• 27/10/2015

    STF nega liminar em ação que pede nulidade de demarcação da TI Morro dos Cavalos

    O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou no último dia 15, liminar na Ação Cível Originária (ACO) 2762, ajuizada por um cidadão do município de Palhoça (SC) com o objetivo de declarar a nulidade da demarcação de Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC). O relator apontou que não estão presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar: plausibilidade jurídica (fumus boni iuris) e risco de dano pela demora (periculum in mora). A decisão foi publicada ontem (26) no sítio eletrônico do STF.

     

    De acordo com o ministro Teori Zavaski, gozam de presunção de regularidade os atos praticados no curso do processo administrativo de demarcação de terra indígena, o qual inclui estudos antropológicos que atestam a presença de indígenas na área anteriormente à Constituição Federal de 1988, “daí porque não há falar, neste momento, na existência de provas inequívocas em sentido contrário”.

     

    Caso

     

    O cidadão de Palhoça ajuizou ação popular contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a fim de declarar a nulidade do processo de demarcação por inexistência de tradicionalidade exigida pelo artigo 231 da Constituição Federal, por flagrante lesão ao direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como lesão grave ao patrimônio público e ambiental.

     

    O juízo da 6ª Vara Federal de Florianópolis julgou improcedente o pedido. Após receber os recursos de apelação do autor e da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma), que ingressou na ação na qualidade de assistente litisconsorcial, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reconheceu a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar a causa, anulando a sentença e determinando a remessa dos autos ao STF.

     

    O TRF argumentou que, pelo artigo 102, inciso I, alínea “f”, da Constituição Federal, “compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta”. No caso, a Fundação integra o governo catarinense.

     

    Na ACO 2762, o autor reforça que há “provas inequívocas da inexistência da tradicionalidade das etnias Mbyá e Nhandéva na ocupação do Morro dos Cavalos”. Aponta ainda que o risco de dano irreparável funda-se na difícil situação na qual se encontram os 4 mil habitantes da Enseada do Brito, que correm o risco de ter seu fornecimento de água potável prejudicado.

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  • 26/10/2015

    Regional Noroeste da CNBB manifesta preocupação com entidades comprometidas com a dignidade, paz e justiça

    Bispos, leigos/as, religiosos/as e organismos do Regional Noroeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunidos na 9ª Assembleia Geral deste Regional (que abrange as dioceses de Rondônia, Acre e Sul do Amazonas), realizada entre os dias 16 e 18 de outubro de 2015, em Porto Velho, no estado de Rondônia, divulgaram documento final em que manifestam preocupação com as ameaças de violência à população do campo e aos agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), aos indígenas e aos indigenistas e seus respectivos órgãos, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), às organizações dos povos indígenas da Amazônia e outras entidades comprometidas com a dignidade, a paz e a justiça.

     

    “Procuramos em muitos momentos buscar as razões para compreender esse contexto em que as políticas deveriam estar comprometidas com o bem-estar da população menos favorecida. Pois, a vida é um dom a ser vivido como único, e, o ambiente como ‘casa comum’ (Campanha da Fraternidade Ecumênica/2016), valores esses que devem ser defendidos por todos”, afirma a nota, que questiona ainda “É possível percorrer o caminho da paz? Podemos sair desta espiral de dor e de morte? Podemos aprender de novo a caminhar e percorrer o caminho da paz? … Sim, é possível para todos!”.

     

    Leia aqui o documento final na íntegra

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  • 26/10/2015

    Indígenas divulgam mais três manifestações de repúdio às declarações de Valdir Colatto

    A fala do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC) na reunião da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, realizada na última quarta-feira (21) continua causando reações entre os povos indígenas. Além de afirmar que povos indígenas do seu estado são favoráveis à PEC 215, ele teria utilizado a expressão “índio genérico” para se referir aos indígenas. No dia seguinte (22), os povos Xokleng Laklãnõ, Kaingang e Guarani, as três etnias que ainda resistem em Santa Catarina, divulgaram uma Carta Aberta à População em que explicitaram repúdio à declaração do parlamentar.

     

    Na sexta-feira, a Comissão Guarani Nhemonguetá, os acadêmicos do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena – composto por indígenas Kaingang, oriundos das Terras Indígenas Xapecó, Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Aldeia Conda e Toldo Imbu – e os estudantes universitários indígenas da Universidade Estadual de Londrina do Norte do Paraná, dos povos Guarani, Kaingang e Fulni-ô, manifestaram também enorme contrariedade com as declarações de Colatto.  

     

    “Os caciques e lideranças do povo indígena Guarani são contra a PEC 215 e denunciamos que os ruralistas mais uma vez estão usando espaço na Câmara dos deputados para incentivar o racismo e genocídio contra nós, povos indígenas, e angariar votos dos agricultores familiares que, por não compreenderem o mercado de roubo de terras que financia as campanhas eleitorais dos ruralistas, acabam os apoiando”, afirma a Comissão Guarani Nhemonguetá em sua nota pública.

     

    Leia aqui a carta da Comissão Guarani Nhemonguetá

     

    Leia aqui a Carta de Repúdio dos acadêmicos do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena – composto por indígenas Kaingang

     

    Leia aqui a carta dos estudantes universitários indígenas da Universidade Estadual de Londrina do Norte do Paraná, dos povos Guarani, Kaingang e Fulni-ô

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  • 26/10/2015

    Jogos Mundiais: protestos, silêncios e invisibilidade indígena

    O desabamento do teto do refeitório no local de alojamento das delegações brasileiras que participam do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI) é realmente lamentável. Ocorrido neste sábado (24) pela manhã, resultou em três funcionários feridos. Como consequência, as refeições foram preparadas e servidas de modo precário em locais improvisados.

