• 07/07/2015

    Cimi divulga nota sobre realidade indígena no Brasil

    Nota da XXXIX Assembleia do Cimi Regional Sul sobre a realidade indígena no Brasil

    O Conselho Indigenista Missionário, regionais Sul e Mato Grosso do Sul, reunido em Assembleia Regional de 03 a 05 de julho, em Laranjeiras do Sul-PR, refletiu sobre as graves e profundas violências praticadas contra os Povos Indígenas no Brasil, em especial nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. São constantes as denúncias de violações contra a vida, contra a terra, o meio ambiente, contra os direitos constitucionais em seus aspectos fundamentais, como o acesso às políticas públicas, as diferenças étnicas e culturais e a demarcação das terras.

    Preocupa, sobretudo, o fato de os poderes públicos – Executivo, Judiciário e Legislativo – agirem com o intuito de limitar o alcance dos direitos constitucionais dos Povos Indígenas por meio de decisões judiciais, ações políticas e administrativas que violam a Carta Magna do país em seu capítulo VIII, Artigos 231 e 232.

    São inaceitáveis algumas decisões oriundas no Supremo Tribunal Federal (STF) – por meio de sua segunda Turma – contra as terras Guyraroká, Limão Verde e Canela-Apãniekra, pois apenas visam, no entender do Cimi, restringir os direitos indígenas. O que se percebe, no horizonte destas decisões, é a intenção de descaracterizar os procedimentos de demarcações a partir da tese de que os direitos dos povos se iniciam ou se encerram com a promulgação da Constituição Federal (CF), através do que vem sendo denominado de marco temporal de 1988. É absurdo pensar que uma Corte Superior possa adotar interpretação restritiva a direitos, tendo como foco não o respeito à lei, mas às pautas e os interesses de setores da política e da economia.  

    Ao impor (ao procedimento demarcatório) o marco temporal, a Segunda Turma do STF pune os povos indígenas pelo fato de terem sido expulsos de suas terras. A partir desse entendimento, as comunidades ou povos que não estavam em guerra ou não ingressaram em juízo contra os invasores antes de 1988 perderiam o direito a terra, que a própria Constituição Federal afirma ser, para os indígenas, imprescritível, inalienável e indisponível. Portanto, este argumento falacioso, além de negar o direito originário que os povos indígenas têm sobre as terras, transfere a culpa que é do Estado – por permitido a retirada de comunidades e a ocupação indevida de suas terras – para as vítimas.

    Lamentavelmente, as falaciosas interpretações acerca dos direitos indígenas, oriundas do STF, têm desencadeado no âmbito dos tribunais, em especial no TRF 4, uma onda de revisões nas demarcações de terras já consolidadas – como nos casos da TI Araça´i e TI Toldo Pinhal, em Santa Catarina. A Segunda Turma do STF, ao tentar restringir direitos valendo-se do marco temporal, compromete a segurança e a vida dos Povos Indígenas.

    São igualmente inaceitáveis as decisões da presidência da República que impôs, em sua política indigenista, que Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério da Justiça paralisassem as demarcações de terras. Tudo indica que o parâmetro adotado pelo governo é o mesmo do Judiciário, ou seja, a defesa de setores da economia que têm a ambição de explorar os recursos existentes nas áreas indígenas e/ou que já as vem explorando ao longo de muitas décadas. É igualmente condenável o fato de o governo federal, em articulação com governos estaduais, colocar as suas forças públicas de segurança e proteção – polícias Federal e Militar – a serviço daqueles que violam os direitos humanos dos povos indígenas. Exemplo disso foi o que aconteceu em Mato Grosso do Sul, onde fazendeiros se armaram e atacaram os Guarani-Kaiowá da terra indígena de Kurusu Ambá, episódio que a Polícia de Fronteira de Mato Grosso do Sul acompanhou e que a Polícia Federal alegou não ter contingente para se deslocar ao local do conflito.

    No âmbito do Poder Legislativo têm sido insistentemente criados projetos de leis e de Emendas à Constituição Federal que visam não o aprimoramento das normas jurídicas, mas a descaracterização dos direitos já assegurados constitucionalmente aos povos indígenas. Tais iniciativas estimulam, na sociedade, um clima de intolerância contra os povos indígenas e geram insegurança jurídica por depreciar direitos resguardados no texto constitucional, tratando-os como se fossem clandestinos.

    No entender do Cimi, a intolerância, a ganância e o preconceito, combinados com a omissão e negligência do governo federal, continuam motivando e acentuando as agressões contra os povos indígenas, condenando-os a uma violência cotidiana. Nega-se, neste contexto, a vida. Negam-se os direitos e estimula-se uma falaciosa ideia de que os Povos Indígenas não têm lugar nos espaços geográficos, políticos, econômicos, culturais e sociais do país. 

    O Cimi – regionais Sul e Mato Grosso do Sul – expressa, uma vez mais, seu compromisso com a defesa dos direitos dos Povos Indígenas, com seus projetos de vida e se coloca a serviço das lutas atuais por eles travadas, em especial contra a PEC 215/2000 contra o Projeto de Lei 1216/2015, contra o Projeto de Lei Complementar 227/2012, bem como, contra as ações que tramitam nos tribunais e que pretendem impedir o acesso dos povos às suas terras.

    Por fim, o Cimi manifesta sua crença na força e resistência de todos aqueles que lutam pela vida, pela justiça e pela construção do Bem Viver.

