• 21/07/2015

    Justiça Federal determina suspensão do projeto de duplicação da Estrada de Ferro Carajás

    O Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) propôs ação civil pública, com pedido de liminar, contra a empresa Vale S.A., o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) por atos produzidos no decorrer do licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que vem gerando impactos ao povo indígena Awá-Guajá, da Terra Indígena Caru.

    Os índios Awá-Guajá são um dos poucos grupos indígenas no país considerados quase isolados, preservando um estilo de vida distinto e autônomo. Porém, de acordo com análise pericial realizada pelo MPF/MA em 2013, embora regularizadas, as terras indígenas dos Awá encontram-se invadidas e ameaçadas por não índios e por projetos econômico-mineradores.

    Segundo informações transmitidas diretamente por indígenas e por entidades indígenas ao MPF/MA, atos administrativos referentes à duplicação da Estrada de Ferro Carajás estavam sendo realizados sem a consulta prévia adequada e legal aos povos indígenas localizados na área, o que aumentaria os impactos já gerados na região pela ferrovia.

    Ainda assim, o Ibama emitiu licença de instalação em favor da obra, mesmo observando os impactos aos índios e sem a fase de consulta livre e informada ao povo impactado. A Funai também foi omissa, pois não realizou adequadamente a consulta prévia aos índios e posicionou-se favoravelmente ao empreendimento. Constatou-se, ainda, a atuação inadequada da Vale ao oferecer, por meio de funcionários, bens e produtos aos indígenas, buscando colaboração para a realização do empreendimento.

    Segundo o MPF/MA, a implantação da duplicação da Estrada de Ferro Carajás poderá gerar danos irreversíveis ao meio ambiente e à cultura dos Awá-Guajá.

    Dessa forma, a Justiça Federal determinou a suspensão da licença de instalação da ferrovia por parte do Ibama em relação ao trecho que causou impacto aos indígenas, também que seja aberta a fase de consulta prévia. Além disso, a empresa Vale S.A. não poderá mais fazer promessas ou enviar bens aos índios antes e durante a realização do período de consulta.

    Foto: Ferrovia Carajás na Terra Indígena Awá Guajá, de Rosana Diniz – Cimi/MA

     

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  • 21/07/2015

    Carta denuncia crise humanitária do povo Guarani e Kaiowá em Dourados (MS)

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tem feito circular uma carta entre organismos de direitos humanos no país e no mundo classificando como crise humanitária o que ocorre com o povo Guarani e Kaiowá. Para o Cimi, a paralisação das demarcações gera insegurança jurídica e, como consequência, violência contra os indígenas.  

    Entre ações de reintegração de posse, ameaças de morte, suicídios, assassinatos, atropelamentos e racismo, os Guarani e Kaiowá buscam retomar áreas de ocupação tradicional em busca de dias melhores para as famílias que há décadas sobrevivem em acampamentos ou em situação de confinamento.

    A situação mais flagrante de tal contexto, nas últimas semanas, é o iminente despejo do tekoha Apyka’i, em Dourados. “A comunidade do Apyka’i espera pelos estudos para a demarcação de sua terra ancestral, mas os processos se arrastam em intermináveis ações judiciais. Isso porque a partir de 2013, tanto estudos quanto demarcações foram paralisados por determinação do próprio Governo Federal em todo o Brasil”, diz trecho da carta.

    Leia o documento na íntegra:

     

    Crise humanitária de Guarani-Kayowá em Dourados (MS)

    Famílias sobreviventes dos Guarani-Kayowá da comunidade indígena APYKA´I, localizada em Dourados (MS) vivem em uma pequena faixa de terra às margens da BR 463. Expulsos de seus territórios em 1999, atravessam uma profunda crise humanitária sobrevivendo em acampamentos e sendo forçados a perambular na beira das rodovias.

    Um dos invasores do Território Indígena APYKA’I é o dono da fazenda Serrana, cujas terras são alugadas pela Usina São Fernando para a monocultura em larga escala de cana-de-açúcar com vistas à produção de etanol para o mercado mundial. O dono da Usina, amigo pessoal e conselheiro do Lula, José Carlos Bumlai, foi favorecido em 2008 com dinheiro público do BNDES e do Banco do Brasil para a construção da Usina em plena crise financeira mundial – os bancos privados diminuíram seus empréstimos.

    Atualmente a Usina São Fernando acumula uma dívida de 1,3 bilhão de reais, sendo os bancos públicos os maiores credores (530 milhões) entre outras 12 instituições financeiras. A Usina se encontra devendo também para fornecedores, fiscos estadual, federal e municipal, Previdência Social e não têm pagado os salários dos trabalhadores. Em julho de 2014, 49% da empresa foi comprado por um grupo de investidores dos Emirados Árabes Unidos fato que comprova que o inimigo não é apenas nacional, mas também internacional.

    Ao longo dos 14 anos, os Guarani e Kaiowá do APYKA´I não deixaram de resistir e perseverar na luta pelos territórios onde se encontram seus ancestrais. Realizaram inúmeras retomadas das terras invadidas pela fazenda Serrana. Durante uma das retomadas, em 2008, a comunidade ocupou uma pequena área da fazenda próxima à mata da Reserva Legal. No entanto, segundo os indígenas de APYKA’I, foi cercada pelos “vigilantes” da empresa de segurança particular GASPEM contratada pela Usina São Fernando. Estes impediram a entrada da FUNAI e da FUNASA para prestar atendimento aos indígenas. Em abril de 2009, a Justiça determinou a reintegração de posse em favor do dono da fazenda, Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, enviando a comunidade de volta para a beira da estrada.

    Em setembro do mesmo ano, um incêndio causado pelo ataque de nove jagunços fortemente armados e ligados à GASPEM – empresa que tem tido uma atuação truculenta contra retomadas indígenas em outras partes do estado – fez com que o Ministério Público Federal (MPF) ingressasse com processo de responsabilização dos donos da Usina por tentativa de genocídio. A medida não trouxe nenhum resultado concreto para a demarcação das terras indígenas e o processo foi arquivado.