    Também é inadmissível que, na semana passada, o sistema de aclimatação da cozinha tenha entrado em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal (MPF), e levando oito trabalhadores/as do local a serem atendidos em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha, fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 horas da manhã até às 22 horas, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho extremamente exaustiva.

    Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária e sofrível infraestrutura para estes jogos mundiais dos povos indígenas, que acontece até o próximo dia 31, em Palmas, no Tocantins.

    Para tentar evitar que aconteçam outros incidentes graves e comprometedores, o MPF se encontra no local dos jogos. Queixas e alertas foram dados mas, infelizmente, a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo não permitiu que se realizasse uma construção participativa do trabalho, com mais tempo e segurança.

    Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma postura que contraria o espírito de integração e celebração, por outro, com barreiras arbitrárias e “cercas da vergonha”, que impedem e limitam a comunicação e integração entre os próprios indígenas presentes em Palmas, é que foram realizados diversos atos de protesto dentro e fora da Arena na abertura do evento, realizada na última sexta-feira (23).

    Dentro e fora da arena, protestos

    Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas, foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, seja pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.

    Os protestos tiveram maior intensidade por ocasião da abertura dos jogos. Barrados na entrada da arena, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 – chamada pelos povos de “PEC do Genocídio” –, a paralisação das demarcações das terras indígenas e pelo “Fora Kátia Abreu”. Faixas com estes dizeres foram abertas dentro da arena.

    Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade às demandas dos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência: “Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade”.

    Outras faixas demandavam o “Fim do Genocídio Indígena” e “Não a Matopiba” (a nova fronteira agrícola do agronegócio que o Estado pretende instituir no Nordeste, com extensão de 73 milhões de hectares, que irá atingir 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos e 34 quilombos). O fim de projetos legislativos que ofendem os direitos constitucionais dos indígenas, como a PEC 215 e o Projeto de Lei (PL) 1610, que libera a exploração da mineração em terras indígenas, dentre outros, também foi pauta dos protestos realizados em Palmas.

    Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos velas que simbolizam a esperança e a força dos povos indígenas, embalados com canções de luta, resistência e transformação.

    O silêncio eloquente da presidente

    Quando o mestre de cerimonial chamou a presidente Dilma, os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era, então, esperada uma fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.

    Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria este um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?

    Deprimente

    Destaco a seguir o desabafo de uma indígena, feito a partir da realização do ritual de abertura do Jogos:

    “Deprimente, este é o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e me recuso a olhar a Corrida de Tora, Ritual Sagrado para nós, povos indígenas, sendo apresentado em uma arena e narrado como se fosse rodeio.

    A corrida de tora é praticada em momentos especiais de vidas, buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeitar uns aos outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.

    É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae, e me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes. Me aproximei dela e perguntei de que povo era. Ela respondeu: “não sou indígena, sou modelo”. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia!!!.”

    Assim, o I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas é um evento onde os indígenas continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteceram.

     

    Fotos Egon Heck e Laila Menezes

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  • 25/10/2015

    Enawenê-Nawê é baleado no peito durante ataque de caminhoneiros e fazendeiros em Brasnorte (MT)

    Daliameali Enawenê-Nawê acabou baleado no peito esquerdo depois de ação violenta de caminhoneiros e fazendeiros em Brasnorte, noroeste do Mato Grosso, na tarde deste sábado, 24. Daliameali foi encaminhado para o hospital do município pelo Samu, conforme vídeos divulgados nas redes sociais (é possível ouvir os disparos – assista aqui), e seguiu direto para a mesa de cirurgia. O estado de saúde do indígena é considerado grave e na porta do hospital fazendeiros chegaram a organizar um tumulto.  

    O indígena Daliameali estava com um grupo Enewenê que tentava se dirigir à cidade de Juína. Tanto em Brasnorte quanto em Juína estão os serviços públicos essenciais – saúde e territorial – oferecidos aos indígenas da região. No caminho, os Enawenê encontraram e foram atacados por caminhoneiros e fazendeiros que trancavam trecho da rodovia MT-170, que liga Brasnorte à vizinha Juína, na altura da ponte que passa sobre o rio Juruena, em protesto de retaliação contra os próprios Enawenê.

    Durante este sábado, os Enawenê cobravam pedágio no lado de Juína da ponte. A ação visava angariar fundos para melhorias na estrada que dá acesso à aldeia do povo (na foto). Há mais de um ano os indígenas reivindicam junto ao Poder Público o restauro da via com cascalhos, sem qualquer providência – os Enawenê mantêm apenas uma aldeia, com grandes malocas tradicionais, e por necessidades da comunidade se deslocam com frequência pela terra indígena, tanto pelos rios quanto pela estrada. O pedágio foi também uma forma de protesto encontrada pelos Enawenê para chamar a atenção da sociedade ao descaso das autoridades públicas. 

    A violência dos caminhoneiros e fazendeiros, ligados ao plantio de soja, entre outros monocultivos, e à retirada de madeira das terras indígenas locais, despertou a revolta entre os Enawenê. Informações apuradas junto aos indígenas dão conta de que 400 deles saíram da aldeia em direção à cidade de Brasnorte. Por conta disso, forças policiais civis e militares de toda a região já estão no município.

