• 21/09/2015

    Nota sobre a “CPI do Cimi” no Mato Grosso do Sul

    “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino de Deus” (MT 5, 10).

    O Conselho Indigenista Missionário lamenta que a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (MS) perca seu tempo com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos originários.

    A CPI em questão faz parte da estratégia de ataques ruralistas aos povos indígenas e seus aliados. Proposta pela fazendeira e deputada estadual Mara Caseiro (PTdoB) e subscrita por outros deputados fazendeiros, a Comissão foi criada, por Despacho assinado pelo presidente da Assembleia Legislativa, Junior Mochi (PMDB), e publicado na sexta-feira, 18 de setembro, no Diário Oficial.

    No Mato Grosso do Sul, uma parte dos fazendeiros e seus jagunços tem atuado através de milícias armadas que, em menos de um mês, desferiu mais de dez ataques paramilitares contra o povo Guarani Kaiowá dos Tekohá Nanderu Marangatu, Guyra Kamby’i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu. Como resultado deste intenso período de terror, o líder Guarani Kaiowá, Semião Vilhalva, foi assassinato, três indígenas foram baleados por arma de fogo, vários foram feridos por balas de borracha e dezenas de indígenas foram espancados. São fortes também os indícios de que indígenas sofreram tortura e há denúncias da ocorrência de um estupro coletivo contra uma Guarani Kaiowá.

    Nos últimos 12 anos, ao menos 585 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram assassinados no Mato Grosso do Sul. O estado tem 23 milhões de bovinos que ocupam aproximadamente 23 milhões de hectares de terra. Enquanto isso, com os procedimentos de demarcação paralisados, os cerca de 45 mil Guarani Kaiowá continuam espremidos em apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais.

    Num estado onde ocorrem estes alarmantes casos de violências contra os povos indígenas, certamente há muito a ser investigado e denunciado. No entanto, não é o Cimi o causador desta situação. Por isso, não é investigando e tentando criminalizar o Cimi que serão encontradas soluções para esta situação que se alonga ao longo da história.

    Neste sentido, entendemos que a “CPI do Cimi” abrirá oportunidades para repercussão, nacional e internacional, dos crimes cometidos pelo agronegócio e pelo estado sul mato-grossense contra os Guarani Kaiowá e demais povos originários daquele estado. A CPI será um momento propício para identificar e expor o nome das empresas, muitas delas multinacionais, que investem e lucram com a exportação de commodites agrícolas, tais como, carne bovina, açúcar de cana, agrocombustíveis, soja, dentre outros, produzidos no Mato Grosso do Sul.

    Avaliamos que a CPI poderá também servir para dialogar com cidadãos de outros países, que consomem estes produtos. Será importante que as pessoas saibam, por exemplo, para onde é vendida e quem consome a carne dos bois que são engordados pisoteando a terra sagrada e manchada com sangue indígena no Mato Grosso do Sul. Ao mesmo tempo, com os demais aliados dos povos indígenas, poder-se-á identificar e explicitar aqueles que financiaram as campanhas milionárias dos fazendeiros que se elegeram e ocupam cargos nos poderes Legislativo e Executivo no estado.

    Todo investimento financeiro no agronegócio sul mato-grossense alimenta o ódio ruralista e a morte de indígenas naquele estado. Por isso, como medida urgente e estruturante para solução de conflitos e superação deste quadro social estarrecedor, o Cimi entende que se faz necessário, e reforçará, a incidência internacional a fim de que se estabeleça, por parte de outros países, uma “moratória das importações de commodites agrícolas produzidas no MS” até que as terras indígenas sejam devidamente demarcadas e devolvidas aos povos originários pelo Estado brasileiro.

    No Mato Grosso do Sul, o agronegócio controla significativas fatias de poder do estado oficial e age também por meio de um “estado paralelo” atentando contra a vida dos povos originários e de seus aliados. Oxalá a “CPI do Cimi” possa servir para que o mundo saiba mais sobre o sofrimento dos povos indígenas e de como eles almejam Bem Viver, a Vida Plena (conf. Jo 10,10) no Mato Grosso do Sul.

    Brasília, DF, 21 de setembro de 2015

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

     

  • 21/09/2015

    A dolorosa resistência dos Guarani Kaiowá

    Outro dia vi o vídeo no qual uma fazendeira do Mato Grosso do Sul dizia que eles eram os donos daquelas terras porque foram os "desbravadores". Estranhei o depoimento, pois, ali, naquela fala, ela mesma afirmava que seus antepassados foram os que conquistaram a área para que, naqueles longínquos dias, pudessem levantar suas casas e iniciar suas lavouras. O que, então, significa isso? Se eles desbravaram significa que limparam a passagem, tornaram mansos, civilizaram. É o que diz o dicionário. Se assim é, só tornamos mansos ou civilizamos alguém. E quem era esse alguém? Os índios. Esse é resumo da ópera bufa dos fazendeiros do Mato Grosso do Sul. Logo, ela mesma confirma que o território hoje ocupado por seus familiares e por ela mesma era originalmente dos Guarani.

    A fala da fazendeira é bastante esclarecedora da situação que vivem os Guarani Kaiwá naquela região. Para ela e para seus amigos, os indígenas nada mais são do que um atrapalho, uma incomodação, uma desordem no mapa tão bem construído por eles. Se um dia a gente branca invadiu as terras e limpou a área dos índios, agora eles que não venham reivindicar posse de nada. Foram destruídos, que sumam dali.

    Essa é a verdade dos fazendeiros. Eles se dão ao direito de pensar que a matança dos índios do passado foi uma coisa boa, um passo no avanço do progresso. Mas, a senhora do vídeo se esquece que quando seus antepassados "desbravaram" aquela região, muitos dos povos que ali viviam não morreram. Eles fugiram, empurrados pela violência e pela ponta dos mosquetes.

    Só que para os indígenas a terra não é um pedaço de chão que se pode comprar ou desbravar. É parte viva da cultura. Assim, mesmo tendo fugido ou se escondido, os indígenas ficaram por ali e, com o passar do tempo, foram voltando, exigindo o direito de viver naquele território que ocupavam originalmente.

