• 09/12/2015

    Em Brasília, indígenas manifestam-se contra Matopiba, usinas hidrelétricas e a PEC 215

    Cerca de 200 indígenas dos povos Munduruku, do Pará (PA), e Xerente, Krahô, Ava-Canoeiro, Kanela de Tocantins, Karajá de Xambioá e Apinajé, do Tocantins (TO), realizaram diversas manifestações ontem em Brasília. Entre cantos e rituais, munidos de várias faixas, os indígenas manifestaram-se nos Ministérios da Agricultura e de Minas e Energia e no Congresso Nacional. Dentre as pautas, a luta pela demarcação das terras indígenas e contra o projeto de expansão da fronteira agrícola Matopiba, contra a construção de usinas hidrelétricas em terras indígenas e contra a brutal Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.

    Pela manhã, os indígenas dirigiram-se ao Ministério da Agricultura. Lá, a principal reivindicação era o repúdio ao Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do Matopiba, que prevê a expansão da fronteira agrícola em áreas dos estados do Maranhão (MA), Piauí (PI), Bahia (BA) e do Tocantins (TO). Segundo dados da Embrapa, o Matopiba deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

    O PDA Matopiba, que foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, preocupa os indígenas do Tocantins – estado sob influência política da Ministra da Agricultura, a ruralista Kátia Abreu, e proporcionalmente o mais atingido pelo projeto.

    Uma semana atrás, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da região do cerrado assinaram uma carta aberta na qual afirmam que o PDA Matopiba vai impactar agressivamente o bioma Cerrado, além de desconsiderar e invisibilizar dezenas de povos que, há anos, buscam a regularização de suas terras, aumentando a grilagem e a violência física e psicológica já existentes contra as populações do Cerrado (clique aqui para saber mais).

    “A gente está aqui, todo mundo junto, justamente falando sobre a PEC 215 e o Matopiba. Porque esses dois projetos, passando, vai ser todo mundo prejudicado. Até os bichos, as caças, os peixes, vai ser todo mundo prejudicado. Porque vai acabar as matas, acabar os rios, e estamos fazendo essa manifestação para o governo ver que a gente ainda existe”, afirma Gercina Krahô, uma das lideranças dos povos indígenas do Tocantins presentes em Brasília.

    “Nós somos brotos, nós somos sementes da terra e não queremos que esses projetos grandes passem, porque eles vão prejudicar nossos netos, nossos tataranetos. Estão desmatando tudo, as aves estão indo embora. E a gente pede pro governo parar de fazer isso, para de desmatar, parar de jogar veneno. Porque a gente não vive através de veneno, a gente quer uma vida boa. O governo tem que nos respeitar, que nós somos os primeiros donos do Brasil”, complementa a liderança do povo Krahô.

    “O Matopiba acaba com nossas nascentes e nossos rios”, dizia uma das faixas assinadas pelos povos indígenas do Tocantins. “Não ao Matopiba”, “Fora Kátia Abreu”, “Não à PEC 215” eram as manifestações de outras faixas e cartazes, evidenciando a posição dos indígenas contra as propostas de devastação do cerrado e de inviabilização das demarcações de terras indígenas.


    A luta por Sawré Muybu

    De tempos em tempos, o grito tradicional do povo Munduruku, “Sawe!”, era ouvido por onde os indígenas passavam. A união entre os povos na luta contra os projetos anti-indígenas do Congresso e do Planalto fez da expressão de apoio, específica da língua do povo indígena Munduruku, um grito de guerra comum entre os diversos povos presentes em Brasília.

    Depois da manifestação em frente ao Ministério de Kátia Abreu, os indígenas passaram pelo Congresso Federal e rumaram ao Ministério de Minas e Energia, onde representantes dos povos Munduruku e Xerente participaram de uma reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), para denunciar a situação de descaso com os direitos indígenas na construção de usinas hidrelétricas.

    “Reivindicamos que a barragem seja no Congresso!”, dizia um dos cartazes empunhados pelo povo Munduruku, que sofre atualmente com os projetos do governo federal para a construção de usinas hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós.

    Quarenta grandes barragens já estão em construção ou planejadas para a bacia, e uma das prioridades do governo federal é a usina de São Luiz do Tapajós. Ela está em processo de licenciamento ambiental e incide diretamente sobre a Terra Indígena de Sawré Muybu, do povo Munduruku, próxima à cidade de Itaituba, no oeste do Pará.

    Desde setembro de 2013, o relatório que identifica e delimita a terra indígena dos Munduruku está pronto, na mesa da presidência da Funai. Mas, para não atrapalhar os grandes interesses financeiros que a usina de São Luiz do Tapajós envolve, o processo de demarcação não avançou, criando uma situação de risco enorme para o povo indígena. Em função da morosidade da Funai e da opção política do governo federal por paralisar as demarcações de terras indígenas, o povo Munduruku resolveu fazer a autodemarcação de seu território.

    “Quando vimos o mapa da nossa terra, tomamos a decisão de fazer a autodemarcação. Porque o governo não quer demarcar, a Funai não quer publicar o relatório, mas por nós ela está demarcada. A nossa terra já está com o relatório pronto, e a nossa vinda também é para falar com o presidente da Funai. Já faz três anos que está na mesa dele, pronto, e nós queremos saber porque até agora ele não publicou”, diz Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu.

    Para o povo Munduruku, a luta contra as usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós é central para garantir a sua sobrevivência. “Eu tenho certeza, e a gente tem fé em deus, que isso não vai ser construído. Estamos lutando e fazendo alianças com todos os povos para que isso não aconteça. Há poucos dias, vimos a barragem que rompeu aqui em Mariana, e isso chocou o Brasil inteiro. Então, não pode fazer igual lá. Deus fez o rio, não foi pra destruir, foi pra gente cuidar dele, dos rios e das florestas. Foi pra isso que Deus fez o rio, não foi pro governo destruir”, afirma o cacique Juarez.


    Na reunião da CNPE, os Munduruku entregaram uma carta destinada ao Ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, na qual denunciam que as ações do governo federal para construir hidrelétricas que afetam povos e terras indígenas foram feitas sem consulta a estes povos, o que fere a Constituição Federal e a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (clique aqui para ler a carta na íntegra).

