• 11/08/2015

    Justiça multa Funai por não cumprir ordem para seguir demarcação de terra indígena Munduruku

    Atendendo a pedido do Ministério Público Federal, a Justiça Federal de Itaituba intimou a Fundação Nacional do Índio sobre o descumprimento de uma sentença judicial que ordenava o prosseguimento da demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku. Com a intimação, a Funai passa a pagar multa de R$ 3 mil por dia de descumprimento da decisão, a contar pelo dia 6 de agosto, quando a sentença deveria ser cumprida.

    “Intime-se a Funai, com advertência de que deverá se pronunciar imediatamente acerca da aprovação ou não do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawré Muybu realizado pelo Grupo Técnico, sob pena de responsabilizações pessoais dos gestores da Fundação”, diz a intimação enviada à Funai. Essa é a terceira manifestação de um juiz federal no processo confirmando o entendimento do MPF de que a demarcação deve prosseguir.

    Na mesma decisão, o juiz Pedro Maradei Neto recebeu a apelação da Funai contra a sentença, mas apenas com efeito devolutivo. Isso significa que o recurso da Fundação contra a demarcação da terra indígena vai ser apreciado pela Justiça, mas enquanto isso a sentença tem que ser obedecida com a publicação do RCID.

    A publicação do Relatório vem sendo adiada desde 2013. Nos argumentos oficialmente apresentados à Justiça, a Funai alega que a prioridade nas demarcações atualmente é dada aos territórios indígenas nas regiões sul e sudeste do país e que não há disponibilidade orçamentária para a região amazônica.

    Para o MPF, o argumento não se sustenta porque não há necessidade de orçamento para publicar um relatório, a verba pública nesse caso já foi aplicada, na confecção do estudo. “Desperdício de dinheiro público seria continuar com o relatório engavetado, depois de todo o investimento e diante da violação de um direito constitucional dos indígenas”, diz o procurador da República Camões Boaventura, responsável pelo processo.

    Em uma reunião com os índios Munduruku, gravada por eles e incluída no processo, a então presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, admitiu abertamente que a demarcação só estava paralisada por pressão do setor elétrico do governo federal, que pretende construir a usina São Luiz do Tapajós alagando a terra indígena.

    O processo tramita na Vara Federal de Itaituba com o número 1258-05.2014.4.01.3908

    Foto: Ruy Sposati

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  • 10/08/2015

    Indígenas do MS e RS protestam em frente ao Palácio do Planalto por direitos territoriais

    Uma centena de indígenas de sete povos do Sul do país e Mato Grosso do Sul fecharam hoje a avenida em frente ao Palácio do Planalto. Os Guarani dos povos Kaiowá, Mbyá e Nhandeva, os Terena, os Kaingang, os Kinikinawa, os Kadiwéu e os Aticum estão não apenas em Brasília para dizer aos representantes dos três poderes que estão vivos, exigindo seus direitos, mas estão principalmente para desmentir as estatísticas e desejos de que não mais existissem. Foi assim no passado autoritário e ditatorial, continua assim hoje.

    Na década de 1970 os militares no poder quiseram acabar com os povos indígenas através de um canetaço, da “emancipação”. Hoje pretendem eliminar os direitos indígenas através de projetos de lei (PEC 215/00, PL 1610/96 entre outros), portarias e decretos (303/12, 7957/13), interpretações restritivas dos direitos indígenas da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, dentre inúmeras outras iniciativas anti-indígenas.

    Resistência e lutas indígenas

    Os povos indígenas fecharam a avenida  em frente ao Planalto para dizer em alto e bom tom que o país não está cumprindo sua obrigação de garantir os direitos indígenas que estão na Constituição. Não exigem o Brasil de volta, como desaforadamente alguns tentam fazer crer. Os índios no Sul do país e Mato Grosso do Sul estão apenas exigindo o reconhecimento de um pouco mais de 1% de seus territórios tradicionais.