     

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  • 07/07/2015

    Povo Ka’apor divulga nota em solidariedade aos Guarani Kaiowá e Munduruku

    Em solidariedade aos Guarani e Kaiowá, que nas últimas semanas foram atacados por fazendeiros de forma covarde em retomadas legítimas de territórios tradicionais, e aos Munduruku, em luta contra o governo federal que pretende erguer um complexo hidrelétrico no rio Tapajós inundando as terras do povo, os Ka’apor, do Maranhão, divulgaram nesta terça-feira, 7, uma nota de apoio às lutas destes povos no Mato Grosso do Sul e no Pará, respectivamente.

    Os Ka’apor fazem duras críticas ao governo federal pela paralisação das demarcações de terras e por não tomar atitudes mais enfáticas diante da violência sofrida pelos povos indígenas no Brasil. Há dois meses, Eusébio Ka’apor foi assassinado por madeireiros invasores da terra indígena do povo e as autoridades policiais insistem em não investigar e prender os responsáveis. Enquanto isso, a atividade madeireira dentro da terra indígena prossegue.

    Leia na íntegra:

    Carta do Povo Ka’apor aos Guerreiros Guarani Kaiowá e Guerreiros Munduruku

    Nós, povo Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu, Maranhão, queremos manifestar nossa solidariedade e sentimento de revolta diante da situação de violência contra o povo Guarani e Kaiowá, contra o povo Munduruku e a todos os povos indígenas do Brasil, nossos irmãos que lutam contra os projetos de morte. Denunciamos o governo brasileiro, fazendeiros, madeireiros, empreiteiras e barrageiros que estão determinados a nos destruir.

    Soubemos do horror que atingiu recentemente o povo Guarani e Kaiowá, trazendo mais dor e sofrimento a nossos parentes que querem voltar para as suas terras no Mato Grosso do Sul.

    Sabemos da luta de todo dia do povo Munduruku para autodemarcação de suas terras e de sua luta contra as barragens no Pará.

    E vemos como o governo anda de mãos dadas com criminosos que queimam crianças, casas e barracos; matam rios e retiram parentes de seus territórios para dar lugar a hidrelétricas; assassinam lideranças, pais de famílias, como nosso parente EUSEBIO KA’APOR. Faz 2 meses que foi assassinado pela ação dos madeireiros em nossa região. O governo não fez nada para prender os assassinos e mandantes.

    Esse governo, o Congresso Nacional e os partidos que dão apoio para esse governo e para os ruralistas só têm criado leis que retiram nossos direitos, ameaçam nossas vidas.         

    Convocamos todos os nossos parentes do Brasil que estão sofrendo com os ataques do governo e de seus aliados a continuar lutando em defesa de seus direitos e territórios. Não aceitamos as mentiras do governo e de seus ministros.

    Aos nossos parentes de outros territórios, contem com nossos arcos e flechas nessa luta.

    Tupán, Karosaikabu e Ñanderu estão conosco!

    Aldeia Zé Gurupi, 05 de julho de 2015.

    Conselho de Gestão do Povo Ka’apor

    Conselho das Aldeias da TI Alto Turiaçu

    Ka’a Usak ha ta (Guerreiros Ka’apor em Defesa da Floresta)

    Educandos da 5ª Alternância dos Estudos Ka’apor – Aldeia Zé Gurupi

               

               

     

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  • 07/07/2015

    Indígenas Tupinambá ocupam Secretaria de Educação, em Salvador, por estrutura e escola diferenciada

    Cerca de 100 indígenas do povo Tupinambá de Olivença, do sul da Bahia, ocuparam a Secretaria de Educação da Bahia, em Salvador, reivindicando soluções para os graves problemas que encontram nas comunidades. Falta de transportes adequados para o deslocamento dos estudantes, falta de pagamentos aos funcionários e professores das escolas, a não regularização dos prestadores de serviços temporários, desrespeito na garantia de uma educação diferenciada para os povos indígenas e empresas terceiras que não cumprem os acordos firmados. Estes são alguns dos problemas relacionados pelas lideranças que fazem a ocupação.

    No último dia 23 de abril, os Tupinambá ocuparam o Núcleo Regional de Educação 05, em Itabuna, e uma comissão de lideranças se reuniu com representantes da Secretaria de Educação. Naquela oportunidade, na pauta das reivindicações, além do transporte escolar, se exigia respostas para a contratação de funcionários às estruturas escolares. Além disso, o aumento dos recursos para garantir o transporte dos alunos de forma segura e dentro das demandas que as comunidades exigem. O valor por cada criança que é pago hoje está bem abaixo do valor de outras contratações do mesmo porte.

    Os encaminhamentos propostos e assumidos pelo governo do Estado e pela empresa de transporte não foram cumpridos, e a comunidade Tupinambá de Olivença continua sofrendo os mesmos impactos negativos, causados pela irresponsabilidade do governo do estado.  Diante dessa situação, as lideranças Tupinambá definiram mais uma vez por tomar uma atitude de ocupação para cobrar direitos garantidos por lei.

    “Esta parece ser a única linguagem que o governo do estado e seus representantes entendem: a pressão. Não dá mais para acreditar em quem faz promessas e não as cumpre, já passamos do meio do ano e até agora não conseguimos resolver este problema da nossa educação. Isto é uma completa falta de respeito para as comunidades indígenas do estado”, afirma cacique Valdenilson Tupinambá.

    Segundo as lideranças, eles só voltarão às comunidades quando tiverem resolvido o problema de forma definitiva; não aceitarão promessas. “As coisas têm que ser resolvidas. Se o governo não tem palavra, não honra compromissos, vamos ficar aqui até que honre, que cumpra com os acordos”, afirma Valdenilson. Os Tupinambá contam com o apoio da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e do Colegiado de Caciques Tupinambá.