    Após a pressão frente aos ministérios do governo federal, os indígenas partiram para o anexo dois da Câmara dos Deputados, onde transcorreria a CPI da Funai. Os cerca de 200 indígenas das delegações do Pará e do Tocantins foram impedidos de entrar, sob a justificativa de que já havia outros indígenas acompanhando a sessão.

    Após negociações, um pequeno grupo foi autorizado a entrar, mas a grande maioria teve sua entrada proibida. Assim, enquanto, do lado de dentro, os mesmos ruralistas que aprovaram a PEC 215 na Comissão Especial, em outubro, comandavam uma CPI voltada a liquidar com seus direitos, os indígenas ficaram do lado de fora, fazendo cantos e rituais.


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  • 08/12/2015

    O Brasil indígena se mobiliza

    Um ano de intensas mobilizações e lutas vai chegando ao fim. Os povos indígenas de todo o país fizeram de Brasília um de seus principais campos de luta. Mais de 20 delegações de povos originários de todo o país, vieram para a guerra contra a PEC da morte e do genocídio, a 215, e outras ações que visam tirar direitos indígenas. Foi uma intensa construção de união, alianças e articulações entre os povos, formação política na luta e exigência de seus direitos.

    Durante essa semana, 170 lideranças dos estados do Tocantins e do Pará estarão diariamente em Brasília numa intensa agenda de caminhadas, reuniões, manifestações públicas, cobranças em ministérios, depoimentos em audiências públicas, presença em auditórios do Supremo Tribunal Federal. Estarão protocolando documentos, fazendo rituais, visitando gabinetes. Tudo com um mesmo objetivo: denunciar as ameaças que pesam sobre suas vidas e territórios como a PEC 215, o PL 1610, portarias e medidas provisórias que visam impedir a demarcação dos territórios indígenas e abertura das terras demarcadas à exploração dos recursos naturais, hídricos (hidrelétricas no rio Tapajós), infraestrutura, agronegócio (MATUPIBA) e uma infinidade de iniciativas do grande capital ávido de invadir e explorar as terras indígenas.

    Conjuntura turbulenta

    Esse final de ano promete. A tentativa de afastar Dilma de suas funções está na mesa. Na mesa da Câmara, Cunha esperneia, jurando inocência, de pés juntos. Já no Senado, Calheiros está sentado em incômoda cadeira, fazendo de contas que não é com ele. Tem quem queira trabalhar até no recesso e tem quem gostaria de ter recesso o ano inteiro. São os contrastes e contradições de uma democracia capenga, movida a milhões em bancos do exterior e no interior do combustível, via Petrobras. Mas se Deus é brasileiro, e as olimpíadas são apenas no ano que vem, podemos dormir um sono sossegado, que nenhum jato ou lama haverá de nos perturbar.

    Já os povos indígenas, que não podem ser culpados pelo atual descalabro, nada têm a esperar. O agronegócio e suas commodities, os ruralistas e suas ganâncias desmedidas, que lhes garantem uma eterna Paris, querem fazer avançar seus batalhões em múltiplas direções. Gostariam de ter sua estimada PEC 215 aprovada pelo Congresso. Foram tão combativos contra os índios, e o mínimo que esperavam era um pacote de Papai Noel com 215 velinhas.

    Os povos indígenas não arredaram o pé de Brasília no decorrer de todo o ano. Foram lutas lindas, juntando o Brasil raiz do Pernambuco resistente ao Xingu insurgente. Dos Kayapó aguerridos aos povos do cerrado e da Amazônia. Dos professores indígenas aos indígenas nas universidades. Juntos construindo união e força na luta. Exigiram respeito, mostrando dignidade. Avançaram em alianças, especialmente com os povos e comunidades tradicionais. Ergueram a bandeira da ecologia provando sua política de preservação ambiental, na prática.

    Denunciaram as violências de que são vítimas em inúmeros fóruns e tribunais nacionais e internacionais. Exigiram o cumprimento da Constituição não permitindo nenhum retrocesso ou supressão de direitos. “Resistiremos até o último índio”.

    Os Krahô e Apinajé se negaram a participar dos Jogos Mundiais Indígenas, realizado em Palmas, TO, no final de outubro. Entenderam que seria uma insanidade participar dos jogos, com tanto dinheiro em jogo, enquanto não existem verbas para demarcar as terras indígenas e seus parentes Kaiowá Guarani estarem sofrendo um verdadeiro genocídio. E esta semana estão em Brasília lutando pelos direitos de todos os povos indígenas do país.

    Gercília Krahô, que recentemente esteve na ONU para defender os direitos dos povos originários desse país e denunciar a omissão do governo brasileiro em demarcar e garantir as terras indígenas, lembrou: “Falei que se não demarcarem as terras indígenas, vamos unir os indígenas de todo o Brasil e do mundo e vamos demarcar nós mesmos”. Antônio Apinajé lembrou que “vamos fazer a nossa parte. Nossa missão aqui é contra a PEC. A aprovação desse projeto irá trazer um grande conflito em nosso país. E nós queremos a paz”.

    “Nesse contexto da Conferência Mundial do Clima, queremos unir o nosso grito ao grito da Mãe Terra. Basta de destruição. Sem a minha vida vocês também não sobreviverão”.

    Às vésperas da Conferência Nacional de Política Indigenista, o governo tem a petulância de propor uma Medida Provisória para acelerar projetos de desenvolvimento, ignorando o próprio órgão indigenista e os povos indígenas. Desfaçatez. Açodamento e ignomínia.

    Muito ritual e muita reza para afastar todos os males.

    Egon Heck – Cimi Secretariado

    fotos: Laila Menezes

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  • 08/12/2015

    Fazendeira que incitou e liderou ataque contra Ñanderú Marangatú depõe nesta terça, 08, na CPI do Cimi

    No último dia 29 de agosto, Roseli Silva encerrou de forma abrupta uma reunião entre fazendeiros e parlamentares ruralistas. Era uma manhã de sábado no município de Antônio João (MS). Dias antes, o povo Guarani e Kaiowá havia retomado áreas tradicionais no interior da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, homologada em 2005. A fazendeira, presidente do Sindicato Rural de Antônio João, afirmou que sairia do encontro para reaver o que era dela, uma fazenda de criação de gado ocupada pelos indígenas. Roseli, porém, não foi sozinha: por ela já esperava um bando empoleirado em cerca de 100 camionetes.

