• 14/07/2015

    No TO, 1º Encontro de Jovens Apinajé reflete conjuntura e reafirma luta pela terra tradicional

    De 10 a 12 de julho foi realizado o 1º Encontro de Jovens Apinajé, na aldeia Mariazinha, Terra Indígena Apinajé. A conjuntura política, econômica e social do Brasil foi debatida por meio de Aluísio Leal, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Sebastião Moreira, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) GO/TO.

    A destruição dos biomas brasileiros, decorrente da ofensiva do agronegócio, assim como a construção de megaempreendimentos em nome do “desenvolvimento” do país, situações que prejudicam povos indígenas e populações tradicionais, foram veementemente repudiadas pelos jovens por meio do documento final do encontro, que abordou ainda as proposições legislativas anti-indígenas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000.

    Também foi repudiada a proposta de implantação do MATOPIBA, declarada pelo governo a “nova fronteira agrícola” do país, que prevê o uso da região do Cerrado que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia para o plantio intensivo da soja, cana e eucalipto.  Os jovens manifestaram-se contrários à criação, pelo Ministério da Saúde, do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que “aponta para privatização do atendimento à saúde indígena”.

    Leia o documento na íntegra:

    Documento final do Encontro de Jovens Apinajé


    O 1º Encontro de Jovens Apinajé foi realizado no período de 10 a 12 de julho de 2015 na aldeia Mariazinha na terra Apinajé, no município de Tocantinópolis, norte do estado do Tocantins. O Encontro teve a assessoria do Professor Aluísio Lins Leal, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Sebastião Moreira, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) GO/TO.

    No início do Encontro o professor Aluísio Lins Leal da UFPA discorreu sobre a conjuntura política, econômica e social do Brasil. O Professor enfatizou que o comportamento da sociedade contemporânea é orientado por um sistema político e econômico cada vez mais perverso e competitivo, que consequentemente estimula a exploração dos recursos naturais de forma predatória, suscita a corrupção política e econômica e provoca graves violações de direitos humanos.

    Por outro lado, os órgãos do Estado brasileiro responsáveis pela efetivação das políticas públicas de Saúde, Educação, Moradias, Demarcação e Proteção de Terras Indígenas nunca funcionam adequadamente para atender as demandas das populações mais empobrecidas e exploradas do País.  Como se não bastasse, temos verificado inúmeras tentativas de anular conquistas e desconstruir direitos dos povos.

    Atualmente existem inúmeras propostas legislativas que tendem suprimir direitos sociais já conquistados. A PEC 215/2000 é a mais conhecida e propõe transferir do Poder Executivo para o Poder Legislativo (Congresso Nacional) as prerrogativas de demarcar e garantir as terras indígenas, quilombolas e das populações tradicionais.

    Dessa forma, essa proposta legislativa representa um grave retrocesso e o mais pervertido golpe contra os Direitos Humanos após a Constituição de 1988. A exemplo do Código Florestal, a PEC 215/2000 também foi forjada para atender os interesses das bancadas ruralista e evangélica.

    Preocupados com esses retrocessos e as graves violações de Direitos Humanos que estão ocorrendo no Brasil nas últimas décadas, onde as populações indígenas, os quilombolas e populações tradicionais encontram se encurraladas e pressionadas pelas grandes empresas. Sendo que por falta de demarcação de terras muitos povos estão sendo literalmente empurrados para miséria absoluta, pobreza extrema e vítimas das doenças, da fome, da intolerância racial e da violência dos ruralistas.

    Em 2014, especialmente no Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul e Maranhão, lideranças indígenas foram covardemente assassinadas ou sofreram terríveis humilhações e perseguições por causa da luta para garantir suas terras. Pelo mesmo motivo, no resto do país, muitas lideranças estão sendo presas, criminalizadas e assassinadas pela Polícia e jagunços a mando de madeireiros e fazendeiros.

    Nestes termos, repudiamos com veemência o “Estado” de terror instituído por políticos e setores vinculados ao agronegócio, as madeireiras e as mineradoras, que em nome da farsa do “desenvolvimento” e do lucro imediato estão acelerando o desmatamento e a destruição de importantes biomas brasileiros, especialmente o Cerrado e a Amazônia, situação que vem agravando os incêndios florestais, as secas prolongadas e as crises hídricas em todas as regiões do Brasil.

    Dessa forma, rejeitamos também a construção de “grandes projetos de desenvolvimento” como a Hidrovia Araguaia – Tocantins, as hidrelétricas de Santa Isabel no Rio Araguaia, Marabá e Serra Quebrada no Rio Tocantins. Não concordamos que esses empreendimentos sejam construídos em nossos rios, cujas bacias hidrográficas estão sendo fortemente atingidas e alteradas por construção de hidrelétricas, agrotóxicos e o desmatamento do Cerrado e da Amazônia.

    Denunciamos a proposta de implantação do MATOPIBA nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que prevê uso dessa região de Cerrado para plantio intensivo da soja, cana e eucaliptos.  É inaceitável que essas práticas do agronegócio, baseadas na violência, truculência, degradação ambiental e escravidão continuem expulsando as populações indígenas, os quilombolas e os ribeirinhos para margens das rodovias e favelas dos centros urbanos do País, com conivência e apoio desse governo. O estado do Mato Grosso do Sul é um retrato fiel dessa situação.

    Consideramos absurda a proposta do Ministério da Saúde (MS) de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que aponta para privatização do atendimento à saúde indígena, contrariando os preceitos constitucionais que diz que a “Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Estado”.

    Declaramos nosso total apoio e solidariedade aos povos Avá Canoeiro do Estado de Tocantins e Guarani Kaiowá de Mato Grosso do Sul, que atualmente estão sendo condenados e forçados a viver fora de seus territórios tradicionais em situação de abandono e violência por falta terra demarcada para construir suas aldeias, plantar e viver em paz. Lamentamos que por falta de terra esses povos não têm sequer onde sepultar seus parentes de forma digna, contrariando suas culturas, costumes e tradições.

    Na manhã do dia 12/07/15, após avaliação, os jovens e adolescentes participantes sugeriram que sejam realizados mais encontros como esse para articulação do Movimento Indígena e a continuidade desse processo de aprendizado e formação. O 1º Encontro dos Jovens Apinajé foi encerrado ao meio dia com almoço

                                                                              Aldeia Mariazinha, 13 de julho de 2015

     Associação União das Aldeias Apinajé -PEMPXÀ

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  • 14/07/2015

    MPF/PA divulga relatório sobre remoção de ribeirinhos pela hidrelétrica de Belo Monte

    O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) publicou nessa quinta-feira, 9 de julho, a versão integral do relatório sobre a inspeção realizada em junho por equipe interinstitucional em áreas de comunidades ribeirinhas atingidas pela remoção compulsória resultante do projeto da hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira, no sudoeste do estado. A apresentação do relatório está disponível aqui e a íntegra está neste link.

    Com base em depoimentos de famílias afetadas pela remoção, o documento alerta sobre o risco de os ribeirinhos ficarem desprovidos de acesso aos seus meios de subsistência.

    O relatório registra que, por ignorar completamente o modo de vida dessas famílias, o processo de remoção viola um dos princípios do Plano Básico Ambiental (o PBA, documento que detalha os programas para a minimização dos impactos negativos do projeto) de Belo Monte, que impõe a necessidade de manutenção do modo de vida das comunidades afetadas em condições no mínimo semelhantes às que detinham antes do impacto.