  • 06/07/2015

    A caneta e a borduna

    Representantes indígenas de vários estados juntaram-se a uma delegação de professores e caciques das etnias Guarani, Kaiowá e Terena do Mato Grosso do Sul e partiram para Brasília, onde, durante dois dias, visitaram alguns órgãos do governo federal: CAPES, FUNAI, STF, AGU, MEC e Congresso Nacional. Uma pergunta que se fizeram várias vezes foi: o que nos trouxe aqui? Durante dois dias acompanhei, como observador, esse grupo e procurei ler-escutar os seus textos-falas para encontrar uma resposta. 

    Ouvi muitas explicações. Uma delas foi escrita pelo cacique Jorge Gomes, da aldeia Pirakuá, em frente à Advocacia Geral da União: “nossos direitos não têm partido”, conclamou os aliados do alto de sua sabedoria. Outra resposta foi verbalizada pelo índio Cretã Kaigang, do estado do Paraná, “meu pai foi morto, lutando pelas terras usurpadas, sem nenhuma providência, por mais de sessenta anos. Quando isso aconteceu, eu era apenas um garoto de oito anos de idade”. 

    Já a professora Teodora de Souza, explicou ao prof. Paulo Gabriel Nacif (SECADI) e ao representante da Secretaria Geral da Presidência da República o que entendia por pátria educadora: “uma nação que todos, independentes de sua etnia, tenham acesso justo, gratuito, aos bens culturais. Uma nação em que os saberes não sejam privilégios de uma pequena elite”. 

    De todas as respostas, a mais contundente foi escrita em uma fotografia, em cuja legenda eu escreveria: a caneta e a borduna. 

    O professor, flagrado pelo fotógrafo, coordena uma licenciatura indígena na cidade de Aquidauana – MS e a borduna, à sua frente, pertence ao cacique Jorge Gomes, da etnia Kaiowá. Intrigou-me como os dois objetos foram se encontrar no sexto andar do Ministério Educação, em Brasília – DF. 

    Fui entrevistar os objetos em segredo. A borduna, um pouco ríspida no início da conversa, contou-me muitas aventuras contra inimigos ferozes de outras tribos, abatidos nas guerras imemoriais. Falou sobre sua participação na vingança dos parentes devorados por felinos-homens, predadores de índios, chamados pelos Guarani de ava poro’ú. Os cronistas coloniais Hans Staden, Jean de Léry e o sociólogo Florestan Fernandes ajudaram-me na investigação. 

    Entrevistar a caneta foi bem mais fácil, pois ela foi bastante eloquente. Contou-me que tem andado em muitas companhias e gabinetes de Brasília. Em alguns mais ausentes. Portas fechadas. Nas aldeias, disse-me, tem aprendido, nos últimos anos a escrever palavras nas línguas maternas dos povos indígenas.

    Falou-me que ajudou muitos professores-pesquisadores a registrar histórias de anciãos que não conseguem esquecer traumas pelas remoções de aldeias inteiras, quando eram também garotos, contra a própria vontade, em caminhões de transportar gado, sob a mira cuidadosa de “seguranças” armados e impedidos por anos de retornar ao local onde foi enterrado seu ponchito kuê, o cordão umbilical. Já no final da entrevista, o sábio objeto, bem mais à vontade, confidenciou-me que sua maior frustração na vida foi não conseguir colaborar, não por falta de vontade, mas por omissão de algumas autoridades, a rabiscar seu maior sonho: a assinatura da homologação das terras indígenas, que, segunda ela, está escondida numa gaveta do Ministro da Justiça, em Brasília. 

    Diante de tantos relatos, compreendi o que trouxe estes professores e líderes indígenas à Brasília. Vieram ensinar ao governo que a pátria educadora é a irmã gêmea da pátria de direitos. Uma não vive sem a outra.

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  • 06/07/2015

    Blocos exploratórios da 13ª Rodada impactam terras indígenas

    A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgou, no último dia 12, o pré-edital da 13ª Rodada de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural, prevista para acontecer no dia 07 de outubro deste ano. Ao todo, estão sendo ofertados 266 blocos exploratórios, distribuídos em 10 bacias sedimentares: Amazonas, Parnaíba, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas, Jacuípe, Camamu-Almada, Espírito Santo, Campos e Pelotas. Em terra, é oferecido um total de 182 blocos. Destes, sete estão localizados na bacia do Amazonas e 22 na bacia do Parnaíba, alguns bastante próximos aos limites de Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC).

    Na bacia do Amazonas, os sete blocos oferecidos circundam as áreas de pelo menos 15 TIs, sendo as mais afetadas as TIs Rio Jumas (a 375m de distância do bloco AM-T-131), Trincheira (a 363m do AM-T-132), Gavião (a 364m do AM-T-107 e 2,4km do AM-T-131), Sissaíma (a 174m do AM-T-107), São Pedro (a 616m do AM-T-132) e Miguel/Josefa (a 72m do AM-T-132), todas do povo Mura.

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    Já na bacia do Parnaíba, os blocos estão no entorno de 12 TIs. Dos 22 blocos ali ofertados, seis estão localizados em áreas mais críticas, impactando as TIs Krikati (a 516m de distância do bloco PN-T-113), Governador (a 5,3km do PN-T-98) – que se encontra em processo de reestudo de limites –, Geralda Toco Preto (a 974m do PN-T-65) e Kanela Memortumré (a 185m do PN-T-100 e 640m do PN-T-101), todas dos povos Timbira; as TIs Araribóia (a 552m do PN-T-65), Morro Branco (a 575m do PN-T-98), Cana Brava/Guajajara (a 372m do PN-T-100 e 2,3km do PN-T-84), Rodeador (a 874m do PN-T-100), Bacurizinho (a 1km do PN-T-98) e Lagoa Comprida (a 18,8km do PN-T-84), todas do povo Guajajara; e a TI Caru (a 7,2km do PN-T-46), compartilhada pelos povos Guajajara e Awá-Guajá.