    O resultado da incitação à violência foi um ataque covarde, acompanhado de perto pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e pelo deputado federal Luiz Henrique Mandetta (PSDB/MS). Uma criança de colo levou um tiro de bala de borracha (foto), de uso restrito da polícia. Enquanto procurava o filho pequeno no meio do alvoroço provocado pela ofensiva, Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá foi atingido no rosto por um tiro disparado do local em que estavam os homens liderados por Roseli. Morreu no local. Uma emissora de televisão filmou todo o desenrolar da história e chegou a ser impedida de prosseguir com o trabalho, já durante a invasão, tendo um cartão de memória da câmera retido por fazendeiros.

    Nesta terça-feira, 08, pouco mais de três meses depois da morte de Semião, Roseli irá prestar depoimento à CPI do Cimi, a partir das 14h30 (fora do horário de verão), na Assembleia Legislativa do Mato grosso do Sul – assista aqui. A fazendeira foi convocada por um pedido articulado pela dupla de deputados ruralistas Mara Caseiro (PTdoB), presidente da CPI, e Paulo Corrêa (PR), relator da comissão. O depoimento de Roseli, conforme o apurado junto a assessores parlamentares, será induzido por Mara e Corrêa como a de uma testemunha e vítima do Cimi. Tal estratégia ruralista não é novidade na CPI, depondo uma vez mais para a falta de lisura e isenção dos trabalhos da comissão.  

    Mesmo com todas as provas de que Roseli incitou e liderou o ataque contra os Guarani e Kaiowá, que culminou na morte de Semião, a fazendeira não foi responsabilizada e punida – o ataque de 29 de agosto não foi o único liderado por Roseli. Sem sucesso na primeira empreitada violenta contra os indígenas, dias depois Roseli liderou novo ataque. Dessa vez ela e mais um bando armado conseguiram entrar na sede da fazenda, à noite. Os indígenas correram para se proteger, mas não saíram da área.

    Apenas depois de todos esses acontecimentos, um pedido de reintegração de posse para quatro fazendas incidentes em Ñanderú Marangatú foi feito à Justiça Federal, que concedeu a liminar. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, a suspendeu por decisão da ministra Carmem Lúcia, em meados de outubro. O pedido de despejo dos indígenas foi arquitetado pela advogada Luana Ruiz Silva, filha de Roseli. Luana conduz sua atividade profissional no campo do ruralismo, fazendo uso de mentiras e calúnias contra o Cimi. Tornou-se uma ferrenha opositora à demarcação de terras indígenas. Durante as sessões da CPI do Cimi, é comum ver Luana orientando os assessores de Corrêa e Mara.

    Roseli volta a ameaçar

    Com a suspensão da reintegração de posse, Roseli voltou a ameaçar os Guarani e Kaiowá de Ñanderú Marangatú. Conforme denúncia dos indígenas ao Ministério Público Federal (MPF), a fazendeira teria dito a eles que “iriam pagar por todos os crimes que haviam cometido (sic)”. Na sequência, Loretito Vilhalva foi detido pela polícia em Antônio João por conta de um mandado de prisão em aberto, referente a uma acusação de porte de arma de 2007 – o indígena foi abordado por policiais enquanto caçava. Loretito foi condenado a cinco anos de prisão no regime aberto. No mesmo dia da prisão de Loretito, outros três adolescentes de Ñanderú Marangatú também foram detidos, dessa vez em incursão policial na terra indígena, sob suspeita de terem matado um não-indígena.

    “Loretito precisa ir todos os dias até Ponta Porã para assinar um termo na Justiça de que não fugiu. Os adolescentes não fizeram nada, estavam na aldeia quando esse karaí (branco) morreu na rua (cidade de Antônio João). A gente pergunta: será que isso não é o cumprimento da ameaça da Roseli? Precisa investigar. E também voltaram a atacar nossos acampamentos, justo o de quem: do Loretito, que fica numa fazenda da família da Roseli. Será que não tá tudo ligado?”, analisa uma liderança de Ñanderú – não revelaremos sua identidade por razões de segurança.  

      

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  • 08/12/2015

    Eleitos por misericórdia, enviados para servir

    No dia 8 de dezembro de 2015, festa da Imaculada Conceição e dia do cinquentenário da conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II, o Papa Francisco inicia a celebração de um “Jubileu Extraordinário da Misericórdia”, com a abertura da Porta Santa. O papa aproveita uma antiga tradição judaico-cristã (cf. Lev. 25), que a cristandade celebrou pela primeira vez no ano 1300, para envolver povo e hierarquia na continuidade criativa do Concílio, e para cobrar da Igreja a Missão de anunciar e praticar o “Evangelho da Misericórdia” (EG 188). Ao mesmo tempo pode-se entender esse Ano Santo antecipado ou “extraordinário” como sutil aviso, que o Papa Francisco não conta alcançar, em sua função de “bispo de Roma”, o próximo Ano Santo Ordinário, que seria em 2025.

    Já na Evangelii gaudium Francisco nos avisou: “O tempo é superior ao espaço” (EG 222-225). O tempo significa “processo”, “transformação”, “saída”, “kairós”, “Igreja acidentada, ferida, enlameada”. O espaço, porém, significa “poder”, “colonização”, “latifúndio”, “escravidão”, “desigualdade”, “Igreja – Cidadela privilegiada” ((Misericordiae vultus/MV, 4). O Ano Santo procura recuperar o horizonte do bem viver e interromper os vícios do espaço.

    Maria, a misericordiosa desatadora dos nós

    Em 1986, por ocasião de sua estadia de alguns meses na Alemanha, o então Jorge Mario Bergoglio descobriu em Augsburg, na Igreja dos jesuítas de São Pedro, o original da imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós. Logo, Bergoglio tornou-se um eficiente divulgador e adepto dessa devoção à qual até então ninguém deu a mínima atenção. Através da imagem de “Maria Desatadora dos Nós”, Francisco transformou a imagem da “Puríssima” (em Cuba) e da “Imaculada Conceição”, cujo olhar é voltado ao céu, em mulher do povo. A “Desatadora dos Nós” olha sempre para os que vieram da grande aflição e pedem “sua mão” para desatar o emaranhado de nós de sua vida. A Desatadora dos Nós nos aguarda na “Porta da Misericórdia” (MV 3), não em Roma para conseguir, ex opere operato, uma “indulgência plenária” e animar o comércio local. A “Porta da Misericórdia” encontramos aberta sempre quando alguém “rompe a barreira de indiferença” (MV 15) “nas mais variadas periferias existenciais”.