    Essa é a verdade dos indígenas. Eles insistem em ver garantido o seu direito de estar nas suas terras. Querem uma pequena parcela, nem exigem o espaço todo. Só um espaço digno para vivenciar sua cultura.

    Mas, a história dos homens é a história da luta de classe, já disse alguém um dia. E nesse combate, a classe dominante é a que tem as armas e o estado. Os oprimidos só têm os seus corpos e a vontade de viver na justiça. Então, aparentemente, não há saídas. Já dizia o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein: "o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes". Como então fazer com que esses mundos dialoguem? Tivéssemos um Estado ancorado na justiça, seria ele o responsável por garantir que essas duas verdades pudessem ser debatidas na serenidade. Mas não. No caso dos conflitos no Mato Grosso do Sul, o estado ainda aporta as armas e a proteção ao campo dos "felizes", os fazendeiros.

    Na madrugada dessa sexta-feira a gente da tekoá Pyelito Kue/Mbarakay, que fica no município de Iguatemi, sofreu mais uma violência, das inumeráveis violências que vem sofrendo desde que os indígenas decidiram reivindicar sua morada. Jagunços armados desfilaram pelo acampamento onde estão instalados os Guarani e Kaiowá dizendo que todos seriam mortos. Segundo relato do Conselho Indigenista Missionário, houve um ataque e dez indígenas ficaram feridos, incluindo uma gestante e um rezador. Foram usadas balas de borracha, que são de uso restrito das forças policiais, e armas de fogo. Desde alguns dias, dizem as lideranças, que o Departamento de Operações de Fronteira (DOF) vinha fazendo ‘visitas’ ostensivas aos indígenas, inclusive levando embora suas coisas. Também denunciaram que os capangas dos fazendeiros bateram em uma mulher há alguns dias, agressão que foi confirmada pela Funai.

     

    O clima é de perplexidade na tekoá Pyelito Kue. Já vai longe o processo de sistemática agressão a essa gente que, inclusive, em 2012 chegou a lançar um pungente documento ao mundo, dizendo que estavam todos dispostos a morrer na defesa do direito de permanecer na terra que lhes é de direito. Por conta da mobilização causada por esse clamor os Guarani Kaiowá retomaram a Fazenda Cambará, na qual ocupavam 100 hectares. A fazenda inteira é um latifúndio de 2.000 hectares. Desde a retomada, o processo de acosso e violência contra os indígenas não para. Jagunços rondam fazendo ameaças, pessoas são atingidas por arma de fogo, agressões são praticadas, sem que o estado brasileiro tome qualquer providência.

    A área reivindicada pelos indígenas já foi indicada pela Funai como tradicional e mesmo assim o estado não toma uma atitude concreta de demarcação das terras, sendo, portanto, conivente com todo o massacre vivido pelas gentes Guarani Kaiowá. Prefere mantê-los nas beiras de estradas, em situação de miséria e abandono. Assim, a única saída que encontram é retomar os lugares que historicamente sempre foram seus, enfrentando aí a fúria e as armas dos fazendeiros. O Mato Grosso do Sul é uma terra na qual a lei estoura do cano das armas. E quem tem as armas não são os índios.

    A dolorosa resistência do povo Guarani Kaiowá muito pouco espaço ocupa nos jornais ou na TV. Não interessa ao sistema de interesses que rege o país alfabetizar as gentes na verdade histórica. Como poderiam explicar o fato de que os fazendeiros podem matar e manter milícias privadas à margem da lei? Como explicar que para os poderosos a lei não vale? Melhor seguir malhando o velho discurso de que os índios atrapalham o progresso, que deviam se integrar à cultura branca, que deviam parar de encher o saco de quem quer produzir. Criar estereótipos e preconceitos mantendo a imagem de selvagens ou de preguiçosos. Assim, quando um deles cair morto, não causará comoção.

    Mas, no fundão desse Brasil, que é fruto do sangue indígena, as gentes seguem resistindo. No Mato Grosso do Sul os Guarani Kaiowá mantêm a promessa feita em 2012: lutarão até o último homem e a última mulher.

    A questão que temos de colocar é: E nós, permitiremos o massacre?

    Desde os nossos lugares teremos de usar nossos instrumentos de luta. Eu, tenho a palavra, e cada um pode aportar o seu. O que não podemos é deixar que siga a matança. Já basta. Que se pressione o estado para demarque as terras imediatamente, garantindo o espaço que é direito dos Guarani Kaiowá. Um pequeno espaço no meio do latifúndio. A parte que lhes cabe.

  • 19/09/2015

    Cacique e mais dois Guarani Ñandeva são feridos em ataque de pistoleiros à Potrero Guasu (MS)

    Um ataque a tiros iniciado no final da madrugada deste sábado, 19, contra a comunidade do tekoha Potrero Guasu, município de Paranhos (MS), deixou, até a publicação desta notícia, três Guarani Ñandeva feridos a tiros de arma de fogo. O cacique Elpídeo Pires foi alvejado na perna esquerda, Meterio Morales no braço e Celso Benites recebeu três tiros nas costas. Enquanto o cacique era entrevistado, por volta das 14h30, os pistoleiros ainda sustentavam a ofensiva contra o acampamento, completamente destruído (foto).

    Celso Benites conseguiu furar o cerco de capangas e pistoleiros para se dirigir ao hospital de Paranhos. “O tiro que me acertou atravessou a coxa. Dói e sangra muito, mas o procurador (do Ministério Público Federal – MPF) informou que a Força Nacional está a caminho para garantir que a gente também vá ao hospital”, afirma o cacique Elpídeo.

    Parte da comunidade se refugiou numa área de 30 hectares adquirida pela Fundação Nacional do índio (Funai) dentro dos 4.025 hectares reivindicados pelos Ñandeva. No acampamento sob ataque, que ocupa uma área tradicional da antiga Fazenda Ouro Verde, um outro grupo de indígenas se nega a deixar o local. O tekoha Potrero Guasu foi declarado como indígena em 2000. Os indígenas ocupam, conforme o MPF/MS, apenas 6,5% do total de hectares declarados.     

