Para cada tonelada, um grama de ouro será retirado. O problema é que o processo vai expor o arsênio contido na rocha, que, em caso de vazamento para o rio, pode ter consequências mortais para as comunidades indígenas que vivem das águas do Xingu. Para o mesmo um grama de ouro, são liberados até sete quilos de arsênio, “que é altamente tóxico“. Essaadvertência divulgada no site do MPF/PA dispensa qualquer comentário.

    Alguns criticam a encíclica do Papa Francisco, que teve o auxílio do senhor em sua formulação, por conter um discurso anticapitalista, uma vez que ele nos convida a rever alguns hábitos da nossa cultura, como o consumismo exagerado. Muitos opõem conservação ambiental com o crescimento do país, como se fosse possível apenas uma coisa ou outra. A seu ver, essa dicotomia é real? 

    Ao ler as raras críticas à Encíclica “Laudato Si” do Papa Francisco, logo me dei conta de que seus autores ou não leram o documento ou o leram superficialmente ou o leram movidos por preconceitos. Dou como exemplo o recado dado ao Papa pelo candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Jeff Bush. Sem o acanhamento, sentencia que o papa teria feito melhor se deixasse “assuntos de ciência aos cientistas”. Com o comentário, revela que não entendeu nada, pois a encíclica não tem a pretensão de ser um tratado científico. Na realidade, alguns políticos conservadores e empresários consideram o Papa “liberal demais”, por sua abertura a questões sociais e sua crítica a um capitalismo selvagem, gerador de miséria e exclusão social. A encíclica não se restringe aos católicos, pois a questão do meio-ambiente ultrapassa qualquer fronteira confessional. Trata da sobrevivência da humanidade. É absurdo colocar o crescimento do país em oposição aos cuidados que o meio-ambiente exige. Optar por um crescimento que deteriora o meio-ambiente é cortar o galho em que estamos sentados. O Papa lança “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós“ (LS 14). Lamenta que “a terra, nossa casa, parece se transformar num imenso depósito de lixo“ (LS 21). Insiste que “a humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam“ (LS 23). E dá seu recado em vista da Conferência Mundial do Clima em Paris dizendo: “A submissão da política à tecnologia e à finança se demonstra na falência das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afetados os seus projetos“ (LS 54). Quem de nós que nos engajamos na Amazônia e lutamos contra a exploração inescrupulosa desse macro-bioma e em defesa dos povos que habitam esta terra não se sente apoiado quando lê as palavras do Papa? “É louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais“ (LS 38). Quanto aos povos indígenas o Papa Francisco enfatiza: “É indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura“ (LS 146).

    Para finalizar, é sabido por meio de diversos estudos que as terras indígenas são uma das formas mais efetivas de prevenção do desmatamento, que é um dos grandes responsáveis pelas emissões de gases efeito estufa na atmosfera. No entanto, o ano de 2014 foi marcado pela morosidade do Poder Executivo em assinar e homologar terras indígenas já demarcadas e sem nenhum impedimento legal. O senhor acredita que um dos caminhos para o Brasil se firmar líder no combate às mudanças climáticas seria ampliar o número de territórios indígenas?

    A demarcação das terras, além de ser um direito constitucional dos povos indígenas e a garantia de sua sobrevivência física e cultural, contribui também para salvar pelo menos parte da Amazônia. A história recente da região Alto Xingu da Prelazia do Xingu, no Pará, ilustra a tese de que a demarcação de áreas indígenas tem imensa importância para o conjunto da Amazônia. São Félix do Xingu emancipou-se de Altamira em 29 de dezembro de 1961. Estive pela primeira vez nesse município em 1967. Sobrevoando naquele tempo a região, só se via selva e água e as minúsculas clareiras da sede do município e das aldeias indígenas do povo Kayapó. Jamais esqueço o impacto deste mundo de todas as nuances e tonalidades de verde do qual emergiram os ipês em flor, lilás ou dourados. Em menos de meio século, quase nada restou da paisagem deslumbrante. O paraíso foi arrasado, a biodiversidade em grande parte destruída e a terra desnudada. Hoje, sobrevoando a região, pode-se ver onde terminam as áreas indígenas demarcadas e começa a melancólica vastidão das áreas desmatadas. O que sobrou de vegetação originária são apenas as áreas indígenas demarcadas. Esses dados demonstram por si que a demarcação de áreas indígenas junto aos parques nacionais – que representam pouco mais de um milhão de quilômetros quadrados ou 26% da Amazônia Brasileira – é uma forma de salvaguardar parte da Amazônia contra a fúria do agronegócio, das empresas mineradoras e hidrelétricas. A demarcação das áreas indígenas prevista na Constituição e um recomendável aumento de número de parques nacionais granjearia ao Brasil o respeito da comunidade internacional pois mostraria ao mundo a determinação em fazer sua parte para “mitigar a mudança climática” já que a “perda das florestas tropicais piora a situação” (LS 24).

  • 28/07/2015

    Amazônia: agir com sabedoria é agir a favor da terra

    Cada gesto que fazemos em direção à mãe-terra desencadeia um processo de conseqüências boas ou más sobre a vida no Planeta. Quando este gesto ou investimento é correto desencadeia um processo de conseqüências a favor da vida, alcançando o objetivo da ação e outros no seu caminho.

    Em uma estrada com declive a água das chuvas prejudica não apenas a estrada, mas causa erosão e assoreamento em todo o seu caminho rumo ao mar. O que se faz costumeiramente, à frente o poder público, é levar essas águas o mais depressa possível para dentro do igarapé, rio ou mar, acumulando um problema atrás do outro. A água abre sulcos cada vez mais profundos nas laterais da estrada, causa frequentes avalanches, transporta toneladas de terra que vão assorear igarapés e rios, prejudicando a flora e a fauna aquáticas… Ou seja, se desencadeia um processo de destruição que futuramente exigirá fortunas para ser reparado.