    A comunidade do APYKA´I espera pelos estudos para a demarcação de sua terra ancestral, mas os processos se arrastam em intermináveis ações judiciais. Isso porque a partir de 2013, tanto estudos quanto demarcações foram paralisados por determinação do próprio governo federal em todo o Brasil. O índice de demarcações é o mais baixo da história desde a promulgação da Constituição de 1988, que contempla o direito dos indígenas à terra: se comparado ao governo Collor de Mello, que em um período de dois anos homologou 112 terras indígenas, de 2011 a 2013, sob o governo Dilma, houve apenas 10 homologações. Isso não é de se estranhar com a política de expansão do agronegócio adotada e impulsionada vigorosamente pelos governos petistas. Ainda mais, a paralisação aponta para um profundo retrocesso com a PEC 215 que transfere a prerrogativa de aprovação de terras indígenas do poder executivo para o Congresso Nacional, atualmente hegemonizado pela bancada ruralista.

    O retrocesso não acaba por aí e a ele se articulam a ofensiva do Ministério da Justiça e de suas minutas. Junto com a Advocacia-Geral da União (AGU), o MJ lançou contra as comunidades indígenas a Portaria 303, que proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), começou a revisar áreas já demarcadas e homologadas, anulando-as, e impede suas demarcações baseado em justificativas como o marco temporal. Tal é o absurdo, caso do povo Terena da Terra Indígena de Limão Verde (MS), cuja homologação já tinha sido assinada pelo presidente Lula, há 10 anos, e o STF anulou todos os procedimentos.

    Como se isso não bastasse, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) sofre todo tipo de perseguições, seja da Polícia Federal como dos próprios fazendeiros e políticos ruralistas. Cientes da conjuntura política e jurídica favorável, os ruralistas avançam na ofensiva tendo a seu favor toda a máquina jurídica e policial (Departamento de Operações de Fronteira (DOF), Policia Militar e Polícia Civil), colocada à disposição pelos principais políticos do estado, incluindo o próprio governador. Dessa forma, usam a tribuna da Assembleia Legislativa do MS para arquitetar prisões contra os missionários do Cimi, declarando-os invasores de propriedade privada quando visitam as áreas retomadas pelos povos indígenas. Incentivam que chamem a polícia para prender os missionários que realizam um trabalho legitimado e amparado pelas leis vigentes, bem como pela necessidade de observação das violações contra os povos indígenas. Não é coincidência que esteja em vias de aprovação a CPI do Cimi na Assembleia Legislativa do MS.

    Enquanto isso, os Guarani e Kaiowá de APYKA’I existem como seres estranhos em seu próprio chão: vivendo em não mais do que 4 ou 5 hectares, bebem das águas do córrego mais próximo contaminado pelo veneno da cana que os cerca e vão levando seus dias sem condição nenhuma de saneamento, em extrema miséria, com fome, que aplacam com as sobras da usina, e com medo do próximo ataque dos pistoleiros. A Funai ajuda com algumas cestas básicas, já que o governo do estado só distribui cestas para os indígenas que moram nas reservas. Para o antropólogo Marcos Homero Lima, do MPF/MS, “as cestas do governo do estado funcionam como uma chantagem velada. A mensagem não dita é: índio da estrada não tem direito. Índio com direito é aquele que não reivindica terra”.

    Nos fundos do pequeno acampamento do APYKA’I existe um cemitério, onde cruzes ficam expostas como símbolos do martírio destas famílias. Ali foram enterradas desde pequenas crianças, vitimadas por atropelamentos na rodovia, até seus idosos (lideranças), abatidos pelas bárbaras violações impostas ao povo originário de APYKA’I, incluindo uma idosa vítima de uma pulverização de veneno feita intencionalmente por um avião, o qual os indígenas dizem ser de propriedade da Usina.

    Em relação a situação geral do estado, o MPF considera o Mato Grosso do Sul a “Faixa de Gaza brasileira”, uma vez que a mortalidade entre os Guarani e Kaiowá, em especial por mortes violentas, atinge números mais altos do que nos países mais violentos do mundo. Segundo definição do Secretário Geral da Anistia Internacional que visitou o APYKA´I recentemente, e não foi recebido pelo governo Dilma, este é um “lugar onde os direitos humanos não existem”.

    Nesse exato momento, julho de 2015, uma nova ordem de despejo está em curso e deverá ser cumprida em detrimento das famílias que se encontram em situação de absoluta vulnerabilidade. O juiz Federal Fábio Kaiut Nunes, de Dourados, atropelando todas as tentativas humanitárias de acordos propostos pelo MPF, deixou a comunidade sem nenhuma possibilidade jurídica de defesa, fazendo valer exclusivamente a decisão de cumprimento de reintegração de posse.

    As famílias Guarani e Kaiowá, lideradas por dona Damiana, mulher, mãe, avó e humana admirável, que tem mostrado uma coragem inabalável perante o drama de APYKA’I, decidiram que só deixarão seu tekoha (aldeia) mortos e que resistirão ao despejo por negarem-se a viver longe de sua terra e às margens das rodovias novamente. Junto às famílias, outros Kaiowá começam sua migração de quilômetros para proteger o APYKA´I, que pede apoio da sociedade para continuar existindo e para esperar dignamente pelos estudos de sua área e pela demarcação de sua terra ancestral, seu pequeno lugar no mundo. Enquanto algumas visões de mundo são espaçosas, como a do agronegócio, outras visões apenas buscam pequenos pedaços de terra para serem grandiosas. Ajudem: Deixem o APYKA´I viver!

    Saibam mais sobre a história de APYKA’l visitando o site: http://campanhaguarani.org/apykai/

    CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, MATO GROSSO DO SUL
    Dourados, 09 de julho de 2015

     

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  • 21/07/2015

    Em comemoração aos 40 anos, CPT convoca “mobilização rebelde e unitária pela vida”

    O IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que reuniu cerca de mil pessoas de 12 a 17 de julho em Porto Velho, Rondônia, comemorou os 40 anos de fundação da Pastoral por meio de intensos debates entre camponeses, quilombolas, indígenas, agentes pastorais, trabalhadores e trabalhadoras rurais, colaboradores, padres e bispos, que compartilharam os desafios enfrentados pelas populações do campo na atual conjuntura político-econômica do país.

    "As comunidades vivem uma realidade mais complexa do que a do tempo da fundação da CPT, pois camuflada por discursos os mais variados de desenvolvimento e progresso, que, porém, trazem consigo uma carga de violência igual ou pior à de 40 anos atrás”, diz o documento final do Congresso, divulgado na última sexta-feira (17). “Hoje, tem-se consciência de que pelo avanço voraz do capitalismo é o destino da própria humanidade e da própria vida que está em jogo. O mercado nacional e transnacional encontra suporte nas estruturas do Estado que se rendeu e vendeu aos interesses das elites e do capital”.