    “O governo sabia. Espera muito, só age quando o índio morre. Parece que eles esperam isso. Pensa isso aqui no Mato Grosso do Sul. Recebemos várias ameaças, mas governo não vê essas coisas. Espera acontecer. Não acho bom isso aí. A Justiça reconheceu a nossa área e depois, nesse dia, o fazendeiro faz esse ataque”, analisa o cacique. Conforme o indígena, mais uma vez, no Mato Grosso do Sul, fazendeiros mandaram avisar que atacariam previamente sem nada ser feito por parte das autoridades.

    Cacique Elpídeo conta que na tarde dessa sexta-feira, 18, por volta das 16h30, ele retornava à aldeia depois de prestar depoimento na Delegacia de Polícia Civil de Paranhos. A comunidade de Potrero vem sendo alvo de acusações e criminalização por parte de fazendeiros. A perseguição começou com as retomadas de 2012. Elpídeo já estava nas proximidades do acampamento, quando um capanga da Jatobá o abordou e avisou que pela madrugada 80 pistoleiros atacariam o tekoha. À noite, camionetes começaram a cerca os indígenas.

    “O ataque começou e eu estava a uns 100 metros da nossa área sagrada de reza. Tinha um grupo de fazendeiro. Alguns deles atiraram contra a gente, então eu fui atingido. Queriam matar eu. Essa tragédia, essa injustiça. O fazendeiro judia do índio, massacra a gente. Sinto vergonha. Governo parece dizer: isso, mata e ataca esses índios. Vamos ver se desistem. Eu digo que não vamos desistir não. Morre tudo aqui, pede pra Funai trazer caixão”, diz Elpídeo.

    Histórico

    Os Guarani Ñandeva, de acordo com relatórios da Funai, foram expulsos por colonos do território tradicional de Potrero Guasu a partir da década de 1930. Nos anos 1970, os indígenas foram colocados na Reserva Pirajuí. A irrevogável decisão dos mais velhos de retorno ao tekoha e a situação de confinamento na reserva motivaram o início da luta dos Guarani Ñandeva por Potrero. Em 2012, depois de retomada, os Ñandeva também foram atacados 

    Em agosto do ano passado, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região cassou uma liminar que impedia há 14 anos a continuidade da demarcação de Potrero Guasu, que fica a 460 km ao sul de Campo Grande. A Justiça seguiu os argumentos do Ministério Público Federal (MPF) ao considerar que “não deveria ser amparada pelo Judiciário, de modo cautelar, a suspensão de atos administrativos por período tão longo”. A decisão que paralisou o procedimento, em 30 de janeiro de 2001, era da Justiça Federal de Ponta Porã.    

  • 18/09/2015

    Luto, lágrimas e luta na XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

    Não foram lágrimas de boas-vindas. Foram lágrimas de dor e compaixão dos participantes da XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário causadas pelo terror que se alastra sobre os povos indígenas no Brasil. Contudo, todos partiram hoje, dia 18 de setembro, depois de quatro dias de Assembleia no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO), com a soma de pequenas esperanças que emergem das contradições do sistema que é a mola mestra do Estado Brasileiro. Esse sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar os povos indígenas para a solução final de extermínio.


    Animados pelas palavras da recente encíclica do Papa Francisco, que “o direito por vezes se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política sob pressão da população” (LS 179), os cerca de 160 participantes dessa Assembleia procuraram aprofundar essa pressão e se debruçaram sobre questões dos ‘Estados Plurinacionais e Autodeterminação dos Povos Indígenas: Em Defesa da Vida dos Povos e do Direito da Mãe Terra’. Essas reflexões nos levam a somar nossas forças às dos indígenas e outros setores da sociedade brasileira que lutam por direito e justiça, por pão e vida que serão o resultado de uma luta dos que, aparentemente, estorvam o progresso do país. E o Papa Francisco mais uma vez nos dá força para nossa luta, quando diz que precisamos redefinir o progresso e o desenvolvimento: “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso” (LS 194). As instituições do Estado buscam derrotar projetos coletivos de futuro; cerrando portas e lançando a todos e todas na mais profunda escuridão. A propriedade privada converteu-se em direito absoluto, acima de qualquer outro. Os indígenas, por sua vez, forçam brechas de luz sobre este luto inconcluso.


    Violências de todas as ordens se sucedem numa escala sem precedentes na história contemporânea do país. Nomeamos apenas um caso entre uma sequência quase diária de assassinatos, espancamentos e duvidosas reintegrações de posse: o assassinato de Simeão Vilhalva Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, no último dia 29 de agosto. O recurso ao marco temporal para revogar terras demarcadas é uma intervenção perversa porque retoma o tratamento de uma injustiça pré-constituinte. O poder Legislativo trabalha em dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição para desfazer os direitos assegurados. Milícias e pistoleiros funcionam como a polícia deste Estado genocida. Ruralistas coordenam atentados declaram publicamente a utilização de armas contra os indígenas. Nada os incomoda. “A vida de uma criança vale menos que um boi”, lamenta Anastácio Peralta Guarani. O cacique Valdomiro Vergueiro Kaigang denuncia: “O governo não está respeitando por onde nosso povo passou, onde enterramos nossos mortos, onde deixamos nossas cinzas”. 


    Desde a primeira Assembleia do Cimi, em 1975, defendemos a Mãe Terra como condição necessária para a autodeterminação dos povos indígenas. Defendemos, igualmente, um Estado Plurinacional como alternativa ao modelo atual, subserviente aos interesses privados, ao capital internacional.  Os povos indígenas enfrentam a lógica opressora desse sistema político que promove a concentração de riquezas, terras, lucros gerando depredação ambiental e desigualdades sociais.


    Tudo isso espelha a lógica da colonialidade na qual é preciso colonizar o ser, o saber e o viver convertendo estes povos em despossuídos. As cosmologias indígenas nos ensinam que os ataques aos indígenas recaem sobre toda a sociedade. O genocídio leva a perder a oportunidade ímpar de aprender com eles o Bem Viver com o planeta Terra, nossa Casa Comum como adverte o Papa Francisco: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (LS 2)”.


    Renovamos a aliança histórica do Cimi com os povos indígenas, mesmo em meio às lágrimas. Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!