    Entre diversas irregularidades apontadas, o relatório de inspeção destaca que, sem a opção de remoção para assentamentos em áreas próximas do rio, os ribeirinhos acabam sendo coagidos a aceitar indenizações insuficientes para a aquisição de local que permita a recomposição de suas condições de vida, rompendo com ainda um padrão cultural de ocupação do território, que tem como característica essencial a dupla moradia: uma casa nas ilhas, para a pesca e a agricultura, e outra na cidade, para a venda da produção e para acesso à saúde e à educação.

    “O que revela este Relatório de Inspeção é que está em curso um processo de expropriação dos meios de produção e de reprodução da vida dos grupos ribeirinhos impactados pela UHE [Usina Hidrelétrica de] Belo Monte”, diz o documento.

    Após a realização da inspeção, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), licenciador do projeto da usina, notificou a empresa Norte Energia sobre a "suspensão de remoção compulsória e demolição das casas nas ilhas interferidas pela UHE Belo Monte" e afirmou a necessidade de que sejam revistos os tratamentos das famílias impactadas de forma a buscar a recomposição do seu modo de vida.

    O MPF/PA aguarda a resposta do governo federal quanto às alternativas que serão apresentadas para a readequação do processo de remoção desses grupos e destacou, em reunião realizada em Brasília, a importância de que sejam definidos um cronograma e parâmetros mínimos, com base no PBA de Belo Monte, para a readequação deste processo.

    "É necessária a garantia da territorialidade peculiar dos ribeirinhos, incluindo a proteção de um território de mobilidade com seu ponto de pesca, a continuidade das atividades pesqueiras e um reassentamento urbano coletivo com acesso direto ao rio Xingu. Sem isso, não haverá cumprimento dessa obrigação condicionante", ressalta o MPF/PA.

    A inspeção foi realizada pelo MPF em conjunto com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o Ibama, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) e a Procuradoria Federal Especializada da Funai (AGU-Funai), com a participação dos professores Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de São Paulo e da Universidade de Chicago (USP/UChicago), Mauro William Barbosa de Almeida, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará (UFPA), de pesquisadores que atuam com os grupos tradicionais da região, de entidades não-governamentais e de representantes dos atingidos.

    Relatório da inspeção interinstitucional sobre ribeirinhos removidos por Belo Monte:

    Apresentação

    Íntegra

     

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  • 13/07/2015

    Após pressão de indígenas, Sesai libera contrato para locação de veículos no Dsei/BA

    Após mais de três meses de negligência da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que deixou as comunidades da Bahia sem transporte, foi confirmada nessa sexta-feira (10) a contratação de empresa para locação de 79 veículos e autorizada a compra de 15 automóveis para as necessidades emergenciais do atendimento à saúde indígena. O contrato foi homologado nesta segunda-feira (13) e deve ser assinado em até 10 dias úteis, e então a empresa terá até 60 dias corridos para entregar os veículos.

    A decisão foi anunciada durante reunião com representantes da Sesai e indígenas dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá e Tumbalalá – que estiveram em Brasília pela garantia de seus direitos. O grupo foi recebido por Daniel Lacerda, chefe de gabinete do secretário da Saúde Indígena, Antônio Alves, que não compareceu alegando agenda em São Paulo. “A ausência dele representa a falta de compromisso e respeito com a gente e o pessoal que está na base. Essa omissão do Estado já causou muitas mortes”, disse o cacique Sinaldo Pataxó. Participaram da reunião os diretores do Departamento de Gestão, Rafael Bonassa, e do Departamento de Saneamento e Edificações, Flávio Norberto, além da coordenadora da Atenção à Saúde Indígena, Miriã Vieira e o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena na Bahia (Dsei/BA), Jerry Santos.

    Os indígenas ficaram sem transporte depois de descoberto, pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), um esquema de fraude nas licitações do Dsei/BA, que contratou a empresa San Marino Ltda. com sobrepreço de R$12,8 milhões, além de ter sido constatado superfaturamento de R$ 6,4 milhões por não execução dos serviços. A licitação é de 2013 e foi estendida para outros Dseis no país, mas o pregão foi suspenso pela Justiça Federal e uma nova licitação deveria ocorrer em até 30 dias da decisão, datada de 21 de julho de 2014. No entanto, o processo só foi finalizado um ano após a determinação judicial.

    Questionado sobre a espera que resultou em mortes por falta de transporte, Daniel Lacerda disse que a Sesai “tentou” soluções de diversas maneiras, entre elas a realização de um contrato emergencial para a locação dos veículos, mas que nenhuma empresa “aceitou fazer” e que não disponibilizariam a quantidade de carros necessária. “A gente entende as tentativas, mas é mais fácil justificar burocraticamente do que sofrer na pele o que eles sofrem. O Estado tem mais que a obrigação de cumprir com seu papel, e os indígenas deveriam ter o atendimento garantido há muito tempo”, disse Caromi Oseas, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que cobrou da Sesai um relatório detalhando os procedimentos adotados pela Secretaria para sanar o problema. Os diretores prometeram repassar as informações.

    Maria da Ajuda, presidente do Conselho Local de Saúde Indígena do Sul da Bahia, revoltou-se com as afirmações de que Antônio Alves estaria sensibilizado com a questão. “Ele está sendo irresponsável com a saúde do nosso povo na Bahia, porque há três meses estamos lá sofrendo. Não tenho como dizer que o ministro [da Saúde] ou o secretário estão sendo sensíveis. Sensíveis seriam se comprassem agora os carros pra suprir a necessidade das comunidades. Viemos em março tratar disso e depois de quatro meses aqui estamos de novo, e o secretário não queria nos receber, alegando que era a mesma pauta. Mas como ele queria outra pauta, se não cumpriu o que combinou em março? Não tinha razão para ele se negar a nos receber. Os senhores dizem que ele está muito preocupado, pedindo desculpas, mas não acredito. Preocupado ele estaria se imediatamente colocasse os veículos nas nossas comunidades, se não deixasse nosso povo morrendo igual está lá, perdendo seus exames, suas consultas, cirurgias… muitos já estarão debaixo do chão quando conseguirem um atendimento. Isso é ter sensibilidade?”.

    Depois de pressionado, o chefe de gabinete de Antônio Alves assumiu a compra de 15 veículos do tipo caminhonete, e ainda comprometeu-se a analisar, até esta sexta-feira (17) a possibilidade de aquisição de outros cinco automóveis do mesmo modelo. “Temos R$ 15 milhões para investir nos 34 Distritos, então o que eu posso assumir é a compra dos 15 carros agora, fora os outros 79 que serão alugados”, disse Daniel Lacerda.