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    Com o início do processo exploratório, serão sentidas fortes mudanças nas dinâmicas de ocupação e uso do solo nessas regiões, como instalação de infraestrutura, construção de vias de acesso e a intensa movimentação de trabalhadores, veículos e maquinário para realização das atividades de prospecção sísmica. Além disso, essas áreas de extrema importância socioambiental e suas populações sofrerão com a derrubada de mata para abertura de picadas e clareiras, e o consequente afugentamento de animais de caça.

    Outros possíveis impactos podem surgir também na fase de produção, como o comprometimento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, alto índice de emissão de metano e outros gases que provocam o efeito estufa, e a contaminação dos solos por metais pesados e elementos radioativos, com impacto direto na fauna e flora da região.

    Histórico de conflitos

    Nos últimos anos, a ANP tem direcionado investimentos para o avanço de fronteiras terrestres de exploração de petróleo e gás. Esta agenda tem se somado ao quadro de ameaças aos povos indígenas e à integridade de seus territórios, em alguns casos reavivando experiências prévias de conflito.

    Na bacia do Acre-Madre de Dios, recentes prospecções promovidas pela ANP e a oferta de blocos a poucos metros de terras indígenas na 12ª Rodada de Licitações provocaram intensa reação por parte dos povos indígenas do Vale do Javari, que viveram experiências trágicas de conflito durante a atuação da Petrobrás em seus territórios, nas décadas de 1970-80.     

    “Não queremos repetir a história que a Petrobras cometeu nos anos 70 a 80 na região do Vale do Javari, que destruíram nossas malocas, roças, dinamitaram nossos lagos e igarapés envenenando mananciais, causando morte de vários indígenas, contaminaram nossas aldeias com sarampos e DSTs, acúmulo de lixos na selva do nosso território, danificando a fauna e flora, trouxeram malária para a região”, diz a Carta Aberta dos Povos do Vale do Javari Sobre a Ameaça de Projetos Petroleiros no Brasil e no Peru.

    Na bacia do Amazonas, o povo Sateré-Mawé também foi impactado pela exploração de petróleo e gás promovida no âmbito de um convênio entre as empresas Petrobrás e Elf-Aquitaine na TI Andirá-Marau, no início década de 1980. Desta vez, dois dos blocos ofertados pela ANP na 13ª Rodada de Licitações (os blocos AM-T-111 e AM-T-87) estão a 2km desta mesma terra indígena.

    “Entraram como ladrão pela janela, sem bater na porta e perguntar do dono se podiam entrar. (…) Nós, ninguém quer que tire esse petróleo. A terra é como tudo que tem vida. Se tira o sangue, ela morre”, afirmou em 1982 o tuxaua Emílio, liderança do rio Marau, quando do primeiro levantamento sismográfico que visava descobrir lençóis petrolíferos naquela região (depoimento extraído do livro “Sateré-Mawé: os filhos do guaraná”). Essa mesma fragilidade nos processos de consulta de que falava ele persiste ainda hoje.

    Ambos casos citados acima constam no capítulo do relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre violações de direitos humanos dos povos indígenas. Apesar deste reconhecimento por parte do Estado brasileiro, e dos direitos assegurados aos povos indígenas do país na Constituição Federal de 1988, a agenda de petróleo e gás imposta pelo governo tem sido pautada pela falta de transparência no que diz respeito à sua interface com os povos indígenas.

    A delimitação dos blocos pela ANP não é acompanhada de processos de consulta àqueles que serão os principais afetados pelas atividades a serem posteriormente desenvolvidas, indo de encontro a preceitos e normas internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que versam sobre a necessidade do consentimento livre, prévio e informado antes que sejam adotadas quaisquer medidas que os afetem.

    Nesse contexto, o processo licitatório segue correndo. Segundo o cronograma preliminar disponibilizado pela ANP em sua página, será realizada uma audiência pública no Rio de Janeiro no dia 9 de julho, com objetivo de socializar informações sobre o pré-edital e a minuta do contrato de concessão, cujas versões finais serão publicadas no dia 06 de agosto. O leilão está marcado para o dia 7 de outubro e a assinatura dos contratos está prevista para 23 de dezembro. Segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, o governo prevê arrecadar entre 1,5 bilhão e 2 bilhões de reais com a 13ª rodada.

     

     

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  • 06/07/2015

    Durante Assembleia do Cimi/MS, organizações divulgam nota em apoio aos Guarani e Kaiowá

    Nos dias 29 e 30 de junho de 2015, no Centro de Pastoral Indigenista, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, realizou-se a XXII Assembleia Anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional MS.  A Assembleia, que celebrou “37 anos em defesa da vida dos povos e do direito da Mãe Terra no MS”, contou com a presença de diversas entidades parceiras: representantes de Congregações Religiosas (Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida, Catequistas Franciscanas, Irmãzinhas da Imaculada Conceição, Irmãs Lauritas e Freis Franciscanos da OFM), e dos seguintes organismos: CPT (Comissão de Pastoral da Terra), MST (Movimento Sem Terra), CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), CDDH (Comissão dos Direitos Humanos – MS), Pastoral Carcerária e representantes indígenas do Conselho Aty Guasu, do Conselho Terena e do Conselho Kinikinau.

    Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, assessor da assembleia, recordou a missão do Cimi como organismo da Igreja Católica na defesa da vida dos povos indígenas no Brasil. Falou também das dificuldades na conjuntura da política indigenista no país. Dom Dimas Lara Barbosa, arcebispo de Campo Grande, falou da conjuntura eclesial, destacando a necessidade de aprofundarmos nosso conhecimento acerca da Doutrina Social da Igreja, que legitima a missão das pastorais sociais como agentes de transformação da sociedade.

    Os conselhos indígenas de MS denunciaram que a situação na qual vivem os povos indígenas em Mato Grosso do Sul se configura um verdadeiro cenário de ódio e guerra contra suas vidas e seus direitos.

    Durante toda a Assembleia, houve momentos fortes de celebração e recordação da vida dos povos indígenas, de modo especial as comunidades mais vulneráveis. Destacou-se a situação das comunidades Kurusu Ambá e  Guaivyry, ambas do povo Kaiowá e Guarani. Tais grupos vêm sofrendo constantes e violentos ataques dos setores anti-indígenas. Em função de ação violenta dos latifundiários, duas crianças permaneceram desaparecidas por vários dias no final de junho.

    A noite cultural do dia 29 foi o momento de descontração e afirmação de compromisso com os povos tradicionais.  A assembleia foi agraciada e pode participar das apresentações culturais do povo terena, representado pela comunidade Tumone Kalivono com as danças da ema e do bate pau.

    A assembleia foi encerrada com a celebração eucarística presidida por Pe. George Lachnitt, diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas da Universidade Católica Dom Bosco (NEPPI/UCDB). Na celebração, foi acolhido mais um missionário para os trabalhos do Cimi. Na oportunidade, a equipe missionária reafirmou seu compromisso com a causa indígena na defesa da Vida desses povos, contra todos os tipos de ameaças que existe em suas rotinas. “Para que todos tenham vida e a tenha em abundância …”

     

    Os organismos presentes firmaram o documento abaixo:

     

    Nota de repudio aos ataques e violações cometidos pelo Ruralismo Organizado, pelos órgãos de segurança e pelo Estado contra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul

    Presentes na XXII Assembleia do Conselho Indigenista Missionário – Regional MS, nós, representantes do CIMI, MST, CEBI, CPT, TPT, Pastoral Carcerária, CDDH, Congregações Religiosas e organizações, que atuam em nome da vida e pela garantia dos Direitos Humanos:

    DENUNCIAMOS E REPUDIAMOS: O ataque armado e covarde de caráter paramilitar, orquestrado e levado a cabo pelo ruralismo no dia 24 de junho de 2015. Através dos Sindicatos Rurais, FAMASUL e com apoio do D.O.F – Departamento de Operação de Fronteira, mais de 100 fazendeiros participaram do ataque, ocasião em que queimaram o acampamento dos Guarani e Kaiowá e dispararam contra os indígenas desarmados. A comunidade de Kurusu Ambá retomou parte do território reivindicado como tradicional e ancestral, ilegalmente ocupado pela fazenda denominada “Madama”. Nos últimos dez anos, pelo menos sete lideranças do povo Guarani e Kaiowá foram assassinadas por jagunços da região, entre elas a rezadora Xurite Lopes, de 74 anos. O ataque do dia 24 culminou com o desaparecimento de duas crianças indígenas, encontradas cinco dias depois em estado de saúde debilitado.

    DENUNCIAMOS E REPUDIAMOS: A atitude de omissão da Polícia Federal que, mesmo após determinação do Ministério Público Federal (MPF), negou-se, por dois dias consecutivos (23 e 24 de junho de 2015), a montar efetivo para acompanhar a retirada dos bens dos arrendatários da sede da fazenda Madama. A postura da Polícia foi determinante para que os ruralistas obtivessem condições objetivas de praticar a ofensiva criminosa contra as famílias indígenas. Denunciamos e repudiamos ainda as ações de caráter protecionista que a Polícia Federal continua tendo para com o ruralismo organizado, negando-se, no caso do ataque da fazenda Madama, a registrar Boletim de Ocorrência dos fatos, em especial do desaparecimento de duas crianças, e dificultando até mesmo o órgão indigenista oficial, a Funai, a tarefa de propiciar às famílias indígenas o direito do registro, apuração e acompanhamento do ocorrido.

    DENUNCIAMOS E REPUDIAMOS: A forma oportunista e lamentável como deputados, políticos e lideranças ruralistas se organizam abertamente – através dos sindicatos rurais e da ASSOMASUL – para promover discursos de ódio e terror contra os povos indígenas, incitando produtores a “fazer justiça com as próprias mãos”, como registrado publicamente na fala do latifundiário e deputado Zé Teixeira. Denunciamos e repudiamos a forma com que estas elites ruralistas tentam impedir ou prejudicar a atuação de órgãos federais na garantia dos Direitos Humanos e na igual garantia da segurança das comunidades indígenas. Em mobilização de similar caráter, os ruralistas tentaram realizar o que chamaram de “Leilão da Resistência”. Com a venda de gado, pretendiam arregimentar milícias com a intenção de atacar os povos indígenas.

    DENUNCIAMOS E REPUDIAMOS: O visível e notório aparelhamento da estrutura do Estado de Mato Grosso do Sul a favor do ruralismo criminoso. É sabido que o próprio governador em exercício coloca à disposição dos produtores rurais o uso da policia estadual (D.O.F) e da máquina jurídica estatal para garantir a continuidade da colheita das lavouras de soja e milho plantadas em áreas tradicionais e originárias identificadas, reclamadas e retomadas pelos povos indígenas.