    Luziânia, 18 de setembro de 2015

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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  • 18/09/2015

    XXI Assembleia Geral do Cimi – “Esquecemos que nós mesmos somos terra”

    Na manhã do terceiro dia da XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), nesta quinta-feira,18, Paulo Suess (na foto), assessor teológico da organização, iniciou sua fala questionando o papel da assessoria teológica em uma entidade onde as batalhas e decisões acontecem no campo jurídico, legislativo e administrativo, como é o caso do universo vivido pelos povos indígenas.

    Como contribuição ao seu próprio questionamento, ele apresentou três “pedras” fundamentais com as quais a teologia pode contribuir para o trabalho realizado pela instituição indigenista missionária: lembrar a memória (das batalhas passadas, dos indígenas e missionários que tombaram, dos anos de luta para garantir a demarcação de alguns territórios, do Bem Viver); animar a luta de hoje, bastante desafiadora; e alimentar a esperança diante das situações concretas da luta indígena. Paulo avaliou que a teologia é lugar de discernimento e crítica (interna e externa) e destruidora da unanimidade.

    Em seguida, Paulo fez um paralelo entre a igreja e a lua. “O sol é Jesus. A igreja é a transmissora e irradia a luz de Jesus. Ela tem suas fases, a lua cheia, a lua nova… Com o Papa Francisco, tem irradiado muita luz”, considera ele.

    Segundo Paulo, os povos indígenas viveram e muitos ainda vivem em um outro sistema, que é incompatível com o capitalismo, o Bem Viver. Todas as cosmologias têm seu valor e contribuem para a luta, o luto e a esperança do povo. No entanto, ao propagar o consumismo e o individualismo, o capitalismo contamina alguns povos indígenas, mas nele não há lugar para todos.

    Nesse sentido, o teólogo apresenta algumas perguntas no sentido de fortalecer o debate sobre o Bem Viver. “Como fazer uma crítica radical ao sistema capitalista, que mata pelos estímulos à desigualdade, à acumulação e à migração, ao crescimento, à aceleração e banalização da vida e das relações sociais pela precarização do trabalho?”, “Como desmascarar as soluções paliativas para mitigar os efeitos negativos do capitalismo sem tratamento das raízes causadoras?”, “Como convencer os ‘beneficiados’ dessa mitigação, de que eles vivem das sobras da exploração e não num Estado de bem estar social?” e “Como reeducar o mundo alienado pela mídia e pelo consumo, num mundo militante pelo Bem Viver de todos” são alguns destes questionamentos provocados por ele, que citou a entrega das cestas básicas em territórios indígenas não demarcados como um exemplo desse tipo de mitigação.

    Povos indígenas na vanguarda, naturalmente

    “A causa indígena não pediu carona à questão ecológica. Pelo contrário, os povos indígenas foram os primeiros que despertaram, a partir de suas culturas, religiões, mitos e do sofrimento que lhes foi imposto desde a conquista, para a interdependência entre natureza e cultura”, considera Paulo Suess.

    Segundo ele, a ecologia integral faz parte das culturas indígenas e os povos indígenas oferecem à sociedade não indígena a herança de uma educação e espiritualidade integral. São justamente as tentativas sistêmicas de destruir essa herança, orientada para a vida de todos e não para o lucro de particulares, que constituem o conflito básico entre duas visões do mundo, causando violência, mortes e lutas.

    O paralelismo entre a Encíclica da Ecologia, sistematizada pelo Papa Francisco, e o Plano Pastoral do Cimi foi ressaltado pelo assessor, especialmente em relação à concepção da terra como fonte de vida, direito inalienável dos povos indígenas, dom sagrado de Deus e dos antepassados que nela descansam, espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter sua identidade, e não um bem econômico, objeto da exploração e do lucro. “Esquecemos que nós mesmos somos terra”, afirma o texto da Encíclica.

    Desse modo, Paulo Suess afirmou a necessidade da urgente mudança de consciência e de hábitos, do abandono da cultura do descarte da sociedade não envolvente, do desenvolvimento de novas convicções, opções e estilos de vida, no sentido de superar o individualismo, a postura de segregação com as outras criaturas vivas, o apego material e regressar à simplicidade. “Os povos indígenas nos desafiam a realizar estas mudanças”, concluiu ele.

     

  • 18/09/2015

    Pistoleiros atacam retomada de Pyelito Kue: dez indígenas foram feridos, entre eles uma gestante e um rezador

    Pistoleiros atacaram na madrugada desta sexta-feira, 18, a comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Pyelito Kue/Mbarakay, localizada no município de Iguatemi (MS). Poucas horas antes, contam as lideranças indígenas, capangas avisaram que “todos seriam mortos”. Os Guarani e Kaiowá estavam a cerca de 200 metros da sede da Fazenda Maringá, retomada na última terça, 15. 

    De acordo com lideranças de Pyelito Kue, dez indígenas estão feridos, incluindo uma gestante e um rezador – a lista com os nomes dos feridos foi repassada, mas será omitida nesta matéria por razões de segurança. Como em Ñanderú Marangatú, os Guarani e Kaiowá denunciam o uso de balas de borracha no ataque, classificadas como de uso restrito, além das habituais armas de fogo.

    Depois do ataque, os indígenas atingidos pelos disparos se refugiaram em uma área vizinha, nas proximidades da Fazenda São Luís. O restante permaneceu na Maringá, garantindo a permanência do povo na retomada. Dessa forma, o grupo Guarani e Kaiowá acabou dividido e não há informações se o estado de saúde dos feridos é crítico. 

    O Departamento de Operações de Fronteira (DOF) vinha fazendo ‘visitas’ ostensivas à retomada dos Guarani e Kaiowá, que denunciam mais ações truculentas dos policiais: “Pegaram as coisas de todo mundo. Levaram roupa, comida, cataram tudo o que a gente tinha e levaram. Atacaram 10 horas da noite”, afirma uma liderança.