    O documento convoca as “igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo urgente de mobilização rebelde e unitária pela vida, que inclua a defesa do planeta terra, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade”. As prioridades da CPT no serviço às causas dos ‘Pobres da Terra’ foram elencadas, com a perspectiva de “construir novas pessoas e novas relações interpessoais, familiares, de gênero, geração, sociais, econômicas, políticas entre espiritualidades e religiões diferentes e com a própria natureza”.

    Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de povos indígenas de diversas regiões do país também participaram do Congresso. Rosimeire Diniz, do Cimi no Maranhão, explicou que a presença do povo Gamela – que retomou em 2013 a luta pelo reconhecimento de sua identidade indígena, fortaleceu seu processo de resistência. “Se apresentarem enquanto povo indígena, dando um tom especial pro Congresso, porque a pintura indígena foi socializada com todos os participantes”. Rosimeire diz que, entre os povos indígenas, estavam representantes dos povos Puruborá, Karitiana, Kanoê, Bororo e Wapixana, entre outros. “A participação das delegações no Congresso foi muito positiva, ocuparam quase todas as tendas, pautando a articulação entre os povos e comunidades tradicionais como um a prioridade para a CPT, levando força a esse trabalho. No fim, essa articulação resultou em um dos pilares de atuação elencados pela entidade”, conta Rosimeire.

    O próximo Congresso Nacional da CPT será em 2020. Confira aqui a íntegra do documento final, com as perspectivas de ação para os próximos quatro anos.
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  • 21/07/2015

    Juiz decreta ‘inexistência’ de povos indígenas que denunciaram presença de madeireiros em suas terras no Pará

    “Dói, como se fossem rasgando o nosso ventre”. Apolonildo de Souza Costa, mais conhecido como Rosí, pousa a mão sobre a barriga para explicar o que sente ao ver barcos madeireiros escoando pilhas de troncos pelos rios que banham a Terra Indígena Maró (veja o mapa), noroeste do Pará. Os outros 239 indígenas Borari e Arapiuns que vivem nesta terra também sentem, no estômago, os impactos do desmatamento: a fome é o primeiro efeito da degradação ambiental, consequência da fuga da caça e da dificuldade em coletar frutas.

    Como muitos representantes de povos que foram perseguidos e catequizados pelas missões jesuítas na região, Rosí não tem “nome de índio”. A colonização ensinou seus antepassados a esconder a identidade. Mas o semblante altivo denuncia novos tempos e Rosí enche o peito para se apresentar como “guerreiro-vigilante Borari”. As evidências formais sobre a identidade dos indígenas habitantes da terra Maró somam 250 páginas de estudo de identificação feito pela Funai (Fundação Nacional do Índio). A mais contundente delas, porém, não está no papel, mas na ousada ação dos “guerreiros-vigilantes”.

    O grupo se arrisca para combater o desmatamento dentro de sua terra. Uma vez por mês, deixam suas casas e passam dias vasculhando os 42 mil hectares da terra Maró em busca dos invasores. Quando os encontram, geralmente instalados em serrarias, os vigilantes acionam a Funai e ficam no local até uma equipe de fiscalização chegar.

    Os funcionários das madeireiras não costumam reagir com violência. A reação vem depois. O segundo-cacique Odair José Souza Alves, conhecido como Dadá Borari, já recebeu ofertas de dinheiro, ameaças, perseguições e sofreu um violento atentado. “Primeiro foi uma oferta no valor de 30 mil. O madeireiro abriu a pasta na minha frente e mostrou o dinheiro”, diz Dadá.

    Depois, vieram as ameaças. Até que a violência subiu de tom e, em junho de 2007, Dadá foi sequestrado na cidade de Santarém (sede do município onde fica a terra Maró). Ficou sete horas em cativeiro. “Fui amarrado em duas árvores, pernas e braços, e fui apanhando”, lembra.  Um inquérito foi aberto sobre o caso, mas os culpados nunca foram encontrados. Como Dadá continuou a receber ameaças, foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Há sete anos convive com a escolta de policiais militares. Quando fala da violência, cresce a convicção na voz do cacique. “Posso estar no último suspiro, mas não vou embora daqui. Ameaça pra mim é fortalecimento”.

    Nos últimos anos, o grupo de vigilantes só aumenta a ofensiva contra os madeireiros. Aprenderam, com a Funai, a manusear o GPS e colher elementos para relatórios de fiscalização. Assim, documentam e encaminham denúncias formais sobre tudo que encontram dentro da terra. A pressão exercida pelo grupo foi tanta que despertou uma delicada disputa jurídica entre entes federais e estaduais.

    Com as evidências colhidas pelos Borari e Arapiuns, as entidades de apoio aos indígenas descobriram que Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará autorizou a exploração da floresta dentro da Terra Indígena. No mapa abaixo, levantado pela ONG Fase Amazônia (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), é possível ver ao menos dez áreas dentro da terra indígena onde o governo do estado autorizou o registro de Cadastros Ambientais Rurais.

    Acionado pelos indígenas, o Ibama identificou e embargou Projetos de Manejo Florestal dentro da área. Ou seja, madeira que saía da terra indígena com selo de certificada. Em alguns casos, as madeireiras receberam a autorização como permuta após terem sido retiradas de outra terra indígena ao sul do estado. A legalidade dessas autorizações é questionada pelo Ministério Público Federal do Pará, que moveu ação pedindo a retirada das serrarias do local.

    Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará respondeu que a concessão só ocorreu por que o processo de demarcação ainda não foi concluído: “A referida área está somente delimitada e não demarcada, o que oficializaria o local como terra indígena. Em área indígena consolidada não há Cadastro Ambiental Rural”. A demarcação da Terra Indígena Maró anda a passos lentos no Ministério da Justiça desde 2011, quando foi publicado o relatório de identificação e delimitação. Segundo a Funai, o processo está “em fase do contraditório administrativo em análise pelo Ministério da Justiça”.

    Em meio à disputa, os Borari e Arapiuns municiaram o Ibama e o MPF para que realizassem uma grande fiscalização no território. Em novembro de 2014, os fiscais interditaram as serrarias e embargaram os Planos de Manejo Florestais em execução na área.