    Quando na década de 1970 se dizia que a solução final era decretar a não mais existência de índios “na região mais rica do país”, eis que surge o grito de insurreição e recuperação das terras Kaingang, Guarani, Terena, num processo que propaga como flecha incendiária, e tem hoje suas reinvindicações e lutas em Brasília. Os poderosos encastelados em seus entapetados palácios, pouco se importam se os indígenas nas regiões mais ricas do país, sejam jogados à beira da estrada e padeçam todo tipo de sofrimento, sem seus direitos de viver em paz e conforme seus valores e projetos de vida.

    É escandalosa essa incompreensão dos setores dominantes do país. Os povos originários exigem que se cumpram as leis. Nada mais do que isso. Os parcos recursos e a total apatia em resolver o problema das terras dos povos indígenas desta região nos dão conta do quanto esse país é injusto quando destina gordas verbas para setores privilegiados e sovina as migalhas  para os povos originários e os oprimidos de um país de grandes riquezas e enormes misérias. É para dizer um basta a essa história que eles estão em Brasília.

    Enquanto uma expressiva delegação de indígenas Guarani, Kaiowá e Nhandeva do  Mato Grosso do Sul estão aqui se manifestando, cinco acampamentos em seus tekohá correm o risco de serem despejados de um momento para outro.  São eles:Tey Juçu, Ita Gua, Kurusu Ambá, Guaiviry e Apikay.  Qualquer ação armada contra essas comunidades, seja com pistoleiros, seja com as forças policiais do estado, não passarão impunes. Denunciarão as violências às cortes internacionais.

    A escola é aqui

    Vale destacar que dos participantes desse momento de mobilização pelos seus direitos, estão mais de 30 professores indígenas. No entender dessa delegação, a luta pelos seus direitos e de seus alunos passa pela luta pela terra, em primeiro lugar. Aqui estão juntamente com seus líderes religiosos e políticos, com os guerreiros e guerreiras. Como dizia um professor Xukuru de Pernambuco, “a escola deve ser uma formadora de guerreiros”.  Como dizia um professor indígena no início da mobilização,  “precisamos desconstruir a visão colonial que nos impuseram”.

    Fotos: Carolina Fasolo

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  • 10/08/2015

    Presidente da Funai na fronteira com o Paraguai

    Não é por acaso ou fortuitamente que o novo presidente da Funai, João Pedro, do PT do Amazonas, vem ao Mato Grosso do Sul, logo no início de sua gestão. Com dois meses no cargo teve seu primeiro embate com uma delegação indígena.  Os Pataxó, em cujo território iniciou a invasão do até então desconhecido continente, Ameríndia. Depois de mais de 500 anos de resistência, não mais acreditam em promessas ou falas enganosas feitas pelos neocolonizadores e exterminadores dos povos originários.

    Mas seus representantes continuam insistindo e jurando que estão bem intencionados, mesmo repetindo as velhas mazelas de tutores com ares de superioridade.

    Por que vem correndo até o Mato Grosso do Sul? Para resolver o gravíssimo problema da demarcação das terras indígenas ou para socorrer a Biafra brasileira como é conhecida a região de pior violência e negação dos direitos indígenas? Se nos governos Lula e Dilma tivessem demonstrado vontade política em resolver o problema, que sabidamente não é fácil, mas absolutamente factível, certamente os povos indígenas da região, especialmente os Kaiowá Guarani e os Terena, não continuariam vendo suas lideranças diariamente ameaçadas e assassinadas.

    Mas por que então João Pedro vem à região?  Será por que as Olimpíadas vêm aí e a imagem do país mão pode estar manchada ou conspurcada por ações ao arrepio da lei e dos direitos, violando a Constituição?

    Uma coisa é certa. Não é por falta de conhecimento da realidade que se está deixando de agir em favor da vida dos povos indígenas da região e do país. Pilhas de relatórios e documentos devem estar entulhando as gavetas dos senhores dos três poderes. É obstinação em não cumprir a lei em favor dos historicamente oprimidos e rejeitados povos originários.