    Na terça, o Guarani e Kaiowá explica que “os capangas foram lá (região da retomada) e bateram em uma mulher, mas já a mandaram para o hospital, e foram tudo machucado, machucaram a mulher. Foi pro hospital, em Naviraí. Entraram com as pessoas, capangas do fazendeiro judiaram dela”. Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmam a agressão. A indígena também passou por exame de corpo de delito no Instituto Médio Legal (IML) de Naviraí e segue acompanhada pelo órgão indigenista estatal. A liderança indígena afirma: “Os capangas são das fazendas Maringá e Santa Rita, uma outra que tem aqui por perto”.

    Histórico de violência

    Pyelito Kue possui um histórico recente de violências diversas. Em 2012, a comunidade emitiu uma nota pública afirmando que preferiam morrer a deixar a terra indígena. Na época, viviam às margens do rio Hovy, depois de expulsos de retomadas anteriores, e sofriam com decisão da Justiça Federal pela reintegração de posse da área. Com a publicação do relatório de identificação, em 2013, os Guarani e Kaiowá retomaram a Fazenda Cambará, onde ocupavam apenas 100 hectares de um total de dois mil do latifúndio por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

    Entre março e abril do ano passado, a área retomada foi atacada três vezes por “seguranças” de propriedades incidentes no território. Em uma das ocasiões, tiros de grosso calibre foram disparados contra as moradias feitas de lona. Meses depois, em novembro, Adriano Lunes Benites, de 21 anos, foi alvejado na perna por jagunços de uma fazenda enquanto se dirigia à aldeia.

    A terra indígena teve 41.571 hectares identificados como tradicionais pela Funai, no âmbito do Grupo de Trabalho da Bacia Iguatemipeguá, com relatório publicado em 8 de janeiro de 2013 no Diário Oficial da União. Vivem em Pyelito Kue/Mbarakay 1.793 indígenas, conforme dados da Funai de 2008.

    Essa terra tem dono!

    Nas últimas semanas, os Guarani e Kaiowá dos tekoha Ñanderu Marangatu, em Antônio João, e Guyra Kamby’i, na região de Dourados, também realizaram retomadas e foram atacados de forma violenta por fazendeiros organizados pelos sindicatos rurais. Em Marangatu, Semião Vilhalva foi assassinado durante uma dessas ofensivas. No caso de Guyra Kamby’i, os indígenas foram expulsos das áreas e pressionados a permanecer apenas nos dois hectares em que já viviam confinados.

  • 17/09/2015

    “Em 2015, Somos Todos Indígenas” ou Genocidas?

    “Em 2015, somos todos indígenas”. Este é o mote dos Primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, que estão previstos para acontecer em Palmas (TO) em outubro deste ano. Por que tão poucas pessoas estão sabendo deste megaevento que acontecerá no nosso país e que contará com a presença de mais de dois mil atletas de 30 países? Por que os envolvidos estão considerando o evento “uma grande conquista dos povos indígenas?”.

     

    A história começa antes mesmo do entusiasmo da senadora e ministra Kátia Abreu, defensora da bancada dos ruralistas no Congresso Nacional, com a realização do evento. Aliás, a ‘rainha da motosserra’ teve atuação decisiva para a escolha de Palmas como sede dos Jogos. Kátia Abreu (atual PMDB e ex-DEM) foi eleita senadora pelo Tocantins por muito pouco (apesar do que disse a mídia local), e, na sequência, foi nomeada Ministra da Agricultura e Pecuária. Além disso, ela também é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Desde os anos 1990, esteve envolvida no esbulho de terra de pequenos produtores, como foi o caso da grilagem no Tocantins durante o governo Siqueira Campos. Na época, ela era Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins e foi uma das beneficiadas com a grilagem.

     

    A ministra foi uma das principais responsáveis dentro do governo pela articulação da realização dos Jogos. Conseguiu 10 milhões de reais para o evento, que foram entregues metade antes e metade depois das eleições de 2014. Um ano antes, protocolou na Casa Civil pedido de paralisação das demarcações de terras indígenas. Ela nunca escondeu que tem um lado: o do latifúndio, o do agronegócio, o da motosserra. E esse lado tem um preço: a vida de indígenas. Ninguém pode atrapalhar o “desenvolvimento econômico” emplacado pelo governo atual, nem mesmo a Constituição Federal; se for preciso, esta será alterada. Propostas como a PEC 215, as teses do “marco temporal” e a redução das terras indígenas reforçam as estratégias genocidas desse “desenvolvimento”.

     

    No modelo adotado, os povos tradicionais aparecem como empecilho para o avanço econômico do país, como se este crescimento estivesse destinado a toda população brasileira. Este crescimento, no entanto, refere-se ao desenvolvimento do latifúndio e da exploração de minério; está, portanto, circunscrito a poucas pessoas que já detêm poder econômico. A maioria das grandes obras e dos megaeventos realizados ou pretendidos no Brasil apenas acentuam a diferença de classes. E se o povo brasileiro tem sido duramente prejudicado pelas escolhas do governo, os povos indígenas estão sendo devorados e seus ossos abafados.

     

    As perguntas a serem feitas são: quanto do investimento nos Jogos realmente chega aos povos indígenas? Quais as reais necessidades e conflitos destes povos? Eles foram de fato consultados sobre a realização desse megaevento?

    O Brasil tem caminhado na contramão dos grandes avanços na temática dos direitos indígenas na América Latina e das orientações internacionais de direitos humanos para os povos tradicionais: o marco da atualidade na questão é o respeito à diversidade cultural, à outra visão de mundo e à natureza.

     

    Se todos recursos destinados aos povos indígenas fossem aplicados em suas comunidades, com toda certeza o Mato Grosso do Sul não seria recordista no mundo em lideranças indígenas assassinadas. Se ao menos os processos de demarcação de terras indígenas não estivessem paralisados, já seria um grande passo para os povos tradicionais. Ao invés disso, o que se tem notado é a redução dos direitos indígenas duramente conquistados na Constituinte de 1988 e no cenário internacional.

     

    No 14º Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas, ocorrido em abril deste ano na cidade de Nova Iorque, houve ampla divulgação dos Jogos. A divulgação, contudo, não contou com o apoio da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (maior organização representativa dos movimentos de base indígena no país). Inclusive, representantes desta organização foram coibidos, apesar de inscritos, de se expressarem na mesa de lançamento dos Jogos.