    Duas semanas depois, no que foi interpretado como uma resposta à operação, o juiz federal de Santarém Airton Portela soltou uma controversa sentença: ele determinou a “inexistência” da identidade Borari e Arapiuns.  Usando termos como “índios falsos” e “supostos rituais”, o juiz questionou o laudo antropológico da Funai para determinar que o órgão deveria suspender o processo de demarcação, liberando a exploração da floresta dentro da terra indígena.

    A ação também foi citada como justificativa pela Secretaria do Meio Ambiente quando questionada sobre as autorizações de manejo florestal: “há uma discussão jurídica em andamento sobre a existência da Terra Indígena Maró. A Justiça Federal considerou essa Terra Indígena inexistente”.

    A argumentação do juiz despertou a reação de antropólogos e indigenistas porque nega o direito à autodenominação. Foi o caso de Jane Felipe Beltrão, vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia. “Assim que soube, entrei em contato com o procurador do caso e ofereci apoio. Essa ação atenta contra a Constituição, que garante aos indígenas o direito a se apresentar como tal”, afirma a antropóloga. Ela foi uma das pareceristas da apelação movida pelo Ministério Público Federal, que conseguiu suspender a ação.

    A sentença final sobre este caso pode fixar um importante marco ou um perigoso precedente. Isso porque o juiz usa a miscigenação entre culturas para negar a identidade indígena. Argumenta, por exemplo, que o hábito de beber xibé (alimento de origem indígena feito da farinha de mandioca) seria “inservível” para caracterizar a identidade porque já foi incorporado pela população do Pará. Do mesmo modo, práticas católicas introduzidas pelos missionários servem como argumento contra o reconhecimento dessa população.

    Levando o raciocínio ao extremo, todas as populações indígenas que já foram influenciadas ou influenciaram outras culturas perderiam o direito à terra.

    “O juiz erra quando acha que a cultura é estanque”, pontua Jane. Ela explica que toda a população indígena da bacia do Tapajós sofreu severo processo de perseguição e repressão cultural entre os séculos 16 e 18. Entre os que não foram escravizados pelos colonos, morreram no confronto ou fugiram para outras regiões, muitos foram conduzidos aos aldeamentos: comunidades submetidas à catequese de missionários. Nesses locais, segundo o relatório de identificação da Funai, os indígenas eram ensinados a “demonizar” (termo retirado dos registros históricos) sua língua nativa, hábitos alimentares, rituais e organização política.

    “A tentativa era de homogeneizar, fazer com que deixassem de ser indígenas. Por muito tempo, eles foram obrigados a ocultar sua identidade para sobreviver. Com a Constituição vem um marco importante dos seus direitos”, explica Jane. A ação dos Borari e Arapiuns na afirmação da sua identidade revela que passou o tempo de se esconder. O caso é mais um exemplo do protagonismo indígena na defesa de suas terras, tema de série de matérias da Repórter Brasil.

    Para quem ainda tem dúvidas sobre o que define a identidade indígena no século 21, o cacique Dadá deixa um convite: “Pra quem questiona a minha etnia, eu quero convidar: venha até minha aldeia, venha me conhecer, mas venha para ser alfabetizado por nós. Ser indígena hoje não é o mesmo de 200 anos atrás. O fato de usar camisa, celular, computador, casa de alvenaria, de jeito nenhum isso diz que eu perdi minha cultura. Se a gente não aprender com a sociedade, vamos ser como o indígena era 200 anos atrás, enganado, roubado. Hoje nós estudamos. O indígena hoje é um cidadão brasileiro”.

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  • 17/07/2015

    Exposição “Em Kapinawá tem” reúne importante acervo indígena no sertão de Pernambuco

    A menos de quatro horas do Recife (PE), o município de Buíque recebe na próxima quinta-feira, dia 23, a exposição "Em Kapinawá tem", parte do projeto "Kapinawá, meu povo conta e canta: memórias, samba de coco e furnas". O evento, que se une ao I Encontro de Formação em Museologia para Povos Indígenas em Pernambuco, acontece em Território Indígena Kapinawá, dentro do Espaço Sagrado Ajucá, e reúne representantes indígenas de todo o Estado. A curadoria é assinada pela antropóloga Lara Erendira Andrade e pelo indígena José Ronaldo França, enquanto que a expografia foi pensada pelo designer Ticiano Arraes.

    Fruto de um projeto de formação com mais de 100 educadores indígenas, a mostra reúne importante material produzido e organizado desde 2013 até junho deste ano. Fotografias, vídeos, CDs, dissertações, artigos, recortes de jornal e parte  (veja fotos) do acervo digitalizado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – relacionados a este povo e datados do início de 1980 – serão expostos no museu indígena da comunidade.

    Esse material retrata o processo de resistência e salvaguarda da memória e dos saberes e tradições dos Kapinawá, além de garantir autonomia tanto na preservação do acervo quanto na educação das crianças e jovens. "Essa exposição, que agora apresentamos a comunidade, é fruto de um esforço conjunto entre comunidade, educadores, pessoas mais velhas do povo Kapinawá e os profissionais que contribuíram com as oficinas. Ela também tem a finalidade de contribuir com o Museu Kapinawá que está em pleno curso de organização", explica Lara Erendira Andrade.

    O projeto foi apoiado pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (FUNCULTURA) da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).

    O projeto 

    "Kapinawá, meu povo conta e canta: memórias, samba de coco e furnas" teve início em 2013 e finalizou em junho 2015. Coordenado pela antropóloga Lara Erendira, junto com os professores indígenas Maria do Socorro França, José Ilton Bezerra e o Cacique Robério Francisco Maia, reuniu e produziu amplo acervo sobre patrimônio cultural deste povo. As ações iniciadas por este projeto terão continuidade este ano, cuja pesquisa iniciada será aprofundada para a construção de um livro didático escrito pelos professores Kapinawá. 

    Metodologia 

    O projeto foi desenvolvido em etapas. Na primeira, foram realizadas oficinas sobre direitos indígenas, patrimônio, história e arqueologia com educadores, lideranças e pessoas mais velhas. Após este momento, os professores conversaram com os parentes para coletar informações, falas dos mais velhos e fotografias que destacassem os saberes das parteiras, dos rezadores, e de temáticas do samba de coco e dos sítios arqueológicos.