    Câmara dos Deputados

    Os indígenas participaram na quinta-feira (9) de uma audiência da Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 no Congresso Nacional, onde deputados ruralistas comemoravam as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que, baseadas no conceito do “marco temporal”, anularam atos administrativos da demarcação de três Terras Indígenas (TIs). O deputado Valdir Colatto (PMDB/SC) chegou a defender a exploração das TIs “para quem quiser” e declarar total apoio ao marco temporal e à PEC 215, “necessária ao país”, sinalizando que os povos indígenas não devem ter direito ao território tradicional. “Vamos colocar na Constituição brasileira aquilo que o Supremo já decidiu […] queiram ou não, essa Casa é majoritária e vamos decidir por isso. Dizer que o índio não pode ser integrado é um erro. Não seria muito mais fácil integrá-los à sociedade?”, disse o deputado. Assombrados com a posição de Colatto, os parlamentares Padre João (PT-MG), Nilto Tatto (PT-SP) e Erika Kokay (PT-DF) saíram em defesa dos direitos indígenas. “Penso que esta é a mesma lógica colonialista, de achar que qualquer um pode falar em nome dos indígenas e dizer o que eles têm que desejar”, afirmou a deputada, que lamentou o fato de as lideranças presentes na audiência terem sido impedidas de se pronunciar. “Para que uma audiência pública seja profícua, é preciso assegurar o contraditório. Mas temos uma mesa uníssona”, apontou.

    A delegação da Bahia esteve ainda com assessores do Ministério da Justiça (MJ) para pressionar o órgão a solucionar os 12 processos de demarcação pendentes no estado, que não têm qualquer impedimento jurídico, dependendo apenas de vontade política da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou do MJ. Flávio Chiarelli, ex-presidente interino da Funai, agora assessor especial do ministro José Eduardo Cardozo, ressaltou que as decisões do STF e a tese do marco temporal representam uma grande dificuldade para a solução dos conflitos na Bahia. “O Judiciário está colocando o Executivo contra a parede. Se nada mais pode, o que o Judiciário quer? Que não haja mais demarcação de terras indígenas?”, pontuou Chiarelli.

    O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),  também ouviu o grupo, mas por meio de assessores – o que revoltou os indígenas. “Viemos de longe para solucionar nossas questões e ninguém quer nos receber. É vergonhosa essa situação. Mais uma vez o governo quer o genocídio da população indígena”, disse o cacique Zeca Pataxó. 

    Os indígenas protocolaram uma carta no STF a respeito das decisões da 2ª Turma, manifestando solidariedade aos povos Canela-Apanyekrá, Guarani-Kaiowá e Terena. “Anular os longos e complexos processos de demarcação das terras indígenas, desconsiderando as décadas e, muitas vezes, centenas de anos de luta pela terra, desconsiderando ainda, que muitas vezes foi o próprio Estado brasileiro que expulsou e realocou os indígenas, para nós é a maior e mais cruel violência que poderia ser cometida, pois significa a morte dos povos e das culturas indígenas”, diz o documento. Leia na íntegra aqui.

    Fotos:

    Alejandro Zambrana - Sesai e Luis Macedo - Câmara dos Deputados

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  • 13/07/2015

    Papa Francisco afirma estar ao lado dos que lutam por terra, teto e trabalho

    Segundo o Papa disse em Santa Cruz, na Bolívia, "os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas fundamentalmente criando". Assista ao pronunciamento clicando aqui.

    Leia na íntegra o discurso:

    Discurso do papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Sociais

    Boa tarde a todos!

    Há alguns meses, reunimo-nos em Roma e não esqueço aquele nosso primeiro encontro. Durante este tempo, trouxe-vos no meu coração e nas minhas orações. Alegra-me vê-vos de novo aqui, debatendo os melhores caminhos para superar as graves situações de injustiça que padecem os excluídos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar tão decididamente este Encontro.

    Então, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixão, entrega, sede de justiça. Hoje, em Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube também, pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» presidido peloCardeal Turkson, que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vós, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese, em cada comissão «Justiça e Paz», uma colaboração real, permanente e comprometida com os movimentos populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais a aprofundar este encontro.

    Deus permitiu que nos voltássemos a ver hoje. A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, teto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra.

    1. Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. Problemas, que têm uma matriz global e que actualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos estas perguntas:

    – Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem tecto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?

    – Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros? Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?

    Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.

    Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que sofrem em cada actividade laboral, em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas como muitas e diferentes são as formas próprias de as enfrentar. Mas há um elo invisível que une cada uma destas exclusões: conseguimos nós reconhecê-lo? É que não se trata de questões isoladas.

    Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?

    Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.

    Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.

    Hoje quero refletir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem, recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez, quero falar duma mudança noutro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança – poderíamos dizer – redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que buscais uma mudança e não apenas vós: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e sobretudo a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.

    O tempo, irmãos e irmãs, o tempo parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar entre nós, mas chegamos até a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade científica aceita aquilo que os pobres já há muito denunciam: estão a produzir-se danos talvez irreversíveis no ecossistema.

    Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trás de tanto sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava «o esterco do diabo»: reina a ambição desenfreada de dinheiro. O serviço ao bem comum fica em segundo plano. Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum.

    Não quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vós conhecei-los! Mas também não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo. Sofremos de um certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo. Ao ver a crónica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se possa fazer para além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos.

    Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus problemas? Muito! Podem fazer muito.

    Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, teto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!

    2. Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: «processo de mudança». A mudança concebida, não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social.

    Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um destino, por viver com dignidade, por «viver bem».

    Vós, a partir dos movimentos populares, assumis as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno, que se rebela contra a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do camponês ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem tecto, do imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe que perdeu o seu filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita à escravidão; quando recordamos estes «rostos e nomes» estremecem-nos as entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos…. Porque «vimos e ouvimos», não a fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstrata ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoção feita acção comunitária é incompreensível apenas com a razão: tem um plus de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos verdadeiros movimentos populares.

    Vós viveis, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falastes-me das vossas causas, partilhastes comigo as vossas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalhais no insignificante, no que aparece ao vosso alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não vos resignais opondo uma resistência ativa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata.

    Vi-vos trabalhar incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e comunidades, pela dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e agrupamentos, pela auto-construção de moradias e o desenvolvimento das infra-estruturas do bairro e em muitas actividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo tão elementar e inegavelmente necessário como o direito aos “3 T”: terra, teto e trabalho.

    Este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades… Rostos e nomes que enchem o coração. A partir destas sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo.

    Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão.

    Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos.

    Peço aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posições ideológicas, mas se construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não vos equivocareis.

    A Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança.

    No coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do Carmo, padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro seja fermento de mudança.

    3. Por último, gostaria que refletíssemos, juntos, sobre algumas tarefas importantes neste momento histórico, pois queremos uma mudança positiva em benefício de todos os nossos irmãos e irmãs. Disto estamos certos! Queremos uma mudança que se enriqueça com o trabalho conjunto de governos, movimentos populares e outras forças sociais. Sabemos isto também! Mas não é tão fácil definir o conteúdo da mudança, ou seja, o programa social que reflicta este projeto de fraternidade e justiça que esperamos. Neste sentido, não esperem uma receita deste Papa. Nem o Papa nem a Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e da proposta de soluções para os problemas contemporâneos. Atrever-me-ia a dizer que não existe uma receita. A história é construída pelas gerações que se vão sucedendo no horizonte de povos que avançam individuando o próprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no coração.

    Gostaria, no entanto, de vos propor três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição do conjunto dos movimentos populares:

    3.1 A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.

    Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra.

    A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. A sua finalidade não é unicamente garantir o alimento ou um «decoroso sustento». Não é sequer, embora fosse já um grande passo, garantir o acesso aos “3 T” pelos quais combateis. Uma economia verdadeiramente comunitária – poder-se-ia dizer, uma economia de inspiração cristã – deve garantir aos povos dignidade, «prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos».(1)

    Isto envolve os “3 T” mas também acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à comunicação, ao desporto e à recreação. Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter acesso a uma digna aposentação na velhice. É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vós – e outros povos também – resumis este anseio duma maneira simples e bela: «viver bem».

    Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia, nem uma fantasia. É uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la. Os recursos disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e dos dons da criação, são mais que suficientes para o desenvolvimento integral de «todos os homens e do homem todo». (2)

    Mas o problema é outro. Existe um sistema com outros objetivos. Um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da «produtividade», continua a negar a milhares de milhões de irmãos os mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais. Este sistema atenta contra o projecto de Jesus.

    A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama. Os planos de assistência que acodem a certas emergências deveriam ser pensados apenas como respostas transitórias. Nunca poderão substituir a verdadeira inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário.

    Neste caminho, os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global.

    Conheci de perto várias experiências, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras formas de organização comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelão são exemplos desta economia popular que surge da exclusão e que pouco a pouco, com esforço e paciência, adopta formas solidárias que a dignificam. Quão diferente é isto do fato de os descartados pelo mercado formal serem explorados como escravos!

    Os governos que assumem como própria a tarefa de colocar a economia ao serviço das pessoas devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenação e expansão destas formas de economia popular e produção comunitária. Isto implica melhorar os processos de trabalho, prover de adequadas infra-estruturas e garantir plenos direitos aos trabalhadores deste setor alternativo.

    Quando Estado e organizações sociais assumem, juntos, a missão dos “3 T”, ativam-se os princípios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa democracia plena e participativa.

    3.2 A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça.

    Os povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz para a justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco. Querem que a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradições religiosas sejam respeitados. Nenhum poder efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afectam seriamente as possibilidades de paz e justiça, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência». (3)

    Os povos da América Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência política e, desde então, viveram já quase dois séculos duma história dramática e cheia de contradições procurando conquistar uma independência plena.

    Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bela como faziam os nossos antepassados, chamam a «Pátria Grande». Peço-vos, irmãos e irmãs dos movimentos populares, que cuidem e façam crescer esta unidade. É necessário manter a unidade contra toda a tentativa de divisão, para que a região cresça em paz e justiça.

    Apesar destes avanços, ainda subsistem fatores que atentam contra este desenvolvimento humano equitativo e coarctam a soberania dos países da «Pátria Grande» e doutras latitudes do Planeta. O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anônimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de medidas de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres.

    Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida, quando afirmam que «as instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações». (4)

    Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma acção internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores.

    Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África, muitas vezes pretende-se converter os países pobres em «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante».5

    Temos de reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido sem a interação dos Estados e dos povos a nível internacional. Qualquer ato de envergadura realizado numa parte do Planeta repercute-se no todo em termos econômicos, ecológicos, sociais e culturais.

    Até o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode atuar à margem duma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir humildemente a nossa interdependência. Mas interação não é sinónimo de imposição, não é subordinação de uns em função dos interesses dos outros.

    O colonialismo, novo e velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os males que vêm juntos… precisamente porque, ao pôr a periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento integral. Isto é desigualdade, e a desigualdade gera violência que nenhum recurso policial, militar ou dos serviços secretos será capaz de deter.

    Digamos NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.

    Aqui quero deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito, dizer: «Quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas ações da Igreja». Com pesar, digo: Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus. Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II, peço que a Igreja «se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos». (6) E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América.

    Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se recordem de tantos bispos, sacerdotes e leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz; que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoção humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indígenas ou acompanhando os próprios movimentos populares mesmo até ao martírio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro.

    Hoje vemos, com horror, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar.

    Aos irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano, deixem-me expressar a minha mais profunda estima e felicitá-los por procurarem a conjugação dos seus povos e culturas segundo uma forma de convivência, a que eu chamo poliédrica, onde as partes conservam a sua identidade construindo, juntas, uma pluralidade que não atenta contra a unidade, mas fortalece-a. A sua procura desta interculturalidade que conjuga a reafirmação dos direitos dos povos nativos com o respeito à integridade territorial dos Estados enriquece-nos e fortalece-nos a todos.

  • 13/07/2015

    De Marçal Tupã-Y a Elizeu Guarani e Kaiowá: mais uma vez, os povos indígenas pedem apoio ao papa

    Marçal de Souza Tupã-Y encontrou-se com o papa João Paulo II em 1980, durante visita do Sumo Pontífice ao Brasil. Marçal foi assassinado em 25 de novembro de 1983, três anos depois da conversa que teve com o papa. Negou-se a aceitar o dinheiro ofertado por um fazendeiro, como suborno, para que abandonasse a luta pelos tekohas – lugar onde se é – dos Guarani e Kaiowá. Assim disse Marçal ao papa João Paulo II, na ocasião: “Este é o país que nos foi tomado. Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, Santo Padre. O Brasil foi invadido e tomado dos indígenas. Esta é a verdadeira história de nosso povo, Santo Padre. Eu deixo aqui o meu apelo, apelo de 20 mil índios que habitam, lutam pela sua sobrevivência, nesse País tão grande e tão pequeno para nós”. Eram 20 mil, hoje são quase 1 milhão (IBGE, 2010).

    Trinta e dois anos depois, e com a promulgação da Constituição Federal no meio, Elizeu Guarani e Kaiowá diz sobre o encontro com o papa Francisco, durante visita do Sumo Pontífice ao continente latino-americano: "Ele me recebeu com um sorriso, estendeu a mão e me escutou, coisa que a presidente e os governantes brasileiros, mesmo sabendo de nossa situação, nunca fizeram, e se negam a fazer. Eu pedi a ele que interceda por nós, que ajude a fazer o governo brasileiro cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios, que o próprio Poder Executivo paralisou. Disse que por causa disso, em todo Brasil, e em especial no Mato Grosso do Sul, vivemos em guerra, que estamos morrendo, sendo massacrados por pistoleiros armados e pelos políticos do agronegócio, que sobre nós existe um verdadeiro genocídio. Pedi pelo futuro de nossas crianças e velhos, para que possam continuar existindo”.

















    Duas lideranças Guarani e Kaiowá, dois papas e um contexto intermitente de genocídio contra os povos indígenas. Francisco ouviu e se comprometeu com os povos indígenas do Brasil, como já o fez em outras ocasiões. Dessa vez, a postura engajada do líder da Igreja Católica se deu durante o Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ocorrido na semana passada em Santa Cruz, na Bolívia. Elizeu Guarani e Kaiowá conversou com o Sumo Pontífice e entregou-lhe uma carta (leia abaixo). O indígena, porém, não falou apenas do que sofre os Guarani e Kaiowá e se dirigiu ao papa representando a luta dos quase 1 milhão de indígenas do país, que não é só por terra, mas, sobretudo, para “que possam continuar existindo”, nas palavras do próprio Elizeu.

    A passagem do papa pela América Latina, que percorreu o Equador, a Bolívia e o Paraguai, balançou as estruturas conservadoras no continente e no mundo. Com discursos de alto teor anticapitalista, incentivando aos oprimidos que se organizem e lutem por terra, teto e trabalho, além de ter aceitado do presidente Evo Morales uma foice e martelo com Jesus Cristo crucificado, feito pelo jesuíta Luis Espinal Camps, assassinado em 1980 depois de ser barbaramente torturado por autoridades militares bolivianas, Francisco, também um jesuíta, declarou: “Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos”.