    A boa vontade ao avesso

    Existe boa vontade e disposição para resolver essa situação que envergonha a todos nós cidadãos desse país? Que falem os fatos. A instalação de uma mesa de diálogo foi a única forma encontrada pelo ministro da Justiça para tentar resolver a demarcação da terra indígena Buriti. Depois de dois anos, os fazendeiros deram uma banana ao ministro e um adeus à solução por negociação e diálogo. Quando, no governo Lula, houve um tímido passo para começar a resolver o problema fundiário, sinalizando para a indenização e compra de terras, a Famasul se dispôs a fazer o levantamento das terras que estariam à disposição para serem compradas. Um número ínfimo de proprietários se dispôs a vender as terras. E assim poderíamos levantar inúmeros fatos que sinalizam claramente que o que não se quer é que a Constituição seja cumprida e as terras indígenas sejam demarcadas. Salta à vista que o que prevalece é uma boa vontade às avessas.

    CPI contra o Cimi

    Diante do quadro desolador e vergonhoso, da violência genocida, da discriminação e racismo, é preciso achar um bode expiatório.  Repete-se a mágica de quase meio século. Realiza-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Forjam-se acusações falaciosas, mentiras são plantadas como verdades.

    “Em outra vertente, a Assembleia Legislativa deve averiguar denúncias contra o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) que, além de incitar invasões, tem orquestrado o confronto armado, colocando em risco a vida de índios e não índios” (Afirmações da deputada estadual Mara Caseiro, Ponta Porã Digital 7/08/15).

    João Pedro em Guaivyri e Ypoi

    O presidente da Funai visita duas aldeias onde foram utilizadas as mesmas estratégias de assassinar e ocultar o cadáver como forma de dificultar a elucidação dos crimes. Até hoje o corpo do professor Rolindo Vera, do Ypoí e do cacique Nizio Gomes, do Guayviri, não foram encontrados.

    Ao passar pelos acampamentos certamente será impactado pela extrema pobreza e dificuldades em que sobrevivem essas populações. Trata-se de um quadro estarrecedor, radicalmente diferente da maioria dos povos indígenas da Amazônia que pelo menos tem seus territórios demarcados.

    É possível que o presidente da Funai saia sensibilizado com a situação daquelas comunidades. Mas é preciso mais do que isto. Este deve enfrentar a burocracia e os interesses políticos e econômicos e empenhar-se para minorar a gravidade da situação.

    Aos povos indígenas resta a resistência ativa, no caminho para seus tekohá, suas terras tradicionais. Para isso contam com a solidariedade nacional e internacional, com a força dos Nhanderu e de seus guerreiros.

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  • 10/08/2015

    Na Bahia, rebeldia e memória dos povos do campo reafirmam luta por ruptura sistêmica

    Em um contexto de crise sistêmica, aqueles que sempre protagonizaram os maiores atos de resistência contra a força do poder hegemônico tomam a vez e a palavra em espaço acadêmico. Representantes de povos e comunidades tradicionais e de movimentos de luta pela terra adentram uma universidade em greve para falar de suas lutas, de seus sofrimentos e, acima de tudo, de suas conquistas: ensinamentos indispensáveis aos setores da sociedade que hoje se mobilizam contra os desmandos dos poderes estatais.

    Na tarde do último dia 7, representantes de diversas comunidades e povos tradicionais, movimentos, organizações e entidades sociais, além de pesquisadores, militantes, juristas e acadêmicos, unidos na luta pela terra, estiveram presentes no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (IGEO/UFBA) para debater as diversas experiências de conflito no campo nos últimos anos. Este evento, o “GEOGRAFANDO NAS SEXTAS: O Campo Baiano em Debate”, com o tema “30 anos de memória e rebeldia dos povos do campo”, foi realizado pelos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Economia da UFBA através do Projeto GeografAR, CPT, AATR, CEAS e EXPOGEO. Nesta ocasião foram também lançados o “Caderno de Conflitos no Campo, Brasil – 2014” organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT); e o “Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2014”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Após a introdução e agradecimentos feitos pela professora Guiomar I. Germani do Projeto GeografAR, da UFBA, o Frei Luciano Bernardi, da CPT, fez uma apresentação sucinta e intensa dos conteúdos do “Caderno de Conflitos no Campo, Brasil, 2014”. Seguiu-se a ele o relato sensível de Maria Aparecida, do Assentamento Puxim/Sarampo, sobre sua trajetória, desde a infância, como assentada, marcada pelo conflito, ameaças e mortes. Mesmo tendo perdido o pai, assassinado, e tendo sido levada por sua mãe a morar na cidade por algum período, Maria Aparecida regressou ao assentamento e lá continua. Junto a seus companheiros, resiste.