    Resistência Kapinawá 

    A exposição se dará em um espaço que é símbolo da luta pela terra. Ela acontece na sede de uma fazenda que foi retomada em 2011 e desde então, ressignificada pelo povo e transformada em uma escola indígena, com salas de aula, biblioteca, horta escola e também no Museu Kapinawá. Não por acaso, a exposição se dará no coração da resistência atual.

     

    Serviço

    Exposição "Em Kapinawá tem"

    Quando: Quinta-feira, dia 23 de junho

    Onde: Território Indígena Kapinawá Espaço Sagrado Ajucá, Buíque/PE

    Informações: Lara Erendira Andrade (81) 9 9688.4698

     

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  • 17/07/2015

    No AM, funcionários da Funai e policiais são acusados de torturar indígena de 16 anos

    Funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Tapauá, no Amazonas, juntamente com policiais da delegacia local  estão sendo acusados de espancar e torturar o indígena M. P., de 16 anos de idade, para que ele confessassasse o suposto  assassinato de seu primo de 10 anos, que ficou desaparecido por oito dias e foi encontrado perdido na floresta.

    A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF) em Manaus. M. P. é indígena do povo Palmari, morador da comunidade indígena Castanheira, localizada às margens do Rio Itaparanã, em Tapauá, município localizado no sul do Amazonas, distante de Manaus cerca de 450 quilômetros em linha reta.

    Depois da tortura ao menor, o pai dele, R. G., teria encontrado dificuldades para registrar a ocorrência na delegacia e para fazer exame de corpo de delito no hospital da cidade. Além disso, as testemunhas do caso estariam sendo ameaçadas pelos agressores.

    De acordo com relato da vítima, o fato aconteceu entre os dias 1 e 3 de julho passado, ocasião em que se realizava naquela cidade a Conferência Local de Política Indigenista.  M. P. disse ter sido vítima de intimidação por parte de policiais. Depois, teria sido preso e torturado como forma de pressão para que ele levasse três funcionários da Funai  ao local onde supostamente teria enterrado a vítima.

    Os fatos

    No dia 26 de junho, o jovem indígena foi tirar patauá (fruta típica da região amazônica) na floresta em companhia de seu primo C. F., de 10 anos de idade, a  pedido da mãe deste. Eles saíram e M. P. levou uma espingarda e então se deslocaram até onde pretendiam tirar patauá. No retorno para casa, eles se depararam com um bando de queixadas (porco da mata). M. P. resolveu correr atrás dos animais para tentar matar algum e deixou o primo para trás, pedindo para que ele o esperasse no mesmo local. Quando voltou não encontrou mais o garoto. Voltou para casa preocupado, e ao saber que C. F. não tinha chegado em casa, ele e toda a família passaram seis dias procurando o menino desaparecido na floresta.

    No dia 2 de julho, sem terem encontrado C. F., que todos os membros da família consideraram que provavelmente estivesse morto, M. P., seu pai e seu tio, recebendo conselhos de familiares da criança desaparecida, decidiram se deslocar para a sede do município de Tapauá voluntariamente para prestar depoimento na delegacia de polícia civil e assim colaborar com as investigações.

    Os policiais já esperavam o grupo no porto de Tapauá. Dali, foram até a delegacia, onde os policiais mandaram o pai de M. P. e seu concunhado, responsável pela criança desaparecida, voltarem para casa. Eles retiveram o menor na delegacia e o interrogaram sobre o desaparecimento do seu primo na presença do conselheiro tutelar, com a promessa deste de que não deixaria ninguém maltratar M. P.. No entanto, um dos policiais teria sugerido que M. P. havia assassinado Cláudio Antônio e ameaçou agredi-lo fisicamente se não confessasse ter matado a criança. M. P., intimidado, acabou confessando.

    Ele passou a noite preso. No dia seguinte sofreu agressão física com chutes, sob ameaça de sofrer mutilação e ficou algemado numa árvore. O presidente do Conselho Tutelar, Roni da Silva Costa, teria acompanhado a ação dos funcionários da Funai e da polícia, mas nega ter presenciado a tortura. “Se aconteceu foi longe da minha presença”, disse Roni da Silva.

    C.F. foi localizado na tarde do dia 3 de julho. Ele ficou perdido na mata durante oito dias e estava desnutrido e muito enfraquecido. Ele foi internado durante seis dias na unidade de saúde de Tapauá e passa bem.

    A família de M. P. quer justiça e punição para os seus agressores, mas tem sido dissuadida pelas autoridades locais e pressionada a não levar o caso adiante. Porém, já relatou o ocorrido ao Ministério Público Federal em Manaus. O representante da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), Fidelis Baniwa, e dirigentes da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), enviaram carta de repúdio à Funai em Brasília cobrando averiguação dos fatos e exigindo punição dos envolvidos nas agressões ao jovem indígena.

     

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  • 16/07/2015

    Documentário da CDHM retrata luta do povo Guarani-Kaiowá pela terra tradicional

    Foi lançado, na tarde dessa quarta-feira (15) na Câmara dos Deputados, o documentário “Tempos de Retomadas”, que retrata a luta pelas terras tradicionais das comunidades indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O vídeo foi produzido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), com direção de Fernando Bola, a partir de diligências realizadas pela Comissão em diversos tekohás e acampamentos indígenas no estado. O documentário será disponibilizado online a partir de segunda-feira (20).

    O deputado Paulo Pimenta (PT/RS), presidente da CDHM, agradeceu o apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do
    Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, assim como o comprometimento da equipe de produção, e ressaltou que o vídeo foi feito “pelos servidores da Comissão, que utilizaram seus próprios equipamentos”.

    Cleber Buzatto, secretário Executivo do Cimi, elogiou a coragem e empenho da Comissão na perspectiva de dar visibilidade à luta do povo Guarani e Kaiowá. “O documentário será um instrumento político importante para alavancar esse processo e reafirmar a resistência do povo. Estamos num contexto, tanto no Congresso como em outras instâncias de poder, em que a força dos setores contrários aos direitos dos povos indígenas se faz representar com uma intensidade muito grande”, disse Buzatto, que demonstrou aos convidados o quadro anti-indígena que se configura por meio do poder Executivo, que decidiu paralisar os procedimentos demarcatórios de terras indígenas; do Legislativo, que acumula diversos Projetos de Lei e Propostas de Emenda à Constituição contra os direitos indígenas, como a PEC 215/2000; e o Judiciário, onde decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anularam atos administrativos de demarcação de terras indígenas.