    Acolhendo esta água no sítio ao lado resolvemos o problema dos usuários da estrada: a erosão. Economizamos o dinheiro para a manutenção da estrada. No sítio a água canalizada irriga as plantas. E, abrindo buracos ao longo do canal, de espaço em espaço e enchendo-os com matéria orgânica resultante de poda ou lixo orgânico, estes formarão “ilhas de fertilidade”, onde poderão ser cultivados frutos, hortaliças ou plantas medicinais.  Os canais ainda absorverão e filtrarão parte da água que abastecerá o lençol freático… Assim a simples canalização da água para dentro de um sítio pode desencadear ações a favor da vida e do planeta.

    Semelhantemente, repetimos, a cada hora do dia que passa ações de consequências positivas ou negativas. A existência de sauveiros ou formigueiros de saúvas tem a sua finalidade positiva. São amaciadores e adubadores da terra árida e mediante os canais que criam no solo abastecem as águas os lençóis freáticos. Mantidos sob controle mediante água e serragem, protegem-se as flores e fruteiras e mantém-se a terra adubada e úmida… Combatidos com veneno desencadeamos processo inverso, de malefícios para a vida na terra. Destruímos a finalidade de sua existência, envenenamos a terra e os alimentos que ela produz. E os processos nefastos se prolongam ao infinito. O governo ainda não avaliou e talvez nunca vá avaliar os prejuízos que causou à Amazônia, ao mundo e continua causando com a entrega do chapadão dos Parecis e do estado de Tocantins ao agronegócio, que destruiu milhões de sauveiros que regulavam as águas rumo ao rio Amazonas e ao mar.

    Visite-se Santarém, considerada uma das concentrações humanas mais antigas das Américas. Vejam o que a Prefeitura e a população vêm fazendo com a “terra preta”, a melhor terra de toda a região amazônica. O que gerações e gerações de humanos acumularam com sua sabedoria para o cultivo da terra está sendo diariamente “enxotado” às toneladas, como lixo, para o Rio Tapajós, para o rio Amazonas, para o mar… para ser substituída por asfalto e cimento.

    Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como comodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa.

    Todas as metrópoles são arsenais ou fábricas de burrice porque se estruturam todas sobre processos iníquos. É asfalto e cimento cobrindo a mãe-terra. São arranha-céus que exigem milhões de toneladas de seixo ou brita que vão aniquilando o alimento e os refúgios da fauna dos rios ou desmontam com potentes dinamites milhões de toneladas de rochas, abalando a estrutura do solo e do subsolo…

    A exploração da floresta para transformar sua madeira em mercadoria não é sustentável, pois também desencadeia processos nefastos para a humanidade. O madeireiro não reconhece e não vê valor nos cipós e na variedade imensa de plantas valiosas não-madeireiras, nem os animais silvestres e nem o abrigo das águas.

    O sustento e o incentivo cego às fábricas de carros e de plásticos descontrola a humanidade com relação ao destino do lixo inorgânico…

    O “cidadão” se transforma em um “urbanagem”, em “urbanoide”. Viciado por milhares de leis escritas acaba estruturando sobre elas toda a sua “sabedoria” e ”ciência”. A ciência congênita, ou consciência, fica em segundo plano ou até totalmente esquecida, tornando o cidadão um “paraplégico” entregue aos “cuidados” de um Estado cego, sempre descontrolado pelas forças ou interesses que o comandam. Assim em meio a toda esta crematística, como Aristóteles denomina este tipo de “economia” que vem sendo praticada pelos Estados, é salutar pensar na transformação do sistema político e social vigente e não apenas em paliativos.

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  • 27/07/2015

    Povo Terena retoma três fazendas da Terra Indígena Taunay/Ipegue, em MS

    Cerca de 500 indígenas do povo Terena retomaram, na madrugada desta segunda-feira (27), três fazendas que estão localizadas dentro da Terra Indígena Taunay/Ipegue, no município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Juntas, as áreas somam 6 mil hectares.

    O procedimento administrativo de ampliação da área, demarcada originalmente em 1905 pelo marechal Cândido Rondon, tramita há quase 30 anos. Em janeiro de 2009, foi encaminhado da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao Ministério da Justiça e, desde então, encontra-se paralisado, junto com outros 16  processos, aguardando a assinatura da Portaria Declaratória pelo ministro José Eduardo Cardozo.

    A liderança Alceri Terena explica que o povo decidiu retomar o território devido à morosidade na regularização de suas terras.  “Estamos cansados de esperar. As negociações [com fazendeiros do estado] estão engavetadas e o processo da nossa demarcação também. E se nossa ocupação não tiver nenhum resultado vamos fazer mais retomadas”, afirma a liderança.

    Os indígenas dividiram-se em três grupos e cada um ocupa a frente da sede das fazendas. “Tá tudo tranquilo, demos um prazo de 24 horas para os fazendeiros retirarem os pertences deles e o gado”, disse o cacique Isais, que reforçou a determinação do povo em permanecer na terra. Os Terena asseguraram que até o momento não houve nenhum tipo de violência contra o grupo, que agora já soma cerca de mil pessoas, entre homens, mulheres, crianças e idosos. Os indígenas afirmam que têm suprimentos de comida e água.

    "Avisamos aos governantes deste país, se não demarcarem nossas terras tradicionais, nós povo terena vamos retomar uma por uma das nossas terras tradicionais ocupadas pelos fazendeiros", diz comunicado divulgado pela página ‘Resistência do Povo Terena’ no Facebook. Leia abaixo na íntegra:

    "O Povo Terena cansou de esperar a boa vontade do Estado brasileiro! Está claro que a política atual do Brasil não é para índios brasileiros, o progresso tem os seus donos, os grandes barões que comandam este Brasil para uma verdadeira escassez. A Constituição do Brasil, de 1988, assegurou aos povos indígenas à demarcar as terras tradicionais 5 anos após promulgação em 1988 que nada foi cumprida. Já se passaram mais de 26 anos de promessa. Durante estes anos várias vidas indígenas foram ceifadas. Reafirmamos que vamos sim lutar e fazer ser respeitado todos os nossos direitos".
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  • 27/07/2015

    Pressionada por despejos contra aldeias Pataxó, Funai publica relatório de Cahy-Pequi

    Sob duas ordens de reintegração de posse expedidas pela Justiça Federal contra retomadas do povo Pataxó, as aldeias Cahy e Gurita, no extremo sul baiano, e um corrente processo de degradação ambiental, a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou nesta segunda-feira, 27, no Diário Oficial da União, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Mexatibá, anteriormente chamada de Cahy-Pequi, situada no distrito de Cumuruxatiba, município de Prado (BA). Os Pataxó esperam a suspensão dos despejos para que as comunidades permaneçam no território tradicional.