    Deus olhou nele com misericórdia

    Desde jovem estudante, o Papa Francisco se achou guiado pela misericórdia de Deus. Seu escudo de bispo e papa resume essa experiência de Deus misericordioso em sua vida: “Olhou-o com misericórdia e o escolheu” (miserando atque eligendo). É na casa de Mateus, cobrador de impostos e marginal social, que Jesus defende a misericórdia para com publicanos e pecadores contra o rigorismo dos fariseus: “A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia” (EG 112), “revelada por Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos comunica a misericórdia infinita do Pai” (EG 164).

    A misericórdia não substitui a justiça, mas a ultrapassa: “Jesus vai além da lei, a sua partilha da mesa com aqueles que a lei considerava pecadores permite compreender até onde chega a sua misericórdia” (MV 20). Segundo Santo Agostinho, “é mais fácil que Deus contenha a ira do que a misericórdia” (MV 21).

    A missão dos eleitos, de Davi e Pedro, de Paulo e Agostinho não aconteceu por causa de seus méritos, mas por causa da misericórdia de Deus. O povo de Israel compreendeu a Lei como Dom do amor de Deus, não como castigo. A misericórdia é uma herança da “espiritualidade judaica do pós-exílio que atribuía um especial valor salvífico à misericórdia” (EG 193).

    Pecado irreversível?

    Já nos primórdios do cristianismo surgiu a questão do pecado irreversível, que deveria ser castigado com exclusão da comunidade cristã e sem possibilidade de uma intervenção misericordiosa. No caso dos batizados, que cometeram um pecado grave, a Igreja optou pela não exclusão desses batizados impondo-lhes uma prática penitencial que permitiu uma posterior reconciliação com a comunidade. Mas, até o início do Vaticano II, havia também casos de exclusão definitiva, seguindo a definição da Bula Cantate Domino, do Concilium Florentinum, de 1442. Esse concílio definiu, “que ninguém que vive fora da Igreja Católica, nem pagãos, judeus, heréticos ou cismáticos participarão da vida eterna, mas que irão para o fogo eterno `que é preparado para o diabo e seus anjos´ (Mt 25,41)”. Recentemente, nas discussões sobre a acolhida dos divorciados na comunhão eucarística, o Sínodo sobre “A Vocação e a Missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo” (2015) revelou divergências profundas.

    Para estabelecer um consenso possível nessas questões, que são sobretudo de ordem cultural, o Papa Francisco propôs a realização de um Ano Santo da Misericórdia e deu para entender, que somente a sinodalidade como modus operandi e a misericórdia, como modus vivendi nos areópagos e nas periferias de hoje, seriam capazes de propulsionar a “conversão pastoral”. Conversão pastoral significa transformação missionária da Igreja e a Igreja missionária, por sua vez, é uma “Igreja em saída” (cf. EG 20-33), simbolizada pela porta aberta. Na “Porta da Misericórdia” se manifesta a onipotência de Deus (cf. EG 37). Em sua onipotência, Deus se faz pequeno como no presépio e na cruz.

    Retomar o Vaticano II e a missão

    Alguém poderia perguntar: “O que o cinquentenário do final do Concílio tem a ver com a misericórdia”? Francisco responderia, provavelmente, com as palavras de João XXIII: “Nos nossos dias, a Esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade” ou com as palavras de Paulo VI: “Desejamos notar que a religião do nosso Concílio foi, antes de mais, a caridade” (MV 4). A comunidade missionária precisa constantemente aprender de Deus o “desejo inexaurível de oferecer misericórdia”, de “tomar iniciativa sem medo”, de “procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (EG 24).

    Ao abrir o portal do Ano da Misericórdia em nossas comunidades vamos reconhecer, novamente, a nossa identidade mais profunda como liberdade e solidariedade. A liberdade na porta aberta do centro nos impulsiona para a solidariedade na periferia. E o encontro nas periferias humanas é o início de uma aliança da misericórdia que nos faz reconstruir um mundo sem centro e sem periferia.

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  • 07/12/2015

    MPF vai investigar possível tentativa de envenenamento de crianças indígenas em Mato Grosso

    O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para apurar a possível tentativa de envenenamento de crianças indígenas do povo Bororo que vivem na Terra Indígena Jarudore, no município de Poxoréo, em Mato Grosso.

    Os primeiros relatos de possível tentativa de envenenamento chegaram ao Ministério Público Federal na manhã de sexta-feira (04/12) de forma fragmentada, e, em reunião com a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi decidido que os agentes da fundação indígena deveriam ir até o local para uma diligência.

    Lá, a Funai constatou-se que peixes possivelmente envenenados foram deixados, por pessoa ainda não identificada, perto da porteira da aldeia indígena, exatamente no local onde as crianças da aldeia esperam por ônibus escolar. Ao redor dos peixes foram encontradas dezenas de besouros e moscas mortos.

    O Ministério Público Federal colheu o depoimento dos indígenas que informaram que nenhuma criança se alimentou do peixe, mas cinco cachorros da aldeia, além de alguns animais silvestres (tatu e serpente), morreram com suspeita de intoxicação depois de terem contato com o peixe.

    Por volta das 20h, desta sexta-feira, o Ministério Público Federal acionou a Polícia Federal em regime de plantão para imediata instauração de inquérito policial e realização de perícia e adotou outras medidas pertinentes à preservação dos vestígios. Na manhã de sábado (05/12) os peritos criminais federais estiveram na Terra Indígena e o trabalho técnico está em andamento.

    Além do inquérito policial, o fato também será objeto de apuração própria por parte do Ministério Público Federal, que externa a sua total confiança na atuação da Polícia Federal e da Funai para, em cooperação com o MPF, identificar os responsáveis pelo ato hediondo.