    Leia mais: Íntegra do discurso do papa Francisco durante o Encontro Mundial dos Movimentos Sociais

    Elizeu Guarani e Kaiowá e seu povo também não suportam mais o “sistema” – no caso, capitalista e colonial. O agronegócio e o histórico de ocupação violenta das terras indígenas pela colonização levam a uma das realidades mais trágicas que se tem notícia no mundo: centenas de suicídios, atropelamentos, assassinatos, crianças mortas pela fome, uma vida debaixo de lonas, em retomadas atacadas por pistoleiros ou em acampamentos às margens das estradas – entre a cerca e o asfalto. Elizeu, por exemplo, é uma liderança de Kurusu Ambá, tekoha – lugar onde se é – no cone sul do MS. Vive, assim como Marçal Tupã-Y, ameaçado de morte e faz parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

    A atitude do papa já é muito mais do que o governo brasileiro vem fazendo, conforme Elizeu. Em sua Encíclica Ecológica, Francisco defende o direito dos povos indígenas ao território tradicional e os aponta como os principais defensores da natureza, da Mãe Terra – defendê-la, conforme o papa, é um dever urgente. Francisco não deixou de reconhecer, todavia, o que de ruim a Igreja fez contra os povos indígenas. Pediu perdão reconhecendo o mal causado como irreparável. Não apenas criticou os governos pela completa falta de escrúpulos com os direitos dos povos indígenas, mas na autocrítica reafirmou sua posição veemente e comprometida a favor destas comunidades.        

    Leia na íntegra a carta do povo Guarani e Kaiowá ao papa:

     

    Carta dos Guarani e Kaiowá ao papa Francisco

    Amado papa Francisco,

    Nós, povos indígenas do Brasil, sofremos um processo de ataque violento contra nossas comunidades, nossas lideranças e nosso direitos. Os Guarani e Kaiowá vivemos no estado do Mato Grosso do Sul enfrentamos as piores condições de vida, sofremos a violência mais profunda e uma situação de maior vulnerabilidade social e cultural no país. Somos cerca de 45 mil pessoas e vivemos no exílio, fora de nossas terras, que se encontram invadidas por fazendeiros que delas nos expulsaram em passado recente com o apoio do Estado brasileiro.

    Em 2014, 138 indígenas foram assassinados no Brasil. Destes, 41 foram no estado do Mato Grosso do Sul. No mesmo ano, 135 indígenas se suicidaram no país, sendo que no Mato Grosso do Sul foram 48 indígenas mortos por suicídio. No Brasil, em 2014, 785 crianças indígenas morreram antes de completar cinco anos de idade. Destas, 55 foram no Mato Grosso do Sul. Muitas de nossas famílias vivem em barracos de lona em beiras de estradas no estado do Mato Grosso do Sul. Considerando apenas estes três tipos de mortes não naturais, em 2014, morreu um Guarani Kaiowá a cada dois dias e meio no Brasil. Isto constitui-se num verdadeiro processo de genocídio contra nosso povo.

    Mesmo com essa situação dramática, o governo paralisou os procedimentos de demarcação das terras indígenas no Brasil. No Congresso Nacional, os ruralistas atentam a todo o momento contra nossos direitos fundiários, com proposições legislativas a exemplo da PEC 215/00 e o PL 1610/96. Inclusive alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do poder Judiciário, tem tomado decisões que anulam atos administrativos de demarcação de nossas terras dizendo que não teríamos direito às nossas terras porque não estávamos na posse física das mesmas na data da promulgação da Constituição Federal, a saber, 05 de outubro de 1988. Mas como estaríamos na posse de nossas terras se havíamos sido expulsos violentamente das mesmas e seríamos mortos pelos fazendeiros se tentássemos retornar a elas?

    Nossa situação é de desespero. Precisamos de solidariedade e apoio. Sabemos da força de suas palavras. Pedimos sua solidariedade e apoio em defesa de nossos direitos e de nossas vidas.

    Grande Assembleia do Povo Guarani Kaiowá – Aty Guassu

    Organização do Povo Guarani Kaiowá – Mato Grosso do Sul – Brasil

    Bolívia, 09 de julho de 2015

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  • 13/07/2015

    Encontro Mundial de Movimentos Populares lança documento final

    Após três dias de discussões, o Encontro Mundial dos Movimentos Populares elaborou seu documento final. Participaram do evento cerca de 1500 pessoas de organizações de 40 países.  Os eixos dos debates, que ocorreram entre os dias 7 e 9 de julhos, se deram em torno dos "3Ts": Terra, Teto e Trabalho, mote que tem sido utilizado pelo Papa Francisco como síntese dos direitos básicos pelos quais os movimentos sociais devem lutar.

    Francisco participou do encontro na quinta-feira (9). Ao falar aos participantes, pediu perseverança em seu compromisso com a luta por mudanças estruturais e afirmou ser urgente transformações profundas. Foi a segunda vez que o papa se encontrou com movimentos populares, a primeira tendo sido no Vaticano.

    As resoluções finais do Encontro, batizadas de Carta de Santa Cruz, defendem, na mesma linha de Francisco, a superação de um "modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis". Além disso, a Carta também aborda a preocupação com a degradação ambiental.

     

    Confira abaixo a íntegra:

     

    Carta de Santa Cruz

     

    As organizações sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho de 2015, concordamos com o papa Francisco em que as problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da Mãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta.

    Devemos superar um modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis.

    Nosso grito, o grito dos mais excluídos e marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não se pode seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a exclusão social que sofrem cotidianamente. Não queremos explorar, nem sermos explorados. Não queremos excluir, nem sermos excluídos. Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade se alce por cima de todas as coisas.

    Por isso, nos comprometemos a:

    1. Impulsionar e aprofundar o processo de mudança

    Reafirmamos nosso compromisso com os processos de transformação e libertação como resultado da ação dos povos organizados, que a partir de suas memórias coletivas tomam a história em suas mãos e decidem transformá-la, para dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionas as estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração.

    2. Viver bem, em harmonia com a Mãe Terra

    Seguiremos lutando para defender e proteger a Mãe Terra, promovendo a “ecologia integral” de que fala o papa Francisco. Somos fiéis a filosofia ancestral do “bem viver”, nova ordem de vida que propõe harmonia e equilíbrio nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza.

    A terra não nos pertence, nós pertencemos à terra. Devemos dela cuidar e trabalhá-la em benefício de todos. Queremos leis ambientais em todos os países em função do cuidado dos bens comuns.

    Exigimos a reparação histórica e um marco jurídico que resguarde os direitos dos povos indígenas em nível nacional e internacional, promovendo um diálogo sincero a fim de superar os diversos e múltiplos conflitos que atravessam os povos indígenas, originários, camponeses e afrodescendentes.

    3. Defender o trabalho digno

    Nos comprometemos a lutar na defesa do trabalho como direito humano. Pela criação de fontes de trabalho digno, pelo desenho e implementação de políticas que restituam todos os direitos trabalhistas eliminados pelo capitalismo neoliberal, tais como os sistemas de seguridade social, a aposentadoria e o direito de sindicalização.

    Rechaçamos a precarização, a terceirização e buscamos que se supere a informalidade através da inclusão, nunca com perseguição ou repressão.