    A publicação era aguardada pelos indígenas desde 2013. Sem o relatório, ocupantes não indígenas de um assentamento do Incra, fazendeiros, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Justiça Federal alegavam não haver por parte do Estado o entendimento oficial, nos termos da lei, de que o território reivindicado era tradicional do povo Pataxó. “Alguns acordos que fizemos com a Justiça, com o ICMBio, com o Incra deixaram de valer porque a Funai não publicava o relatório”, explica Diego Pataxó, da aldeia Gurita, onde estão 30 famílias.

    Conforme Domingos Andrade, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o juiz Guilherme Bacelar Patrício de Assis, da Vara Federal de Teixeira de Freitas, deferiu os pedidos liminares de reintegração de posse, com decisões publicadas no último dia 14 de julho, das duas áreas retomadas da Terra Indígena Mexatibá porque a Funai “não tinha cumprido acordos de publicar o relatório: um em dezembro de 2013 e outro em março de 2014”, afirma o missionário.

    Os Pataxó esperam agora que o juiz suspenda as decisões de reintegração de posse. “Temos escolas, posto de saúde, roças e vida comunitária nessas terras de onde querem arrancar a gente. Olhe, menino, a gente sempre teve aqui. Lá (Cumuruxatiba) era aldeia e foi onde meu bisavô nasceu. Se a gente retomou essas áreas, é porque é da gente. E nesse documento da Funai tá tudo explicadinho”, diz Jovita Pataxó, da aldeia Cahy. O ICMBio, por exemplo, com a publicação do relatório, terá de mudar a postura.

    Nos limites da Terra Indígena Mexatibá incide o Parque Nacional do Descobrimento. Há anos tempos o ICMBio tenta impedir a permanência dos Pataxó nas terras. Contra as retomadas, também foi à Justiça Federal. Queria os indígenas fora dali. Em Brasília, os Pataxó se reuniram com a Funai, o ICMBio e a Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) para tratar do caso. Um acordo envolvendo a publicação do relatório foi firmado, mas a Funai não o cumpriu e o ICMBio voltou a incomodar os indígenas. Hoje as conversas dão conta de uma gestão compartilhada entre os Pataxó e o ICMBio, mas sem os termos exatos de como isso poderá ocorrer. Com o relatório publicado, um entendimento pode ser definitivo.

    Além do ICMBio, outro órgão do governo vinha dificultando a vida dos Pataxó: o Incra. Dentro dos limites da terra indígena, uma área foi destinada para a criação de um assentamento – mesmo com os Pataxó reivindicando o território. Para lá foram famílias e famílias de pequenos agricultores. Aos poucos, e de forma constante, essas famílias passaram a vender para posseiros o que o governo lhes garantiu e são eles que hoje vão à Justiça contra os Pataxó – um dos pedidos de reintegração é de um desses posseiros. Conforme as lideranças Pataxó, a situação já foi denunciada várias vezes ao Incra, mas nenhuma providência foi tomada.

    “Tanto na Gurita quanto no Cahy quem for lá pode ver o que estão destruindo. Fizeram um lixão, retiram areia diariamente, o plantio de eucalipto aumenta cada vez mais, sempre com o desmatamento acompanhando, criação de gado em área arrendadas. Então a nossa preocupação é que a terra seja toda devastada”, ressalta Diego Pataxó. A Terra Indígena Mexatibá tem pouco mais de 28 mil hectares e conforme o relatório circunstanciado possui 732 indígenas, com base em dados de 2013 do Ministério da Saúde. Identificada, a terra indígena segue agora para a fase de demarcação.


      

       

              

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  • 27/07/2015

    Povo Kaingang retoma terra ancestral em Canela, Rio Grande do Sul

    Dezenas de famílias Kaingang decidiram ocupar, nesse sábado (25), uma terra reivindicada há décadas pelo povo, localizada no município de Canela, Rio Grande do Sul. Sobre a área foi constituído um parque ambiental denominado Floresta Nacional de Canela, localizado a sete quilômetros do centro da cidade. No parque existem cursos d’água e vegetação nativa, em especial a araucária.

    Com a ação, os indígenas esperam que o governo brasileiro agilize os procedimentos de demarcação das terras indígenas e, em especial, da terra reivindicada na cidade de Canela, pela qual o povo Kaingang luta há décadas, pedindo junto à Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Justiça e Ministério Público Federal a realização de estudos de identificação e delimitação do local considerado por eles como sendo de seus antepassados.

    Os Kaingang, ao longo da história, acabaram sendo expulsos de seus territórios, no entanto permaneceram em seu entorno, circulando sempre nas proximidades das terras ancestrais, acampando, movimentando-se e ensaiando o regresso. Essa é a maneira de estabelecerem relações contínuas com seus lugares sagrados e com o mundo dos espíritos ancestrais.

    Lamentavelmente, milhares de indígenas vivem hoje em pequenas áreas de terras ou acampamentos na beira das estradas no centro do estado, na serra gaúcha, no litoral e na região metropolitana de Porto Alegre. Essa realidade está diretamente relacionada com o processo violento de colonização e ocupação territorial. E neste processo, as terras foram degradadas e pouco restou, no Sul do país, do que eram os territórios quando do  usufruto exclusivo dos Kaingang: áreas com matas, com animais para caçar, com rios e lagos sem poluição.