    Segundo o procurador da República Paulo Taek, o Ministério Público Federal reafirma a sua missão constitucional de defender a minoria perseguida, e repudia veementemente o ocorrido. Alguns suspeitos já foram identificados, e haverá exaustiva investigação para que nenhum partícipe do crime fique impune. De acordo com o procurador, "o ocorrido mais uma vez fortalece a convicção do MPF de que a desintrusão da Terra Indígena Jarudore, com a retirada dos invasores não-indígenas, seja uma medida essencial e a única forma de garantir a sobrevivência do povo Bororo que nela desenvolve a sua vida".

    Desintrusão – Atualmente, a Aldeia Nova Jarudores, na Terra Indígena Jarudore, ocupa sete hectares e conta com população de aproximadamente 25 adultos e 50 crianças. A situação de instabilidade e insegurança na área demarcada levou muitos indígenas e deixarem a região aguardando a desintrusão para iniciarem um movimento de retorno ao território tradicional.

    A área de ocupação tradicional dos índios Bororo, inicialmente reconhecida por Marechal Cândido Rondon, tendo 100 mil hectares foi reduzida a 6 mil hectares por decreto do Governo de Mato Grosso. Em 1950, o território foi demarcado e oito anos depois registrado com uma extensão de 4.706 hectares.           

    Oito meses depois do registro, o município de Poxoréo aprovou a Lei Municipal nº 1.191, em dezembro de 1958, criando o Distrito de Paz de Jarudóri, com área de 142,8 mil hectares, sobrepondo-se completamente sobre o território indígena e passou a incentivar a sua ocupação por não-indígenas, concedendo-se terras. A situação levou o MPF a propor uma Ação Civil Pública pedindo a desocupação dos não-índios que permaneciam na área pertencente aos Bororo.

    Recentemente uma decisão da Justiça Federal determinou a desintrusão parcial da terra indígena, determinando a saída de três não-indígenas. A decisão, quando cumprida, restituirá à posse dos bororos uma área de 700 hectares, permitindo desenvolvimento de atividade agropastoril e sobrevivência.

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  • 07/12/2015

    Indígenas ocupam polo base da Sesai em Cacoal (RO)

    Desde a última quarta-feira (02), cerca de 200 indígenas de 13 povos do Mato Grosso (MT) e de Rondônia (RO) ocupam o polo base da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no município de Cacoal (RO). Os indígenas reivindicam melhores condições e estrutura no atendimento diferenciado à saúde indígena e a troca da coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Vilhena, que abrange partes dos dois estados.

    A ocupação é feita por representantes dos povos Cinta Larga, Surui, Kwazá, Sakirabyat, Apurinã, Mamaindê, Sabanê, Aikanã, Arara e Nambikwara, entre outros. Segundo a liderança Fernandino Kwazá, que participa da ocupação, a principal motivação para a ação dos indígenas é a indignação com a falta de estrutura e a precariedade da situação nas aldeias, no que diz respeito ao atendimento de saúde e ao saneamento básico.

    “Se diz que nossa saúde hoje era para ser diferenciada, mas nós não vemos isso. Tudo demora muito, falta estrutura, falta medicamento. Às vezes viemos para a cidade, buscar atendimento, e acontece de índios dormirem na calçada por falta de leitos”, afirma Fernandino Kwazá, que participa da ocupação. “Nos dizem que não tem medicamento, que precisamos acionar o Ministério Público para conseguir. Já aconteceu de a pessoa vir a óbito e só depois chegar o medicamento ou o resultado do exame”.

    Em outubro, os indígenas da aldeia de Fernandino Kwazá, chamada de Dois Irmãos, na Terra Indígena Kwazá, no município de Parecis (RO), detiveram quatro agentes da Sesai que estavam em visita à comunidade. Segundo ele, a intenção era reivindicar melhores serviços, a construção de um posto de saúde na aldeia e a instalação de encanamento de água.

    “Nossa aldeia não tem posto de saúde e nunca tem material e nem medicamentos para nos atenderem. Cobramos, cobramos e não tivemos resultado. Então, pegamos quatro funcionários, e eles falaram que as obras estavam atrasadas por causa da firma responsável por prestar o serviço. Pegamos então dois funcionários da firma, e eles disseram que a culpa era da Sesai. Por conta da pressão, conseguimos a instalação de uma caixa d’água e do encanamento para a água, mas tivemos que fazer isso com as nossas mãos. Desde então, o serviço não foi concluído”, conta Fernandino Kwazá, que em função dessa ação foi denunciado pelos funcionários e está respondendo a inquérito da Polícia Federal.

    Segundo ele, a principal reivindicação dos indígenas, no momento, é a exoneração da atual coordenadora da Dsei Vilhena, Alda da Silva Uchoa – posição que não é consenso entre todos os indígenas. “Pedimos isso porque nossa relação com a coordenadora atual nunca foi uma relação de diálogo”, afirma Fernandino Kwazá. “Não estamos aqui só para por um indígena no lugar dela, como dizem. Queremos apenas uma pessoa que tenha responsabilidade com a questão e nos trate com um mínimo de carinho e respeito. Já são quinze anos com a mesma administradora e não temos visto nenhuma melhora na saúde, e ainda enfrentamos uma situação de precariedade”.

    A Dsei Vilhena abrange 173 aldeias de 15 povos e uma população de cerca de 7,5 mil indígenas no MT e em RO. Em sua área de abrangência, a taxa de mortalidade infantil indígena era de 38,91 óbitos de crianças menores de um ano a cada mil nascidas vivas em 2013 – mais de 2,5 vezes maior do que a taxa nacional não-indígena, de 15,02 por mil nascidas vivas. Enquanto isso, a taxa média de mortalidade infantil indígena no Brasil em 2013 (último ano em que os dados estão disponíveis) era de 43 mortes a cada mil crianças nascidas vivas, o que evidencia a precariedade e as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas na questão da saúde.

    Segundo Fernandino Kwazá, os indígenas pretendem resistir na ocupação até que suas reivindicações sejam atendidas, e mais povos estão a caminho de Cacoal, distante cerca de 400 km de Porto Velho (RO). “As autoridades nos disseram que até quarta-feira algum parecer seria dado. Caso não aconteça a exoneração, vamos seguir a mobilização e podemos até trancar rodovias”.