    DENUNCIAMOS E REPUDIAMOS AINDA: A política anti-indígena implementada pelo governo federal impondo que todos os procedimentos de demarcação de terras fossem paralisados, raiz causadora dos conflitos agrários e do constante estágio de genocídio vivenciado pelos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Com a medida, o Poder Executivo brasileiro age inconstitucionalmente abraçando a determinação do Poder Legislativo (lê-se, em especial, bancada ruralista) no ataque aos direitos indígenas expressas sobretudo nas tentativas de aprovação da PEC 215, PL 227, PL 1216 entre tantas outras manobras. Kurusu Ambá tem seu processo de estudo e demarcação paralisado politicamente pelo governo federal, enquanto isso as famílias ficam sujeitas aos ataques criminosos dos ruralistas em seu próprio território. 

    Denunciamos, de forma acentuada, o empenho do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo em mais uma vez garantir a total falta de segurança dos indígenas e seus territórios ao tentar impedir, ou ao menos dificultar, a ação da Força Nacional no que diz respeito a prevenção de novos ataques contra as comunidades de Kurusu Ambá e Guaivyry. Vale o registro que a atuação da Força Nacional foi requisitada diretamente pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.   

    FRENTE A ESTA SITUAÇÃO, DECIDIMOS:

    Manter e intensificar nosso total e irrestrito apoio na defesa da vida e do direito dos povos originários, sobretudo o direito à demarcação de seus territórios e anunciamos que continuaremos vigilantes e organizados para denunciar e levar ao conhecimento das cortes nacionais e internacionais qualquer forma de violência que venha a ser praticada contra os povos originários, tanto na forma de ataques paramilitares, quanto de omissão institucional.

    Conselho Indigenista Missionário – CIMI-MS

    Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST

    Centro de Estudo Bíblicos – CEBI

    Comissão da Pastoral da Terra – CPT

    Tribunal Popular da Terra – TPT

    Pastoral Carcerária

    CDDH – Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã-i – MS

    Congregações Religiosas: Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida – Regional MS; Catequistas Franciscanas, Irmãzinhas da Imaculada Conceição

  • 03/07/2015

    Cerca de 100 indígenas Kanela do Araguaia retomam área tradicional no Mato Grosso

    Um grupo de 100 indígenas do povo Kanela do Araguaia retomou, no final do mês de junho, uma área que compõe o território tradicional localizado no município de Luciara, Mato Grosso. A ocupação se deu no local onde ficava a pousada Recanto do Lago Bonito, instalada numa fazenda de mesmo nome. A ocupação está dentro do perímetro da terra indígena reivindicada e já patrimônio da União, compondo a Gleba São Pedro.

    A ação dos Kanela ocorreu de forma pacífica e devido aos interesses econômicos na região, envolvendo outras quatro fazendas ao redor da retomada, os indígenas temem por represálias. Lideranças acreditam numa possível articulação de fazendeiros para ataques contra o acampamento da ocupação.

    “Estão negociando pontos de pesca e identificamos desmatamento provocado por atividade madeireira. Ao redor existem outras quatro fazendas, o que nos faz pensar que podem se unir para tentar expulsar nosso povo”, declara liderança Kanela que não identificamos por motivo de segurança. A retomada fica abaixo do rio Tapirapé, perto da BR 58.

    Um fato importante é que a fazenda Lago Bonito tem duas escrituras, em dois cartórios diferentes: um em Barra do Garça e outro em São Félix do Araguaia. Acontece que a área é da união e está dentro da gleba São Pedro. De acordo com os indígenas, a pousada que se encontra dentro da fazenda é do ex-deputado estadual Humberto Bosaipo, acusado pela Justiça de desviar mais de R$ 2 milhões da Assembleia Legislativa do estado

    Um autodeclarado responsável pela fazenda, chamado de Rosalino, tentou jogar a Polícia Civil do município de Luciara para cima dos Kanela. Todavia, conforme informações das lideranças, o delegado afirmou não ter notícias de atos violentos por parte dos indígenas e que, portanto, o caso era de responsabilidade Federal. Não satisfeito, Rosalino teria ido ao município de Confresa denunciar que tinha sido ameaçado pelos indígenas, pedindo intervenção policial.

    Os indígenas já reportaram a situação e os objetivos da retomada ao Ministério Público Federal (MPF) e à Fundação Nacional do Índio (Funai).

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  • 03/07/2015

    Crianças Guarani e Kaiowá desaparecidas depois de ataque são encontradas no MS

    Geremia Lescano Gomes, de 14 anos, e Tiego Vasques Benites, de 12 anos, garotos Guarani e Kaiowá desaparecidos desde o último dia 24 de junho, foram encontrados nesta quinta-feira, dia 2, por indígenas da aldeia Taquapery, município de Coronel Sapucaia, cone sul do Mato Grosso do Sul. As crianças, debilitadas, foram localizadas a 20 km da retomada na fazenda Madama, tekoha de Kurusu Ambá, ponto de partida da fuga dos garotos durante ataque de fazendeiros ao acampamento em que estavam com suas famílias (assista vídeo do ataque aqui). 

    A Operação Guarani, da Fundação Nacional do Índio (Funai), confirma a informação e já presta assistência aos indígenas, que deverão permanecer mais alguns dias na aldeia Taquapery se recuperando dos dias de caminhada, fome e sede. Conforme informações apuradas com lideranças de Kurusu Ambá, a notícia animou a todos e todas no acampamento da retomada (foto) na fazenda Madama, mas os Guarani e Kaiowá exigem providências das autoridades quanto ao ataque que sofreram.