    Brasnorte concentra um grande número de madeireiras, cartórios e demais pontos de interesses do agronegócio, do setor madeireiro e latifundiário. Em Juína não é diferente. As prefeituras das cidades, os sindicatos rurais, madeireiras e toda sorte de grupos interessados nas terras indígenas dos Enawenê e Myky se opõem aos procedimentos demarcatórios em curso dos territórios tradicionais destes povos. Com panfletos e pronunciamentos de rádio, costumam lançar a população contra os indígenas e seus apoiadores.   

    Constantemente os indígenas são vítimas de ofensas racistas nas duas cidades e amiúde são obrigados a passar semanas sem ir ao centro de Brasnorte, onde se encontra os serviços da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Em Juína, os Enawenê e servidores públicos chegaram a ficar acuados na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2013, durante uma manifestação de conteúdo ofensivo contra os indígenas organizada por fazendeiros e madeireiros.

    Histórico

    A violência é parte da estrutura latifundiária da região e remonta a década de 1970, quando massacres contra indígenas em situação de isolamento voluntário – Myky, Iranxê, Rikbaktsá, entre outros – são hoje horripilantes narrativas históricas. Em 1987, o missionário Vicente Cañas, do Conselho indigenista Missionário (Cimi), foi brutalmente assassinado por capangas sob ordens de fazendeiros de Juína. No primeiro semestre desse ano, o júri que inocentou o delegado de Polícia Civil acusado de arregimentar os capangas foi anulado pela Justiça depois de ser considerado manipulado pela falta de análise de provas concretas que incriminavam o delegado. Um novo deverá ser marcado.

    Atualizada em 25 de outubro às 17 horas.

  • 23/10/2015

    Jogos Indígenas: um mundo de contradições

    Na semana em que acontece a abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, lideranças denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o genocídio de seus povos em várias regiões do Brasil e, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Neste mesmo estado, na Assembleia Legislativa, foi instalada a “CPI do Genocídio”.

    De última quarta-feira (21) para cá, os Guarani-Kaiowá tiveram duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a reintegração de posse nos tekohas (“lugar onde se é”) Ñhanderú Marangatú e Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Vitórias fundamentais dos povos indígenas e das lutas contundentes pelos seus direitos, especialmente suas terras. Neste contexto, têm sido decisivas as manifestações de repúdio, as declarações e gestos de solidariedade dos povos indígenas e seus aliados no Brasil e no mundo.

    E o presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), deputado Nilson Leitão, após a realização de três reuniões nesta semana – em que inúmeras manifestações de racismo e colonialismo foram feitas pelos membros ruralistas da comissão -, garantiu que da semana que vem a votação do Parecer da PEC não passa.

    Ou seja, a realidade indígena indica que a realização destes Jogos, e o seu caráter celebrativo, por si, são extremamente contraditórios.

    Dilma Rousseff e Kátia Abreu, juntas na abertura

    Juntamente com a ministra Kátia Abreu, a presidente da República, que se nega a receber representantes dos povos indígenas para tratar da paralisação das demarcações das terras indígenas, estará na abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Para garantir a “segurança” da presidente, um forte esquema de segurança foi montado, envolvendo as polícias civil, militar e federal. Segundo um jornal local, até um esquadrão antibombas está à disposição.

    Testando esquemas de segurança e repressão

    Entre os movimentos sociais e povos indígenas vêm circulando informações sobre um sofisticado esquema de “inteligência” de segurança que estaria sendo testado nesses jogos com o intuito de ser utilizado nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, no próximo ano. Além disso, estão sendo utilizados espécies de robôs para desarmar artefatos explosivos e bombas, além de cães treinados na identificação de explosivos.

    Na fila dos indignados

    Continua o clima de insatisfação de muitos indígenas, especialmente os que vieram com a intenção de vender seus artesanatos durante a realização do evento internacional. Tinham como referência os jogos indígenas nacionais, onde existia um acesso livre para essas atividades. O fato foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF) que intimou a organização dos jogos a liberar o acesso dos indígenas, caso contrário medidas judiciais poderão ser tomadas.

    Repórteres internacionais mostraram-se surpresos com a proibição imposta aos indígenas de darem entrevistas. Conforme informações colhidas no local, nem pessoas credenciadas puderam adentrar na arena dos jogos. Fotos, nem pensar.

    Quem ganha, quem perde

    Um folder sobre os jogos, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido distribuído e divulgado, em português, espanhol e inglês. Este material contém uma série de informações e questionamentos que procuram fazer um contraponto ao ufanismo que envolve os jogos e que tentam desviar o foco das lutas e realidades dos povos indígenas. Além disso, várias lideranças e povos indígenas questionam o fato de se estar gastando vultosas quantias de recursos públicos. Enquanto o governo alega falta de recursos para a demarcação de terras indígenas e políticas públicas para esses povos, a informação corrente por aqui é de que pelo menos R$ 163 milhões teriam sido disponibilizados para os jogos.

    Indígenas insatisfeitos

    “Não sou contra os jogos. Acho até que já deveriam se realizar há mais tempo, só que não concordo com a forma de como estão sendo conduzidos”, expressou uma liderança Guarani-Mbyá de São Paulo.