    A preocupação com a PEC 215 também é um elemento presente na ocupação do polo base da Dsei. Há cartazes no prédio questionando a Proposta de Emenda Parlamentar ruralista e demonstrando que os indígenas da região acompanham todos os movimentos que acontecem na capital federal. “Estamos nos aliando com os indígenas do estado e do Brasil todo e, daqui, manifestamos nossa indignação”, afirmou Marcelino Kwazá.

    Fotos: indígenas Kwazá

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  • 07/12/2015

    Paulo Corrêa e Mara Caseiro desmoralizam Legislativo do MS com ignorância e manipulações

    Depois que o relator da CPI do Cimi, o deputado ruralista Paulo Corrêa (PR), perguntou ao Dionedson Terena, durante a terceira ou quarta oitiva no plenário da Assembleia Legislativa sul-mato-grossense, o que ele fazia numa Assembleia Terena, ou seja, num encontro do próprio povo, passou a ser possível esperar todo o tipo de asneira por parte dos ruralistas que compõem a comissão – instalada com todos os fatos indeterminados possíveis.

    A sucessão de acusações e calúnias esdrúxulas impressiona e parece longe de um fim: são mais cerca de 50 oitivas pela frente. Junto com a presidente da CPI, a deputada ruralista Mara Caseiro (PTdoB), Corrêa costuma lançar “teses” na CPI, como ele mesmo diz. Não existe imparcialidade ou decoro parlamentar: a dupla transformou a CPI num tribunal de exceção envolto de ignorância e obscurantismo. Corrêa chegou a associar uma quadrilha de não-índios presa em Aral Moreira acusada de produzir ‘indígenas falsos’ – inexistentes -, para o recebimento dos benefícios de aposentadorias, às discussões envolvendo o Cimi e as demandas territoriais indígenas.    

    Nem mesmo o deputado Pedro Kemp (PT), integrante da CPI, pôde questionar a origem de uma gravação usada por Corrêa e Mara como suposta prova contra o Cimi. No áudio há uma fala de cunho pessoal do ex-advogado do Cimi/MS, Maucir Pauletti. Na gravação, o nome da entidade não é citado. Kemp, então, perguntou se houve autorização judicial para a gravação, qual a fonte da suposta prova e se o material possui condições de ser utilizado de forma legal pela comissão. Caseiro o interrompeu seguidas vezes aos gritos, sem responder às perguntas, e dizendo que Kemp estava atacando a idoneidade e a seriedade da CPI.   

    Uma das teses intrigantes de Caseiro e Corrêa é a de que o Cimi possui interesses escusos internacionais, posto que toda terra que a entidade diz ser indígena contém riquezas naturais – caso do Aquífero Guarani, no MS. Terras indígenas são patrimônios da União, sendo o usufruto exclusivo dos índios. De que forma o Cimi articula interesses estrangeiros sobre a riqueza localizada nas terras indígenas lutando para que elas sejam patrimônios da União, sequer os aliados da dupla convocados para depor na CPI conseguem demonstrar.

    Corrêa, em ao menos duas sessões, atacou o fato do procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul Emerson Kalif Siqueira afirmar que o órgão é “uma espécie de advogado dos indígenas”. Além disso, Corrêa tentou manipular o depoimento de Siqueira dizendo que o procurador da República teria dito que o MPF orienta os indígenas a permanecerem nas retomadas.

    O procurador respondeu em nota pública, no final da semana passada. O texto constrange a todos e todas porque demonstra o escárnio que se tornou a CPI do Cimi. Corrêa, mais uma vez, desmoraliza o Poder Legislativo do Mato Grosso do Sul ao demonstrar ignorância de pontos da Constituição os quais a CPI deveria se apropriar. Ataca sem nenhum cabimento o MPF e tenta manipular a declaração de um procurador da República. Tudo fica pior sendo Corrêa o relator da CPI. Nada mais, nada menos: o responsável pelo relatório final da CPI.

    Leia na íntegra a nota do procurador-chefe Emerson Kalif Siqueira:

     

    NOTA DE ESCLARECIMENTO

    O Ministério Público Federal, no cumprimento de suas funções constitucionais, é o órgão responsável, entre outros aspectos, pela garantia dos direitos das comunidades tradicionais. A Constituição Federal é expressa ao estabelecer que é função do Ministério Público “defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas“ (art. 129, inciso V). A Carta Magna ainda impõe ao MP a atribuição de intervir em todos os atos dos processos de que sejam partes os índios, suas comunidades e organizações (art. 232).

    Desta forma, como dito em depoimento à CPI do CIMI, compete ao Ministério Público ajuizar ações para a defesa dos interesses comunidades indígenas, em destaque, os demarcatórios, que afetam todos os demais direitos fundamentais dos índios, como o direito à vida, à saúde e à educação.

    Como defensor constitucional das comunidades indígenas, uma espécie de "advogado dos índios", o MPF deve respeitar as decisões dos índios e orientá-los sobre as consequências jurídicas de suas ações, sem, contudo, intervir sobre a tomada de decisões. Em nenhum momento foi dito no depoimento da CPI do CIMI que o MPF orienta os índios a permanecer nas terras retomadas até sair decisões liminares, sob pena de “perder tudo que fizeram” como dito pelo deputado estadual Paulo Corrêa na sessão parlamentar acontecida no último dia 24 de novembro.

    O que foi relatado, e realmente acontece, é o trabalho do MPF de repassar aos índios, quando questionado, o andamento processual das ações em curso – um dever de transparência da instituição. Com o passar o tempo, os índios começaram a fazer uma avaliação da atuação da Justiça – avaliação pessoal e autônoma – e, com base nela, tomam suas próprias decisões.

    O “equívoco” do deputado foi corrigido imediatamente por este procurador no ato de depoimento à CPI, mas as declarações continuam distorcidas e são veementemente repudiadas.

    Cumpre destacar, que a isenção e a imparcialidade na condução de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é necessária para o bom andamento das investigações, de modo que as conclusões sejam contundentes e verídicas. Ademais, em caso de ocorrência de crimes, cabe à CPI repassar o relatório ao Ministério Público para que o órgão ministerial promova a responsabilidade das infrações apuradas (art.52, II, do Regimento Interno da ALMS), respeitada a independência funcional. 