    Também levantamos a causa dos migrantes, deslocados e refugiados. Instamos aos governos dos países ricos a que derroguem todas normas que promovem tratamento discriminatório contra eles e que estabeleçam formas de regulação que eliminem o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e a exploração infantil.

    Impulsionaremos formas alternativas de economia, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais. Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e que prevaleça a solidariedade acima do lucro. Para isso é necessário que os governos fortaleçam os esforços que emergem das bases sociais. 

    4. Melhorar nossos bairros e construir moradias dignas

    Denunciamos a especulação e a mercantilização dos terrenos e bens urbanos. Rechaçamos os despejos forçados, o êxodo e o crescimento dos bairros marginalizados. Rechaçamos qualquer tipo de perseguição judicial contra aqueles que lutam por uma casa para sua família, porque entendemos a moradia como um direito humano básico, o qual deve ter caráter universal.

    Exigimos políticas públicas participativas que garantam o direito à moradia, a integração urbana de bairros marginalizados e o acesso integral ao habitat para edificar casas com segurança e dignidade.

    5. Defender a Terra e a soberania alimentar

    Promovemos a reforma agrária integral para distribuir a terra de maneira justa e equitativa. Chamamos a atenção dos povos para o surgimento de novas formas de acumulação e especulação da terra e do território como mercadorias, vinculadas ao agronegócio, que promove a monocultura destruindo a biodiversidade, consumindo e contaminando a água, deslocando populações camponesas e utilizando agrotóxicos que contaminam os alimentos.

    Reafirmamos nossa luta pela eliminação definitiva da fome, pela defesa da soberania alimentar e pela produção de alimentos saudáveis. Também rechaçamos enfaticamente a propriedade privada de sementes por grandes grupos agroindustriais, assim como a introdução de produtos transgênicos substituindo aos nativos, pois destroem a reprodução da vida e da biodiversidade, criam dependência alimentar e causam efeitos irreversíveis sobre a saúde humano e o meio ambiente. Nesse sentido, reafirmamos a defesa dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas em relação à agricultura sustentável.

    6. Construir a paz e a cultura do encontro

    Nos comprometemos, a partir da vocação pacífica de nossos povos a intensificar as ações coletivas que garantam a paz entre todas as pessoas, povos, religiões, etnias e culturas.

    Reafirmamos a pluralidade de nossas identidades culturais e tradicionais que devem conviver harmoniosamente sem que umas se sobreponhas a outras. Nos levantamos contra a discriminação de nossa luta, pois estão criminalizando nossos costumes.

    Condenamos qualquer tipo de agressão militar e nos mobiliamos pelo cessar imediato de todas as guerras e ações desestabilizadoras ou golpes de Estado, que atentam contra a democracia e a vontade dos povos livres. Rechaçamos o imperialismo e as novas formas de colonialismo, sejam militares, financeiras ou midiáticas. Nos pronunciamos contra a impunidade dos poderosos e a favor da liberdade dos lutadores sociais.

    7. Combater a discriminação

    Nos comprometemos a lutar contra qualquer forma de discriminação entre os seres humanos, seja por diferenças étnicas, cor de pele, gênero, origem, idade, religião ou orientação sexual. Todas e todos, mulheres e homens, devemos ter os mesmos direitos. Condenamos o machismo, qualquer forma de violência contra a mulher, em particular os feminicídios, e gritamos: Nenhuma a menos!

    8. Promover a liberdade de expressão

    Promovemos o desenvolvimento de meios de comunicação alternativos, populares e comunitários, frente ao avanço dos monopólios midiáticos que ocultam a verdade. O acesso à informação e a liberdade de expressão são direitos dos povos e fundamento de qualquer sociedade que se pretenda democrática, livre e soberana.

    O protesto é também uma forma legítima de expressão popular. É um direito e aqueles que o exercem não devem ser perseguidos.

    9. Colocar a ciência e a tecnologia a serviço dos povos

    Nos comprometemos a lutar para que a ciência e o conhecimento sejam utilizados a serviço do bem-estar dos povos. Ciência e conhecimento são conquistas de toda a humanidade e não podem estar a serviço do lucro, exploração, manipulação ou acumulação de riquezas por parte de alguns grupos. Persuadimos a que as universidades se encham de povo e seus conhecimentos sejam orientados a resolver os problemas estruturais mais que a gerar riquezas para as grandes corporações. Deve-se denunciar e controlar as multinacionais farmacêuticas que, por um lado, lucram com a expropriação de conhecimentos milenares dos povos originários e, por outro, especulam e geram lucros com a saúde de milhões de pessoas, colocando o negócio na frente da vida.

    10. Rechaçamos o consumismo e defendemos a solidariedade como projeto de vida

    Defendemos a solidariedade como projeto de vida pessoal e coletivo. Nos comprometemos a lutar contra o individualismo, a ambição, a inveja e a ganância que se aninham em nossas sociedades e muitas vezes em nós mesmos. Trabalharemos incansavelmente para erradicar o consumismo e a cultura do desperdício.

    Seguiremos trabalhando para construir pontes entre os povos, que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração!

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  • 10/07/2015

    Nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, o Brasil é o campeão

    Assim noticiou o Jornal do Turismo, no último dia 24 de junho: “A presidenta Dilma Rousseff participou da cerimônia e garantiu presença na abertura, em outubro. Para o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, os jogos ajudam a projetar o Brasil no cenário internacional. “Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas são mais um gesto nosso no sentido de se abrir para o mundo, mostrando a nossa capacidade de oferecer oportunidades a todos de crescer, se desenvolver e se alegrar", afirmou Alves. Segundo ele, o evento ressalta características positivas do país. “Mostramos um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças”, afirmou. É a primeira vez que um evento esportivo-cultural reúne uma diversidade tão grande de etnias”.

    A crescente violência contra os povos indígenas, com centenas de assassinatos de lideranças nos últimos anos;  a tentativa de suprimir direitos indígenas da Constituição; as leituras e decisões reducionistas a partir do “marco temporal”; as condicionantes da Raposa Serra do Sol, sendo estendidas para demais processos de regularização de terras indígenas; as inúmeras iniciativas no Congresso (quase uma centena de projetos contra os direitos indígenas), visando impedir o reconhecimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Poderíamos continuar perfilando um rosário de ações e omissões do Estado brasileiro, que o habilitam a ser campeão de violências e violações dos direitos indígenas.

    Como antes, em dois tempos/momentos o país assumiu o reconhecimento e regularização de todas as terras indígenas (Estatuto do Índio/1973 e Constituição Federal/1988), prazos esses olimpicamente descumpridos, e mais recentemente o próprio presidente Lula se comprometeu a realizar todas as demarcações de terras indígenas, e não fez quase nada neste sentido. Chegou a vez da presidente Dilma fazer um gol. Ao que tudo indica, será um gol contra.

    Mas ainda é tempo. Restam quase três meses para que uma força tarefa, como jamais fora vista nesse país, mobilizando toda a sociedade e o Estado brasileiro para o pagamento da dívida eterna, através da demarcação de todas as terras indígenas, possibilitando uma vida digna com autonomia e respeito aos projetos históricos desses povos. Só assim poderemos dizer que somos “Um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças”. Quem viver verá!