    Thiago Garcia, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da presidência, disse que o Estado errou naquela região, “ao titular indevidamente territórios pra terceiros sem levar em consideração a presença dos indígenas. Temos uma incapacidade do Estado de respeitar a territorialidade diferenciada, entender que o Guarani, ali no seu território, não necessariamente precisa plantar cana ou soja pra que a terra seja produtiva. A terra é produtiva quando garante a sobrevivência física e cultural dos indígenas, quilombolas, dos povos e comunidades tradicionais”. Em relação à PEC 215/2000, lembrou que a presidente Dilma Rousseff já se manifestou contra a proposta.

    Thiago disse ainda que o posicionamento do STF, ao estabelecer o marco temporal, representa uma “dupla negação de direitos. Seriam penalizados primeiro quando foram retirados de seus territórios, ao longo do século XX, e agora, pelo não reconhecimento de sua territorialidade. O marco temporal tem impacto direto em várias das Terras Indígenas do Mato Grosso do Sul. Os Guarani passaram por processos de esbulho de seus territórios, o que é comprovado por documentos e estudos. Temos que lutar contra essa posição”,  afirmou. Thiago também citou o Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, promovido pela SDH, que só no Mato Grosso do Sul tem oito lideranças cadastradas. “Ligam constantemente relatando situações de medo e violência. Temos que fortalecer essa rede de proteção junto com Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Força Nacinal, para que de fato a gente consiga garantir a vida dessas lideranças”.

    Participaram da audiência o ex-deputado Gilney Viana, o deputado Luiz Couto (PT-PB), Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), a indígena Daiara Tukano e Tayla Post, representando o movimento estudantil. A CDHM participará e exibirá o documentário na Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani-Kaiowá, que começou nessa quarta-feira (15) e segue até domingo (19) no município de Paranhos, Mato Grosso do Sul.

    Foto: Alan Azevedo, do Greenpeace

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  • 16/07/2015

    Povo Nawa retém funcionários da Funai e ICMBio para reivindicar demarcação de terra

    Indígenas do povo Nawa, do Igarapé Novo Recreio, município de Mâncio Lima, Acre, retiveram nesta quarta-feira, 15, um funcionário da Funai, no caso o coordenador regional, e três do Instituo Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para protestar e exigir a retomada do processo constitucional e legal das demarcações de terras indígenas.

    A luta pela regularização fundiária da Terra Indígena Nawa já dura mais de 15 anos e os indígenas têm sistematicamente denunciado o descaso das autoridades para solucionar o problema. Também denunciam o que chamam de "abusos" por parte do ICMBio, que insiste em não reconhecer a terra como indígena.

    Três laudos comprovam que a terra é de posse tradicional dos indígenas Nawa. Mesmo assim, o ICMBio insiste em dizer que a terra em questão é parte do Parque Nacional da Serra do Divisor. Por esse motivo, o órgão recorreu judicialmente contra os indígenas e, desde então, o processo encontra-se judicializado – atrapalhando ainda mais a conclusão da demarcação.

    Os indígenas denunciam ainda que o ICMBio tem aplicado multas escorchantes para evitar que façam suas casas e seus roçados. Há um caso de multa que ultrapassa os R$ 300.000,00. Além disso, denunciam os indígenas, o ICMBio tem procurado as famílias no intuito de convencê-las a sair do território com o argumento de que ali nunca será uma terra indígena. Todas essas denúncias foram feitas durante o seminário sobre o petróleo e em outros momentos, conforme já publicado.

    Por outro lado, os indígenas afirmam ainda que a Funai não tem dado a devida atenção às reivindicações e tampouco tem prestado esclarecimentos sobre a real situação. O mínimo que a Funai deveria fazer, segundo observam os indígenas, era ao menos mantê-los informados – ou a Funai não está informada ou está retendo informações.

    A retenção de funcionários públicos é algo indesejável e indesejado, mas revela a ausência de canais confiáveis para o diálogo e uma desconfiança nas instituições, no caso a Funai e o ICMBio, bem como em seus representantes.

    Um representante do povo informou que os funcionários passam bem e serão tratados de forma adequada e humana, diferente de como o Poder Público trata os povos indígenas, mas que só serão liberados mediante a presença de uma autoridade vinda de Brasília e que realmente possa apresentar caminhos para a solução do impasse. "Só vamos liberar (os funcionários) quando tivermos a garantia de que nossos direitos serão reconhecidos e respeitados", afirma a representação.

    Leia na íntegra o pronunciamento dos Nawa:

     

    Comunicado do povo Nawa

    O povo indígena Nawa habita a Terra Indígena Nawa, à margem do rio Moa, no município de Mâncio Lima (AC), com uma população de 1200 pessoas, aproximadamente. Há 15 anos está paralisado o processo demarcatório do território, cujo Parque Nacional da Serra do Divisor está sobreposto.

    Às 15 horas do dia 15 de julho, na aldeia Boca Tapada, o povo indígena Nawa deteve o chefe da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio do Vale do Juruá – CR/ARJ, Luiz Valdenir, e o coordenador do Parque Nacional da Serra do Divisor, senhor João Damasceno, que também é funcionário com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

    O cacique João Nawa informou que os motivos da decisão da comunidade em prender os servidores foram:

    1.    1.A paralisação do processo demarcatório do território por 15 anos. A Funai não toma nenhuma providência e nem quer dar qualquer esclarecimento para a comunidade;

    2.    2.As tentativas de criminalização dos Nawa por servidores do ICMBio;

    3.    3.A discriminação e diversas ameaças que os Nawa vêm sofrendo por servidores do ICMBio;

    4.    4. Há anos, o ICMBio vem reduzindo o espaço de usufruto do Nawa dentro da terra estudada, entre outros motivos que estão causando prejuízos para a comunidade.

    A decisão da comunidade, em geral, é que a liberação dos servidores só será possível na presença de representantes do Ministério da Justiça (DF), do Ministério Público Federal (MPF), da Funai (DF), do ICMBio (DF) e movimento indígena, após compromisso assumido com o povo, ambos com poderes de decisão, pois os indígenas não aceitam conversar com representantes da região e do estado, pois há 15 anos já vêm conversando sem nada ser feito.