    O próximo a se pronunciar foi Cláudio, do município de Andorinha, semiárido baiano. Ali, a população local enfrenta atualmente um grande conflito por água que não se deve à “seca”. O jovem estudante de pedagogia afirmou que a mineradora FERBASA tem bombeado água indevidamente do único açude da cidade, prejudicando a população local e sua produção agropastoril. Os conflitos tiveram início em abril do ano passado. Desde então, a população tem se mobilizado para denunciar e impedir que tais ações da mineradora se perpetuem.

    Em seguida, Joselito, representante da “Associação Vila Sapiranga dos Quilombos do Castelo da Torre e Adjacências”, contou um pouco de sua história e a dos 11 povoados remanescente de quilombo, cujo território fora desestruturado pela criação da Reserva Particular Sapiranga da Fundação Garcia D’Ávilla, na Praia do Forte. Natural daquela área, Joselito hoje se mobiliza junto a população local para que o INCRA retome o processo de identificação dos remanescentes de quilombo que fora interrompido, de modo que reconquistem seus direitos territoriais sobre aquele espaço de uso tradicional.

    Haroldo Heleno, do Cimi, apresentou então de forma geral o “Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil”, organizado pela entidade. Ele afirma que a violência contra os povos indígenas tem sido institucionalizada pelos poderes públicos, como por exemplo através dos atos inconstitucionais de não homologação de terras indígenas já identificadas. Para ele, vivemos um período de grandes retrocessos dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

    O missionário destacou que as decisões tomadas no âmbito da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) descaracterizam o Artigo 231 da Constituição Federal (CF) através de uma reinterpretação radicalmente restritiva quanto ao conceito de terra tradicionalmente ocupada pelos povos. Essa reinterpretação do Artigo 231 da CF legitima e legaliza as expulsões e as demais violações e violências cometidas contra os povos indígenas no Brasil, inclusive no passado recente. As decisões consistem, ainda, numa perigosa sinalização, para os invasores de terras indígenas, de que os mecanismos de violência dos assassinatos seletivos de lideranças e do uso de aparatos paramilitares para expulsar os povos das suas terras seriam legítimos, convenientes e vantajosos para os seus intentos de se apossarem e explorarem essas terras. Contra isso se faz necessária uma mobilização e enfretamento constante por parte destas populações em articulação com outros setores da sociedade, pois “essa luta é de todos nós”, afirmou Heleno.

    Foi então concedida a fala ao cacique Babau Tupinambá, da Aldeia Serra do Padeiro. Segundo ele, antigamente povos indígenas guerreavam entre si e hoje o que ocorre é o inverso, os povos indígenas se aliam para enfrentar seus maiores inimigos: agentes econômicos internacionais e o Estado nacional. O cacique falou dos diversos enfrentamentos diretos contra pistoleiros, policiais e até mesmo contra a Força Nacional, dos quais os Tupinambá nunca fugiram, pelo contrário, lutaram. Babau destaca que “o índio tem que ter tudo de bom também: escola, faculdade, carro, moto, tudo”, de modo a conquistar sua real autonomia através do autofinanciamento de suas lutas. É desta forma que acredita podermos “transformar nosso território, em território de cidadania, desenvolvimento e esperança. E não de violência. Vamos contra o ponto deles”. Assim Babau finalizou seu discurso e emocionou todos aqueles que o ouviram.

    Abriu-se o espaço para a “Fila do Povo”, onde outras lideranças e representantes de comunidades tradicionais e movimentos sociais puderam se expressar e contribuir com suas experiências de luta e resistência pelo território e pela vida. E, como ficou evidente para todos nós presentes, estes esforços não devem se limitar à busca da mera inclusão neste sistema hegemônico perverso e apodrecido. A resistência dos povos e comunidades tradicionais apontam sim para a radical transformação da sociedade. Uma ruptura com o sistema estabelecido.