    Quando dezenas de caminhonetes invadiram a retomada Guarani e Kaiowá em Kurusu Ambá, a correria foi generalizada. Tiros, fogo nos barracos, destruição de pertences pessoais, caminhonetes manobradas de encontro aos indígenas em fuga. Nesse contexto, Geremia e Tiego saíram em disparada e quando caíram em si, com o medo um pouco mais dissipado, estavam perdidos, sem direção. Dormiram ao relento e passaram a caminhar no sentido da aldeia Taquapery. País afora a notícia do desaparecimento correu e 72 horas depois as buscas tiveram início.

    “Depois que Força Nacional tirou a gente e a Funai da operação, todas as aldeias da região passaram a procurar (os garotos). Nessas caminhadas, os parentes de lá (Taquapery) encontraram. Os dois estavam cansados, sujos, sem beber água e comer. Acho que eles talvez estivessem indo pra Taquapery, não sei. Estamos felizes, mas queremos saber quem vai ser punido por essa maldade que fizeram contra a gente e quando nossa terra será demarcada”, questiona uma liderança do tekoha de Kurusu Ambá.

  • 30/06/2015

    Em Brasília, indígenas do MS denunciam Estado brasileiro após atentado contra comunidade Kurusu Ambá

    Em Brasília, cerca de 25 lideranças e professores indígenas dos povos Guarani, Terena e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, manifestaram-se na tarde dessa segunda-feira (29) na Advocacia-Geral da União (AGU), pela revogação da Portaria 303/2012. Durante o protesto (assista abaixo), responsabilizaram o Congresso Nacional, a AGU e o Supremo Tribunal Federal (STF) pela onda de violência contra os povos indígenas no estado. 

    Na tarde desta terça-feira (30), o grupo esteve no STF. Duas crianças estão desaparecidas desde o dia 24/6, depois de um atentado realizado por produtores rurais contra a comunidade Kurusu Ambá, no município de Coronel Sapucaia.

     

    O grupo foi recebido pelo procurador-geral Federal, Renato Rodrigues Vieira, e pela assessoria do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Os indígenas entregaram um documento pedindo a revogação da Portaria 303/2012 da AGU, medida que busca estender para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo STF na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF).

    De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Portaria permite a ocupação das terras indígenas “por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da TI Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas, que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional”.

    Kretã Kaingang, que participou da audiência como representante da Apib, frisou que mesmo com a suposta suspensão da Portaria, que estaria sendo estudada por um Grupo de Trabalho (GT) a pedido de Luís Adams,  “ela não deixou de ser utilizada pela bancada ruralista e até pelo STF. Sabemos da articulação da AGU lá no Supremo, o que não tem favorecido nós em nada. Nossos direitos só têm retrocedido, é como se a Constituição não existisse”, disse a liderança, que lembrou do recente ataque contra a comunidade Kurusu Ambá, em Mato Grosso do Sul, que culminou com o desaparecimento de duas crianças. “O ministro tem que tomar uma posição sobre o que aconteceu no MS, essas duas crianças que desapareceram, sobre os assassinatos. Vocês devem ter assistido a quantidade de caminhonetes que entraram lá dentro, passaram por cima de polícia, por cima de delegado.. Será que no Mato Grosso do Sul não tem lei? Será que o Estado brasileiro vive um Apartheid?”.

    O procurador Renato Vieira disse estar monitorando os desdobramentos do atentado contra a comunidade. “Tenho uma agenda com o Ministério da Justiça pra tratar de Kurusu Ambá, ver como a gente contorna a situação, detalhar o que se pode fazer em relação ao que aconteceu lá. Eu vi as imagens, estou acompanhando os desdobramentos”. Em relação à Portaria 303, Vieira comprometeu-se a averiguar a situação do GT escalado para estudá-la. “Não faço parte desse grupo, mas acredito que ainda não apresentou o relatório final para subsidiar uma análise em torno da Portaria 303”.

    A liderança Anastácio Peralta manifestou a urgência pela revogação da Portaria, e afirmou que o governo promove um retrocesso nos direitos indígenas conquistados na Constituição Federal de 1988. “Antes de cumprir a lei, que é a demarcação das terras, o próprio Estado brasileiro está tirando os nossos direitos. Antes matavam índio envenenado, com bala, matavam violentamente.. Hoje o país tá matando nosso direito com as canetadas: Portarias, PECs. E pra onde a gente vai se tirarem nosso direito? Se o próprio país não respeita nosso direito originário?”.

    Também foram lembradas as decisões, pela 2

    ª Turma do STF, que anularam atos administrativos da demarcação de três terras indígenas, duas no Mato Grosso do Sul e uma no Maranhão. “No caso da TI Limão Verde, do povo Terena, os posseiros já foram indenizados e a área registrada em nome da União”, disse a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Alessandra Farias. “Essas decisões representam o fim da demarcação das terras indígenas, porque já estão servindo de base para os Tribunais revogarem demarcações e,  nosso entendimento, consolidam-se como fundamento jurídico para negar todos os procedimentos de demarcação no país. E hoje a situação é crítica, pois existem mais de 300 terras que nem iniciaram o processo administrativo de reconhecimento”.

    “Percebemos que estes últimos julgamentos estão levando em conta a Portaria 303 então de fato, ela não está suspensa”, ressaltou o procurador Renato Vieira. “Essa é a preocupação. Por isso as comunidades estão descontentes com o ministro e a Portaria, porque de fato está prejudicando as comunidades indígenas”.