    A Funai de Cruzeiro do Sul ofereceu uma agenda em Brasília com uma comissão de índios Nawa, porém a comunidade rejeitou a proposta, em vista de que por várias vezes a comunidade já esteve em Brasília e nada foi resolvido e a comunidade propõe que essa audiência seja feita na aldeia e na presença de todos.

    Os servidores detidos não sofreram agressões físicas e terão todas as assistências necessárias da comunidade, no que diz respeito à alimentação, hospedagens. O povo Nawa espera que os órgãos competentes se manifestem com urgência, pois independente de qualquer coisa estamos dispostos a lutar pelos direitos.

     

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  • 16/07/2015

    Sob ordem de despejo, comunidade Guarani e Kaiowá afirma que não voltará para beira de rodovia

    Dona Damiana e seus guerreiros e guerreiras Guarani e Kaiowá vivem, enquanto você lê esse texto, tomados pela angústia do único prazo que as autoridades costumam cumprir no Mato Grosso do Sul: menos de 10 dias para a Polícia Federal chegar ao tekoha – lugar onde se é – Apyka’i, município de Dourados, e despejar à força a comunidade de Curral do Arame do território tradicional. Os indígenas não irão sair, assim afirma dona Damiana. “Justiça e governo não entenderam que nosso povo nunca vai deixar suas terras para trás. A gente só pode ‘Ser’ aqui, no lugar em que sempre vivemos. Vamos continuar a morrer e a nascer lutando por nossas terras”, diz dona Damiana, que apela: “Os interesses econômicos valem mais do que a vida de um povo? Se para o branco é assim, nem para ele existe futuro”. Uma campanha pela demarcação do Apyka’i tenta sensibilizar as autoridades e fazer denúncias.

    Assista ao documentário – Apyka’i: Vida e Luta pelo Tekoha    

    O despejo foi determinado pelo juiz da 1ª Vara Federal de Dourados, Fábio Kaiut Nunes. A Advocacia-Geral da União (AGU) não quer recorrer da decisão, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), porque acredita não ter elementos para embasar o pedido de liminar pela suspensão do despejo. Afinal, justifica o órgão, não há procedimento demarcatório em curso. Acontece que no ano passado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) extinguiu o Grupo de Trabalho Douradospeguá, demarcação de tekohas Guarani e Kaiowá em que se encontra a demanda do Apyka’i.   

    Com isso, o juiz tem tido toda a liberdade para pressionar a Polícia Federal (PF) a cumprir sua decisão. Em busca de um despejo pacífico, ao menos para a polícia, um acordo entre a PF, Ministério Público Federal (MPF) e a Funai, durante reunião no final da semana passada, chegou ao denominador comum de duas semanas de prazo antes da execução da sentença contra a comunidade Curral do Arame, que vive em menos de 5 hectares, bem ao lado da BR-463, entre os municípios de Dourados e Ponta Porã. Sem ações judiciais impetradas em instâncias superiores contra a decisão do juiz Fábio Kaiut Nunes, a Funai tenderá a negociar a saída dos indígenas.   

    A posição do juiz desconsidera que do Apyka’i os Guarani e Kaiowá foram expulsos pelos fazendeiros em 1999. Não reconhecer tais violências tornou-se uma prática do juiz Fábio Kaiut Nunes. Em outra decisão recente, absolveu o dono da Gaspem do pagamento de indenização coletiva à aldeia Guaivyry. A empresa de segurança executou uma operação de ataque contra a comunidade. Na ocasião, o cacique Nísio Gomes acabou assassinado. Conforme investigações da PF e do MPF, a Gaspem está envolvida ainda em outras intimidações e assassinatos de lideranças indígenas no MS, inclusive no Apyka’i, configurando um verdadeiro ‘consórcio da morte’ contra os povos indígenas.

     


    BNDES investiu no ‘negócio das arábias’

    A comunidade Curral do Arame está “à sombra de um delírio verde” (assista aqui). Uma das propriedades incidentes no Apyka’i é a Fazenda Serrana. O dono chama-se Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, que aluga as terras para a Usina São Fernando. A cana-de-açúcar é plantada em larga escala para a produção de etanol ao mercado mundial.

    O dono da usina é José Carlos Bumlai, amigo pessoal e conselheiro do ex-presidente Lula. Em 2008, o empresário conseguiu junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao Banco do Brasil altos investimentos para a construção da usina. O ano era de plena crise financeira mundial, mas a “marolinha” que atingiu o Brasil, conforme o então Lula dizia, só prejudicou mesmo as vítimas do desenvolvimento nacional.

    Atualmente a Usina São Fernando acumula uma dívida de 1,3 bilhão de reais, sendo os bancos públicos os maiores credores (530 milhões), entre outras 12 instituições financeiras. A usina deve também para fornecedores, fiscos estadual, federal e municipal, Previdência Social e não tem pago os salários dos trabalhadores. Em julho de 2014, 49% da empresa foi comprada por um grupo de investidores dos Emirados Árabes Unidos, fato que comprova que o inimigo não é apenas nacional, mas também internacional.

     

    Apyka’i, interrompido

    Desde que foram expulsos do Apyka’i, a comunidade de Curral do Arame realiza retomadas nas terras invadidas pela Fazenda Serrana. Em 2008, ano em que o BNDES e o Banco do Brasil injetaram dinheiro na usina, os indígenas ocuparam uma pequena área da fazenda, bem próxima de uma mata da Reserva Legal. No entanto, segundo os indígenas de Apykai, o local foi cercado pelos “vigilantes” da usina, enviados pela empresa de segurança particular Gaspem, contratada pela Usina São Fernando. Os “vigilantes” impediram a entrada da Funai e do órgão de saúde indígena estatal para atendimento aos indígenas. Em abril de 2009, a Justiça determinou a reintegração de posse ao fazendeiro da área ocupada pelos indígenas, enviando a comunidade de volta às margens da BR-463.