     

  • 10/08/2015

    Jaguaretê Ava, o mito do homem-onça

    Quando era estudante de filosofia na Universidade Católica Dom Bosco, aluno das classes de filosofia moderna do professor Josemar de Campos Maciel, jamais imaginava que, após formado, chegaria tão perto da metáfora de Thomas Hobbes, o homem-lobo, aquele que devora o próprio homem.

    Thomas Hobbes foi um filósofo político da modernidade arcaica que teorizou a respeito do estado de natureza, sem o Estado, no qual a índole negativa do gênero humano seria responsável pela violência generalizada resumida na expressão latina: homo homini lupus, o homem é o lobo do próprio homem. O remédio contra a violência autodestrutiva seria a abdicação de parte das liberdades individuais em nome de uma entidade que reprimiria o impulso autodestrutivo: o Estado, apelidado de leviatã. Uma metáfora retirada da Bíblia.

    Acontece que a cruz e a espada nas mãos do leviatã não têm sido eficazes contra outra variante do homem que devora homens, traduzido pelos índios Guarani e Kaiowá como Jaguaretê Avá, homem-onça.

    O mito do Jaguaretê Avá está sendo compilado pelo pesquisador Kaiowá João Machado, morador da aldeia Bororó em Dourados, Mato Grosso do Sul. Ele é formado em letras e mestre em linguística pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

    Segundo o pesquisador, este ser humano-bicho tinha o hábito de aparecer nas carreteiras à noite, por onde trafegavam viajantes e carreteiros. De acordo com seus informantes indígenas, era um índio de má índole que vivia junto à sua família, mas o demônio aña instigou-lhe a matar sua mãe, pai e os irmãos.  Sem nenhum parente, passou a viver solitário nas florestas e morrarias, amaldiçoado e condenado a comer carne humana.

    Os mitos, segundo Ovídio e José Ribamar Bessa Freire, são narrativas de cunho pedagógico e histórico que guardam, nas sociedades de tradição oral, memórias sociais históricas.

    Para fundamentar empiricamente a afirmação acima, citarei alguns exemplos.

    Na noite passada os Guarani da aldeia Potrero Gasu, em Paranhos, denunciaram homens fera, de apelido pistoleiro, que invadiram casas de velhos, aterrorizando-os, queimaram casas de famílias na aldeia, materiais didáticos de crianças, e que, amaldiçoados, vivem escondidos nas matas da região de fronteira entre Paranhos e Ypehun. Por que fazem isto? É difícil responder, mas suponho que a razão é aterrorizar os Guarani e Kaiowá que querem retornar aos seus antigos territórios, de onde foram removidos por décadas e já foram identificados como terra de ocupação tradicional.

    Outro lugar onde o Jaguarete Avá modernizado foi visto nas duas últimas noites foi em Te’yijusu, na cidade de Caarapó. A versão local do homem-onça são os tratoristas durante o dia, metamorfoseados de "seguranças" armados durante à noite, quando rondam e ameaçam moradores e familiares da dona Marcelina, uma anciã que foi removida da aldeia Pirati’y para a reserva Te’yikue e que começaram a fazer a viagem de volta.

    Depois destes relatos, recebidos dos índios, convenci-me que o Jaguaretê Avá não é um mito, mas uma realidade histórica que abate violentamente os Guarani e Kaiowá desde 1637, quando começaram os ataques bandeirantes nesta região, na aldeia Araquay, onde residiam índios Guarani-Itatim.

    Interrogado sobre o assunto, Thomas Hobbes respondeu dizendo: "Onde o estado não está presente, garantindo direitos, ele é substituído pelo Jaguaretê Avá, que ao fim devorará a todos, pois seu apetite por carne humana e insaciável", advertiu o filósofo.