    Muitas de suas terras, redutos sagrados, foram transformadas em fonte de renda, em capital especulativo através do plantio de grãos (soja, milho, trigo), através da implantação de grandes latifúndios (criação de gado e de grandes granjas da monocultura) e vêm servindo para a expansão imobiliária. E, nas últimas décadas, áreas que não serviam para a agricultura e nem para a criação do gado de corte, sobre as quais restavam recursos ambientais significativos ou, em muitos casos, em processo de extinção por causa da exploração indiscriminada da madeira, foram transformadas em reservas ou parques de preservação.

    O relacionamento dos povos indígenas com a natureza e com a terra sempre foi baseado no equilíbrio e no respeito, aspecto que difere significativamente do modo de exploração desenfreada que caracteriza as sociedades capitalistas, para as quais as terras e os recursos naturais são vistos como bens para consumir, mesmo que isso signifique destruir. Na concepção da maioria dos povos, a terra é mãe, e como tal precisa ser cuidada e protegida. Os Kaingang, por exemplo, alicerçam seus modos de vida na terra porque é dela que se faz toda a existência e sobre ela residem todas as coisas, inclusive as espirituais.

    As ações de retomada de terras originárias são as formas encontradas pelos povos indígenas para chamar a atenção da sociedade brasileira para essa realidade e, ao mesmo tempo, para cobrar do governo brasileiro que a Constituição Federal seja respeitada e, portanto, o direito à demarcação das terras assegurado em definitivo.

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  • 27/07/2015

    Aty Guasu afirma não querer guerra, mas que Guarani e Kaiowá seguirá lutando por territórios

    Durante a semana passada, as manifestações sagradas dos Guarani e Kaiowá, entoadas, cantadas e dançadas ao som dos mbarakás, se unificaram para fazer romper o cerco de violência e violações que novamente se intensificaram contra o povo.  Entre os dias 14 e 18 de julho, em Arroio Kora, Paranhos, cone sul do Mato Grosso do Sul, durante realização da Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá, a Aty Guasu, indígenas de todas as regiões, aldeias e acampamentos do estado reuniram-se para proclamar o direito à vida e ao território, além de cobrar o cumprimento de seus direitos constitucionais. Yvy, Teko e Ñee (Terra, Cultura e Língua) foram as bandeiras de luta afirmadas por todos os presentes, do mais jovem ao mais velho dos indígenas.         

    Na presença do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, desembargadores, procuradores federais e representantes nacionais da Funai, os Guarani e Kaiowá denunciaram as articulações dos sindicatos rurais e políticos para ações que pregam a violência direta contra os povos indígenas, cobrando posicionamento dos órgãos e punição de discursos de incitação ao ódio proferido por deputados ruralistas e amplamente ventilado na mídia.

    Por intermédio de uma carta aberta destinada às autoridades brasileiras, os Guarani e Kaiowá enfatizaram que não desistirão da luta pelos seus territórios ancestrais, cobrando mais uma vez que o Executivo cumpra com seu papel de demarcar as terras indígenas, única medida que pode colocar fim a situação de genocídio que se acirra cada vez mais em meio contra os povos originários.

    “Neste Grande Encontro todos concordamos que a luta seguirá e que nossas retomadas seguirão. Do mais novo e pequeno de nós até o mais velho, nosso Rezador, nosso cacique, nossa liderança, nosso professor, nossa mulher, nosso jovem, nosso agente de saúde, todos os presentes estão prontos para continuar a retomada de nossos territórios e nós dizemos aos senhores e senhoras que não recuaremos um só passo”, diz trecho da carta divulgada pelos indígenas.

    Leia na íntegra:  

     

    Carta da Grande Aty Guasu de Arroio Korá às autoridades brasileiras

    Senhores e senhoras autoridades. Falaremos pouco e de maneira direta neste documento. Usaremos poucas palavras porque muita coisa já foi dita, muito documento já foi entregue e mesmo assim muita pouca coisa até então foi feita. A presidência e os Ministérios SABEM de tudo que acontece com nosso povo e são cúmplices do agronegócio e até mesmo parceiros daqueles que nos massacram e sempre nos massacraram. 

    Por isso, nós, Guarani e Kaiowá de todas os Tekoha do estado do MS. presentes em nossa grande assembleia – ATY GUASU – embalados pelo som do Mbaraka de nossos Nhanderu e Nhandecy, rezadores e rezadoras, decidimos que já é hora de falarmos menos e agirmos mais para defender de uma vez por todas os princípios daquilo que nos mantem como povo, NOSSA YVY, NOSSO TEKO e NOSSO NEE.

    Neste Grande Encontro, todos concordamos que a luta seguirá e que nossas retomadas seguirão. Do mais novo e pequeno de nós até o mais velho, nosso Rezador, nosso cacique, nossa liderança, nosso professor, nossa mulher, nosso jovem, nosso agente de saúde, todos os presentes estão prontos para continuar a retomada de nossos territórios e nós dizemos aos senhores e senhoras que não recuaremos um só passo. A partir das retomadas e da luta pela terra buscaremos todos os nossos direitos, na saúde, na educação, nas políticas básicas e em tudo que fortaleça nossa cultura, nossa autodeterminação e nosso modo de ser originário.  

    Com isso, não estamos dizendo que vamos provocar a Guerra contra o KARAI, mas dizemos com todas nossas palavras e com todo nosso coração que com toda certeza resistiremos com força aos ataques dos três setores do Estado brasileiro, do governo do Estado do MS, do agronegócio, do desenvolvimentismo e das forças de segurança. Não queremos a guerra, mas não fugiremos dela quando fugir significa ver nosso povo morrendo na beira das estradas ou mendigando por condições mínimas de vida humana e de espaço dentro de nossos próprios territórios originários e sagrados.

    Vocês, senhores e senhoras que se dizem autoridades, deveriam se envergonhar pela parte que cabe a cada um de vocês no genocídio que é praticado contra nosso povo. A cada dois dias e meio um Kaiowá morre no Mato Grosso do Sul. Todos sabem quem são os assassinos e este crime é praticado a céu aberto, em horário nobre e até mesmo dentro das estruturas que os senhores e senhoras insistem em chamar de casas da democracia.