    Num depoimento emocionado, uma liderança Karajá relatou como se sentiram traídos com a condução dos jogos, falando que a presença de Kátia Abreu, será um horror, pois ela é declaradamente contrária aos povos indígenas: “Será um horror. Estarão zombando de nós. Estão cometendo um genocídio contra nossos povos”.

    “A construção da arena é um padrão não indígena. A gente quer fugir desse formato de ‘rodeio’, de campeonato de índios. Como são os primeiros jogos mundiais, todos esses ingredientes que a gente não conhecia fugiram do nosso controle. A ideia inicial era fazer uma coisa mais aberta, mas tem a questão de segurança, bombeiros. Todas essas situações fizeram com que houvesse um desenho essencialmente urbano” (Agencia Brasil, 21/10/15).

    Conforme desejo manifesto pelos organizadores, a intenção é de que seja dada continuidade aos jogos mundiais indígenas. Porém, a desorganização e as insatisfações demonstradas até o momento mostram que será necessária uma mudança radical nos procedimentos e na condução dos eventos futuros.

     

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  • 23/10/2015

    A luta contra a PEC 215

    No sistema capitalista de produção a humanidade só tem sentido se estiver a serviço das coisas. Da mesma forma, os trabalhadores em geral só são considerados como produtores de coisas que, por sua vez, farão a riqueza daqueles que são os donos dos meios de produção. A vida da pessoa que produz coisas para os donos das empresas ou das terras não tem a menor significação. Ela só vale enquanto estiver em condições de produzir e gerar lucro. Se não estiver girando essa roda, a pessoa em si não importa. Essa é uma verdade inquestionável dentro do sistema capitalista. E é por isso que pessoas como os índios, por exemplo, não tem a menor importância para quem defende esse sistema. Para essas pessoas, o índio é um inútil, não produz coisas, não garante lucro, logo, é passível de ser exterminado.

     

    Essa foi a síntese da argumentação dos deputados que compõem a Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e que são favoráveis à mudanças na Constituição Federal. A PEC, se aprovada, permitirá que todas as decisões envolvendo demarcação de terras – no presente, no futuro e no passado – sejam tomadas, e revistas, pelos deputados. Ora, a maioria dos parlamentares na Câmara dos Deputados defende os interesses dos empresários e fazendeiros. Nesse sentido, é mais do que óbvia a decisão que será tomada.

     

    Se não houver uma força gigantesca por parte da sociedade – e não apenas dos índios –, a PEC fatalmente passará. O que está em questão é a posse da terra. E a terra, para os que defendem o sistema capitalista, é considerada um equivalente do capital. Ela está aí para gerar lucro, não para ser ocupada por índios que não produzem. Importante diferenciar produção de produção capitalista. A terra, para os indígenas, está colocada numa totalidade que envolve a maneira de viver. Ela é espaço de moradia, de comunhão, de produção de alimentos, de coleta de alimentos, é espaço do sagrado, morada dos deuses. A terra não existe para gerar lucros. Ela existe para ser espaço de vida. O que se planta na terra é para usufruto das famílias, tem reprodução compartilhada.

     

    Já para a produção capitalista, a terra é um bem que se compra e vende. Ela tem um valor intrínseco como coisa produtora de lucro, seja para exploração mineral, para produção de monocultura de exportação ou apenas para ficar descansando, engordando o valor para futuras vendas. Não há qualquer relação com a terra, a não ser a de coisa que pode gerar lucro em alguma medida.

     

    Por isso os deputados querem fazer passar a PEC 215. Com essa mudança na Constituição, eles poderão – representando os interesses dos latifundiários – reverter demarcações já feitas e impedir que novas demarcações sejam efetuadas, expulsando os indígenas de seus territórios históricos ou não permitindo que eles se mantenham nas terras originárias. Para esses senhores e senhoras que representam os poderosos, no Brasil não existem mais índios, eles são pessoas “índios genéricos”, como disse um representante de Santa Catarina, Valdir Colatto (PMDB). E o que significa essa expressão? O que seria um “índio genérico”? Alguém que não é mais índio, ou alguém que só aparenta ser? Para o deputado, índio genérico seria aquele que fica usando celular e o verdadeiro é o que está escondido na mata. Ou seja: para ele, bem como para seus parceiros, qualquer um desses “índios” é um problema. Tanto o que está na mata, atrapalhando o progresso, como o que usa celular, porque está se apropriando de um equipamento de “branco” para fazer a luta.

     

    Alguém poderia dizer que Colatto é um ignorante. Mas, ele não é. Na verdade ele está trabalhando muito bem no campo do simbólico, levando a sociedade a crer que se um índio usa roupas, não faz som guturais e ainda usa celular, só pode não ser um índio. E se não é um índio, então suas reivindicações não devem ser levadas em conta. Pura lógica. No final, o que importa mesmo é semear a dúvida, que, depois, será divulgada à exaustão pelos meios de comunicação de massa. E o homem comum, sentado diante da TV acusará o índio e defenderá a ideia de que os deputados, gente de bem, é que estão certos. O fim de tudo isso é um só: desqualificar o índio para apoderar-se de suas terras.

     

    O projeto capitalista não tem espaço para o índio. Como já foi dito, ele não produz coisas. Não gera lucro. Mas, como eles existem, então, a única saída é exterminá-los. Por isso que os conflitos envolvendo a luta pela terra e os indígenas estão cada vez mais frequentes, envolvendo até forças de repressão nacionais, como se viu essa semana no Mato Grosso do Sul. Todos os instrumentos do Estado são colocados à disposição dos que se dizem “proprietários” das terras para despejo dos indígenas que se arvoram a reivindicar um espaço que é seu.