    * Neimar Machado de Sousa é doutor em educação e professor de geo-história colonial na Faculdade Intercultural Indígena da UFGD. E-mail: neimarsousa@ufgd.edu.br

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  • 09/08/2015

    Protegido: Teste do mapa

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  • 08/08/2015

    Porantim 377: Povo Anacé: (Re)territorializando a vida

    No litoral cearense, enquanto grandes empreendimentos conduzem à desterritorialização da vida de duas aldeias Anacé e o Estado busca capturar a autodeterminação comunitária do povo, os indígenas constroem um território de resistência numa reserva e retomam áreas na parte da terra indígena considerada pela Funai como tradicional.

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  • 08/08/2015

    Encarte pedagógico 6: Educação Escolar Indígena

    Encarte pedagógico, voltado a professores e professoras, que acompanhou a edição 377 do jornal Porantim.

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  • 07/08/2015

    Funai descumpre sentença que ordena prosseguir a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu

    O Ministério Público Federal enviou comunicado à Justiça Federal em Itaituba informando que a Fundação Nacional do Índio (Funai) descumpriu sentença que obrigava a publicação, em 15 dias, do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku. Há intensa pressão de setores do governo federal para que a demarcação não prossiga, para permitir a instalação da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós, que alagaria três aldeias indígenas.

    A Funai foi intimada da sentença judicial, obrigando o prosseguimento da demarcação, no dia 21 de julho passado. A Justiça deu prazo de 15 dias para que o relatório, pronto desde 2013, fosse apreciado e publicado. O prazo venceu ontem, dia 5 de agosto. Em vez de dar prosseguimento à demarcação, a procuradoria da Funai pediu a suspensão da sentença ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Para o MPF, deve ser aplicada imediatamente a multa diária de R$ 3 mil (já prevista na sentença) e enviada intimação à Funai para que cumpra a decisão.

    A publicação do Relatório vem sendo adiada desde 2013. Nos argumentos oficialmente apresentados à Justiça, a Funai alega que a prioridade nas demarcações atualmente é dada aos territórios indígenas nas regiões sul e sudeste do país e que não há disponibilidade orçamentária para a região amazônica.

    Para o MPF, o argumento não se sustenta porque não há necessidade de orçamento para publicar um relatório, a verba pública nesse caso já foi aplicada, na confecção do estudo. “Desperdício de dinheiro público seria continuar com o relatório engavetado, depois de todo o investimento e diante da violação de um direito constitucional dos indígenas”, diz o procurador da República Camões Boaventura, responsável pelo processo.

    A Funai entrou com pedido de suspensão da execução da sentença no TRF em Brasília, repetindo o mesmo argumento da prioridade orçamentária. Como o instrumento da suspensão de segurança só pode ser aplicado em casos de ameaça à ordem ou à economia pública, o pedido afirma que a determinação de publicação do relatório da Sawré Muybu é uma “violação da ordem pública administrativa”.

    A Justiça Federal de Itaituba pode, atendendo o pedido do MPF, intimar a Funai e obrigar o cumprimento imediato da decisão. O presidente do TRF1 em Brasília é quem vai apreciar a suspensão de segurança. Encurralados entre grupos de madeireiros e garimpeiros que atuam ilegalmente na região de Sawré Muybu e grupos ligados ao setor elétrico e às empreiteiras, que pressionam o governo internamente em Brasília, os índios Munduruku desistiram de aguardar pela Funai e prosseguem no trabalho de autodemarcação, iniciado no primeiro semestre de 2015.

    No mês passado, encontraram madeireiros, palmiteiros e grileiros transitando dentro da terra indígena, denunciaram ao MPF e o clima voltou a ficar tenso na área. “Quanto mais o estado brasileiro demora em cumprir sua obrigação constitucional e assegurar o direito dos indígenas, mais avançam os criminosos dentro do território, colocando em risco grave a sobrevivência dos indígenas”, explica o procurador Camões Boaventura. 
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  • 05/08/2015

    Aumento da violência contra os povos indígenas é debatido no Senado Federal

    Uma audiência na manhã desta quarta-feira (5), na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, debateu o recrudescimento das violações aos direitos indígenas, evidenciado pelo relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Convocado pelo senador Telmário Mota (PDT/RR), o evento teve a participação da antropóloga responsável pela publicação, Lucia Helena Rangel, do secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, de Alberto Terena, representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Gonçalves, Carlos Moura, representando a Comissão Brasileira Justiça e Paz, da antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues e de uma delegação do povo Pataxó, da Bahia.