     

    No Fórum, o Brasil vendeu a imagem de exemplo para com os povos tradicionais, afirmando ser o país que mais demarcou terras indígenas. Blasfêmia! Mentira esta que deve ser combatida, pois os processos demarcatórios continuam paralisados e dois dos maiores povos do Brasil (os Guarani e os Terena, no Mato Grosso do Sul), sequer têm indicativo de que suas terras serão demarcadas. Por fim, a imensa parte das terras demarcadas que se encontram na região amazônica estão sem qualquer tipo de fiscalização ou proteção contra os exploradores ilegais.

     

    O Brasil pode ter demarcado larga extensão de terra na Amazônia, mas isso não corresponde à maior parte da demanda por terra dos povos indígenas; mais de ⅔ das terras reivindicadas continuam sem uma solução ou com o procedimento demarcatório suspenso.

     

    A demanda central dos povos indígenas é pela demarcação das Terras Indígenas e, no contexto atual, pode-se dizer que não há espaço para realização dos Jogos Mundiais. A situação chegou ao limite para os indígenas, que, com toda razão, já estão cansados de esperar e de levar bala a esmo; lhes restam quase nenhuma opção, senão as reocupações de seu Tekoha – em gerais sangrentas – e a resistência.

     

    Agora fica até mais fácil entender porque, dentre as propostas para Palmas realizar os Jogos, está a idealização de um Museu do Índio. Se fosse pela Ministra e muitos outros envolvidos nesse evento, lá estariam todos os povos tradicionais; em memória, estáticos, não atrapalham o desenvolvimento do modelo econômico adotado pelo país.

     

    Alguns políticos, como Ricardo Cappelli, secretário nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social do Ministério do Esporte, querem nos convencer de que “(…) os jogos indígenas reafirmam o Brasil como um país preocupado com a sustentabilidade e respeito ao meio ambiente e diversidade étnica”.

     

    Não, Secretário, os jogos indígenas não afirmam nem reafirmam o Brasil como um país preocupado com a sustentabilidade e respeito ao meio ambiente e diversidade étnica. Ele mascara para o mundo os conflitos fundiários e as reais problemáticas enfrentadas pelos povos indígenas no nosso país.  Se a sustentabilidade deve ser considerada uma meta, esta só poderá ser atingida se e quando houver a efetivação dos direitos dos povos indígenas. Os jogos não contribuem para isso: além de não contemplarem os anseios e demandas dos povos indígenas, estes sequer foram questionados sobre a realização do evento, quando muito lhes foi perguntado se queriam participar.

     

    As demandas urgentes são claras: conclusão dos processos demarcatórios das terras indígenas e quilombolas e fortalecimento do conhecimento das comunidades tradicionais e de suas organizações com o fim de fazer respeitar a diversidade cultural consagrada dentro e fora do Brasil.  Os indígenas poderiam ser ao menos consultados sobre os esforços e investimentos dispendidos para a realização dos Jogos, assim como dos demais megaprojetos que se apropriam ou do nome dos povos para fazer propaganda externa ou do espaço tradicional desses povos para exploração.

     

    No Brasil o respeito à cultura originária, apenas existe, se muito, no papel da lei. Tal respeito varia conforme versar o interesse econômico. A expressão “povos indígenas” é usada quando convém para alguns interesses por muitos não-indígenas sem qualquer aproximação ou respeito para com a realidade destes povos. É dizer, quando a expressão “povos indígenas” servir para lucrar, criar-se-ão os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, quando a hidrelétrica não puder ser construída por conta da existência de “povos indígenas” no local, então os indígenas são contra o desenvolvimento econômico do país ou simplesmente são dados como inexistentes. Ainda, para dizer que são “integrados” e que não têm direito a terra, são “índios de calças jeans”.

     

    Em um lugar onde ainda se usam práticas colonialistas e assimilacionistas, onde quem tem a pretensão de ditar o que é melhor para os povos indígenas ou o que deve ser ou não ser um povo indígena ainda são os não-indígenas, de paletó e gravata, é claro que os indígenas não têm espaço para ecoar a sua voz.

     

    Em 2015, e enquanto minimamente todas as terras indígenas não forem demarcadas, enquanto a saúde e a educação indígena não forem realmente diferenciadas, enquanto as crianças indígenas morrerem de desnutrição, enquanto as cestas básicas não chegarem nos acampamentos dos Guarani no Mato Grosso do Sul, enquanto este povo continuar recordista de suicídios de jovens e assassinatos de lideranças, e enquanto o Brasil permanecer destaque nas violações dos direitos indígenas fundamentais, seria vergonhoso dizer que SOMOS TODOS INDÍGENAS, ainda mais como mote desses Jogos Mundiais, melhor seria dizer: SOMOS TODOS GENOCIDAS!

     

    >>> Conheça os bastidores e entornos dessa “celebração”, por meio de uma coletânea de matérias, clicando aqui.


  • 17/09/2015

    Povo Krahô e os Jogos Mundiais Indígenas: “Estamos fora”

    Enquanto busco entender um pouco melhor todo o processo em que está envolvido esse megaevento, vejo o reloginho no sítio eletrônico dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMI) marcar que faltam 38 dias, 22 horas, 26 minutos e 53 segundos para o início desse evento. No ofício 03/2015, encaminhado pelos 28 caciques do povo Krahô, do estado do Tocantins, encaminhado no dia 10 de setembro aos organizadores do Jogos, eles exigem que os “organizadores do evento retirem as imagens e o nome Krahô de qualquer meio de comunicação que sirva de promoção aos Jogos Mundiais Indígenas”.

    Nas razões da decisão, perguntam: “Como podemos participar de um evento financiado por um governo que está promovendo o genocídio de nossos parentes Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, e em várias outras regiões do país? Como podemos participar de um evento promovido pela senadora Kátia Abreu, uma das principais responsáveis pelo avanço do movimento anti-indígena no nosso país?”.

    No mesmo documento, os caciques Krahô denunciam a forma como é conduzido o processo dos JMI, que serve muito mais para promover sua própria imagem do que efetivamente apoiar a causa indígena.