    A Procuradoria-Geral Federal é o órgão responsável, na AGU, em fazer a defesa da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos indígenas. “A gente sabe que não tem sido fácil”, disse Vieira. “É um cenário difícil, os avanços são difíceis. Algumas situações políticas contaminam ainda mais a situação. A gente tem se manifestado aqui em relação a alguns projetos que surgem no Congresso que tentam minimizar os direitos indígenas, que vêm principalmente da bancada ruralista”.

    Neimar Machado, coordenador da Licenciatura Intercultural Indígena "Teko Arandu" e professor adjunto da Faculdade Intercultural Indígena (Faind) na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), explicou que a tese do Marco Temporal – que condiciona o direito dos povos à ocupação do território em outubro de 1988, é facilmente refutada por documentos históricos, como o Relatório Figueiredo. “Fica claro que as comunidades foram retiradas contra sua vontade de suas áreas. Eram despejadas dentro de reservas, impedidas de voltar. Então o argumento de que terra tradicionalmente indígena é aquela onde eles estavam até 1988 não se justifica, porque eles eram impedidos de voltar por seguranças armados das fazendas e porque, durante o período da ditadura, o indígena não tinha o direito assegurado de ir e vir. Era proibido de sair da reserva e se desobedecesse era mandado preso pro reformatório Krenak”, disse o professor.

    “De fato a gente briga contra algumas decisões judiciais, algumas conseguimos reverter, outras não. O Supremo está difícil”, analisa Renato Vieira. “É preciso rever esse entendimento do STF, de que só aqueles índios que estavam na terra em 1988 têm direito. Se não estavam em 88, por quê não estavam? Porque ele não estavam conseguindo voltar? Esse tipo de situação a gente tem que amadurecer um pouco mais com o Supremo. A gente sabe que é difícil”.

    Na tarde desta terça-feira (30), o grupo esteve no Supremo, onde participou de uma sessão de julgamento da 2

    ª Turma e protocolou, nos gabinetes dos ministros e em dois processos, uma carta dos professores indígenas pela demarcação das terras em Mato Grosso do Sul. “Nós professores estamos muito preocupados com a situação territorial no Mato Grosso do Sul, pois sabemos que sem a demarcação de nossas terras, não teremos escolas para nossas crianças. Sem educação de qualidade, pública e diferenciada, que atenda nossa realidade cultural, perderemos o que nos resta de tradição, crença, língua”. Leia aqui o documento na íntegra.
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  • 30/06/2015

    Funai e indígenas são retirados pela Força Nacional de buscas aos Guarani Kaiowá desaparecidos

    Os Guarani e Kaiowá do tekoha de Kurusu Ambá, cone sul do Mato Grosso do Sul, denunciam que a Força Nacional não tem envolvido indígenas e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) na operação de busca às duas crianças indígenas desaparecidas na retomada da fazenda Madama, depois de ataque envolvendo 30 indivíduos armados e coordenado pelo arrendatário da propriedade, no dia 24 de junho. Com os indígenas, porém, a Funai segue fazendo incidências atrás de Geremia Lescano Gomes, de 14 anos, e Tiego Vasques Benites, de 12 anos. Na foto, indígenas em acampamento da retomada após ataque. 

    A operação para encontrar os garotos foi organizada com a participação do Ministério Público Federal (MPF), Operação Guarani, da Funai, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, além dos Guarani e Kaiowá. A presença dos indígenas nas diligências é uma das garantias do acordo firmado. Até a manhã desta terça-feira, 30, as crianças ainda não tinham sido localizadas.

    De acordo com os indígenas, desde domingo, 28, a Força Nacional não segue até a sede da Funai, em Ponta Porã, para junto dos servidores federais e dos indígenas dar prosseguimento às buscas. Servidores do órgão indigenista confirmam a informação. A postura da Força Nacional teve início depois que fazendeiros cercaram o veículo da Funai na sede da Madama, no sábado, 27, iniciando um tumulto. No carro estavam dois Guarani e Kaiowá.

    “Então a Funai começou a procurar com a gente, mas foi a Força Nacional que fez essa separação. Fazendeiros que foram nos ameaçar. Não a gente contra eles. Então agora não podemos procurar na Madama. Fica difícil de entender e as crianças ainda ninguém achou”, diz uma liderança que não identificamos em razão das ameaças sofridas.

    O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, que chegou ao Mato Grosso do Sul logo após o ataque contra Kurusu Ambá, disse que torce “para que as duas crianças indígenas desaparecidas não tenham sido vítimas de massacre”. Conforme as lideranças Guarani e Kaiowá, os dois jovens conheciam bem o lugar e por isso temem pelo pior: que nunca sejam encontrados, tal como o cacique Nísio Gomes – assassinado em 2011, nunca teve o corpo encontrado pelas autoridades.

    Guaivyry

    Neste domingo, 28, quando um carro com giroflex ligado se aproximou de uma das retomadas Guarani e Kaiowá do tekoha Guaivyry, também no cone sul do estado, na fazenda Água Blanca, os indígenas acharam se tratar da Força Nacional, mas não era. Quando o veículo se aproximou do acampamento, quatro disparos foram desferidos contra os Guarani e Kaiowá.  

    “À noite, um bando cercou a fazenda e ficou a noite inteira mostrando armas, fazendo ameaças. Estão constantemente pressionando a gente. Não vamos sair, já está decidido”, afirma uma liderança indígena do Guaivyry.  

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