    Cleber Buzatto ressaltou a emblemática situação no âmbito dos Três Poderes, que tem anulado os direitos dos povos – garantidos constitucionalmente – por meio de proposições legislativas anti-indígenas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000; mediante a atuação do Executivo, que paralisa os procedimentos demarcatórios, e ainda do Poder Judiciário, que anulou três demarcações de terras indígenas. “As graves violações aos direitos indígenas reunidas no Relatório são derivadas desse quadro adverso do Estado brasileiro frente aos direitos indígenas”, disse Buzatto. “É preciso que os aliados estejam unidos a fim de que tenhamos nos próximos anos uma situação menos dramática para os povos”.

    Os senadores presentes manifestaram espanto com as decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a que anulou a homologação da TI Limão Verde, no MS (saiba mais). Simone Tebet (PMDB/MS) defendeu a aprovação da PEC 71, que prevê a indenização pela terra nua e benfeitorias dos ocupantes de boa-fé que tenham títulos de propriedade em áreas declaradas tradicionalmente indígenas. A PEC 71 está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa.

    A liderança Kãhu Pataxó demonstrou indignação com as decisões do STF. “Como é que podemos ter um supremo que entende que aqueles que nos violentaram e expulsaram são os reais donos da nossa terra? Se esses projetos passarem seremos exterminados, porque vai acontecer uma guerra civil”, advertiu. Convidou ainda o presidente da Funai a visitar as terras indígenas na Bahia.

    Carlos Moura, representando a Comissão Brasileira Justiça e Paz, citou trechos da Encíclica Laudato Si, em que o Papa Francisco faz referência às organizações e organismos internacionais que “sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais”. Moura disse que é necessária uma organização da sociedade civil junto às entidades de direitos humanos na perspectiva de que os povos indígenas não sejam mais violentados.

    A antropóloga Lúcia Rangel explicou a dificuldade em acessar os reais dados das violências. “Como não temos a capacidade de registrar todas as ocorrências em todo o país, sabemos que nossos dados são parciais, mas ainda assim assustadores. Em 2014 foram 138 assassinatos de indígenas no Brasil. A tônica e os fatores de violência contra os povos são os mesmos: tem como fundamento a disputa pela terra, os conflitos possessórios e o não reconhecimento, pelo Estado, das comunidades e dos povos. Essas mortes revelam esses conflitos”, disse a antropóloga, que expôs os dados de suicídios entre os povos: “138, sendo que 48 aconteceram no MS e nesse estado, entre 2000 e 2014 tivemos 707 casos registrados. É um dos maiores índices que a Organização Mundial da Saúde já registrou”. Lucia sublinhou ainda as 785 mortes de crianças indígenas de 0 a 5 anos. “O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registra que a média nacional é de 17 mortes pra cada mil crianças. O índice entre os Xavante (MT), por exemplo, chega a mais de 141 mortes para cada mil”.

    Alberto Terena, da Apib, lembrou a reintegração de posse que vitimou o indígena Oziel Gabriel Terena, em maio de 2013. “Dentro desse cenário de buscar nossos direitos, as nossas lideranças acabam pagando com suas vidas. Fui um dos que foi preso por essa orquestra de intimidação contra os indígenas, por querer apenas um espaço onde possamos dizer pras nossas crianças que elas têm um futuro, um lugar pra poderem sonhar”.

    Telmário Mota disse que a Comissão de Direitos Humanos fará uma compilação das denúncias apresentadas e irá remetê-las à 2ª Turma do STF e ao Ministério da Justiça. “Esperamos que mudem essa posição, e que o Senado possa ser um braço de apoio nesse sentido”, finalizou o senador.

    Fotos: Carolina Fasolo

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