    Em função desses procedimentos, os caciques afirmam categoricamente que o povo Krahô não participará dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.

    Outras lideranças se manifestam

    Em seu “Manifesto crítico sobre os jogos mundiais indígenas”, a liderança Antônio Apinajé afirma que “é por causa da luta pela terra que muitas lideranças indígenas estão sendo criminalizadas, presas,  espancadas ou assassinadas a mando de fazendeiros e políticos”.

    Antonio Apinajé ainda faz várias perguntas que, certamente, devem estar martelando a consciência dos promotores desses Jogos. Chama atenção para a difícil e até dramática situação pela qual passam vários povos indígenas no país, em particular no Mato Grosso do Sul. Afirma que “a melhor atitude pela paz é também demarcar e respeitar os territórios indígenas, que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra”.

    No final do 1º dia da 21ª Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com mais de 160 participantes de todo o país, foi feito o lançamento de várias publicações do Cimi e de entidades de apoio à causa indígena. Dentre as publicações está um folder que traz importantes elementos para entender quem ganha e quem perde com a realização dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Procura, principalmente, trazer elementos da conjuntura em que se realizarão os jogos.

    Alguns problemas levantados pelos povos indígenas dizem respeito aos custos. De acordo com a própria Secretaria Extraordinária dos Jogos Mundiais Indígenas, mais de R$ 100 milhões foram disponibilizados para a realização deste evento, enquanto o governo tem um orçamente pífio para a demarcação das terras e dos territórios tradicionais indígenas. Também fazem alusão à baixa participação dos povos indígenas do Brasil (dos 305 povos no Brasil, apenas 24 participarão; dos dez povos do estado de Tocantins, apenas três participarão); aos riscos da folclorização; à distorção  da realidade, no sentido de camuflar a verdadeira situação de extrema vulnerabilidade de diversos povos, assim como de tirar o foco da atual crise política e econômica; distorcer o significado profundo e sagrado dos rituais em seus contextos e propósitos originais, colocando-os em um ambiente de competição e comercialização.

    Lindomar Terena, liderança indígena do Mato Grosso do Sul, denuncia: “Estes jogos escondem a verdadeira face do governo no massacre dos povos indígenas, elevando a imagem governamental e de alguns indivíduos, enquanto continua negando aos povos o direito sagrado à terra, à cultura e ao modo de vida originário. Enquanto governo e aproveitadores sonham com uma ‘FIFA indígena’, os desmontes, suspensões e ataques aos nossos territórios demonstram que logo todas as terras indígenas não caberão nem ao menos no espaço de um campo de futebol”.

  • 17/09/2015

    Edições Sesc São Paulo lançam livro que apresenta a história do sertanismo indigenista no Brasil

    No dia 17 de setembro, às 19h, na Livraria da Vila (Lorena), as Edições Sesc São Paulo promovem o lançamento de Memórias sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil. Surgido no bojo de seminário homônimo realizado em 2010 no Teatro Sesc Anchieta, o livro publicado no ano em que o sertanista Marechal Rondon completaria 150 anos tem organização do jornalista Felipe Milanez e narra as experiências de importantes sertanistas brasileiros, apresentando como principal ponto de reflexão a luta pela sobrevivência física e espiritual de povos que ainda não foram engolidos pela atual engrenagem de consumo desenfreado, de voracidade tecnocrática e de destruição da natureza.

    Com prefácio assinado pela antropóloga Betty Mindlin, a obra conta com depoimentos dos sertanistas Afonso Alves da Cruz, Altair Algayer, Fiorello Parise, Jair Condor, José Carlos Meirelles, José Porfírio, Marcelo dos Santos, Odenir Pinto, Sydney Possuelo, Wellington Figueiredo, além dos representantes indígenas Afukaka Kuikuro e Paulo Supretaprã Xavante.

     

    “Cada depoimento parece um conto ou romance, obra de escritor. Ninguém o escreveu, creio – são orais, de expressão elaborada, fluentes. Alguns entrevistados escrevem muito bem, há até um romancista de alta qualidade entre eles. Deveriam continuar por escrito suas narrativas, em publicações futuras; certamente têm diários, cartas. Acumularam memória de décadas de experiências e de um Brasil que ninguém conhece. Falam tão bem, no entanto, que sua fala é semelhante a um livro – a exemplo dos índios, cujas narrativas fluem prontas para os ouvintes, em múltiplas línguas, sem computadores ou plumas. Ou é a arte de Felipe que soube transcriar (para usar o vocabulário da história oral) e ser fiel ao que ouviu e gravou? Tudo isso misturado, provavelmente.”.

     

    Betty Mindlin – antropóloga

     A prática sertanista para a defesa dos povos indígenas é relativamente recente. Oposto ao sertanismo de bandeira, que, entre outros objetivos, visava à conquista de riquezas, o sertanismo indigenista tem como objetivo principal garantir a sobrevivência de povos indígenas, e teve início com a atuação de Marechal Rondon. Oriundos de diferentes regiões do país, os sertanistas vivenciaram um período marcado pela expansão econômica para o oeste e pelo processo de criação de meios para proteger os povos indígenas, cabendo a eles a difícil tarefa de proteger os índios do próprio Estado para o qual trabalhavam e da sociedade que representavam.

    Dividido em cinco partes, o livro delineia um abrangente painel sobre o sertanismo no contexto das questões indígenas. A parte inicial apresenta a história do sertanismo brasileiro, desde os primeiros sertanistas até a recente criação do Departamento de Índios Isolados e as Frentes de Proteção Etnoambiental. A segunda etapa trata da resistência às políticas institucionais adotadas pelos sucessivos governos militares (entre 1964 e 1985) e da criação da Funai – Fundação Nacional do Índio, em 1967. Em seguida, os líderes indígenas Afukaka Kuikuro e Paulo Supretaprã analisam a convivência com a cultura dos warazu (invasores). Relatos memorialísticos de dez sertanistas que, atuando em diferentes lugares do país, compartilham suas experiências e trajetórias marcadas por profundo engajamento na defesa dos direitos dos índios são destacados na quarta parte da publicação. Na quinta e última parte, Felipe Milanez aborda o futuro da tradição sertanista, demonstrando que o destino está nas mãos dos próprios indígenas, e que quanto mais eles conseguirem apoio de gente como os sertanistas, melhores chances terão de enfrentar as ameaças, reafirmar sua identidade e lutar por autonomia.