    Povos indígenas da Bahia exigem seus direitos

    Com a mesma perplexidade da invasão primeira, há 515 anos, os Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãi, Tupinambá, entre outros povos, estão agora no Brasil central, mais precisamente nas praças e palácios dos poderes em Brasília, para identificar os invasores, suas motivações e estratégias, para combatê-los com maior eficácia e exigir seus direitos.

    Movidos por uma grande força histórica de resistência e espiritualidade, seus rituais estão inundando os diversos espaços do poder e seus braços de dominação e corrupção. Sua pauta principal é a regularização dos territórios e uma saúde de qualidade, diante do descalabro em que a Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai) transformou o atendimento a esses povos.

    Egydio, com ou sem título, cidadão amazonense

    Egydio Schwade é um dos guerreiros destacados desse país, talvez mais do que qualquer outro cidadão desse Brasil. Foi e é um aguerrido lutador pela vida, um intrépido e incansável defensor dos povos indígenas, inflexível e radical defensor da natureza, em especial da Amazônia. Mais do que merecedor de cidadão de uma região, é cidadão do Brasil e do mundo.

    Batalhador e um dos articuladores da Operação Anchieta (Opan) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio sempre buscou se inserir na radicalidade dos processos de transformação dentro da Igreja e na sociedade. Foi e é um dos críticos ferrenhos das políticas do Estado brasileiro e sua nefasta política indigenista. Com a mesma dedicação e radicalidade, defende a importância das abelhas para a continuidade da vida no planeta Terra.

    Com Egydio partilhei caminhos, sonhos e sofrimentos nestas veias abertas da América Latina e em especial no Brasil. A ele, nós do Cimi, temos muita gratidão e carinho pelo que já fez e continua fazendo pelos povos indígenas deste país e da Ameríndia, ainda na paixão. Com especial destaque para os Kiña-Waimiri Atroari, a quem dedicou momentos especiais de sua vida.

    O gesto mais forte que me lembra nesse dia, o Egydio guerreiro, é seu gesto emblemático de queimar, em praça pública, na cidade de Presidente Figueiredo, seu título de eleitor. Foi a expressão máxima que encontrou para externar sua revolta e indignação com o descalabro, malvadezas e acintes escabrosos da política local. Com ou sem título de eleitor, e cidadão amazonense em seus 80 anos de vida, tens nosso total reconhecimento, admiração e apoio. Certamente essa nossa homenagem se estende com todo carinho a Dorothy, companheira de Egydio já falecida, que igualmente deu a sua vida pela causa dos povos indígenas e da Amazônia.

     

  • 10/07/2015

    Egydio Schwade, uma homenagem merecida

    Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Operação Anchieta (Opan), foi homenageado no dia 07 de julho último pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, que lhe outorgou o título de cidadão amazonense. A iniciativa da homenagem partiu do deputado José Ricardo Wendling, do PT.

    O gesto fortalece uma perspectiva de Amazônia construída a partir dos povos e comunidades que nela vivem historicamente e que fizeram dela o seu lar, cuidando para que ela pudesse prover sua segurança e a segurança das gerações futuras.

    Egydio começou a interagir com a Amazônia e com os seus povos num momento em que ambos estavam sendo dizimados, tendo seus territórios rasgados por estradas, invadidos e saqueados e sendo sistematicamente desqualificados e discriminados nas suas formas de ser e agir. Estava convencido que na experiência milenar destes povos encontravam-se princípios a serem seguidos para assegurar o futuro.

    Como Secretário Nacional do Cimi, na década de 1970, andou por diversas regiões da Amazônia, levantando informações e denunciando as  violências praticadas contra os povos indígenas, no contexto do Plano de Integração Nacional da ditadura militar.

    A presença de Egydio na Amazônia e o seu olhar sobre a região é marcado pela convicção de que a causa dos povos que aqui vivem vale a pena. Muito diferente do olhar de muitos que chegam na Amazônia e a veem como se ela fosse um estoque de riquezas a ser saqueado ou então uma oportunidade de grandes negócios, perspectiva esta que infelizmente orienta, ainda hoje, muitas políticas governamentais.

    Quando em 1980 resolveu fixar residência na Amazônia, escolheu juntamente com sua esposa Doroty, já falecida, (outra bonita história de compromisso com a vida) a região do território histórico do povo indígena Waimiri Atroari, primeiro em Itacoatiara e posteriormente em Presidente Figueiredo, no Amazonas. Era uma região que havia sido tomada de assalto por forasteiros, apoiados pela ditadura militar, que massacraram o povo Waimiri Atroari, destinaram suas terras para a Mineração Paranapanema, para a construção da hidrelétrica de Balbina e distribuíram uma parte das mesmas para “empresários paulistas”. Para facilitar o esbulho, atravessaram-nas com a rodovia BR 174. Chamaram isso de desenvolvimento.

    Pode-se por isso dizer que Egydio veio para o Amazonas para lutar contra o desenvolvimento calcado na destruição das experiências milenares de convivência humana harmônica com a natureza. Todas as suas iniciativas foram tomadas para reforçar outra perspectiva de futuro para a Amazônia, na qual necessariamente os povos indígenas teriam um papel fundamental.

    Daí se explica o seu empenho, ainda como secretário executivo do Cimi, para a realização das primeiras Assembleias Indígenas interpovos, que possibilitaram a articulação política desses povos na defesa de seus direitos; a convivência dele e da sua família com o povo Waimiri Atroari e o processo de alfabetização ali iniciado, enquanto estratégias de fortalecimento do protagonismo daquele povo na reação ao processo violento de ocupação de suas terras; a criação do Marewa (Movimento de Apoio a Resistência Waimiri Atroari) juntando forças, no apoio aos Waimiri Atroari, e na luta de resistência ao modelo de exploração e depredação; a construção da Casa da Cultura do Urubui e o envolvimento no Comitê pela Verdade e Justiça do Amazonas, para fazer a memória permanente de uma história incômoda para a elite econômica e política que ainda hoje teima em seguir por este caminho.

    A prática em favor da vida de Egydio e de sua família, no entanto, não param nessas contribuições. Uma perspectiva de Amazônia diferente da lógica do desenvolvimento, que certamente tem muito a ver com o aprendizado com os povos indígenas, é facilmente percebida por aqueles/as que tiveram oportunidade de visitá-los em Presidente Figueiredo. Os sinais são visíveis em toda parte, nas relações humanas, na acolhida, na agricultura tropical que praticam, enriquecendo a biodiversidade em vez de destruí-la, na abundância e variedade de alimentos, na solidariedade e compromisso com as causas populares.

    Egydio, nascido em Feliz/RS, completou 80 anos de vida no dia em que o recebeu o título de Cidadão do Amazonas. Muito mais do que um cidadão do Amazonas, é uma personalidade dos povos do mundo.

  • 10/07/2015

    Mulheres e crianças Mura são vítimas de violência policial em Autazes (AM)

    Três mulheres e crianças Mura foram vítimas de uma desastrosa ação policial na Terra Indígena Murutinga/Tracajá, no município de Autazes (AM), distante da capital cerca de 113 quilômetros. O fato aconteceu no dia 28 de junho passado, por volta das 17 horas.

    A ação da polícia foi motivada por intervenção de moradores da localidade de Novo Céu, vila localizada a cerca de 20 quilômetros da sede do município de Autazes. O local fica dentro da Terra Indígena Murutinga/Tracajá, disputada por pecuaristas e posseiros. Um dos moradores acionou a polícia porque um indígena do povo Mura estava construindo uma casa em área supostamente pertencente a Cooperativa de Produtores de Leite de Autaz Mirim (Cooplam).