    Como procurador-chefe da Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul, reforço a intenção e a disposição do MPF em contribuir com as investigações, mas enfatizo a importância do respeito aos membros do Ministério Público Federal e à sua função institucional. 

    EMERSON KALIF SIQUEIRA

    Procurador da República e Procurador-chefe da PR/MS

     

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  • 07/12/2015

    Indígenas Guarani e Kaiowá de Tey’i Juçu lutam contra o despejo de terra já identificada pela Funai

    Pelos estreitos caminhos empoeirados que ligam as casas das mais de 25 famílias que vivem no tekoha – lugar onde se é – Tey’i Juçu, que significa “onde já foi um grande lugar” –, crianças de todas as idades transitam entre passos de dança, cantos e rezas. Esta fanfarra doce e sorridente embala o trabalho dos pais que se concentram nos pequenos roçados coletivos de mandioca, batata, milho e feijão. O canto e os gritos alegres seguem ao longo das pequenas trilhas improvisadas até uma enorme Oga Pissy – casa de reza –, onde os pequenos aprendem os pilares de sua cultura e mantêm acesas as chamas da tradição Kaiowá no Mato Grosso do Sul. São os frutos da vida que despertou e se renovou há pouco mais de um ano sobre o Tey’i Juçu, desde que os Kaiowá e Guarani decidiram retornar ao sagrado território tradicional.

    A harmonia, emanada em manifestações de cultura e vida, está ameaçada – a felicidade destas famílias foi revertida em terror, preocupação e medo. Contra Tey’i Juçu está em vigor uma ordem de reintegração de posse concedida pela primeira instância de Justiça Federal e mantida por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo. Determinados, os indígenas afirmam que não recuarão da decisão de ocupar a terra tradicional. Prevendo a possibilidade concreta do cumprimento da ordem de despejo, reafirmam que não deixarão com vida seu território sagrado. Advertem que caso a Justiça Federal continue dando seguimento ao despejo, estará decretando mais um grande e grave conflito contra o povo Guarani e Kaiowá.

    Na última sexta-feira, dia 04, um oficial de Justiça intimou a comunidade para que as lideranças comparecessem nesta segunda, dia 7, à “reunião de conciliação” na cidade de Dourados. O encontro contará com a presença da Fundação Nacional do Índio (Funai), Polícia Federal e autodeclarados proprietários das fazendas incidentes na terra indígena para decidir o futuro das famílias indígenas. Os Guarani e Kaiowá ocupam cerca de 10 hectares da terra que lhes pertence.

    Tey’i Juçu é uma terra indígena reconhecida pela Funai e cujo Grupo de Trabalho, para identificação e delimitação da área, foi instituído em 2008. O Relatório de Identificação e Delimitação (RCID) foi concluído e aguarda apenas a publicação. Portanto, um despejo significaria, em outras palavras, que todas as famílias da terra indígena estarão pagando com suas próprias vidas por um processo de inércia política do Poder Executivo brasileiro. Há mais de cinco anos o Estado reconheceu o Tey’i Juçu como terra indígena, mas o governo federal não conclui o procedimento administrativo de demarcação.    

    Décadas de violações

    Em agosto de 2014, após mais de quatro décadas expulsos do território tradicional, o grupo de famílias Guarani e Kaiowá do Tey’i Juçu decidiu pelo retorno ao lar ancestral. Ocuparam o tekoha também porque os canaviais estavam engolindo o que restou de mata. Entre o final dos anos 1920 e a década 60, os Guarani e Kaiowá foram sendo expulsos de Tey’i Juçu. À força, foram confinados na Reserva de Tey’i Kue, que faz limite com o território originário reocupado por pelas famílias.    

    Desde o avanço das fronteiras agrícolas na região, o quadro de violência e violações contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul tem se intensificado. Após o assassinato de Denilson Barbosa, em 2013, no tekoha Pindoroky, outro território de retomada localizado ao norte da reserva de Tey’i Kue, Dona Marcelina, matriarca das famílias de Tey’i Juçu, escreveu uma carta de memória ao índio Bento de Almeida Romero, assassinado em 1973 dentro dos limites do território tradicionalmente identificado.

    Na carta, Marcelina desabafa: “Índios são mortos sem piedade e o culpado de tudo isso é o governo, vendendo terra para fazendeiro, para mais poderoso de alta patente, sem pensar nas diversas etnias indígenas atuantes (ocupantes) na região. Espero que este ato de impunidade mude na região local, nos estados e no país onde vivemos”.

    A violência e a impunidade sentidas e narradas por Marcelina em 1973 e revivida pela senhora de mais de 75 anos em 2013, com a morte de Denilson, um entre tantos outros jovens assassinados por fazendeiros na região, acabou por tornar-se ainda mais aguda a partir de 2014, após a reocupação física do território de Tey’i Juçu.

    Ataque imediato

    Um ataque com a utilização de mais de 40 caminhonetes de fazendeiros culminou com a morte da jovem Juliana Venezuela de Almeida (charge acima), cujo corpo foi levado pelos atacantes e jamais retornou. O ato covarde ocorreu logo no primeiro de retomada do Tey’i Juçu. De lá para cá, dezenas de ataques armados e investidas de jagunços foram denunciados pelos indígenas quase que diariamente. Foi encaminhado também para a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília, imagens onde agrotóxicos são jogados sobre as famílias indígenas, o que acarretou em problemas de saúde para várias crianças e idosos de Tey’i Juçu.

    Ava Apyka’y Miri, liderança da comunidade indígena, desabafa: “Estamos pagando com nossa vida por um direito que já está previsto, que o Estado já reconheceu e que nasceu conosco. Não estamos invadindo nada, estamos dentro da terra saqueada de nós, já identificada e que sempre nos pertenceu. Aqui as crianças estão felizes, estão crescendo livres, sem drogas, sem problemas, sendo Kaiowá, vivendo como Kaiowá. Eu peço para as autoridades: por favor, nos deixem em paz. Antes morreremos pelo nosso território porque não sairemos dele de novo, e então pergunto: a polícia matará também estes pequenos ou os levará para longe sem pais nem mães para viverem soltos pelo mundo, mais uma vez entre tantas sem nenhum tekoha?”.   