     

    O Estado existe para defender os interesses dos empresários e fazendeiros. O Legislativo está tomado por aqueles que defendem os mesmos interesses. Os meios de comunicação estão a serviço dos mesmos empresários e fazendeiros. Tudo está articulado. Não é sem razão que o senso comum vai assumindo a ideia de que os índios (os verdadeiros) são preguiçosos e os “genéricos” são falsos. Por isso, as pessoas “de bem” conseguem assistir na televisão o massacre de crianças, jovens e velhos nas estradas, nos acampamentos, nas aldeias, como uma coisa natural. “É preciso limpar o Brasil da escória”, dizem os ricos, e os empobrecidos que deveriam cerrar fileiras de solidariedade, assentem, sem perceber que a escória mesmo é outra.

     

    Hoje (22) segue o debate na Comissão Especial da PEC 215 e pela conformação da mesma é bem provável que seja aprovada. A maioria parlamentar é conservadora e defensora dos interesses da minoria que domina os meios de produção no país. Não há dúvidas quanto ao resultado. E, indo para discussão e votação no plenário também é certo de que passe. A correlação de forças na casa legislativa é brutal, sempre contra os de baixo. A representação majoritária é a da classe dominante. Logo, para os trabalhadores, os pobres, os índios, os negros, os desgraçados da história, não há esperanças ali naquele lugar.

     

    A única possibilidade para os que defendem a vida da maioria é a luta. E, essa, é sempre difícil, dura, desigual. No mais das vezes são corporativas, defendem interesses particularistas, não se misturam às grandes questões. Assim, resta aos grupos irem resistindo, usando brechas legais, ocupando espaços.

     

    O certo mesmo era que todos os trabalhadores e toda a gente empobrecida se juntassem na defesa das causas particulares para que dessa defesa nascesse a força para mudar o todo. Hoje são os índios que estão ameaçados, amanhã seremos nós, e cada um em particular. Quando a Câmara define que a universidade pública pode cobrar pela pós-graduação, ela está colocando à margem milhares de nós. Quando decide que mulher estuprada não pode abortar, coloca à margem outras milhares de pessoas. Quando insufla o ódio religioso, a mesma coisa e assim por diante. A lógica do poder é dividir aqueles que podem ser os potenciais inimigos. Eles que lutem entre si. Enquanto isso eles avançam.

     

    Na chamada “casa do povo” segue a discussão da nossa vida, e digo nossa porque o destino dos povos indígenas nos afetará a todos. E, enquanto isso, muitos ainda torcem o nariz para a política, permitindo que suas vidas sejam dirigidas pelos empresários e fazendeiros, acreditando serem defendidos por eles. Não são. Suas vidas só têm valor enquanto produzirem lucro. Se adoecerem, se ficarem velhos, se perderem o emprego, serão também massacrados e dizimados como se fossem coisas inúteis. Não há escapatória. Ou se entende isso e se luta em comunhão. Ou caminhamos todos para o abismo.

     

    21 de outubro de 2015

     

    Leia aqui a Carta Aberta à População dos povos de Santa Catarina, em repúdio à Colatto

     

    Fotos: Povos protestam em Belém (PA) contra a PEC 215

     

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  • 22/10/2015

    12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas do Maranhão denuncia violações de direitos e desigualdades

    Reunidos no município de Chapadinha, no Maranhão, nos dias 17 e 18 deste mês, aproximadamente trinta mil romeiros e romeiras participantes da 12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas denunciaram também no documento final “as desigualdades provocadas pelo modo de produção capitalista; um modelo dito de "desenvolvimento" que estimula sonhos e privatiza os lucros; que expulsa e inviabiliza a permanência das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, das famílias de camponeses e camponesas, das quebradeiras de coco, dos ribeirinhos, dos praianos nos seus territórios. E abre as portas para o empresariado fechando os olhos para as necessidades do povo”.

    Os povos indígenas Krenyê e Kreepym, Gamela e Guajajara, todos do Maranhão, participaram da Romaria e apresentaram as problemáticas vividas por cada um deles, principalmente em relação às questões territoriais, além de denunciarem outras severas violações de seus direitos, inclusive a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Eles também fizeram rituais de batizado, protagonizados pelo povo Krenyê.

     

    Leia abaixo o documento na íntegra:

     

    Nós, romeiros e romeiras participantes da 12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas, saudamos a todo o povo do Maranhão. Queremos partilhar a riqueza que foi a preparação e a realização desta grande Romaria. Foram doze seminários diocesanos e um estadual, uma cartilha, a produção de um videodocumentário, debatendo e atualizando a problemática da terra e das águas no Estado à luz do novo paradigma que e o Bem Viver para todos os povos.

     

    Denunciamos o agravamento das situações de violação de direitos, de violência, inclusive institucional, das desigualdades provocadas pelo modo de produção capitalista; um modelo dito de "desenvolvimento" que estimula sonhos e privatiza os lucros; que expulsa e inviabiliza a permanência das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, das famílias de camponeses e camponesas, das quebradeiras de coco, dos ribeirinhos, dos praianos nos seus territórios. E abre as portas para o empresariado fechando os olhos para as necessidades do povo.