    Natalina Pinheiro da Conceição, grávida de dois meses, sua irmã Natália Pinheiro da Conceição e Nelcir Gomes Moura foram espancadas e presas por várias horas. Nelcir, que tem uma filha ainda bebê, foi impedida por uma policial de nome Renata de amamentar a criança.

    “Um policial de nome João me deu tapas, chutes, bateu em minhas costas com o joelho e me arrastou para um carro particular onde me deixaram e foram buscar as outras duas”, relatou Nelcir Gomes. Além das mulheres, quatro crianças, dois idosos e outras pessoas teriam sofrido agressão. 

    Nelcir disse ainda que a policial Renata teria ameaçado de morte seu esposo, conhecido como Luciclaudio Duarte, conhecido como Cacá. “Você vai ficar viúva cedo. Quero pegar o Cacá na penitenciária de Autazes”, disse Renata a Nelcir.   

    No tumulto provocado pela ação da polícia, os moradores apreenderam um revólver e devolveram posteriormente ao comandante da polícia local na presença de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai). 

    “O tiro disparado pelo policial passou entre as pernas de uma moradora e por pouco não atingiu uma criança“, relata Nelcir Gomes Moura. Os fatos acontecidos em Murutinga foram levados também ao conhecimento da Corregedoria da Polícia Militar em Manaus.

     Murutinga é uma terra indígena identificada pela Funai e em processo de demarcação. Ali vivem cerca de três mil indígenas Mura. A terra é cercada por fazendas cujos proprietários, com apoio de políticos de Autazes, tentam por várias maneiras inviabilizar a demarcação e regularização territorial.

    Foto: Natalina, grávida de dois meses, Nelcir e Natália denunciam agressão policial na Terra Indígena Murutinga/Tracajá

  • 08/07/2015

    Povos da Bahia pedem que PGR combata violações aos direitos indígenas no estado

    Mais de 100 indígenas dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá e Tumbalalá, da Bahia, estão em Brasília desde segunda-feira (6) para uma série de reivindicações junto aos Três Poderes. Nessa terça-feira (7), estiveram na Fundação Nacional do Índio (Funai) e na Procuradoria Geral da República (PGR), onde expuseram a vulnerabilidade a que estão submetidos os povos indígenas naquele estado.

     

    Atendidos por Luciano Maia, Subprocurador-Geral da República e membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, os indígenas reiteraram à PGR denúncias contra a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que não fornece transporte às aldeias há três meses, além da carência de profissionais e medicamentos.

     

    Os indígenas destacaram que as denúncias vêm sendo encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) na Bahia, que adota uma postura omissa em relação às dificuldades dos povos. “A função do MPF é zelar pelo nosso direito, o que não vem acontecendo. É crime o que estão fazendo com a gente, os órgãos públicos de modo geral. Temos pessoas morrendo nas aldeias. São quase quatro meses sem nenhuma assistência à saúde”, disse a liderança Agnaldo Pataxó Hã Hã Hãe. Os indígenas protocolaram na PGR documentos com as denúncias, pedindo que o órgão não permita omissões quanto às violações dos direitos indígenas.

     

    Fraude no Transporte

     

    O já dramático quadro da saúde indígena no estado intensificou-se nos últimos meses, depois de descoberto, pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), um esquema fraudulento de licitações envolvendo o Distrito Sanitário Especial Indígena na Bahia (Dsei/BA) para a contratação da empresa San Marino Ltda., que realizava o transporte de indígenas desde 2013. A CGU descobriu que a empresa foi beneficiada com um sobrepreço de R$ 12,8 milhões, além de um superfaturamento avaliado em R$ 6,4 milhões, em razão de serviços não executados.

     

    Depois de denúncia do MPF, a Justiça Federal suspendeu os efeitos do pregão e determinou, em 21 de julho de 2014, que uma nova licitação deveria ocorrer em no máximo 30 dias, e que, enquanto isso, os serviços prestados pela San Marino deveriam ser mantidos. No entanto, de acordo com Maria da Ajuda,  presidente do Conselho Local de Saúde Indígena do Sul da Bahia, a empresa parou de prestar o serviço, alegando falta de verba, e não foi realizada nova licitação. “Desde então já passaram quase quatro meses. A situação está caótica, tivemos óbitos decorrentes da falta de transporte, porque muitas aldeias ficam há quilômetros de qualquer atendimento de saúde. Viemos pedir socorro ao MPF, que ele entre em ação e nos ajude”, disse Maria.

     

    Os indígenas apontam problemas estruturais além da falta de transporte, como a carência de medicamentos e profissionais para os atendimentos, o abastecimento de água deficiente e ainda o preconceito que sofrem alguns indígenas ao serem atendidos, tanto dentro como fora das aldeias. “O que estão fazendo com os povos indígenas em relação a saúde é violência, porque nosso povo tá morrendo por falta de assistência. Queremos que o MPF nos ajude, porque a situação é precária, difícil pra todos. Na minha comunidade falta construção de banheiros, falta medicamentos… Falta tudo em todas as aldeias, queremos assistência adequada. Quando se fala que a saúde do povo indígena é diferenciada, será que a diferença é essa aí?”, comoveu-se a liderança Xarru.

     

    O cacique Imburana manifestou indignação com o Ministério da Saúde e Sesai, que haviam recusado proposta de reunião com a delegação. “Fazemos essa viagem, dois dias pra chegar em Brasília e o secretário não quer atender a gente, isso é um total desrespeito, uma violência”, declarou.  O procurador Luciano Maia comprometeu-se a acertar uma agenda no Ministério da Saúde, que confirmou uma reunião com a presença do secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, para esta sexta-feira (10).

     

    Na PGR, a delegação tratou ainda da paralisação dos processos de demarcação das terras indígenas na Bahia, que tem causado violência contra os povos no estado. Caromi Oseas, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), explicou ao procurador que o ministro da Justiça, ao paralisar as demarcações e optar por ‘mesas de diálogo’, acaba por incitar o ódio da população não-indígena contra os povos, cada vez mais vulneráveis à ação da pistolagem. Em maio, pistoleiros atacaram a aldeia Patiburi, da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Belmonte, queimando casas e parte da plantação da comunidade. “Só na Bahia são ao menos 12 terras indígenas sem nenhum impedimento jurídico, dependendo apenas de vontade política da Funai e/ou do Ministério da Justiça  (MJ) para terem seus processos demarcatórios finalizados. A TI Barra Velha, por exemplo, está na mesa do ministro há 8 anos”, explicou Caromi. A delegação tratará dos procedimentos demarcatórios diretamente com o MJ na tarde desta quinta-feira (9).

     

    Protesto na Esplanada

     

    Na manhã dessa quarta-feira (8), o grupo com cerca de 100 pessoas fechou durante duas horas três pistas do Eixo Monumental, desde a Catedral até a Praça dos Três Poderes. A Polícia acompanhou a delegação, que fez ainda um ato em frente ao Ministério da Saúde. Durante a tarde os indígenas estiveram no Congresso Nacional, em visita aos gabinetes, e em reuniões nos Ministérios da Educação e da Defesa. O grupo permanece em Brasília até sexta-feira (10).

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