    Em setembro do mesmo ano, um incêndio durante ataque de nove jagunços fortemente armados, ligados ao quadro efetivo da Gaspem, conforme investigações policiais, fez com que o MPF ingressasse com processo de responsabilização dos donos da usina por tentativa de genocídio. Ao contrário do que acontece com as ações contra os indígenas, rapidamente julgadas e executadas, o processo terminou arquivado e a comunidade seguiu entre a cerca e o asfalto. Vivia, como ainda vive, das cestas básicas enviadas pelo governo. No período, crianças foram atropeladas e mortas. Na foto, o túmulo do pequeno Gabriel Guarani e Kaiowá, morto depois de atropelado por um caminhão. O frio, a fome e a falta de água tornaram o contexto ainda mais dramático para os indígenas.

    Durante todo esse período, envolvendo a última retomada, a comunidade do Apyka’i acumulou o passivo da desastrosa gestão do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para a questão indígena. Cardozo coordenou o desmonte da Funai, paralisou as demarcações das terras indígenas e ao lado da Luiz Inácio Adams, advogado-geral da União, coloca em prática e de forma silenciosa a Portaria 303, nunca revogada pelo governo federal. O ministro é ainda o autor da maior falácia dos últimos tempos para a resolução de conflitos envolvendo a demarcação das terras indígenas no Brasil: as mesas de diálogo. Subserviente aos interesses econômicos e de políticos ruralistas, ou simplesmente latifundiários, Cardozo suspendeu demarcações Brasil afora para instalar tais mesas, que efetivamente nunca garantiram o cumprimento da Constituição; seja para os indígenas quanto para os não-índios que ocupam as terras tradicionais.  

     

    MPF pergunta sobre os mortos

    O MPF do Mato Grosso do Sul peticionou a Justiça Federal questionando o modo como será realizado o cumprimento de ordem de reintegração de terra da comunidade Curral do Arame. No local, foram identificados três cemitérios indígenas, que somam nove túmulos de integrantes da comunidade. A área é de grande valor cultural para os índios e a preservação do espaço, de maneira intocada, é considerada por antropólogos como relevante para o grupo.

    Mexer nesses túmulos é crime, conforme aponta o MPF. Segundo a legislação penal brasileira, a retirada indiscriminada dos corpos enterrados pode tipificar as infrações penais de violação de sepultura e de vilipêndio ao cadáver. A identificação dos cemitérios é fato novo na ação de reintegração. Por esse motivo, o MPF solicitou análise do pedido pela própria Justiça Federal ou encaminhamento da demanda ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). De acordo com o MPF, “a petição busca um posicionamento oficial do judiciário, de modo a evitar violações ao direito e à história da comunidade”.

    Conforme o MPF, o Mato Grosso do Sul é a “Faixa de Gaza brasileira”. Tal como os palestinos são acossados pelos israelenses para que saiam dos territórios que ocupam tradicionalmente, e por isso são atacados de forma impiedosa, aos indígenas também se nega a possibilidade de que vivam em suas terras tradicionais e para isso fazendeiros e o governo federal lançam sobre estes povos toda sorte de ataques, seja não demarcando os territórios, causando dissociações, fome, alcoolismo e suicídios, quanto os atacando com pistoleiros e reintegrações de posse.

    Para a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República (PGR), Deborah Duprat, a situação dos Guarani e Kaiowá pode ser considerada uma das piores situações envolvendo povos indígenas no mundo. Em visita às aldeias Guarani e Kaiowá, o presidente da Anistia Internacional, o indiano Salil Shetty, declarou, em estado de perplexidade, se sentir “num lugar onde direitos humanos não existem”. O organismo declara que todo o mês recebe denúncias de violações envolvendo os Guarani e Kaiowá (leia aqui).

  • 16/07/2015

    No AM, policiais espancaram indígenas que proíbem a pesca esportiva no território Torá/Munduruku

    Vários indígenas espancados e um menor de 15 anos mantido algemado sob o sol durante várias horas. Esse foi o saldo de uma ação policial que ocorreu nessa segunda-feira (13), na aldeia Vista Alegre, da Terra Indígena (TI) Torá/Munduruku do rio Marmelos, localizada no município de Manicoré (AM), distante da capital, Manaus, cerca de 350 quilômetros.

    De acordo com relato dos indígenas à equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que atua na região, na manhã de segunda-feira chegou de Humaitá um barco com vários agentes das polícias Civil e Militar, por eles identificados como Ceiton Cruz, Paulo Humbelino, Anderson Gomes, Roberto Lobo, Elisan, Rosana Correia, Evanildo, Tatiane e Denis, entre outros não reconhecidos. Os indígenas disseram que os policiais estavam fazendo a escolta de uma empresa de turismo que promove excursões e pesca esportiva dentro da TI.

    Em frente à aldeia Vista Alegre houve o confronto com os policiais. Os povos Torá e Munduruku não aceitam a entrada da empresa de turismo em seu território porque, de acordo com os indígenas, a presença de estranhos compromete a variedade de pescado do qual se alimentam as comunidades, afugenta a caça e provoca outros impactos sociais e ambientais.

    Os feridos relatam terem sido agredidos inclusive com spray de pimenta, razão pela qual muitos teriam passado mal. Thome Munduruku, da aldeia Pau Queimado (foto), chegou a ser agredido com um pedaço de ripa.

    Desde o dia 4 de julho uma empresa de turismo do segmento de pesca esportiva está tentando entrar no rio Marmelos. Essa empresa já promove a entrada de não indígenas no território dos Tenharim da Terra Indígena Marmelos, localizada na BR-230 (Transamazônica).

    No período da Conferência Local de Política Indigenista, realizada na aldeia São José, ficou acordado que haveria uma reunião com todas as aldeias do Baixo Marmelos para esclarecimento de um suposto contrato de pesca. Isso não aconteceu. No dia 4/7, representantes da empresa disseram que entrariam no território e que se os indígenas os impedissem, haveria repressão por parte da polícia.

    Essa postura causou revolta e levou a comunidade a decidir pelo impedimento da entrada dos turistas. Por essa razão, a força policial foi mobilizada e, após várias incursões nas aldeias, inclusive com a presença de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai),  aconteceu o confronto na aldeia Vista Alegre.

    A Terra Indígena Torá/Munduruku do rio Marmelos é uma das 170 no Amazonas que se encontram sem providências para demarcação por parte do governo federal. Ali se localizam as aldeias São Raimundo, Pau Queimado, Vista Alegre, São José, Baixo Grande, Vera Cruz e Laguinho, onde vivem mais de 400 indígenas Torá, Munduruku e Mura.

     

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