     

    FICHA TÉCNICA:

    Memórias sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil

    Edições Sesc São Paulo

    ISBN: 978-85-7995-177-0

    Páginas: 424 p.

    Formato: 19 x 25 cm

    Preço: R$ 70,00

     

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  • 17/09/2015

    Parlamentares ruralistas teriam incentivado ataques contra Guarani e Kaiowá

    A comunidade da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, homologada pela Presidência da República há mais de dez anos, foi atacada em 29 de agosto por um grupo de proprietários rurais, o que levou ao assassinato da liderança Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 24 anos.

    Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) alerta que os Guarani e Kaiowá estão vivendo uma situação insustentável. Ele denuncia também uma preparação mediática a partir de mentiras para justificar os ataques.

    O Cimi denuncia uma orquestração midiática preparando o clima para esses ataques, que culminaram no assassinato de Semião. Como foi isso?

    Já no início da semana, e mesmo no próprio sábado antes do assassinato de Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, havia ações organizadas por lideranças sindicais e seus familiares fazendeiros no Mato Grosso do Sul.  

    Uma das fazendeiras divulgou um vídeo incitando a população local contra os índios, e uma série de boatos foram espalhados naquela região. Entre os boatos, diziam que os indígenas iam invadir a cidade, para colocar fogo nela. 

    No dia 27, Pedro Pedrossian Filho postou uma mentira no seu perfil do Facebook que se espalhou virtualmente. Ele pegou fotografias de um maquinário queimado em uma fazenda do Paraguai e escreveu que aquele maquinário tinha sido queimado pelos indígenas. 

    Espalhou isso, com mais de mil e quinhentos compartilhamentos, com uma série de comentários mais do que racistas, ameaçando fazer ataques e assassinatos contra os indígenas Guarani e Kaiowá. 

    Foi criado todo um ambiente para que houvesse uma espécie de justificativa para esse ataque perpetrado e posto em prática pelos latifundiários. Sendo que o ataque aconteceu após uma reunião no sindicato rural da cidade de Antônio João (MS), onde a Sra. Roseli Maria Ruiz incentivava o ataque.

    Havia dois deputados e um senador envolvidos?

    Havia. A presidente do Sindicato Rural do município Roseli Maria Ruiz, os deputados federais Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Tereza Cristina (PSB), e o senador Waldemir Moka (PMDB) estiveram presentes na reunião que incentivou produtores rurais a organizar o ataque à comunidade indígena. 

    O Mandetta inclusive acompanhou os fazendeiros na ocasião do ataque.

    No sábado de manhã, dia 29, Roseli Maria Ruiz convocou uma reunião de fazendeiros e teria feito um discurso exaltado, chamando os fazendeiros para que a acompanhassem no ataque aos Guarani Kaiowá, que haviam retomado as fazendas desde o dia 22. 

    Durante o ataque, Semião levou o tiro que o matou. Além da sua morte, vários indígenas, entre eles crianças, ficaram feridos a pauladas. Uma criança de um ano e poucos meses levou um tiro de borracha nas costas e outro na cabeça. 

    Tiros de borracha não são armas da polícia?

    Durante o conflito, agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), que é um órgão oficial, um destacamento de operações de fronteira, estava no local. Portanto, ou os tiros partiram dos próprios policiais ou dos fazendeiros. 

    Se partiram dos fazendeiros significa que estão tendo acesso a armamento restrito, e se partiram dos policiais, significa que participaram junto com os fazendeiros. Ou seja, essa é uma questão que também precisa ser resolvida. 

    Neste caso o governo federal enviou a força de segurança na região da Terra Indígena Nanderú Marangatu contra essas ações paramilitares, visando a inibir essas atitudes que atentam contra o estado democrático e de direito 

    O que se espera do governo e das autoridades pertinentes?

    Esperamos que o Poder Executivo tome medidas concretas e profícuas, no sentido de dar sequência aos procedimentos administrativos de demarcação das terras dos povos indígenas dessa região. 

    E que o Judiciário reveja alguns posicionamentos que tem adotado de suspender ou anular os efeitos de atos administrativos de demarcação de terras indígenas locais, porque está mais do que evidente que só poderemos encontrar uma solução definitiva para essa situação de tensões no Mato Grosso do Sul com a retirada dos não-índios das terras indígenas.

    Duas investigações estão em curso, uma pela Polícia Federal e outra pelo Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul – em decorrência dos ataques de fazendeiros contra as comunidades das terras indígenas que culminaram no assassinato da liderança Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, de Guyra Kamby’i, no Distrito de Bacajá – que fica a cerca de 30 quilômetros do município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

    A deputada estadual Mara Caseiro (PT do B), apresentou petição para abertura de uma CPI. Ela afirma ter documentos que comprovariam que o Cimi incita invasões de terras em Mato Grosso do Sul.

    Essa deputada não possui nenhum elemento concreto, que justifique esse pedido de CPI. 

    O seu pedido contra o Cimi se trata de uma cortina de fumaça para tentar encobrir as ações paramilitares postas em prática pelos fazendeiros no Mato Grosso do Sul, bem como o assassinato da liderança cometido pelos fazendeiros. 

    As ações de retomadas de terras feitas pelos povos indígenas são autônomas, pois eles são senhores e sujeitos de suas posições, análises, decisões e ações. E, portanto, são plenamente conscientes das consequências potenciais advindas dessas ações políticas. 

    É exatamente por isso que muitas comunidades têm aguardado décadas para realizar algumas dessas ações. E eles só as realizam realmente quando se sentem em uma situação limite. 

    Essa retomada só foi feita depois de mais de dez anos estando acampados em um espaço extremamente reduzido. E o nosso papel nessas situações, quando somos acionados pelas lideranças, é o de dar visibilidade e acionar os órgãos, buscando não haver maiores consequências contra os povos. 

    Portanto, o que temos feito é divulgar e visibilizar a luta dos povos e principalmente denunciar as violências cometidas contra eles.

     

     

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