     

    Repudiamos o loteamento do estado para a implantação dos grandes empreendimentos:

     

    – O inonocultivo de eucalipto, soja, cana de açúcar nas regiões do Baixo¬Parnaíba e do sul do Maranhão trazendo como consequências  a poluição da Mãe Terra, com a morte e extinção das nossas águas, (rios, córregos, igarapés, lagos, campos inundáveis) e extinção de diversas espécies da fauna e da flora, o trabalho escravo e precarizacão do trabalho, o uso de agrotóxicos afetando as plantações dos pequenos agricultores e sendo consumido por todos através dos alimentos;

     

    – A instalação de grandes empresas de mineração na região da Baixada e no Alto-Turi, ampliando o desmatamento e provocando desastres irreparáveis nos solos e recursos naturais;

     

    – O avanço do agronegócio e da atividade pecuária, aumentando a concentração da terra, os coaflitos agrários, assassinatos de lideranças camponesas, indígenas e quilombolas, a expulsão de comunidades inteiras de seus territórios;

     

    – A duplicação da Estrada de Ferro Carajás, o fortalecimento do polo siderúrgico com a implantação de uma fabrica de celulose na região Tocantina, aumentando os níveis de poluição, de casos de doenças degenerativas, expropriando terras, favorecendo  a exploração sexual,  o alcoolismo, sobretudo entre a juventudes; 

     

    – O avanço sobre as unidades de conservação ambiental, mostrando a mão violenta do Estado que sob o manto da legalidade legitima situações imorais como concessão de licenças ambientais para desmatar e matar rios e animais e, por outro lado, inviabiliza reprodução dos modos de vida de comunidades centenárias, como o que ocorre no Parque de Lençóis Maranhenses, Parque do Mirador no Cerrado, Reserva Biológica do Gurupi, Resex Tauá¬Mirim na zona rural de São Luis;

     

    – A intensificação da invasão de terras indígenas regularizadas com a exploração ilegal de madeira deixando um rastro de destruição, de violência, assassinatos, impedindo a reprodução física e cultural desses povos; e nas terras que estão em processo demarcação existem casos que já duram mais de 10 anos sem resolução. Pior que isso é a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulando portarias declaratórias de terras já em fase de regularização, a exemplo da Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão, e ainda o que dizer de juízes que dão ordem de despejos sem conhecer a situação da área e da população?

     

    – Nos causa indignação e revolta a opção do atual governo estadual pela implementação do MATOPIBA (anunciado como projeto de modernização agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que irá destruir a última reserva de Cerrado e só atualiza o modelo colonial sobre as comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas e áreas campesinas;

     

    – A não regularização e reconhecimento dos territórios quilombolas ainda é uma vergonha e um grito que fere os nossos ouvidos, num Estado formado predominantemente pelo povo negro;

     

    – A privatização de áreas de usufruto coletivo inviabilizando os modos de reprodução da vida de comunidades ribeirinhas, de praianos, de quebradeiras de coco, de sertanejos;

     

    – É inadmissível que ainda hoje o Maranhão continue sendo um dos estados da federação que se destaca na exportação de mão-de-obra escrava. Pois, falta perspectiva de trabalho digno, de uma educação de qualidade, de cursos profissionalizantes e de políticas públicas que favoreçam a permanência dos trabalhadores e trabalhadoras no campo e na cidade. Isto atinge, de modo especial, a nossa juventude que vê seus sonhos se tornarem pesadelos.

     

    – Tudo isso impactando no inchaço das periferias, causando o aumento da violência, do tráfico e uso de drogas, consequências da corrupção que desvia recursos públicos, violando direitos, negando políticas públicas, sobretudo de saúde e educação, em pequenas e médias cidades;

     

    Anunciamos que pulsa no povo maranhense uma capacidade impressionante de resistência através da criatividade, da organização, da riqueza cultural, do fortalecimento e reconhecimento das identidades, das espiritualidades e da sabedoria. Somos um povo empobrecido pelas estruturas políticas e econômicas e sociais do Estado, mas um povo rico de vida, de natureza, de cultura e de inteligência e podemos afirmar que o Bem Viver já existe e está presente em muitas experiências, como a autogestão dos territórios, caso do povo indígena Ka’apor e Território Quilombola Rio do Curral, as experiências de economia solidária visibilizada na forca e garra das quebradeiras de coco, a retomada de territórios tradicionais, como do quilombo Charco e Quilombo Cruzeiro, a organização e articulação em teias e diversas redes de povos indígenas, geraizeiros, sertanejos, ribeirinhos, pescadores, quilombolas, quebradeiras de coco, extrativistas e assentados na partilha dos teres e dos saberes. Tudo isso se constitui como o Reino de Deus acontecendo entre nós.

     

    Conclamamos a todos e todas que continuem firmes na luta pela terra, pelas águas e por todos direitos que garantem a dignidade de filhos e filhas de Deus; que denunciemos com coragem as estruturas geradoras de exclusão e desigualdades e não nos calemos nunca diante da injustiça, da violência e da morte; que sejamos capazes de assumir junto com os empobrecidos a defesa da vida e construção da sociedade do Bem Viver.

     

    Que saibamos viver os princípios e valores da solidariedade, da reciprocidade, da acolhida, do respeito, da pluralidade, da construção coletiva e da igualdade nas nossas praticas cotidianas.