    Hoje, tudo está ligado. O governo estadual coloca abertamente a estrutura do estado, setor jurídico e forças de segurança (D.O.F) para garantir a continuidade do roubo de nossos territórios e do extermínio do nosso povo. Isso esta registrado. Os ruralistas fazem reuniões abertas nos fóruns do Estado e em especial na Assembleia Legislativa como se estivessem em seus sindicatos rurais. Com o apoio do governador e de seus secretários, deputados e ruralistas fazem discursos de morte contra nosso povo, que se transformam na perseguição de nossas lideranças e no ataque direto contra nossos Tekoha.  É a pratica concreta do genocídio presente nas palavras e discursos de ódio dos deputados da bancada ruralista que desmontam nossos direitos constitucionais através da PEC 215, PL 227, PL 01216 e tantos outros decretos de morte.

    Os ruralistas avançam contra a Constituição em Brasília e contra o povo Guarani e Kaiowá nos nossos Tekoha, porque o próprio executivo garante a eles a paralisação da demarcação de nossas terras e a não publicação e continuação dos estudos de identificação, negando desta forma nosso mais sagrado direito. E para demonstrar ainda mais sua lealdade com o agronegócio, ataca de forma direta nossos direitos através da AGU com a portaria 303 e com o ministro da Justiça, suas minutas e mesas de dialogo. Igual o que faz o estado do MS, o MJ e a Presidência vem se colocando há muito tempo a disposição do ruralismo, e dos setores dominantes e exploradores.

    Quanto ao novo presidente da Funai, sabemos que o ministro da Justiça já determinou que ele não continue os estudos de nossos Tekoha, que acabe com nossas retomadas e até mesmo puna servidores da Funai que cumpram com suas obrigações. Dizemos que os Guarani e Kaiowá querem dialogar e serem amigos do senhor presidente, mas isso irá depender de qual lado ele escolher. Denunciaremos todo e qualquer desrespeito a nossos direitos, repressão a nossas comunidades e sucateamento das estruturas locais da Funai.      

    Enquanto tudo isso ocorre, o Poder Judiciário, através da segunda turma do STF, onde os ministros deveriam ser os guardiões da Constituição, revisam, reduzem e anulam nossas terras já demarcadas através do “Marco temporal”, que impõe de forma criminosa e de má fé que nossas terras só podem ser demarcadas se comprovarmos que estávamos sobre elas em 05 de outubro de 1988 mesmo que os ministros tenham consciência de que muitos entre nós não justamente não estávamos sobre nossas terras porque fomos sequestrados pelo Estado e carregados para reservas criadas pelo próprio Estado ao mesmo tempo que fomos expulsos também pelas balas dos fazendeiros em parceria com o pau de arara e os campos de concentração dos militares.

    Nosso povo, por causa do marco temporal e das demais estratégias do ruralismo junto com a justiça, enquanto não tem suas terras demarcadas é despejado pelos juízes locais pagando pelos crimes que o Estado e Governo cometem para que os fazendeiros e os donos dos empreendimentos fiquem ainda mais ricos com a exploração de nossas terras.

    Por isso nossa primeira decisão coletiva e unificada é que não haverá nenhum despejo de famílias do nosso povo. Nós nos juntaremos e resistiremos até a morte para defender nossas Tekoha. Tey Jusu, Itágua, Pindoroky, Kurusu Amba, Guyviry e Apykai e todas as outras que sofrerem ataques da justiça pertencem a todo o povo Guarani e Kaiowa e serão defendidos por todo nosso povo.

    Falando de Apyka’i, onde o despejo já foi determinado, avisamos que marcharemos de todos os lugares e resistiremos às decisões criminosas do juiz Fabio Kaiut Nunes, o qual acusamos de defender o agronegócio, de propor genocídio e de libertar das decisões da lei os assassinos de nosso povo. Para alem de decretar a morte de Damiana e das famílias de Apyka’i após intervir nas tentativas humanitárias do Ministério Público Federal de garantir as mínimas condições de vida e território para Apyka’i ainda liberou os assassinos da Gaspem (empresa privada de segurança) do pagamento de indenização de bens coletivos para a comunidade de Guayviry onde estes jagunços assassinaram Nísio Gomes, nossa grande e querida liderança. Depois isso, com a estrutura do Estado e da União a disposição, os fazendeiros, junto com DOF e com GASPEM começaram a atacar novamente nossos Tekoha promovendo atos de terror contra nossas comunidades e perseguindo nossas lideranças.

    Nossa segunda decisão coletiva é que não recuaremos um só passo de nossas retomadas e dizemos abertamente que enquanto o governo não garantir nosso direito, dar continuidade aos estudos, demarcar e desintrusar nossos territórios, nossas retomadas irão continuar com cada vez mais força. É uma decisão de todo nosso povo e é a única opção que temos de garantir a salvação de nossas terras sagradas. A partir de nossa principal arma, o mbaraká, a terra voltará para nossos velhos e jovens e viveremos plenamente nossa cultura e nossos modos antigos.

    Lembramos ao Executivo que seu papel para impedir conflitos e garantir a ordem é cumprir com sua obrigação constitucional de demarcar nossos territórios e não organizar força tarefa para retirar indígenas de suas terras sagradas para despejar na beira das rodovias. Se o Ministro da Justiça tentar avançar contra nossas retomadas isso só fará aumentar o numero de mortes que os ministros e a presidência já carregam nas suas costas.

    Para finalizar, reafirmamos que cada um de nós, Guarani e Kaiowa que morrer por conta dos ataques dos fazendeiros e da violência do Governo não serão mais enterrados e esquecidos nos fundos de fazenda ou na beira de rodovias. Levaremos seus corpos e os enterraremos na explanada dos ministérios para que vocês vejam todos os dias as cruzes que vemos e que tenham que conversar com a consciência cada vez que forem rasgar a constituição federal e massacrar nosso povo em nome dos interesses políticos e econômicos que fazem vocês trair o Brasil e seus filhos mais antigos.

    Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá

    Paranhos, 18 de julho de 2015    

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  • 24/07/2015

    10 perguntas sobre a Encíclica “Louvado sejas” do Papa Francisco

    Entrevista de Paulo Suess, Assessor Teológico do Cimi, ao Instituto Humanitas Unisinos: 10 perguntas sobre a Encíclica “Louvado sejas” do Papa Francisco. Continue reading 10 perguntas sobre a Encíclica “Louvado sejas” do Papa Francisco

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  • 24/07/2015

    Cimi Regional MT reafirma luta contra destruição dos rios e pela demarcação de terras

    Pode-se dizer que o Cimi nasceu nas terras indígenas do Mato Grosso, no início da década de 1970. E os missionários e missionárias que por ali atuam realizaram nos últimos dias a 41ª Assembleia do Cimi Regional MT. Permeados pelos desafios dos povos indígenas frente à conjuntura desfavorável aos direitos constitucionais, o regional denuncia as desastrosas ações desenvolvimentistas do governo federal no estado.     

    “Grandes projetos, como as hidrelétricas já construídas, em processo de construção ou previstas para os rios Juruena, Teles Pires e Tapajós, ameaçam a vida destes rios e dos povos que habitam suas margens e deles dependem, como indígenas, de modo especial os que estão em situação de isolamento e comunidades tradicionais”, afirma o documento final da assembleia divulgado nesta sexta-feira, 23.

    Os missionários e missionárias do MT apontaram ainda que o próximo período exigirá do regional um empenho acentuado contra as medidas e projetos legislativos que visam desconstruir e acabar com os direitos territoriais dos povos indígenas e denunciam a paralisação das demarcações de terras tradicionais, motivo do aumento da violência e insegurança.

    Leia na íntegra o documento da assembleia:

     

    Documento final da 41ª Assembleia do Cimi Mato Grosso

    Nós, missionários e missionárias do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Mato Grosso, nos reunimos em nossa 41ª Assembleia, no período de 19 a 23 de julho de 2015, em São Lourenço de Fátima, Diocese de Rondonópolis-Guiratinga, acompanhados de nosso bispo referencial junto ao regional Oeste II da CNBB, Dom Juventino Kestering que, na abertura dos trabalhos, nos levou à reflexão sobre o renascer de uma Esperança sustentada na “alegria do Evangelho”.

    Analisando a conjuntura política e social de nosso país, constatamos que há uma crescente conjugação de forças responsável pelo aumento do clima de violência moral e física contra os povos originários de nosso país, resultando no aumento do racismo, dos ataques às aldeias e assassinatos de lideranças. Neste momento, os direitos indígenas estão sendo duramente atacados pelos três poderes: no Legislativo, pela PEC 215, que retira do Executivo a prerrogativa da demarcação das terras indígenas, pelo PL 227, que visa legitimar a exploração das terras indígenas por terceiros, e pelo PL 1610, que trata da mineração em terras indígenas, entre outros projetos lesivos aos povos indígenas – são mais de 100 envolvendo a questão indígena. 

    As ações que cabem ao Executivo estão paralisadas: não se constituem novos grupos de trabalhos para identificação de terras indígenas e processos de várias terras que estão prontos não são homologados. O Judiciário, por sua vez, retira direitos constitucionais dos povos indígenas ao aplicar o marco temporal, isto é, povos que não estavam na terra em 1988, ano da promulgação da Constituição, não teriam mais direitos sobre essa terra, sem considerar que atos violentos anteriores os obrigaram a sair dessas terras. Isso tem resultado em ataques paramilitares a povos que buscam recuperar seus territórios tradicionais, como os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, ou os Tupinambá, na Bahia, caracterizando processos de genocídio em pleno século XXI.

    Em nosso Estado, os processos de demarcações e revisões de áreas indígenas também estão paralisados. Um caso emblemático é o do povo Chiquitano. Mesmo vivendo desde épocas imemoriais em terras da União, na região de fronteira com a Bolívia, este povo vive permanentemente ameaçado e agredido por fazendeiros invasores de seu território. Grandes projetos, como as hidrelétricas já construídas, em processo de construção ou previstas para os rios Juruena, Teles Pires e Tapajós, ameaçam a vida destes rios e dos povos que habitam suas margens e deles dependem, como indígenas, de modo especial os que estão em situação de isolamento e comunidades tradicionais. Estes projetos são impostos em flagrante desrespeito à consulta prévia, livre e informada, como prevê a Convenção 169 da OIT.

    Constatamos também a precarização do acesso e atendimento à saúde dos povos indígenas e causa indignação o alto índice de mortalidade infantil, sobretudo, entre o povo Xavante. Em nosso estado muitas aldeias carecem de infraestruturas mínimas para o atendimento primário. Em outras aldeias, os postos de saúde não contam com profissionais devidamente preparados e nem com medicamentos em quantidade suficiente para o atendimento, o que acarreta longos deslocamentos para os hospitais urbanos, provocando frequentemente óbitos que poderiam ser evitados com um tratamento básico adequado. Diante deste quadro, preocupa-nos as manobras do governo para impor a privatização do atendimento à saúde indígena, com a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI).

    Esta situação tem provocado reações manifestas dos povos indígenas que lutam e clamam por um futuro com mais dignidade e respeito aos seus direitos. Solidários a este clamor, assumimos as palavras do Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’ (146):

    É indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objetos de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura.

    Conclamamos o governo brasileiro a cumprir seu dever constitucional e resgatar a dívida histórica que esta nação tem para com os povos originários, antes que a irresponsabilidades das instituições do Estado levem nosso país a ser condenado por crimes contra a humanidade diante do extermínio dos Povos Indígenas.

    Cimi Regional MT

    São Lourenço de Fátima, MT, 23 de julho de 2015.