    Promessa das lideranças

    Ao lado de Tey’i Juçu, separado apenas por uma linha divisória invisível, repousa a Reserva de Tey’i Kue, área criada pelo Estado para liberar os territórios tradicionais Guarani e Kaiowá para a colonização. Atualmente vivem neste reserva mais de 7.000 indígenas. As lideranças do conselho local de Tey’i Kue garantem que se houver o despejo a reserva ira despertar. “Faremos como fizemos já muitas vezes, como em Pindoroky depois do assassinato do Denilson Barbosa”, anunciam as lideranças. “Faremos um chamado geral e iremos todos para dentro do Tey’juçu e lá batalharemos junto com nossos parentes. É uma área já identificada, área tradicional e antiga dos Kaiowá de onde muito de nós que vivemos aqui saímos. Não permitiremos despejo algum por aqui, já prometemos a eles e honraremos nossa promessa”.

    Com a Justiça está a chance de se evitar o pior. Melhor do que mais tantos túmulos como o de Denilson Barbosa, que jazem ao lado das estradas empoeiradas que se estendem adjacentes à reserva de Tey’i Kue. Está nas mãos da Justiça Federal não impedir a vida que corre no riso partilhado das crianças, viventes de uma área já identificada e delimitada como tradicional do povo Guarani e Kaiowá – uma pequena fatia da dívida impagável que o Estado brasileiro tem com este povo.

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  • 04/12/2015

    Movimentos sociais e comunidades tradicionais prestam solidariedade aos Gamela do Maranhão

    Após os indígenas Gamela realizarem a retomada de parte de seu território tradicional, na última semana, no Maranhão, uma série de perseguições, ataques e intimidações tem ocorrido na região recém ocupada pelos indígenas. Na noite de terça-feira, pistoleiros atiraram contra o acampamento, causando desespero entre os indígenas, ainda que ninguém tenha ficado ferido.

    Entre segunda e terça-feira, os indígenas do povo Gamela retomaram duas fazendas sobrepostas a seu território tradicional, as quais eles denunciam por grilagem, com a intenção de pressionar a Funai a abrir o processo para a demarcação de suas terras.

    Há anos, os Gamela vem sofrendo com a grilagem e a destruição de árvores e plantas importantes para sua sobrevivência, como é o caso dos açaizais, e recentemente iniciaram um processo de luta pela recuperação de sua identidade e do seu território.

    Frente a essa situação, diversos movimentos sociais, sindicais e comunidades tradicionais assinaram uma nota em solidariedade à luta dos Gamela. Na nota, mais de 85 povos, associações, movimentos e comunidades afirmam que “a retomada de parte do território tradicional é um ato insurgente, que mexe com grupos que historicamente dominaram e dominam o poder político e econômico naquela região”.

    Os grupos que assinam a nota também repudiam as ações de retaliação iniciadas pelos fazendeiros das duas áreas retomadas, que incluem, além dos disparos já efetuados por pistoleiros, ameaças de morte, aliciamento de jovens com promessas irreais ou precárias de emprego nas cidades, desmatamento dos recursos naturais e destruição de espaços sagrados e simbólicos indispensáveis à sobrevivência física e cultural do povo.

    Além disso, os povos e entidades que assinam a nota exigem da Funai a criação imediata de um grupo de trabalho para o estudo das terras Gamela e do governo do Maranhão, que garanta a segurança dos indígenas neste momento de tensão.

    Amanhã, uma comitiva desses grupos vai visitar o acampamento da retomada, para prestar solidariedade aos indígenas e acompanhar de perto a situação dos Gamela.

    Para ler a nota na íntegra, clique aqui.

    Foto: Rosimeire Diniz/Cimi MA

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  • 04/12/2015

    Presidente do TRF4 recebe lideranças Kaingang do norte do RS

    Representantes de comunidades Kaingang do norte do Rio Grande do Sul foram recebidos quarta-feira (2/12) pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), desembargador federal Luiz Fernando Wowk Penteado. Eles vieram acompanhados de coordenadores de órgãos das Igrejas Católica e Luterana para entregar um documento relatando ao presidente a realidade em que vivem e as principais demandas das aldeias indígenas da região.

    Para Penteado, “é importante viabilizar o diálogo para passar aos demais magistrados as reivindicações das comunidades indígenas”. O presidente do tribunal ouviu atentamente os relatos dos índios que reclamaram da falta de apoio do governo federal e contaram as dificuldades que enfrentam por viver em áreas não demarcadas, localizadas na beira de estradas, sem terras para garantir o sustento das famílias. Logo após o encontro, o desembargador já encaminhou o documento para ser digitalizado e disponibilizado para todos os magistrados do TRF4.

    Direito à terra

    “Queremos que o Estado brasileiro e os juízes entendam que a vida do índio está na terra onde nasceram e cresceram nossos antepassados”, enfatizou o cacique Luis Salvador, da comunidade Kaingang de Vicente Dutra (RS), ao abordar uma das principais reivindicações dos índios: a demarcação de terras.

    Eles entregaram um manifesto ao presidente abordando a preocupação das comunidades indígenas sobre o impacto do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos de ações envolvendo a demarcação de terras indígenas no TRF4.

    O chamado marco temporal, adotado pelo Supremo, somente garante direito à terra para as comunidades que estavam no território na data da promulgação da Constituição de 1988.  Para os líderes indígenas, a decisão do STF é inconstitucional, pois não reconhece a ocupação tradicional dos povos indígenas. 

    Para o cacique Augustin, da comunidade Xingu, próxima de Sarandi (RS), o marco temporal pode ser muito prejudicial se for aplicado em outros julgamentos envolvendo demarcações. “Mesmo não sendo obrigatório usar esse entendimento, a decisão do STF está sendo aplicada em outros julgamentos. Estão esquecendo que estávamos nas terras muito antes de 1988”.

    O representante da comunidade indígena do município de Campo do Meio (RS), Querino Carvalho, de 75 anos, reforçou a importância da ancestralidade  para o presidente, falando em Kaingang, com o auxílio de um tradutor. “Nós sabemos que estas terras do norte do Rio Grande do Sul são nossas, pertenceram aos nossos avôs e bisavôs. Fomos expulsos do nosso lugar”, protestou.

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