     

    "Tire as sandálias, pois este chão é sagrado" (Ex 3, 5)

     

    Chapadinha – Maranhão, 18 de outubro de 2015

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  • 22/10/2015

    Indígenas de SC repudiam afirmação de deputado Colatto de que eles são favoráveis à PEC 215

    As três etnias indígenas que vivem em Santa Catarina divulgaram hoje uma Carta Aberta à População em que repudiam declaração do deputado Valdir Colatto (PMDB/SC) de que os povos indígenas do estado estariam apoiando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, cujo Parecer substitutivo pode ser votado pela sua Comissão Especial na semana que vem. A declaração foi feita na reunião de ontem (21), durante uma reunião da Comissão. Hoje, Xokleng, Kaigang e Guarani lançaram uma carta aberta.

     

    Leia aqui a Carta Aberta à População

     

    Nós, os povos Xokleng Laklãnõ, Kaingang e Guarani, as três etnias que ainda resistem em Santa Catarina, vimos por meio desta nota repudiar veementemente as declarações do deputado Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, que tem expressado em vários espaços serem os indígenas desse estado favoráveis à PEC 215. Isso é uma mentira! Esse senhor não representa a nenhum de nós.

     

    Ora, uma rápida olhada na página pessoal do deputado Valdir Colatto (http://valdircolatto.com.br) e já se pode perceber a quem ele representa: o agronegócio, muito bem retratado na imensidão verde que enche a tela. Colatto, ao longo de sua vida parlamentar sempre representou esses interesses, tendo, inclusive, sido fundamental na articulação para a aprovação do Código Florestal Brasileiro, outra pauta bastante cara aos latifundiários.

     

    Em Santa Catarina, o povo Xokleng Laklãnõ vive em estado de abandono, tendo de realizar lutas gigantescas para garantir seu território, o qual já foi em grande parte subtraído por conta da Barragem Norte. Cotidianamente precisa batalhar pela sobrevivência como se não fossem os legítimos donos de suas terras.

     

    O povo Kaigang, que vive na região oeste, ainda mais distante do centro do poder, vivencia os mesmos problemas, ainda lutando pela demarcação de seu território, por políticas públicas, pela manutenção da cultura. Esquecidos pelos governos, eles resistem, impedindo que floresça a lógica de negação de direitos imposta pelos fazendeiros locais.

     

    O povo Guarani, igualmente, padece por conta da demora de demarcação de seu território enquanto enfrenta a ira dos grandes proprietários, sofre com o preconceito e a discriminação, enfrenta a violência cotidiana, com ameaças e agressões e vivencia uma sistemática campanha de desmoralização por parte da mídia catarinense.

     

    Essa dramática situação a que estão submetidos os povos originários de Santa Catarina não permite que qualquer um de seus membros seja favorável a essa proposta de mudança na Constituição. Deixar a decisão sobre as demarcações na mão dos parlamentares, que são visivelmente representantes do agronegócio, do latifúndio, dos poderosos, seria a mesma coisa que assinar a sentença de morte dos povos indígenas no Brasil.

     

    Assim, como todos os demais parentes indígenas de todo o Brasil, nós, de Santa Catarina, nos posicionamos radicalmente contra a PEC 215 e repudiamos a palavra do deputado Valdir Colatto. Esse senhor não nos representa e não o autorizamos a falar em nosso nome.

     

    Que vivam as comunidades Indígenas! Respeito, Demarcação e Justiça!

     

     

    Santa Catarina, 22 de outubro de 2015

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  • 22/10/2015

    Ordem de despejo de Guaiviry (MS) foi suspensa pelo STF no final da tarde de ontem (21)

    Cerca de 150 indígenas Kaiowá e Guarani do tekoha ("lugar onde se é") Guaiviry, no município de Aral Moreira (MS), fronteira com o Paraguai, puderam dormir em paz pelo menos nesta última noite, sem o risco de serem despejados de modo violento, como tem acontecido recorrentemente no estado. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, deferiu a Suspensão de Liminar 929 no final da tarde desta quarta-feira (21), suspendendo, deste modo, a reintegração de posse que seria realizada amanhã (23), segundo a Polícia Federal havia informado a Fundação Nacional do Índio (Funai). A forte base de operações policiais montada para executar o despejo de Ñhanderu Marangatu, suspenso na madrugada desta quarta-feira (21) também pelo STF, permanecia montada na cidade de Antônio João, segundo informações de movimentos sociais que estiveram presentes no local ontem. Como a posição dos Guarani e Kaiowá era de não abandonarem sua terra tradicional, os conflitos eram iminentes.

     

    Segundo informa Ava Apika Rendy Ju, uma das lideranças da retomada, os indígenas permanecerão na área, mesmo com o ataque policial [leia o depoimento na íntegra, ao final da matéria]. Em nota técnica, a Funai afirmou temer "risco de óbitos decorrentes de um possível conflito entre índios e policiais, tal como no caso da reintegração de posse em que veio a óbito o indígena Oziel Terena", e informou que, do total de moradores de Guaiviry, 68 delas são crianças e jovens menores de 18 anos, e 14 são idosos.

     

    Em junho, os indígenas retomaram as fazendas Água Branca e Três Poderes, que incidem sobre o território reivindicado. Os proprietários das duas fazendas entraram com pedidos de reintegração na 1a Vara de Justiça Federal de Ponta Porã que, então, determinou a retirada dos Kaiowá em ambas as propriedades.