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  • 23/07/2015

    Após despejo, Kanela do Araguaia lutam pelo reconhecimento de seu território

    Cerca de 100 índios Kanela do Araguaia que haviam retomado recentemente uma área, batizada como aldeia Pukanu, no município de Luciara (MT), foram expulsos depois de um processo de reintegração de posse. Relatos dão conta de uma série de negociações realizadas entre as autoridades responsáveis pela execução da ordem de despejo e as lideranças indígenas. Mas a comunidade acabou removida para a cidade de Canabrava do Norte.

    A fundação da aldeia aconteceu em 24 de junho, com a participação de 78 pessoas, que ocuparam uma pousada abandonada – Recanto do Lago Bonito – localizada dentro dos limites da fazenda de mesmo nome, vendida recentemente a um terceiro pelo ex-deputado estadual Humberto Bosaipo (PFL/MT). Bosaipo é réu em vários processos movidos pelo Ministério Público Federal sob acusação de crimes de lavagem de dinheiro, peculato e desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Mato Grosso.

    A área retomada também se encontra em uma área de 1,6 milhão de hectares definida como patrimônio da União pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e destinada, após estudo, à regularização fundiária e reconhecimento do território de comunidades tradicionais. A portaria da SPU que delimitava a área foi publicada em novembro de 2014, mas revogada meses depois por pressão de ruralistas da região.

    Dona Antônia, nome fictício de uma das lideranças do povo Kanela do Araguaia, que não quer ser identificada, conta que a comunidade não resistiu à ordem de despejo. “A nossa única reação vai ser permanecer em silêncio. A gente não quer colocar a vida em risco”.

    Índios foram retirados em caminhões de transportar gado

    Depois da reintegração, os indígenas foram divididos em dois caminhões gaiola – utilizados para transporte de gado –, junto com seus pertences e animais, em uma viagem que durou aproximadamente sete horas. “Fomos todos empilhados, tinha chovido muito, foi horrível”, lembra Antônia. João, nome fictício de outra das lideranças da comunidade, que não quer ser identificado, relata que a ação policial foi violenta: “Teve quem levou coronhada na cabeça, porrada nas costas, fora os xingamentos”. Ele conta que havia pessoas hipertensas e um bebê de dois meses no local, todos tratados de forma agressiva pelas autoridades. Ainda assim, ele reitera que a comunidade não vai desistir. “A área é nossa, faz parte de nós, é a nossa vida, nossa dignidade. Não vamos em momento algum recuar”, afirma.

    Ao chegarem em Canabrava do Norte, por volta da 1h da manhã, as pessoas se acomodaram na casa de uma anciã da comunidade, onde permanecem acampados até o momento. Antônia conta que quer voltar logo para a aldeia Pukanu, mas preocupa-se com a segurança da comunidade: “Temos o anseio de voltar, mas dessa vez com segurança. Da forma que saímos foi muito difícil. Lá tem pessoas perigosas, fazendeiros próximos. Estamos na cidade e não tá sendo fácil: o espaço é pequeno e ninguém sai porque está com medo. Tá todo mundo aqui querendo sobreviver”.

    José, nome fictício de um indígena que não quer se identificar, conta que desde 2012 reivindica o local como terra tradicional dos Kanela do Araguaia. “Nunca vi no século XXI uma coisa brutal acontecer com tantas famílias como aconteceu. Foi chocante, mas vamos retomar a área novamente”. A liderança, que já foi ameaçada por fazendeiros de Luciara (MT), explica: “Os fazendeiros usam as terras da União pra fazer um palco de comércio, um palco de grilagem. Aí eles acabam com as terras. Se a gente for esperar que a terra seja demarcada [pela Funai ou doadas pelo SPU] vai demorar muito, e vamos pegar uma área limpa [desmatada e sem condições de produtividade]. Vamos retomar a área. Nós queremos a terra pra sobreviver”.

    Os indígenas alegaram que o mandado de reintegração de posse não era direcionado a eles. E, de fato, a data de expedição é 9 de junho, anterior à ocupação da comunidade (que ocorreu no dia 24 de junho). É que havia um litígio anterior entre o autor do processo, a empresa Businessincorp Empreendimentos e Participações, e outras duas pessoas como parte requerida. Quando a Polícia Militar e o oficial de justiça foram cumprir a ordem de despejo, os Kanela do Araguaia estavam lá e tiveram de sair, ainda que o litígio não fosse contra eles.

    A antropóloga Mônica Carneiro, servidora da Funai Regional Araguaia Tocantins, explica que, tratando-se de um processo que envolve um povo indígena, o juiz precisa solicitar manifestação da Funai e do MPF para poder concluir a questão na esfera estadual e repassar o litígio para a Justiça Federal. “Independentemente do que o oficial de justiça foi cumprir, não soube explicar aos indígenas. Houve abuso de autoridade e incompetência do juiz estadual que alega que não tinha ideia de que havia um grupo de indígenas ocupando a área”.

    Situação de vulnerabilidade

    Frente à situação de conflito e morosidade no processo de regularização fundiária, o MPF/MT recomendou, em novembro de 2014, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) instituísse um Grupo de Trabalho para identificar o território Kanela, pois entende que a situação desse povo preenche quatro dos seis requisitos estabelecidos pela Funai para ser classificada como prioridade: a população se encontra em situação de vulnerabilidade; não há outro território indígena do mesmo povo na região; o Incra já manifestou interesse em áreas próximas para a criação de assentamentos, e órgãos ambientais também já manifestaram interesse na região para a criação de Unidades de Conservação. Leia o documento na íntegra.

    A Funai Regional Araguaia Tocantins reconhece a urgência da instalação do GT, mas não o fez pois a reivindicação dos Kanela soma-se a outros 349 pedidos de demarcação. “Apoiamos a reivindicação fundiária dos Kanela do Araguaia, povo que sofreu esbulho territorial e ainda resiste e luta pelas suas terras”, afirma Mônica Carneiro, da Funai.

    O nome da Terra Indígena já foi escolhido de acordo com o cacique Lucas: Ciriaco e Verônica, como se chamavam os primeiros Kanela que chegaram na região.

    Portaria revogada

    A Portaria nº 294 do SPU emitida após o MPF/MT determinar a o levantamento fundiário na região do Araguaia, foi questionada já na ocasião de sua publicação, em novembro último, e revogada em fevereiro de 2015.

    No levantamento realizado pelo SPU, os 1,6 milhão de hectares da vazante do Rio Araguaia seriam de propriedade da União e pelo menos três áreas contidas no estudo são reivindicadas como de posse tradicional indígena – dos povos Kanela do Araguaia, Xerente e Tapirapé. Além das Terras Indígenas, a portaria determinava a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mato Verdinho, destinada aos Retireiros do Araguaia, comunidade tradicional que vive nas proximidades do município de Luciara (saiba mais).

    Para o superintendente Wilmar Schrader (SPU/ MT), o questionamento não foi técnico, e sim político: “A classe política e fazendeira da região apregoava que aquilo tudo viraria terra de índio. E pra eles, índio bom é índio morto”.

    Em entrevista à Rede Nova Araguaia TV no dia 12 de maio, o presidente da Associação dos Fazendeiros do Araguaia e do Xingu, Carlito Guimarães, comemora a revogação da Portaria alegando que na região não existe nenhuma comunidade indígena. “Nunca vi índio plantar nada, nunca vi índio produzir nada. Índio vive praticamente de cesta básica, de bolsa família e algum recurso mais de pedágio que eles cobram ai. Nós queremos que pare a ação indígena da Funai. Nunca teve índio aqui”. (ouça aqui).

    A Portaria nº 294 do SPU foi substituída pela Portaria nº 10, publicada em 30 de janeiro, que instituiu um Grupo de Trabalho para refazer o levantamento fundiário da área – que até o momento não avançou, ainda que o documento tenha estabelecido um prazo de 30 dias da data da publicação para o início dos trabalhos. Para o superintendente Wilmar, além da questão orçamentária, a morosidade do GT acontece por influência dos fazendeiros da região. “Eles são muito influentes. Nós acabamos tendo pouco apoio local, pois corre o boato que com a regularização fundiária tudo vai virar ‘terra de índio’”. A expectativa do SPU é que as atividades do GT sejam iniciadas em agosto.

    Histórico

    Os primeiros registros da presença dos Kanela, um dos povos do tronco Macro-Jê, no noroeste de Mato Grosso, datam de 1948. Atualmente vivem em diversos núcleos urbanos, nos municípios de Luciara, Santa Terezinha, Confresa e Canabrava do Norte e na aldeia Porto Velho, região alagadiça que fica a 40 km da aldeia Pukanu, recém-retomada. Em estudo feito pela Nova Cartografia Social da Amazônia em parceria com a Associação do Povo Indígena Kanela do Araguaia, a comunidade relata o processo migratório do Maranhão – da Terra Indígena Porquinhos, dos Kanela Apanyekra – no século passado, até o Vale do Araguaia, processo marcado por conflitos fundiários com fazendeiros, grileiros e outros povos que vivem nas imediações. Saiba mais sobre os Kanela.

    A região onde está localizada a aldeia Porto Velho é alvo de grilagem de terras e ocupação irregular de áreas públicas. A pressão de fazendeiros, associada a atos de violência, faz com que a comunidade Kanela do Araguaia desloque-se frequentemente entre as duas margens do Rio Tapirapé (entre os municípios de Santa Terezinha e Luciara). Além disso, por ser alagadiça, em certas épocas do ano o acesso à aldeia torna-se muito difícil. O cacique da aldeia, Lucas Pereira, conta que, nesse momento, a única estrada de acesso foi trancada por fazendeiros. “A situação é complicada. Não podemos passar pela estrada e por isso temos que ir pelo rio. O trajeto é mais demorado e muito mais caro. A gente quer a regularização das nossas terras pra poder viver em paz. Mas até agora nada, só estamos sendo ameaçados. Se virem uma liderança desgarrada na aldeia, eles [fazendeiros] matam na hora”.
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  • 22/07/2015

    No Amazonas, povos Mura e Maraguá realizam eventos culturais

    Divulgar os costumes e recuperar algumas tradições sufocadas pela imposição de valores da população predominante são as principais motivações de dois eventos que acontecerão no final deste mês, promovidos por organizações indígenas. No Careiro da Várzea os Mura realizam o II Festival Indígena Mura (Festim) e, em Nova Olinda do Norte, os Maraguá promovem a sua Primeira Mostra Cultural.

    O II Festim será realizado nos dias 31/7 e 1/8 na aldeia Sissaíma, localizada no rio Mutuca, município de Careiro da Várzea, distante de Manaus cerca de 30 quilômetros. Haverá apresentação de danças, comidas típicas e jogos. No próximo dia 31 se encerrará o campeonato de futebol, que começou em maio. No dia 1/8 acontecerão jogos indígenas tradicionais como arco e flecha, tiro de zarabatana, natação, canoagem e exposição de artesanato.

    O primeiro Festin aconteceu no ano passado na aldeia Santo Antônio. O professor Herton Rodrigues Filgueiras, do Núcleo de Educação Indígena da Prefeitura Municipal do Carreiro da Várzea explica que o II Festim tem a finalidade de revitalizar a cultura dos Mura em vista de que o povo já perdeu grande parte de seus traços originais, como as danças, a língua, rituais e outros costumes. Oito comunidades participarão do evento.

    Maraguá

    No dia 30/7, às 16 horas, nas dependências da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) de Nova Olinda do Norte, acontecerá a I Mostra de Cultura e Arte do Povo Maraguá, promovida pela Associação do Povo Indígena Maraguá (Aspim). Cinco comunidades dos rios Abacaxis, Paracuni e Curupira vão participar.

    “Já faz tempo que nós queremos mostrar nossa cultura para a população de Nova Olinda do Norte”, explica Everaldo Castro de Araújo. As comunidades, segundo ele, foram motivadas a mostrar a cultura “porque a história dos indígenas está inserida na história do município, mas a população local não a conhece”. 
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