     

     

    Histórico

     

    Entre 2005 e 2011, os indígenas realizaram diversas tentativas de retomar parte de seu território originário. Em novembro de 2011, o rezador Nísio Gomes foi assassinado a tiros durante tentativa de expulsão dos índios de área ocupada. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 19 pessoas pelo ataque – entre eles, fazendeiros, advogados e um secretário municipal, além de proprietário e funcionários da Gaspem, empresa de segurança privada. Após o ataque, a comunidade conquistou 79 hectares, onde viviam 66 famílias.

     

    No dia 24 de junho deste ano, em protesto contra uma decisão da Justiça Federal que negava pedido de danos morais coletivos contra o proprietário Gaspem, Aurelino Arce, as famílias de Guaiviry ocuparam as fazendas Água Branca e Três Poderes, que incidem sobre o território reivindicado.

     

    Suspensão

     

    Horas antes da polícia iniciar o despejo de cerca de mil indígenas do tekoha Ñhanderu Marangatu, em Antônio João -, a ministra do STF Carmen Lúcia acatou pedido da Funai de suspensão da liminar de reintegração.

     

    Em agosto, cerca de 500 indígenas iniciaram a retomada de cinco fazendas que incidem sobre o território tradicional de Ñhanderu Marangatu. A resposta dos proprietários das fazendas foi brutal: armados, e sob ordem de uma fazendeira local, Roseli Maria Ruiz Silva, atacaram brutalmente os indígenas, culminando na morte de Semião Vilhalva, jovem Kaiowá de 24 anos, com um tiro na cabeça.

     

    Comitiva

     

    Para tentar garantir que confrontos como o da fazenda Buriti, no Pantanal, onde durante reintegração de posse, em 2013, foi assassinado o indígena Oziel Terena, uma comitiva de entidades de direitos humanos e movimentos sociais foi formada para acompanhar as reintegrações. Eles também buscam coletar informações para possíveis denúncias de violações junto a organismos internacionais de direitos humanos.

     

    Além de representantes indígenas do Conselho da Aty Guasu (Grande Assembleia Kaiowá e Guarani) e do Conselho Terena, fazem parte do grupo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Via Campesina, Comissão Pastoral da Terra (CPT), CDDH, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cebi, Coletivo Terra Vermelha (CTV), Copai/OAB, Renap, Marcha Mundial das Mulheres, Levante, Cedampo e Tribunal Popular da Terra (TPT-MS). O grupo continuará acompanhando as próximas reintegrações de posse, e estará presente na próxima sexta, em Guaiviry.

     

    Depoimento de Ava Apika Rendy Ju, liderança de Guaiviry

     

    A comunidade do Guaiviry, quando soube da decisão do despejo, decidiu permanecer lá. E o recado é o mesmo de sempre: que ninguém vai sair de lá, vai permanecer. E vai morrer tudo lá. Quem for fazer o despejo, é pra matar todo mundo: cachorro, gato, pra nenhuma pessoa sobreviver. Porque se deixar uma, duas pessoas, essas pessoas sofreriam muito a perda de todas as outras. Então a decisão é que, morrendo todo mundo, ninguém ia ficar sobrando pra sofrer a dor da perda dos parentes.

     

    Nós temos a visão de que aquela terra nos pertence desde o início. E que a terra tem um significado diferente do que tem o significado para o capitalismo, que você só produz dinheiro sobre a terra.

     

    Para nós, tem outro significado, que são os matos, as caças, banho de água na cachoeira; quando você vai plantar em nome de Jaikará [o deus do milho, para os Kaiowá], quando você vê a estrela do céu, isso tudo é a vida na terra. É muito ampla e fora do que você entende por dinheiro. Isso é o que se chama vida. E entre nós, Guarani e Kaiowá, sempre conseguimos viver em harmonia com eles, sem agredir eles e sem eles nos agredir.

     

    São Paulo é a prova disso. Agora tem escassez de água, de chuva. E o Rio Grande do Sul com as inundações, isso por quê? Porque a maior parte da exploração desses lugares, da terra, ali a terra e a vida foram ofendidas e agora elas estão respondendo isso desse jeito. E quem sofre mais são os pobres e não os ricos que exploraram a terra. Quando a gente pensa nesses lugares e nessas situações, a gente percebe o que o Guaiviry representa para nós Guarani e Kaiowá.

     

    Então a gente diz que defender esse direito de vida, não é defender para o grupo de pessoas ali do Guaiviry. É contemplar a vida de todo mundo. Porque se salvar o Guaiviry a gente salva a água embaixo da terra que está lá, os animais, tudo que possa procriar de novo, recuperar as plantas que estão sendo extintas.

     

    Então isso da gente defender o Guaiviry, dar a vida, defesa com o nosso próprio sangue, dar a vida do nosso próprio filho, da mulher se sacrificar, é pro bem de tudo, é o bem do futuro, de todos.

     

    Queria que isso fosse entendido por pessoas que vivem dentro da cidade e às vezes não tem noção de onda mora e nem do que está ao redor, porque está num prédio cercado de mais prédio de mais prédio.

     

    Quando você chega no Guaiviry, todas as crianças ficam felizes, pulando, cantando. Se você chega numa criança urbana você vai ver o quê? Pra ficar feliz tem que levar no parque de diversões, que é uma ilusão, porque você leva o filho lá e não se diverte tanto. Ou você vai levar no zoológico pra conhecer os animais.

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